sexta-feira, setembro 11, 2009

ARMANDO CASTELAR PINHEIRO

Homem Primata, Capitalismo Selvagem


Valor Econômico - 11/09/2009

Era sexta-feira no Rio e chovia. Chovia demais. Eu passava pelo Baixo Voluntários quando os Titãs irromperam no rádio do táxi: "Desde os primórdios, até hoje em dia / ... / o homem criava e também destruía / homem primata, capitalismo selvagem". Era uma coincidência irônica: nesse momento eu refletia sobre o debate que tivera mais cedo com empresários na Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais, que versou basicamente sobre o lado selvagem da regulação estatal com que os capitalistas brasileiros, em especial os pequenos e médios, precisam lidar. A "selva de pedra" para eles não era a do capitalismo selvagem dos Titãs, mas a do cipoal burocrático que aumenta o risco e o custo administrativo de empreender.

Dificuldades no acesso ao crédito, alta carga tributária e a insegurança jurídica associada à proteção do meio ambiente foram os temas que dominaram o debate. A falta de crédito para o pequeno e médio empreendedor reflete, além da pequena escala - e, consequente, o alto custo de análise do risco de crédito, inclusive pelos bancos estatais que distribuem os subsídios públicos - o elevado risco de emprestar para essas empresas. Este, por sua vez, tem origem nos altos juros praticados no Brasil, na falta de garantias, na informalidade, e na pouca transparência na contabilidade dessas empresas. Essa escassez de crédito foi agravada pela crise, problema já superado no caso das grandes empresas, mas não no das pequenas e médias, para as quais os bancos continuam reticentes em emprestar, devido à inadimplência ainda alta. Essa situação tende a melhorar no médio prazo, pois a informalidade deve diminuir e a oferta de crédito bancário para essas empresas crescer, conforme as grandes firmas recorram mais ao financiamento externo e ao mercado de capitais e as famílias atinjam um teto no seu comprometimento de renda com o serviço de dívidas.

A carga tributária cresceu sem parar nos últimos dezesseis anos, conforme se equilibrava a estabilidade da razão dívida pública / PIB com um gasto público que cresce o dobro do PIB. Essa escalada tributária deve continuar, já que não há indicação de que o gasto vá desacelerar nem espaço para crescer a dívida. Prova disso é o esforço para reinstituir a CPMF. Novos impostos e alíquotas mais altas nos aguardam no futuro, pelo menos enquanto o brasileiro continuar votando por mais gasto e não se revogar a tirania aritmética que exige que o gasto público seja financiado por impostos, dívida ou inflação.

Os elevados impostos transformam o governo num grande sócio das empresas brasileiras. A presença desse sócio oculto torna o investimento menos rentável para o empresário, estimula a informalidade e reduz o potencial de crescimento do país. Mas a transferência de renda da empresa (e do consumidor) para o governo é apenas parte do drama. Uma carga tributária elevada, calcada em impostos variados e regras instáveis, também gera uma perda social líquida, devido ao custo administrativo de cumprir todas as regras, ao risco de que estas mudem no meio do jogo, e à incerteza resultante da sua aplicação, pelo espaço para arbítrio na hora da fiscalização. É fácil ver que uma empresa pequena deve ter mais dificuldade em administrar esses problemas do que uma grande.

Enquanto os problemas da falta de crédito e da alta carga tributária estão na agenda do empresariado nacional há muitos anos, o da incerteza jurídica causada pelas leis de proteção ao meio ambiente é um tema novo. Em parte, sem dúvida, as reclamações refletem o fato de que é mais caro produzir protegendo o meio ambiente do que sem levar isso em conta. Esse é um custo em que a sociedade resolveu incorrer - corretamente, a meu ver -; lutar contra isso é jogar tempo e dinheiro fora. Uma outra questão, porém, é se a legislação e a sua implementação são consistentes com esse objetivo e se são a forma mais eficiente de atingi-lo. Aqui há bons motivos para crer que a resposta seja não.

Chamo a atenção para dois pontos. Primeiro, a desproporcionalidade de certas sanções, cuja própria severidade acaba sendo disfuncional. É corrente a piada de que caso alguém seja pego fazendo mal a um mico leão é melhor matar o fiscal e responder na justiça por assassinato do que por crime ambiental. Parece-me um erro proteger mais o meio ambiente do que a vida humana.

O zelo punitivo também é ineficiente quando se responsabiliza pessoalmente o funcionário do Ibama pelas licenças ambientais que concede, o que incentiva a procrastinação na sua análise de projetos de investimento. Segundo, a multiplicidade de instâncias fiscalizatórias. Frequentemente para poder investir é preciso passar pela análise ambiental dos executivos federal, estadual e municipal, além do crivo do Ministério Público. Deveria ser suficiente passar pelo exame de apenas uma dessas instâncias. Creio que é necessário mais estudo e discussão sobre a eficiência da legislação ambiental, especialmente quando se tem em conta que a inclinação da sociedade e os incentivos político-eleitorais são no sentido de se endurecer as punições com pouca atenção para a sua funcionalidade. Não basta não destruir, o homem também precisa criar.

Fui a Minas discutir a crise financeira internacional, tema que, para minha surpresa, despertou interesse quase nulo. É mais um sinal de que o Brasil já está deixando a crise para trás, mesmo em um setor tão afetado por ela como o industrial. Por outro lado, as críticas à má qualidade do ambiente de negócios mostram como continuamos marcando passo em eliminar as restrições estruturais que limitam o nosso crescimento. Estamos a pouco mais de um ano de eleições quase gerais, um bom prazo para tentar introduzir esses temas nas discussões, aproveitando a atenção incomum que as eleições despertam na população. As associações de classe estão numa posição privilegiada para fazer isso.

Foi uma sexta das mais interessantes. Foi bom fechá-la ouvindo Jorge Ben Jor cantar "o Rio de Janeiro continua lindo ...", mesmo debaixo daquela chuva toda.

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