quinta-feira, abril 23, 2009

MÍRIAM LEITÃO

Longo túnel

O GLOBO - 23/04/09

O desemprego no mundo só começará a cair no fim de 2010, segundo o FMI. O déficit fiscal dos países ricos chegará a 10% do PIB. Nos dois relatórios divulgados esta semana, o Fundo fez uma lista de más notícias. Segundo o economista-chefe Olivier Blanchard, duas forças estão se cruzando na economia global: a da crise e a dos estímulos. A primeira ainda está ganhando.

Ontem, o FMI divulgou o Panorama Econômico Global. Nele, se vê que as projeções de crescimento econômico para todos os países pioraram desde a última previsão feita pelo Fundo, em janeiro. O Brasil, que estava na lista com um crescimento de 1,8%, está agora com uma recessão de 1,3%. Pelo menos está em linha com a recessão global que será, segundo o FMI, de 1,3% este ano. Em 2010, o Brasil cresce 2,2%. O mundo, 1,9%.

Vai ser, segundo Blanchard, uma retomada mais lenta do que outras recuperações, e a queda brusca do fim do ano passado é sem precedentes: o PIB mundial caiu 7,5% no último trimestre de 2008 e pode ter caído de novo, na mesma dimensão, no primeiro trimestre deste ano.

Na terça-feira, o FMI divulgou o relatório sobre a Estabilidade Financeira Internacional em que projetou para US$ 4,1 trilhões o tamanho das perdas dos bancos e instituições financeiras. Apenas um terço desse rombo foi reconhecido nos balanços, o que significa que o pior em termos de baixa contábil ainda está por vir.

Os dois relatórios foram um banho de água fria para quem lia os poucos bons sinais da economia mundial como o início do fim da crise. Em alguns países, como os Estados Unidos, todos os trimestres deste ano serão negativos, disse o Fundo. Em outros, o segundo trimestre, que nós estamos vivendo agora, será um pouco melhor e no fim do ano a economia já estará operando no positivo. O Brasil está nesse grupo que melhora mais cedo. De qualquer maneira, segundo os relatórios e entrevistas dadas pelas autoridades do FMI, a recuperação dos mercados emergentes vai depender, em última análise, da capacidade de recuperação do mundo desenvolvido.

China e Índia continuarão crescendo, num patamar muito mais baixo, de 6,5% e 4,5%; a Rússia será o pior dos Brics, com um encolhimento do PIB de 6%.

Pelos relatórios do Fundo, o contribuinte dos países ricos está diante de um dilema: se a limpeza dos bancos for muito demorada, mais longa será a recessão e mais tardia será a recuperação. O problema é que isso talvez signifique mais pacotes de socorro aos bancos, e o contribuinte está desconfiado de mau uso desse dinheiro, por boas razões. O megassocorro aos bancos está sendo investigado em 20 inquéritos e seis auditorias, como a imprensa informou ontem.

As novas previsões do economista Nouriel Roubini são um pouco piores que as do Fundo. A economia mundial vai ter uma recessão de 1,9%, e não 1,3%, neste ano, segundo ele. O comércio internacional está enfrentando, em 2009, uma contração de 12%, depois de cinco anos de expansão acumulada de 82%. Essa é a primeira redução do comércio internacional desde o pós-guerra.

A recessão será em U, disse Roubini. A economia caiu, permanecerá lá embaixo por algum tempo, para depois subir lentamente. Sem usar letras, foi isso também que o FMI quis dizer com uma recuperação mais devagar do que outras recessões, o que sepulta as esperanças de uma crise em V, ou seja, que bate no fundo do poço e começa imediatamente a recuperação. Mas o consolo é que não será uma recessão em L, que cai e permanece lá embaixo, sem perspectiva de recuperação à vista.

O que tanto o FMI quanto o economista — que mais acertou nessa crise — dizem é que a queda livre acabou. Ela ocorreu nos “dois trimestres de más notícias”, que foram o último de 2008 e o primeiro deste ano. Segundo Roubini, a Europa e o Japão não verão recuperação tão cedo. Nos EUA e na China, os fortes pacotes de estímulo já estão produzindo sinais positivos que, no entanto, permanecem, como disse o FMI, superados pelos sinais negativos ainda altamente dominantes em todas as economias.

Todas? Não. Por incrível que pareça, segundo o FMI, a parte do mundo que ainda mantém o ritmo de crescimento é a mais pobre: a África subsaariana.

Numa entrevista à imprensa, o diretor de mercado de capitais do FMI, José Viñals, disse que a América Latina, comparada a outras regiões dos países emergentes, estava bem. Comparou especificamente com o Leste Europeu, onde as empresas endividadas em moeda estrangeira e o câmbio fixo em alguns países são uma bomba de efeito retardado. Mas, para Roubini, a América Latina, que cresceu em 2008 4,1%, vai ter recessão este ano nos principais países: México, Brasil, Argentina, Venezuela, Chile, Colômbia. Alguns países do Leste Europeu terão recessões de dois dígitos. Na Ásia, os quatro tigres, Cingapura, Taiwan, Coreia do Sul e Hong Kong, além de Malásia e Tailândia, também estarão em recessão.

Será um longo túnel até a luz, lá no ano que vem. Mas de todas as previsões do Fundo, a mais assustadora é que mesmo quando começar a recuperação, o desemprego continuará aumentando e só encontrará o seu pico no fim de 2010, quando, então, começará a ceder.

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