quinta-feira, setembro 24, 2009

RUBENS BARBOSA

Uma gestão temerária da crise

O ESTADO DE SÃO PAULO - 24/09/09


O Brasil estava bem na foto quando condenou o golpe de Estado que derrubou o presidente Manuel Zelaya em Honduras, apoiou as sanções contra o governo de facto e as negociações conduzidas pela Organização dos Estados Americanos (OEA) para restaurar a ordem democrática, reconduzindo o presidente eleito ao poder até o final de seu mandato. Tudo dentro da melhor tradição diplomática brasileira.
O comportamento do governo brasileiro no episódio do retorno de Zelaya, no entanto, contraria um dos princípios cardeais da política externa brasileira: o da não intervenção.
Diversas de nossas autoridades vieram a público para esclarecer, sem que ninguém ainda lhes tivesse perguntado, que Brasília nada teve a ver com a logística nem com a escolha de nossa embaixada como o destino ideal para abrigar o presidente deposto. Zelaya e o governo brasileiro têm insistido que o ex-presidente buscou proteção e abrigo na embaixada - não o asilo. O presidente deposto pode, assim, transformar a embaixada em palanque. Por essa razão, o governo hondurenho quer que o Brasil defina o status de Zelaya, pois o instituto de asilo político não permite manifestações políticas do asilado.
Talvez o que aconteceu com Hugo Chávez no golpe de 2002 tenha influenciado a decisão da Venezuela, com o suporte final do Brasil, de apoiar o retorno de Zelaya, na esperança de que ele fosse reconduzido ao poder nos braços do povo. Decididamente, não são claras as motivações do Brasil. Sair de heróis? De salvadores da pátria alheia, da democracia na região?
Sem ter os meios para influenciar numa solução politicamente aceitável, o Brasil conseguiu ser responsabilizado pelo governo de facto por qualquer ato de violência que venha a ocorrer na embaixada. A radicalização das posições poderá levar, no pior cenário, a choques violentos nas imediações da representação, como já ocorreu, com a polícia expulsando manifestantes pró-Zelaya com tiros e bombas de gás lacrimogêneo. Os meios de que dispõe a embaixada para proteger-se são precários e, segundo se anuncia, a representação dos EUA prontificou-se a ajudar na segurança para resguardar os brasileiros e hondurenhos hóspedes do governo do Brasil.
O País conseguiu estar no centro dos acontecimentos. O impasse está instalado e pode ser longo. Resta esperar que o radicalismo em Honduras não se transforme em violência sem controle, que poderá ser debitada à decisão brasileira de hospedar Zelaya. O envolvimento do governo brasileiro é mais um equívoco da política externa. Nessas circunstâncias, se é difícil ver algum ganho para o Brasil, é fácil esperar um sério arranhão em nossa credibilidade.
*Rubens Barbosa foi embaixador do Brasil nos EUA

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