quarta-feira, julho 22, 2009

RUY CASTRO

Dúvidas no éter

FOLHA DE SÃO PAULO - 22/07/09

RIO DE JANEIRO - Entreouvido no rádio do táxi. No auge do noticiário sobre o acidente com o Airbus da Air France, o locutor lia uma nota sobre as buscas em alto-mar, e tudo na frase indicava que a palavra seguinte seria "destroços". Mas, por longos cinco segundos, ele empacou no "destr". Certamente ficou na dúvida sobre se o "o" seria aberto ou fechado -"destróços" ou "destrôços"? Seguro morreu de velho, e o rapaz preferiu dar a volta na palavra, completando a frase com "restos".
O mesmo aconteceu outro dia quando o senador José Sarney citou o romano Lúcio Aneu Sêneca, que recomendava "silêncio, paciência e tempo" às vítimas das grandes injustiças -longe de ser o seu caso. Ao reproduzir a citação, o locutor foi bem em Lúcio Aneu, mas embatucou em Sêneca, talvez sem chapeuzinho no papel que ele estava lendo. O silêncio no famoso éter dava uma ideia da sua agonia. Incapaz de decidir entre Sêneca, Senéca e Soneca, ele recuou e ficou apenas em Lúcio Aneu -nome pelo qual ninguém conhece o filósofo.
E não é incomum que o trágico grego Ésquilo, inventor da catarse e autor de "Prometeu Acorrentado" e da trilogia "Oréstia", se transforme em Esquilo nas raras vezes em que é encenado por uma de nossas companhias e seu nome tenha de ser dito ao microfone.
Mas nada supera o drama de um antigo locutor ao ler ao vivo um comercial que ele não conhecia, o do azeite Beira-Alta. O texto dizia: "Azeite?" -e instruía o locutor a dar três muchochos, tipo tsk, tsk, tsk, para então responder: "Só Beira-Alta!". Pois, no ar, ele atacou: "Azeite? Três muchochos!".
Do outro lado do vidro, o sonoplasta começou a fazer-lhe sinais desesperados de "Não! Não! Não!". O locutor, sem entender o erro, mas querendo se salvar, emendou: "Ou seriam três muchachos?".

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