terça-feira, fevereiro 03, 2009

NAS ENTRELINHAS

Nada pessoal


Correio Braziliense - 03/02/2009
 

Alianças e inimizades são compostas e recompostas ao sabor das conveniências. Afinal, traições não fazem sentido, a não ser que resultem em vitória, certo?

Michel Temer (PMDB-SP) foi traído. E muito. Os 14 partidos que o apoiavam somavam 424 parlamentares. Ele teve 304 votos. Foram 120 traidores, uma bancada maior que a do PMDB. No Senado, José Sarney (PMDB-AP) esperava ter 55 votos e Tião Viana (PT-AC) calculava obter uns 36. O primeiro teve 49, o segundo 32. Ou seja, cada um amargou sua cota de deserções. A eleição do Congresso colocou em evidência uma verdade bem conhecida dos parlamentares: em política, nada é pessoal. Inclusive as lealdades. Nesse processo, alianças e inimizades são compostas e recompostas ao sabor das conveniências. 

Depois de eleito, Sarney tomou seu lugar na Mesa Diretora. Pela disposição do plenário, ela fica uns três metros acima da cabeça dos parlamentares. Do alto, como convém a um vencedor, ouviu as saudações dos demais senadores. Um dos primeiros a pegar o microfone foi o líder do PSDB, Arthur Virgílio (AM). “Não vou mais brigar por fatos passados”, disse o tucano. Faz sentido. 

A relação entre os dois tem sido uma verdadeira montanha-russa. Em 2006, quando Renan Calheiros renunciou à Presidência do Senado, o tucano ameaçou montar barricadas em plenário para impedir que Sarney fosse escolhido para o cargo. No fim do ano passado, os dois estavam envolvidos numa boa conversa e o PSDB muito próximo de apoiar o peemedebista. O acordo acabou fazendo água e os tucanos fecharam com Tião. Virgílio foi para a linha de frente da candidatura do petista. Na sessão de ontem, foi o autor do discurso mais duro. Mas, logo depois que os trabalhos foram encerrados, subiu para uma conversa de pé-de-ouvido com Sarney. “Não foi nada pessoal”, explicou. 

Principal articulador da campanha de Sarney, Renan Calheiros entende como poucos dessas alterações de humor e afinidade. Há dois anos, era eleito presidente do Senado, tendo como adversário José Agripino (DEM-RN), que teve o apoio do PSDB. Vencedor, buscou uma composição com democratas e tucanos, que incluiu generosos espaços na Mesa Diretora e no comando das comissões permanentes. 

Quando explodiu o escândalo que lhe custaria a presidência, Renan esperava contar com a solidariedade de Agripino e Virgílio. Não foi o que aconteceu. Os dois figuraram entre seus principais algozes. Tiveram duríssimos duelos em plenário. As transcrições das sessões estão lá, nos arquivos, para provar. Ao fim do processo, não se falavam. 

A candidatura de Sarney propiciou uma reaproximação. No fim da semana, o peemedebista já estava tratando Agripino por “Zé”. Com Virgílio, a coisa até vinha bem, mas desandou novamente quando o PSDB rompeu a negociação e o tucano disse que não queria estar ao lado dos políticos que formariam “o entorno de Sarney”. Hoje, referem-se um ao outro em termos nada protocolares. 

Do alto da Mesa, Sarney fez questão de saudar o senador Fernando Collor (PTB-AL), que retornou de uma licença ontem, especialmente para votar. Lembrou que o alagoano, como ele, já enfrentou as dificuldades de ser presidente da República. Quem ouvia teria dificuldade de lembrar que o mesmo Collor baseou sua campanha à Presidência da República em ataques ao governo de Sarney. Foram acusações de corrupção e ataques políticos durante meses. 

Collor, por sinal, estava há poucos metros de distância de Renan, com quem também manteve uma relação tumultuada. Renan estava no núcleo do lançamento da candidatura de Collor à Presidência. Mais tarde, rompeu ruidosamente com ele. Ao longo dos últimos anos, a política alagoana os colocou as vezes como adversários, as vezes como aliados. Ontem, no Senado, estavam no mesmo time. 

Se alguém se der a ao trabalho de fazer uma pesquisa hoje entre deputados e senadores, chegará a um resultado surpreendente. Provavelmente, aparecerão uns 400 deputados jurando que votaram em Temer. No Senado, o número de pretensos eleitores de Sarney ultrapassaria os 60 com facilidade. Mesmo que alguns confessassem o suposto voto em sussurros. Afinal, traições não fazem sentido, a não ser que resultem em vitória, certo? 

Em seu discurso de campanha, no qual fez um balanço de 50 anos como parlamentar, Sarney disse: “Ao longo desse tempo, nunca fiz um inimigo”. Pode parecer uma frase de efeito, mas faz sentido, dentro da lógica do Congresso. Profissionais da política, como ele, não fazem inimigos. Afinal, nada é pessoal.

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