COLUNA PAINEL

"Burro é quem explica"


Folha de S. Paulo - 06/12/2008
 

Em meio ao furor causado pelo "sifu", passou despercebido um trecho do discurso de Lula, anteontem no Rio, no qual o presidente praticamente chamou seu ministro da Cultura de burro.
Lula começou por "dar os parabéns" a Manoel Rangel Neto, diretor da Agência Nacional de Cinema, pela "exposição didática" sobre o Fundo do Audiovisual. "O Juca [Ferreira] passou três horas comigo e eu não entendi o que era". "Está certo que o Juca teve que explicar 300 outras coisas", ressalvou, "mas esta foi a forma mais didática". E prosseguiu: "Se a pessoa faz a apresentação uma vez e a gente não entende, a gente é burro. Se a pessoa faz a segunda vez e a gente ainda não entende, a gente é meio burro. Mas, na terceira vez, burro é quem está explicando".

Hein?
Muito antes do recuo de Franklin Martins, o arquivo em áudio do discurso de Lula registrava um "sifu" cristalino, na contramão do "inaudível" colocado na transcrição da fala. 

Tarja
Não foi a primeira vez que o site da Presidência "editou" Lula. Em 2003, limou-se de discurso feito na Namíbia o trecho "tão limpa que nem parece a África". Em 2004, foi para o ralo todo um discurso feito durante inauguração de obra ao lado de Marta Suplicy em plena campanha eleitoral. 

Gato
Como alternativa temporária ao porto de Itajaí, semidestruído pelas enchentes em Santa Catarina, o governo federal estuda requisitar terminal privado no município de Navegantes, utilizado sobretudo por construtoras. Segundo a senadora Ideli Salvatti (PT-SC), há previsão legal. 

Ajuste
Número dois da Funasa, Josenir Gonçalves, apadrinhado de Jader Barbalho (PMDB-PA), caiu como parte da negociação de paz com o ministro José Temporão (Saúde). Seu substituto é Faustino Barbosa, indicado pelo líder do PMDB na Câmara, Henrique Alves (RN). 

Pressão
O PT fará manifestação dentro do Ministério da Justiça, na segunda, pela demarcação contínua da reserva Raposa-Serra do Sol. O Supremo retoma o caso na quarta. 

Investidores
Itaú e Unibanco, que há um mês anunciaram fusão, injetaram R$ 3,2 mi e R$ 1,2 mi, respectivamente, nas campanhas municipais deste ano. Em São Paulo, o Itaú repassou iguais R$ 450 mil para Gilberto Kassab (DEM) e Marta Suplicy. O Unibanco nada doou à petista. 

Em pauta
A CCJ do Senado agendou audiências públicas para instruir um projeto de lei que estabelece a independência formal do BC. Na terça-feira serão ouvidos Luiz Gonzaga Belluzzo e Joaquim Levy. Uma semana depois será a vez de Henrique Meirelles, Guido Mantega, Armínio Fraga e Gustavo Loyola. 

Em tempo
Independência do Banco Central é um dos temas em que os senadores do PSDB operam em total falta de sintonia com o principal presidenciável do partido. O projeto de lei é de Arthur Virgílio (AM). José Serra não pode ouvir falar no assunto. 

Grande hotel
O Senado já gastou R$ 88 mil com as duas vigílias promovidas por Paulo Paim (PT-RS) em defesa de seus projetos pró-aposentados. A mais recente custou R$ 45 mil, relativos a hora extra, energia elétrica, lanches e papel para impressão dos discursos no jornal interno. 

Dá que é meu
O PT-SP tenta impedir que Pedro Bigardi, ex-petista hoje no PC do B, assuma cadeira vaga na Assembléia. As duas siglas disputaram coligadas em 2006. O lugar "na fila" seria agora dos comunistas, que ameaçam romper a aliança no Estado se não houver recuo.


