sexta-feira, março 13, 2009

DORA KRAMER

Cavaleiros de "Agraciel"


O Estado de São Paulo - 13/03/09

O pagamento de R$ 6,2 milhões em horas extras a funcionários do Senado em pleno janeiro de recesso parlamentar já diria muito sobre a despedida triunfal do ex-diretor-geral Agaciel Maia, carregado nos ombros aos gritos de “volta, volta” e homenageado com ditos de saudade em faixas de desagravo.

Ato contínuo ao desvendar de mais uma, novas peripécias trouxeram notícias frescas sobre essa espécie de reino encantado onde todos os agrados são permitidos até que alguém na corte seja pego em flagrante delito.

A essa dinâmica de penitências condicionadas à revelação involuntária dos pecados, o presidente do Senado, José Sarney, dá o nome de “transparência”. Segundo ele, o Poder Legislativo paga um alto preço por ser um livro aberto. “É por isso que nós sofremos essa crítica permanente, porque somos sujeitos à fiscalização diária.”

É o inverso. O Parlamento recebe críticas justamente porque não resiste a um mínimo de fiscalização.

Para qualquer lado que se olhe, em qualquer momento, são flagradas infrações. Nos últimos dias descobriu-se que não há controle sobre pagamento de horas extras, que o diretor de recursos humanos cedia imóvel funcional aos filhos e que o presidente da Casa usa seguranças do Senado para proteger suas propriedades particulares no Maranhão.

Ficamos sabendo também pelo presidente da Câmara, Michel Temer, que deputados e senadores desistiram de incorporar a verba indenizatória aos salários porque, feitas as contas, perderiam dinheiro.

O presidente do Senado, que considera naturalíssimo estender suas prerrogativas aos domínios da família no Maranhão, não parece ter se apresentado ao terceiro mandato com os nervos em condições de suportar o tranco da cobrança externa mais rigorosa que em outros tempos.

Não completou um mês no posto e já enxerga uma conspiração: “Estamos sendo o que popularmente se chama de boi de piranha. Enquanto tudo passa, nós ficamos aqui na frente. Os grandes problemas não estão surgindo e nós ficamos discutindo pequenas coisas.”

Ponto a ponto, há coisas a esclarecer.

Primeiro ponto: o Poder Legislativo é transparente, deixa as entranhas voluntariamente à mostra ou é perseguido injustamente?

Segundo: no que consiste o “tudo” que está passando despercebido, escondido atrás do biombo das críticas ao Parlamento?

Terceiro: é questão de pequena monta o pagamento de horas extras sem controle consideradas pelo próprio presidente do Senado como “um absurdo? É detalhe um diretor-geral, ordenador de despesas, esconder patrimônio? É pormenor o diretor de recursos humanos ceder imóvel funcional ao uso de familiares? É fruto de somenos importância o presidente de um poder confundir o público com o privado e ainda fazer a defesa da tese?

Se é assim, os deuses nos guardem das grandes revelações que porventura venham por aí.

Quarto ponto: tendo sido José Sarney por duas vezes antes presidente do Senado, e Michel Temer ocupado a presidência da Câmara, não são neófitos nas práticas das Casas. Conhecem pessoas e procedimentos. Jamais ocorreu a ambos a correção de distorções? Ou, como se tornou habitual argumentar, não sabiam de nada?

No Congresso, como em qualquer ambiente, sabe-se tudo. O que não se quer é que tudo venha a público. Muitas distorções são fruto de hábitos arraigados, vícios tão incorporados que neles nem se enxergam imperfeições.

Patrocinar mudanças dá trabalho, provoca desconfortos e implica a compra de brigas indesejáveis. Por isso nem Sarney nem Temer ou qualquer outro parlamentar que conseguiu chegar ao comando encarnou o papel de reformador de meios e modos.

Se encarnassem, não teriam chegado ao topo e, se chegassem, dificilmente teriam sossego ou apoio para se sustentarem. Por muito menos, só por espalhar que demitiria Agaciel Maia caso fosse eleito, o senador Tião Viana angariou antipatias entre senadores e funcionários.

Não é verdade que o Poder Legislativo seja transparente como alega o presidente Sarney pegando carona num mito antigo. É, sim, mais aberto que os outros dois poderes. Mas isso não é concessão, é da natureza da Casa de representação popular. Tal seria se um colegiado de representantes da população funcionasse sob a mesma sistemática do Judiciário ou do Executivo.

O Legislativo não está exposto por virtude, mas porque em geral não tem outro jeito. Quando quer e pode ocultar, oculta. O público nunca soube, por exemplo, que horas extras eram pagas à vontade dos fregueses. Mas suas excelências sabiam. Se não fecharam a porta antes de a porteira ser arrombada, tiveram seus motivos. Por apreço à transparência é que não foi.

Momento lindo

“Não há regime democrático em Cuba”, constatou ontem o ministro da Justiça, Tarso Genro.

Não obstante os 50 anos de atraso, o importante é que se abriram para ele as portas da percepção.

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