domingo, maio 24, 2009

COISAS DA POLÍTICA

Dick Cheney e Obama: o bunker e o labirinto

Mauro Santayana

JORNAL DO BRASIL - 24/05/09

Ao responder, quinta-feira, ao forte discurso de Obama – em que acusa o governo anterior de ter violado os princípios fundadores da República – Dick Cheney foi claro. Disse que, em 11 de setembro de 2001, em um bunker no subsolo da Casa Branca, decidiu agir "no lado escuro", a fim de "defender" os Estados Unidos. Comprova-se, com sua resposta e o cínico depoimento ao Congresso, que lhe coube colocar em prática o plano estratégico perverso de Paul Wolfowitz e Richard Perle, os principais pensadores do Project for a American Century. Desse grupo de alucinados fizeram parte Rumsfeld e o próprio Cheney – os dois tutores de Bush filho. O ponto central do paper Rebuilding America's Defenses: Strategy, Forces and Resources for a New Century citava a necessidade de que houvesse "um fato catalisador", como fora Pearl Harbour, a fim de mobilizar a nação. O texto foi apresentado em setembro de 2000, um ano antes do grande "fato catalisador", a explosão das Torres Gêmeas.

Se Cheney estava confinado, naquelas horas em que Bush zanzava de um lado a outro em seu avião, Obama hoje se encontra em um labirinto. Isso explica a sua conduta em relação à prisão de Guantánamo. Diante das pressões dos belicistas do Congresso, que lhe negaram recursos, e da oposição do complexo industrial-militar, o presidente adiou o fechamento do presídio. Quinta-feira, ele anunciou o projeto de transferir parte dos prisioneiros para penitenciárias de segurança máxima e os submeter à Justiça americana, o que espicaçou a ira de Cheney. Hitler se matou em seu bunker, mas Cheney continua a contar com o sistema, da qual faz parte a Halliburton. O labirinto é outra coisa. Quem nele está terá que encontrar a saída, com ou sem o fio de Ariadne, ou arrebentar suas paredes.

O presidente não está sozinho. No mesmo labirinto se encontra a civilização que um dia foi "ocidental" e hoje é planetária. Estamos às vésperas de novo Iluminismo ou de outra Idade Média. A crise histórica é antiga, porque se trata de um conflito entre as ideias trazidas pelas revoluções dos séculos 17, 18, 19 e 20, e a reação dos privilegiados. Mas as derrotas, com suas lições, costumam fortalecer os vencidos, embora nem sempre.

Cheney assumiu responsabilidade pela política repressiva, terrorista, clandestina e cruel dos oito anos de Bush, tão repulsivos como foram os anos de Kennedy, Johnson e Nixon no Vietnã. Antes disso, os Estados Unidos tampouco foram fiéis seguidores de Jefferson e Madison. A esse respeito vale reproduzir parte do texto do historiador Arno J. Mayer, publicado em 5 de outubro de 2001, por The Daily Princentonian (Untimely Reflections upon the state of the world):

"De qualquer forma, a partir de 1947, os Estados Unidos assumiram a vanguarda e a posição de principal executor do ‘terror preventivo’ de Estado, agindo exclusivamente no Terceiro Mundo e, portanto, de forma claramente dissimulada. Além dos golpes de Estado durante a Guerra Fria, operados durante seu confronto com a União Soviética, Washington recorreu ao assassinato político, aos esquadrões da morte, e se valeu de reprováveis ‘lutadores pela liberdade’ (entre os quais Osama bin Laden). Organizou a morte de Lumumba e de Allende: tentou fazer o mesmo com Castro, Khadaffi e Saddam Hussein (que, registra a coluna, conseguiriam enforcar em 30 de dezembro de 2006), impôs seu próprio veto contra qualquer esforço de conter, não só a continuada violação dos acordos internacionais e resoluções da ONU, por parte de Israel, mas, da mesma forma, não deixou que se impedisse o ‘terror preventivo’ que esse Estado vem exercendo".

Talvez para salientar a contemporaneidade de suas reflexões, faltou ao professor Mayer (que é judeu) voltar aos crimes cometidos contra os índios, à Guerra de Anexação contra o México, às intrigas que levaram à anexação do Havaí, ao expansionismo no Pacífico, à secessão da Colômbia, para a construção do Canal do Panamá, nem ao uso da força para manter, sob o domínio da American Fruit e da United Fruit, as "repúblicas bananeiras".

Como já ocorreu nos Estados Unidos, é provável que o povo vá às ruas, a fim de impedir a continuação da política "no lado escuro", dentro do país e no resto do mundo. A nação não se resume a Wall Street e ao Pentágono. E essa nação costuma mover-se na defesa da liberdade. Foi assim que o povo se uniu ao clamor mundial contra o massacre no Vietnã.

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