sexta-feira, abril 24, 2009

BRASIL S.A

Fio desencapado


Correio Braziliense - 24/04/2009
 

Contexto de bate-boca no STF mistura politização do Judiciário e cadáver insepulto da política


O pesado bate-boca entre o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, e o ministro Joaquim Barbosa, durante sessão do plenário envolvendo a aposentadoria de notários do Paraná, uma questão eminentemente técnica, foi antes de tudo o que se começou dizendo: um bate-boca. Exibição de má-educação, que “não faz jus à grandeza daquela Corte” como repercutiu o presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros, AMB, Mozart Valadares Pires. 

O episódio, revelador de despreparo emocional, teria se limitado ao que foi — uma grosseria entre ministros dos quais se esperam atitudes nobres e superiores —, sem ameaçar a integridade da Corte Magna como instância irrevogável de dissídios da nação, se Barbosa não tivesse se excedido na diatribe contra Mendes. 

Nas entranhas do Judiciário se travam diversos conflitos, alguns antigos, como o processo de escolha dos ministros, prerrogativa do presidente da República. Outros mais novos, entre eles a ideologia de interpretação das leis: ao pé da letra, Dura Lex, Sede Lex, ou conformada pelo status sócioeconômico das partes, tendência entre juízes jovens, mas habitual em sentenças da Justiça do Trabalho. 

À politização do Judiciário se adiciona um cadáver insepulto, que tem sua gênese e ocaso na CPI do Banestado — espécie de vestibular para o PT no submundo das relações políticas no poder. Ela findou sem conclusão, mas persistiu nas operações da Polícia Federal (PF) e do Ministério Público (MP), com a participação de juízes mais atuantes na chamada “democratização do Judiciário”, como Fausto de Sanctis, o que condenou o banqueiro Daniel Dantas e mandou prendê-lo duas vezes, ambas refugadas por habeas corpus de Gilmar Mendes. 

Dantas virou símbolo de bandalheira. Mendes, da Justiça a serviço de poderosos, embora, como venha sustentando em outros atritos, a batalha que diz travar é pelo cumprimento estrito da lei, a defesa do Estado de Direito em sua forma pura. Diretrizes básicas assim, ameaçadas, segundo o ministro, pela aliança de setores da PF com o MP e juízes, resultando operações da PF como a Satiagraha, que deu notoriedade ao delegado Protógenes Queiroz pela prisão de Dantas. 

O pano de fundo do bate-boca entre Barbosa e Mendes se aloja nas posições de cada em relação à atuação do Judiciário em tais casos, afora as opiniões subjetivas que um tem do outro e vice-versa. 

O farol da confusão 
A Satiagraha é desdobramento da operação Farol da Colina, alusão em português ao tamborete Beacon Hill estourado em Nova York pelo procurador-geral de Manhattan, Robert Morgenthau, anos atrás. Foi o que deu origem ao escândalo do Banestado, à prisão de doleiros no Brasil e à Satiagraha. Protógenes, o procurador federal do caso Dantas, Rodrigo de Grandis, e o procurador-geral Antonio Fernando de Souza entraram na história pelas mãos Morgenthau, que pedira à Justiça brasileira colaboração para as diligências em Nova York. 

Terror em Beacon Hill 
A crônica das operações cinematográficas da PF remete o nexo das apurações para os grampos telefônicos, cujo uso indiscriminado incomodou ministros e o presidente do STF — ele mesmo uma suposta vítima de um deles em conversa ao celular com o senador Demóstenes Torres (DEM-GO). Mas é em Nova York que nasce o tortuoso enredo. O Beacon Hill, além de lavar dinheiro para cidadãos dos EUA, era hub de transferências de dinheiro de caixa 2 de empresas, pessoas e de financiamento de partidos e políticos. Aí a cobra fumou. 

É o cadáver insepulto da política, sendo o resto sequelas. Tanto os métodos não convencionais usados por Protógenes para dissecá-lo, implicando seu afastamento do caso pela direção da PF, como a atuação corregedora de Mendes, criticada por setores do Judiciário e interpretada por segmentos da sociedade como proteção a Dantas. 

Vaidade e grosseria 
O contexto do entrevero entre Mendes e Barbosa se aloja de algum modo na trama desfiada pelo juiz Morgenthau, um velhinho porreta de 89 anos. O ministro Barbosa revolveu tais casos ao dizer, no calor do bate-boca: “Vossa excelência está destruindo a Justiça deste país (...). Saia à rua, ministro Gilmar”. “Eu estou na rua”, devolveu Mendes. E ouviu de volta: “Vossa excelência está na mídia destruindo a credibilidade do Judiciário brasileiro”. Com a Câmara também na lona, os dois brigões amanheceram quinta-feira de cabeça fria. Só faltava a Justiça ser enlameada pela vaidade e rudeza dos dois. Mas há o cadáver abandonado e ninguém disposto a enterrá-lo. 

“Governo permanente” 
Empresários e consultores passaram os últimos dias tentando achar o senso da ebulição política no Congresso, nas confusões no STF, a aparente calmaria em torno do presidente Lula e de sua candidata à sucessão, a ministra Dilma Rousseff. Procuram um fio condutor para o que talvez seja só caso de fio desencapado pelo tempo. Há muita pendência por resolver na política, mais que na véspera de outras eleições, o que acaba favorecendo interesses do que em Washington leva o nome de “governo permanente”. E que não é só a burocracia e os políticos, mas também os empresários, ativistas sociais e tudo mais que se move vitaminado pelo poder. A previsão é de mau tempo.

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