domingo, junho 28, 2009

DORA KRAMER

Jogo dos sete erros

O ESTADO DE SÃO PAULO - 28/06/09

Com mais 50 anos de es­tra­da, quase 80 de vida e dono da mís­ti­ca do úl­ti­mo so­bre­vi­ven­te de uma li­nha­gem de po­lí­ti­cos as­tu­tos, é es­pan­to­so que o se­na­dor José Sarney não tenha me­di­do os ris­cos de uma ter­cei­ra elei­ção à pre­si­dên­cia do Senado e con­fia­do que o cargo lhe pro­por­cio­na­ria o des­fe­cho ideal à sua bio­gra­fia.
Não há epi­só­dio, co­nhe­ci­do pelo menos, em que José Sarney tenha co­me­ti­do tan­tos equí­vo­cos em tão pouco tempo. São inú­me­ros, mas, ao molde do an­ti­go pas­sa­tem­po, fi­que­mos com sete deles.
1. O mais óbvio abre a lista: o erro de não saber a hora de parar. Incapacidade já de­mons­tra­da desde a mu­dan­ça de do­mi­cí­lio elei­to­ral do Maranhão para o Amapá, onde quase perde a úl­ti­ma elei­ção de se­na­dor para uma ve­rea­do­ra de Macapá, Cristina Almeida.
2. Menosprezo ao equi­lí­brio de for­ças. Se o PMDB já havia se acer­ta­do com o PT para ficar com a pre­si­dên­cia da Câmara, era uma evi­den­te im­pru­dên­cia ceder à ten­ta­ção do acú­mu­lo total de poder no Congresso.
3. Excesso de con­fian­ça no ar­gu­men­to de alia­dos, mais in­te­res­sa­dos em fazer de Sarney um tram­po­lim para re­cu­pe­ra­ção de pres­tí­gio, de que sua fi­gu­ra seria su­fi­cien­te para aba­far ou­tras am­bi­ções e con­quis­tar a una­ni­mi­da­de. Renan Calheiros con­se­guiu fazer de Sarney o su­jei­to ex­plí­ci­to de seus pla­nos de re­tor­no como o ope­ra­dor da po­lí­ti­ca por trás da ma­jes­ta­de.
4. Desdém em re­la­ção à ca­pa­ci­da­de de com­ba­te do ad­ver­sá­rio. Em ou­tras oca­siões, Sarney re­cuou quan­do per­ce­beu que teria de en­fren­tar o con­tra­di­tó­rio. Desta vez, foi em fren­te e co­me­çou a pagar o preço no dia se­guin­te à elei­ção.
5. Entregou-se por com­ple­to a uma regra cuja va­li­da­de já se ex­pi­rou e hoje é ape­nas uma ilu­são. A de que o poder pro­duz mais poder em seu nome ex­clu­si­vo pode ser exer­ci­do por­que ao po­de­ro­so tudo é per­mi­ti­do. Aqui pro­cu­ra­va con­se­guir, da ca­dei­ra da pre­si­dên­cia do Senado, ad­mi­nis­trar di­fi­cul­da­des fa­mi­lia­res no campo da po­lí­ti­ca, da Justiça e da po­lí­cia.
6. Avaliou mal o jogo do Palácio do Planalto, não levou em conta as ares­tas par­ti­dá­rias in­ter­nas, acre­di­tou que o PSDB po­de­ria crer que se o apoias­se le­va­ria em troca o apoio do PMDB na pre­si­den­cial de 2010.
7. Mas, se houve um erro macro, o cha­ma­do erro cras­so, foi José Sarney não ter ati­na­do para o quan­to sua fi­gu­ra sim­bo­li­za­va a po­lí­ti­ca do pas­sa­do. Assumiu pela ter­cei­ra vez um mesmo cargo já com seus cré­di­tos de con­fian­ça gas­tos, jo­gan­do com peças ob­so­le­tas, des­pro­vi­do da noção de que as­su­mia um Senado ques­tio­na­do pela opi­nião pú­bli­ca e que sua única chan­ce de êxito era ouvir a de­man­da vinda de fora.
Fez o opos­to e, quan­do se deu conta de que o ata­lho não le­va­va ao pa­raí­so, não lhe res­ta­va saída. Nem a rup­tu­ra, ainda que a per­so­na­li­da­de lhe per­mi­tis­se - o que não é o caso -, pois os com­pro­mis­sos que fir­ma­ra es­ta­vam todos re­fe­ri­dos num pas­sa­do que pri­vi­le­gia­va a es­per­te­za em de­tri­men­to da trans­pa­rên­cia.

