terça-feira, abril 28, 2009

BENJAMIN STEINBRUCH

Não estamos no mesmo barco


Folha de S. Paulo - 28/04/2009
 

 


O grande diferencial do barco Brasil que tenta atravessar a tormenta é o mercado interno ampliado e ávido por consumir

AO FALAR sobre a crise, na semana passada, o secretário do Tesouro americano, Timothy Geithner, disse que, embora estejamos em meio à mesma tormenta, não estamos todos no mesmo barco. 
Foi um lúcido comentário. Talvez Geithner tenha se inspirado no FMI (Fundo Monetário Internacional) e em suas tradicionais previsões sobre a economia mundial, divulgadas anualmente em abril. Na quarta-feira passada, o Fundo previu que o PIB global vai ter uma contração de 1,3% em 2009. Mas mostrou que existe enorme disparidade nos resultados esperados para os países, desde uma recessão de 6,5% no Japão e de 5,6% na Alemanha até uma expansão de 6,5% na China e de 4,5% na Índia. 
Para o Brasil, a previsão do FMI é de recessão de 1,3%, índice idêntico ao da média mundial. Mas, se isso serve de consolo, o FMI sistematicamente subestimou, nos últimos anos, a taxa de crescimento brasileiro em seus relatórios de abril. Então, se o país conseguir uma taxa próxima de zero para o PIB, a sensação térmica não será tão ruim, como observou o economista Octavio de Barros. 
Seja como for, devemos levar a sério o comentário de Geithner. O Brasil enfrenta a mesma tormenta que assola o mundo, mas viaja em um barco diferente. As próprias previsões do FMI mostram isso, embora não precisemos delas para enxergar a realidade brasileira. 
O barco brasileiro tem grande chance de navegar com mais segurança. O mercado respondeu bem, até agora, às medidas de estímulo ao consumo. As vendas de veículos no primeiro trimestre e também em abril são um atestado disso. Na linha branca, após a redução de IPI, as vendas aumentaram quase 30%. Há sinais também muito positivos na demanda de habitações populares, estimuladas pelo pacote da habitação.
O governo brasileiro vem tomando medidas corretas para enfrentar a crise, embora muitas vezes no tempo errado. A redução dos juros, por exemplo, foi lamentavelmente tardia e lenta. Ainda agora, em meio à maior crise desde a Grande Depressão dos anos 30, o Banco Central mantém a taxa básica em 11,25% ao ano, quando os juros no mundo inteiro se aproximam de zero. 
Antecipar-se a crises é uma receita básica de quem administra qualquer coisa, seja um boteco de esquina, uma grande empresa ou um país. Por isso, estão corretos os anúncios de investimentos em infraestrutura, construção civil e em setores grandes empregadores de mão de obra, assim como as medidas de desoneração tributária. 
Preservar o mercado interno para manter empregos deve ser uma obsessão. Infelizmente, barreiras para importação são necessárias, por mais criticáveis que sejam as atitudes protecionistas. Estoques monstruosos de produtos industrializados estão boiando pelo mundo neste momento, prontos para desembarcar, a preços de banana, no primeiro porto que encontrarem. Só para citar um exemplo, de um setor que conheço de perto, cerca de 30% dos produtos siderúrgicos comercializados no primeiro trimestre no país foram importados. 
O maior mérito do governo Lula foi inserir na sociedade de consumo cerca de 23 milhões de pessoas. Outros 43 milhões de brasileiros passaram a ser assistidos por programas sociais. Não se pode entregar isso tudo -que equivale a três Espanhas ou seis Portugais- de mão beijada a fornecedores (predadores, em muitos casos) internacionais. O grande diferencial do barco Brasil que tenta atravessar a atual tormenta é o mercado interno ampliado e ávido por consumir.

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