Tiroteio 

"Essa lei expõe mulheres à chantagem de maridos ameaçados de perder o emprego, o que incentivaria a gravidez indesejada. Em vez de proteger a família, pode ter o efeito contrário." 
Do deputado 
RONALDO CAIADO (DEM-GO), prevendo uma espécie de "baby boom" caso passe também no Senado o projeto de Arlindo Chinaglia (PT-SP) que dá estabilidade a maridos de grávidas.



Contraponto 

Caneladas

Durante concorrida audiência da Comissão de Orçamento com Henrique Meirelles, deputados tucanos pressionavam o presidente do BC a admitir que a crise global afetará o crescimento no Brasil. Quando chegou a vez de chamar Alfredo Kaefer (PSDB-PR), o presidente da comissão, Mendes Ribeiro Filho (PMDB-RS), trocou o prenome do deputado por "Ademir". Mas logo se desculpou:
-É que Ademir Kaefer era meia-direita do Internacional de Porto Alegre nos anos 80...
Como ninguém parecia ter entendido, ele continuou:
-Ademir tinha fama de brigador. Por isso o confundi com o aguerrido deputado Alfredo Kaefer...

CRISTOVAM BUARQUE

Solução definitiva

O Globo - 06/12/2008
 

Não faz muito tempo, o Brasil era um país dividido pelo debate entre idéias: economia aberta ou fechada; privatização ou estatização; democracia ou autoritarismo; socialismo ou capitalismo. Hoje, o debate ideológico se limita a cotas e bolsas. De um lado, os que negam aos pobres e negros o apoio de bolsas e cotas; de outro, aqueles que consideram bolsas e cotas suficientes para resolver o problema da pobreza e do preconceito. Parte da população é contra a distribuição de bolsas para pobres; parte considera que a distribuição de bolsas é suficiente para credenciar um governo. O mesmo acontece com as cotas. Parte é contra usá-las como instrumento para formar uma elite universitária negra; outra parte comemora a existência das cotas como se fosse a solução para todos os problemas que pesam sobre os negros brasileiros. 

Há uma razão que unifica os dois lados do nosso pobre debate: o desprezo aos pobres e excluídos, que caracteriza os formadores de opinião no Brasil. Tanto os que defendem quanto os que criticam bolsas e cotas. 

Aqueles que hoje são contra as bolsas, há séculos são insensíveis à tragédia de um país que condena dezenas de milhões de pessoas à fome e à miséria. Não defenderam no passado a revolução que era necessária para que as bolsas fossem hoje desnecessárias. E os que comemoram as bolsas como o grande mérito de um governo são insensíveis à tragédia de um país que condena parte considerável de suas famílias à necessidade de ajuda. Contentam-se com as bolsas, sem defender a revolução que permitirá abolir a necessidade delas. 

No caso das cotas é ainda mais grave. Os que são contra nunca se sensibilizaram com a exclusão de negros em nossa elite, e temem que vagas da universidade sejam ocupadas por jovens negros com alguns décimos a menos nas notas do vestibular. Os que são a favor de cotas lutam pela reserva de vagas, mas não para que todos terminem o ensino médio em escolas de qualidade; reservam lugares na universidade, mas mantêm a falta de concorrência por causa das multidões excluídas pelo analfabetismo e pela evasão escolar. 

Lutamos para manter privilégios ou incorporar os privilegiados, não para eliminar os privilégios. A crítica ética às bolsas e cotas está na defesa da igualdade educacional: em vez de impedi-las, torná-las desnecessárias. 

A seleção de futebol não precisa de cotas, porque a bola é redonda para todos; chegam lá os mais talentosos e persistentes. Só uma escola "redonda" para todos permitiria abolir a necessidade de cotas e de bolsas. Isso exige uma revolução na educação de base. Mas os defensores e opositores de bolsas e cotas desprezam o radicalismo da solução definitiva: a igualdade de oportunidades para abolir todos os privilégios. Que acabaria com a disputa atual de quem tenta restringir os privilégios ou fazer ter acesso a eles. 

