terça-feira, maio 26, 2009

CELSO MING


Vai ficando pra depois


O Estado de S. Paulo - 26/05/2009
 
A demora para a formação das novas regras das cadernetas mostra que o governo está atolado em dúvidas sobre o que fazer.

O anúncio das mudanças foi feito há 15 dias. Na ocasião, ficou avisado que o governo encaminharia imediatamente projeto de lei ao Congresso que poderia ser seguido de medida provisória destinada a alterar o regime tributário das aplicações de renda fixa. Até agora nada saiu.

Tal como anunciadas, as novas regras são um remendão confuso e improvisado. São o resultado de uma mistureba de critérios técnicos com critérios políticos. Se aprovadas, tornarão irremediavelmente complicada uma aplicação financeira que se caracterizou até aqui pela sua simplicidade. Foram engendradas pela Fazenda, mas contam com aprovação do Banco Central que, assim, se torna cúmplice da criação de um monstrengo financeiro.

Ontem, o secretário extraordinário de Reformas Econômico-Fiscais do Ministério da Fazenda, Bernard Appy, avisou que o governo não tem pressa para mandar o novo projeto de lei para o Congresso. É uma posição nova, que contrasta com o açodamento mostrado quando do anúncio das mudanças. 

Apenas para recordar, a necessidade de alterar as regras da remuneração da caderneta provém, de um lado, das regras atuais e, de outro, da proximidade da redução dos juros internos. A caderneta paga um rendimento fixo (TR mais juros mensais de 0,5%), isento do Imposto de Renda, o que, na prática, corresponde a um total anual em torno de 7,5%. Enquanto isso, as aplicações de renda fixa remuneram em torno dos juros básicos (Selic), mas estão sujeitas a Imposto de Renda de 22% a 15%, conforme o prazo da aplicação. O governo teme a migração de recursos da renda fixa para a caderneta tão logo os juros caiam para abaixo de 8,5% ao ano. As novas regras da caderneta preveem a cobrança de parte do Imposto de Renda na fonte e parte na declaração de ajuste, cuja alíquota será tanto maior quanto menor for a Selic. 

Agora se sabe que, assim como foram anunciadas, as alterações se tornaram objeto de questionamento jurídico, já que estabelecem base tributária que varia, não mais conforme a capacidade contributiva do aplicador ou a elevação explícita determinada por lei como manda a Constituição (parágrafo 1º do art. 145 e inciso I do artigo 150), mas de acordo com a evolução da Selic.

Em artigo publicado ontem no Estado, o ex-secretário da Receita Federal Everardo Maciel advertiu para essa deformação. Se o Congresso aceitar a espinha dorsal das novas regras ajudará a criar novo depósito de esqueletos judiciais, ou seja, disposições que a qualquer momento podem ser revertidas pela Justiça.

A confusão aprontada pelo governo não para aí. Qualquer empresa também pode abrir cadernetas. Como o regime tributário das pessoas jurídicas não prevê seu enquadramento a tabelas progressivas do Imposto de Renda, bastará ter uma empresinha cujo regime tributário seja o lucro presumido para que o aplicador possa escapar da complexa rede armada pelos aprendizes de feiticeiro da Fazenda.

Quanto mais mexe na estrutura da caderneta, mais munição o governo federal oferece à oposição, que armou uma defesa com o argumento de que este é apenas o início de um processo de sequestro da poupança popular. 

Confira

Outra encrenca - A mudança nas regras das cadernetas mexe indiretamente com a regra dos depósitos judiciais. São os pagamentos feitos em juízo que envolvem demandas sobre o valor de dívidas e contas. Eles são remunerados pelas mesmas regras das cadernetas.

Os depósitos judiciais não são tecnicamente depósitos em poupança. Porém, uma vez mudadas as regras das cadernetas, será inevitável que seu funcionamento seja alterado. 

Mas, outra vez, nos casos de rendimentos de depósitos judiciais de pessoas jurídicas, não caberia aplicação da tabela progressiva do Imposto de Renda.

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