sexta-feira, junho 12, 2009

COISAS DA POLÍTICA

As selvas peruanas e o caos anunciado Pandemia

Mauro Santayana

JORNAL DO BRASIL - 12/06/09

Se outras razões não houvesse, para o governo reexaminar o projeto sobre as terras amazônicas – aprovado pelo Congresso e aguardando a sanção presidencial – os recentes fatos no Peru exigem esse cuidado. Os mortos em Bagua são os primeiros de uma guerra civil provável, se o governo de Alan Garcia não se dispuser a diálogo sério e responsável com os líderes da Amazônia peruana. Os povoadores daquela região, que tem fronteiras extensas com o Brasil, criaram poderosa associação interétnica. Seu presidente, Alberto Pizango, conseguiu asilo na Embaixada da Nicarágua em Lima. É acusado de ser responsável pelo conflito que causou a morte de 24 policiais no fim da semana passada, em povoação da selva. Para o governo de Manágua, o ativista cometeu crime político e poderá refugiar-se em seu país. Ontem, a procuradoria peruana anunciava o propósito de ouvi-lo, antes que ele deixe o país.

Índios e outros moradores da região amazônica do Peru se insurgiram contra duas leis que tratam do "desenvolvimento sustentado" da região. Elas foram aprovadas sob exigências dos Estados Unidos, como parte do Tratado de Livre Comércio. Os norte-americanos querem liberdade para explorar as riquezas da selva com suas empresas. Ainda bem que, apesar de todo o esforço do governo passado, não caímos – como caiu o México e cai o Peru – na ilusão da Alca.

Em consequência dos protestos em todo o país, as duas leis foram "suspensas" pelo Parlamento, como solução provisória, em apressada aliança do governo com os partidos de extrema-direita, entre eles o chefiado pela filha do ex-ditador Fujimori. Os partidos nacionalistas e de esquerda exigem a revogação definitiva das medidas. Embora o movimento reclame a preservação da floresta, reúne também os que admitem a livre exploração dos recursos naturais, desde que em benefício do desenvolvimento e do bem-estar do povo. O governo de Lima receia que aos rebeldes amazônicos se unam os indígenas da cordilheira. Os norte-americanos temem que surja, no Peru, outro Evo Morales, mais cedo ou mais tarde, e Pizango lhes parece semelhante ao presidente da Bolívia. Há os que preveem uma confederação andina, que vá da Venezuela ao Chile. Se a essa eventual confederação andina se somassem seus povos amazônicos, haveria importante mudança geopolítica na América Latina.

Quando encerrávamos estas notas, a polícia de Lima tentava, com violência, dissolver manifestação que se dirigia ao Congresso e ao Palácio do Governo, exigindo a revogação das leis sobre a floresta. Esperava-se, também para ontem, que os índios da região fechassem à navegação, o Rio Tamayo, em área muito próxima do Brasil e da Colômbia. A política brasileira de proteção aos índios, não obstante todas as suas falhas, é ainda a melhor da América do Sul. Entregar a exploração da Amazônia às famílias de pequenos e médios posseiros é uma coisa. Abri-la ao agronegócio, às madeireiras, e às transnacionais (como no Peru), é outra.

Outra ameaça que nos vem do futuro – e no caso, futuro imediato – é a da gripe suína. A OMS declarou, ontem, que a gripe já é uma pandemia. A movimentação da peste, no calendário e na geografia – repete o que ocorreu na primeira calamidade provocada pelo mesmo vírus, em 1918. Naquela ocasião ela surgiu em março, também nos Estados Unidos, contaminou a Europa a partir de agosto, para recrudescer em outubro, no frio outono nórdico, de forma muito mais letal. Em entrevista recente a Le Monde, o professor Patrick Lagadec, diretor do Departamento de Pesquisas da Escola Politécnica de Paris, e especialista em administração de crises e de riscos, recomendou que o mundo se prepare para "o imprevisível". O estudioso acusa os governos de não levarem a sério a ameaça, que exige mais reflexões políticas do que recomendações de ordem técnica. É de tal magnitude o perigo que se torna necessário impedir as grandes aglomerações, restringir o transporte de pessoas e proibir os grandes eventos esportivos. O professor identifica uma crise no sistema mundial, que o vulnera e agrava situações como as de uma pandemia, reclamando lideranças fortes.

Lagadec propõe a criação de uma "força de reflexão rápida", com representantes de todos os países interessados, mas não tão numerosa que venha a se transformar em uma assembleia. Ele avisa que, se em outubro, as duas crises – a econômica e a da gripe – se reunirem, virá o caos.

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