terça-feira, março 03, 2009

NAS ENTRELINHAS

Relações perigosas


Correio Braziliense - 03/03/2009
 


A princípio, é natural que os movimentos apoiem o governo que ajudaram a construir. Mas, quando entra dinheiro na equação, as coisas se complicam

Há algum tempo, acompanhei uma visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a um encontro da União da Juventude Socialista, movimento ligado ao PCdoB. Fiquei meio chocado ao ver o ministro da Educação ser aplaudido em pé pelos militantes, cena impensável nos meus tempos de estudante. Também soaram esquisitas as palavras de ordem em favor de programas do governo, como o ProUni. Lembrei-me disso ao ler a matéria do repórter Leandro Colon, do Correio, registrando o aumento no repasse de verbas federais para a União Nacional dos Estudantes (UNE). Foram R$ 10 milhões nos últimos cinco anos e o ritmo dos repasses vem aumentando a cada ano. A UNE é dirigida pelo PCdoB e conta com forte presença do PT. 

Honestamente, tenho resistências à ideia de que os movimentos sociais estariam sendo comprados pelo governo por intermédio de distribuição de verbas. Acho que é meio simplista e ignora relações históricas e bandeiras importantes. A UNE não defende o ProUni só porque recebeu verbas do governo Lula. Defende porque esse tipo de programa faz parte de sua pauta de reivindicações. O movimento estudantil, assim como outras organizações sociais, ajudou a eleger Lula em 2002 e 2006. Isso vale para a Central Única dos Trabalhadores (CUT), Movimento dos Sem-Terra (MST) e dezenas de outras entidades. A princípio, é natural que os movimentos apoiem o governo que ajudaram a construir. Mas, quando entra dinheiro na equação, as coisas se complicam. 

É inegável que os movimentos sociais estão mais mansos no governo Lula. Dá para imaginar o que a CUT estaria fazendo contra a onda de demissões geradas pela crise econômica internacional se no poder estivesse o PSDB. O MST, apesar de invasões periódicas de sedes regionais do Incra e de episódios de violência, como a morte de quatro homens numa fazenda em Pernambuco há poucos dias, é uma dor de cabeça bem mais leve para Lula do que foi para os presidentes anteriores. As duas entidades tiveram o aporte de verbas federais turbinado desde a posse de Lula. 

Até que ponto essa postura é resultado de identificação política com o governo ou da relação com o caixa federal? É uma resposta que se torna cada vez mais difícil. Ao subvencionar os movimentos sociais que o apoiam, o governo tem uma dupla vantagem. De um lado, aumenta sua força política e a interlocução com a sociedade. De outro, faz com que essas forças se tornem dependentes dele. A relação é ótima para Lula, mas perigosa para os movimentos sociais. 

Corrupção 
O Palácio do Planalto acompanha com preocupação os movimentos do senador pernambucano Jarbas Vasconcelos. Ele promete para hoje novo discurso com acusações de corrupção contra seu partido, o PMDB e o governo Lula. A ansiedade não é propriamente com o conteúdo das acusações, mas com sua repercussão. O governo considera os ataques do senador genéricos demais, mas percebeu que o caso tem condições de ganhar corpo na mídia. Especialmente com a intenção anunciada por ele de, junto com outros políticos, criar uma “Frente anticorrupção”. Tudo que o governo não quer é se ver envolvido numa guerra com Jarbas Vasconcelos, especialmente se ele estiver do lado popular. É uma daquelas brigas em que não dá para ganhar. 

Não por acaso, ontem o Planalto fazia a propaganda do discurso que o deputado Silvio Costa (PMN-PE) ameaça fazer hoje com ataques contra Jarbas. Tudo que o governo é mudar o ângulo da encrenca. Em vez de brigar para cima, mirando Lula, o senador teria de ser ver com um adversário regional, abrigado na Câmara dos Deputados. 

Em 2005, Lula se viu obrigado a enfrentar a pauta da corrupção por meses. Foi o pior período do seu governo. Se a oposição conseguir recolocar o assunto na ordem do dia, terá conseguido uma vitória política importante. Jarbas se presta bem ao papel. Se dá bem com a mídia e consolidou uma imagem de independência. O desafio do governo é desconstruí-lo, mas sem entrar abertamente na arena. Uma tarefa complicada.

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