Em um país com ânsia de justiça, bolsas e cotas são necessárias como paliativos, distribuindo pequenas ajudas aos pobres e pingando negros na universidade. Não devemos recusar esses instrumentos de discriminação afirmativos, mas tampouco comemorar a necessidade deles.

O Brasil é um país dividido, com uma sociedade partida. Bolsas e cotas são migalhas necessárias, jogadas de um lado para o outro, mas não levam a uma revolução que abra a porta por onde os excluídos atravessem para a modernidade, vivam plenamente sem necessidade de bolsas ou cotas. Essa porta é a escola igual para todos, capaz de quebrar privilégios e levar o Brasil a um salto civilizatório. 

Diante da pobreza de idéias, divididas na superficialidade e no simplismo, essa opção exige um debate hoje impossível. A prova é que um artigo como este será certamente recusado, tanto pelos que defendem quanto pelos que se opõem às cotas e às bolsas. Acostumados a defender ou condenar migalhas e pingos, lutam para manter os privilégios, sem buscar soluções que permitam dispensar as bolsas e as cotas. Mas isso seria querer demais da elite brasileira: porque não há bolsas nem cotas de lucidez e radicalismo, nem gosto por soluções definitivas. 

CRISTOVAM BUARQUE é senador (PDT-DF).

A CONTA DO CASAL K


O Globo - 06/12/2008
 

Não há país inteiramente preparado para resistir à crise internacional. Alguns estão em melhores condições que outros. Mas poucos estarão tão despreparados como a Argentina, cuja economia já estava debilitada. Ontem, não havia combustível em Buenos Aires. Empresários e trabalhadores dos postos de gasolina deflagraram uma greve de 24 horas, com adesão de 95% e longas filas nas poucas bombas abertas. O setor reivindica rentabilidade mínima e proteção ao emprego - 3 mil postos já fecharam na Argentina, com perda de 40 mil empregos. A dificuldade dos empresários é obter uma resposta do governo, a quem não interessa reajustar preços ou salários por conta de uma inflação de 15% a 25% ao ano, maquiada para ficar nos 8% ou 9%. 

A terapia Kirchner tirou a Argentina do balão de oxigênio na crise de 2001/2002 e permitiu ao país voltar a crescer a partir de níveis de atividade muito deprimidos. O erro foi não ter adaptado o tratamento à melhoria do doente. Insistiu-se no congelamento de preços, na hostilidade ao capital privado e no apoio à estatização, como oposição a medidas vistas como "neoliberais". A situação se deteriorou com a mudança do Kirchner no poder - Cristina assumiu em dezembro de 2007. Hoje, a presidente busca desesperadamente fundos para pagar a dívida e financiar um grande programa de obras públicas que impulsione não só a economia como sua popularidade, estatelada a 20%. 

O casal K parece cego ao bom senso. Em março, quando eram mais elevados os preços das commodities, Cristina conseguiu estragar tudo ao elevar o imposto retido sobre a produção rural, o que resultou num enfrentamento de 102 dias com os produtores, encerrado com a capitulação do governo. 

Em outubro, a presidente obteve do Congresso aprovação para confiscar US$29 bilhões depositados nos fundos de pensão privados - em termos simples, um roubo das aposentadorias dos argentinos. Cristina também baixou legislação com incentivos à repatriação de capitais que fugiram do país, estimados em US$123 bilhões. A Argentina está sem acesso ao escasso crédito internacional em decorrência do calote da dívida de US$95 bilhões em 2001. No momento, suas exportações estão em queda, assim como o preço de commodities como a soja. Por isso, analistas já estimam que haverá dificuldades em relação aos US$28 bilhões de dívidas que vencem nos próximos três anos. A conta dos erros chegou. Para o governo, o melhor será abandonar a arrogância e ter a coragem de fazer os ajustes necessários na economia, inclusive com medidas de austeridade fiscal.

