domingo, junho 28, 2009

COISAS DA POLÍTICA

A flauta do Danúbio e o mistério de Michael

Mauro Santayana

JORNAL DO BRASIL - 28/06/09

Coincidiu a morte de Michael Jackson com o anúncio de que uma flauta encontrada nas cabeceiras do Danúbio, na Alemanha, foi produzida há 35 mil anos. A base do instrumento é longo osso de abutre gigante, daqueles séculos finais do Paleolítico, quando um homem das cavernas furou os quatro buracos na haste esguia, para emitir e modular o som. Entre o artista que fez soar o instrumento – e que, provavelmente, o tenha inventado – e o pop star, há toda uma teoria, a de que o homem é, antes de tudo, um animal lúdico. A ideia é desenvolvida por Johan Huizinga, historiador holandês, que os alemães transformaram em refém, e morreu na prisão. Em Homo ludens, Huizinga examina o apego imemorial dos seres humanos às brincadeiras, ao esporte, à dança e à música. Todos esses atos, que são simbólicos, se completam na comunhão com os outros. No fundo, os ritos da alegria convivem com o mistério. Em todas as culturas, a arte é associada aos deuses. Os templos são adornados e neles se cantam hinos sagrados.

O último fim de semana foi o de Michael Jackson. Os jornais divulgaram sua biografia conhecida, desde pequeno. Somente Mozart o precedeu, na idade, como artista, conforme os contemporâneos, porque, aos 4, já executava pequenas peças ao piano e, aos 5, compunha. Michael Jackson foi também um ser humano e, como ser humano, grande mistério. Outros artistas populares, que lhe foram contemporâneos, também tiveram vida trágica, mas menos fechada. Jackson vivia em um casulo. Por mais belas fossem as suas canções, e foram, não traziam o apelo mundano daquelas compostas pelos meninos de Liverpool, nem a forte identidade com a pobreza, como as de Elvis Presley. Elvis não foi intelectual como os Beatles, mas lhes deu os acordes do rock, sobre os quais eles construíram seu compasso. Tampouco foi pesquisador, como os ingleses, que colheram, em canções do mundo inteiro, a inspiração para seu trabalho. Mas foi o precursor. Seus biógrafos e companheiros fazem dele o retrato de um homem tímido, desconfiado do próprio êxito, e temeroso de retornar à miséria da infância. Provavelmente a humildade e a timidez o tenham aconselhado a não se exibir fora da América. Recrutado para o Exército, recusou integrar os grupos de entretenimento das tropas, e serviu como simples soldado na Alemanha.

Presley fora, até a adolescência, um dirt-poor, vocábulo cruel da época da Depressão, que designava a mais dura das pobrezas. Ele morreu logo depois dos 42 anos, obeso, cardíaco e, provavelmente, intoxicado pelas drogas. Aos 40, John Lennon foi assassinado por um louco em Nova York.

Michael Jackson, vindo depois, encontrou o êxito ainda menino. Talvez por isso não se fez adulto. O casamento com a filha de Elvis Presley – que durou tão pouco – provavelmente lhe tenha sido a tentativa de buscar a aproximação com o outro, que, não obstante a timidez, era grande sedutor. Jackson era também muito diferente de John Lennon e dos outros adolescentes de Liverpool. A impressão que dele muitos tiveram era a do menino que não crescera, não saíra dos 5 anos, com sua voz infantil, suas roupas coloridas.

As drogas foram a tragédia desses grandes artistas e de tantos outros de seus contemporâneos. É extensa a lista dos astros mundiais das últimas décadas que morreram de overdose. Tinham tudo, e lhes faltavam tudo. Aparentemente – e de acordo com o depoimento dos que o conheciam de perto, Jackson foi vítima das drogas. Uma coisa é certa: sua hipocondria o levava a usar muitos remédios.

A música explosiva surgida nos anos 50 e 60 substituiu as melodiosas canções norte-americanas e francesas, que encantavam antes os jovens, e passou a embriagar os que as ouviam. O alucinante meneio dos corpos, sob a explosão das luzes dos palcos, realçava – e realça ainda – o clima psicodélico dos imensos shows. Não há dúvida de que o fantástico êxito do moderno show-business contribuiu, quisessem ou não os artistas, para popularizar o consumo de drogas nos últimos 50 anos.

De todos os ícones populares – e alguns deles chegam à senectude com suas guitarras e baterias – ninguém ficará tão fortemente na História de nossos tempos do que esses rapazes nascidos pobres. E, entre eles, o mistério mais inquietante é o de Michael Jackson: um menino que cantava e dançava, e queria sair de si mesmo, ao esconder-se de si mesmo.

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