DI­FÍ­CIL SO­LU­ÇÃO

A o con­trá­rio de ou­tras e re­cen­tes cri­ses en­vol­ven­do pre­si­den­tes do Senado - Jader Barbalho, Antonio Carlos Magalhães e Renan Calheiros -, essa agora não se re­sol­ve com a li­cen­ça ou mesmo a re­nún­cia de José Sarney, em­bo­ra seja esse o ca­mi­nho apa­ren­te­men­te ine­vi­tá­vel
. A saída não é tão sim­ples. A crise de fato não é do se­na­dor Sarney, não obs­tan­te ele sim­bo­li­ze o sis­te­ma que pre­ci­sa de mu­dan­ças e, por isso, não tem con­di­ções de con­du­zi-las.
Ocorre que as for­ças do­mi­nan­tes no Senado rezam pela mesma car­ti­lha. Não há uma maio­ria dis­pos­ta a pa­tro­ci­nar a rup­tu­ra com o velho e li­de­rar a tran­si­ção para o novo. Então, se Sarney pedir li­cen­ça ou re­nun­ciar à pre­si­dên­cia pre­va­le­cen­do a con­jun­tu­ra atual, o má­xi­mo que se pode es­pe­rar é uma troca de seis por meia dúzia.
A li­cen­ça re­sul­ta­ria na posse do pri­mei­ro vice, o se­na­dor Marconi Perillo, do PSDB. Ainda que hou­ves­se a re­mo­ta hi­pó­te­se de o Palácio do Planalto (de onde saem as re­gras) con­cor­dar em en­tre­gar o Senado à opo­si­ção, só o faria me­dian­te um acor­do con­ser­va­dor de pro­ce­di­men­tos.
Quando se exa­mi­na o teor das con­ver­sas sobre a pos­si­bi­li­da­de da re­nún­cia e a con­vo­ca­ção de nova elei­ção, o que apa­re­ce? O nome do mi­nis­tro das Minas e Energia, Edison Lobão, cujas cre­den­ciais na po­lí­ti­ca em nada o di­fe­ren­cia de Sarney.
Ora, se é para Sarney sair e as­su­mir Lobão ou se­na­dor equi­va­len­te, não se terá mu­dan­ça al­gu­ma. Haverá aque­la sen­sa­ção já fa­mi­liar de alí­vio tem­po­rá­rio e, em se­gui­da, a volta do mesmo pro­ble­ma.
Alguém em sã cons­ciên­cia con­se­gue ima­gi­nar a pos­si­bi­li­da­de de um Jarbas Vasconcelos vir a as­su­mir a pre­si­dên­cia do Senado? Por ora, nem pen­sar. Jarbas é tido como in­to­le­ran­te, é dis­si­den­te no par­ti­do de­ten­tor da prer­ro­ga­ti­va da in­di­ca­ção, re­pu­dia­do pelo go­ver­no, ina­de­qua­do para a po­si­ção.
Se não mudar o pen­sa­men­to - o que im­pli­ca im­pro­vá­vel rup­tu­ra -, a troca do per­so­na­gem será o tipo do le­ni­ti­vo fa­da­do a de­fla­grar uma nova, e mais grave, crise.

Nenhum comentário:

Postar um comentário