ILIMAR FRANCO

Chororô

 Panorama Político
O Globo - 06/12/2008
 

A bancada do PT na Câmara dos Deputados anda reclamando, mais do que o de costume, de falta de apoio da base governista nas votações e na defesa do governo. Estão ressentidos também da suposta ausência de reconhecimento do Palácio do Planalto dos serviços prestados pelo partido. O Planalto já captou a insatisfação e está organizando jantar com o presidente Lula para agradar aos petistas.

Motivos da insatisfação 

Os desgastes mais recentes foram a tentativa de votação da reforma tributária e a proposta de emenda constitucional, aprovada na Comissão e Constituição e Justiça, que permite a deputados e senadores propor leis sobre assuntos hoje privativos do presidente da República, como criação de cargos, concessão de reajustes para servidores públicos e matéria tributária. O autor é o deputado Leonardo Picciani (PMDB-RJ), e o relator, que recomendou o voto a favor, foi o deputado Flávio Dino (PCdoB-MA). "Que base é essa? Com isso o governo vai ser chantageado diariamente", disse o deputado Antonio Carlos Biscaia (PT-RJ). 

Se houver um amplo entendimento para ajudar o governo, nós não fechamos as portas" - Eduardo Campos, governador (PSB-PE), sobre as eleições para a presidência da Câmara e do Senado 

QUE RACHA? Apesar do impasse no PMDB por causa da presidência do Senado, Pedro Simon (PMDB-RS) afirma que não há um racha no partido. "Briga tem o governador de São Paulo contra o governador de Minas Gerais. Isso é briga", disse ele, referindo-se aos tucanos José Serra e Aécio Neves, que disputam a candidatura do PSDB à Presidência da República. O PMDB está dividido entre lançar candidato e apoiar Tião Viana (PT-AC). 

Arquivado 

O procurador-geral do Ministério Público do RS, Mauro Renner, mandou arquivar o processo que investigava a compra de uma casa pela governadora tucana Yeda Crusius, em dezembro de 2006. A denúncia foi feita pelo PSOL.

Imagem 

Em campanha para a presidência da Câmara, o deputado Ciro Nogueira (PP-PI) tem procurado empresários e representantes da sociedade civil para conversar. Ele quer mostrar que não é um novo Severino Cavalcanti (PP-PE). 

Desconfiança no PT, no PMDB e no PP 

Os petistas não são os únicos estressados com o suposto interesse do ministro José Múcio (Relações Institucionais) na presidência da Câmara. Setores do PMDB e do PP também acham que Múcio quer o cargo. Mas ele nega: "Não tenho deixado margem para que alguém tenha dúvida. Meus candidatos são Tião Viana e Michel Temer". Sobre a conversa com Renan Calheiros (PMDB-AL), disse que fez um apelo em favor de Tião Viana. 

Maravilhas da natureza 

Faltam 26 dias para o final da votação que escolherá as Maravilhas Mundiais da Natureza, organizada pela fundação suíça New7Wonders. O Pão de Açúcar está na briga e, na terça-feira, o tucano Otávio Leite (RJ) vai instalar terminais de votação na Câmara dos Deputados. A instalação dessas urnas funcionou no caso do Corcovado. O Ministério do Trabalho diz que ganhar títulos como esse podem levar à criação de 250 mil novos empregos e gerar receitas de até R$270 milhões. 

O SENADO aprovou, sem contestação, no silêncio da noite de quarta-feira, a criação de 1.665 cargos no TRT da 1ª Região, no Rio. O projeto é de autoria do TST e foi para a sanção presidencial. 

FECHADO. Os senadores do PT vão eleger, na terça-feira, Aloizio Mercadante (SP) líder da bancada. 

COSTURA no PT da Câmara. Cândido Vaccarezza (SP) iria para a liderança e Paulo Teixeira (SP) ficaria com um cargo na Mesa ou com a relatoria do Orçamento. Isso porque Teixeira é da Mensagem, mesmo grupo do líder do governo, Henrique Fontana (RS).

VILLAS-BÔAS CORRÊA

Coisas da Política 

 Lula perdeu o rumo na reta final


Vá lá que a sentença pessimista peque pelo exagero. Mas não tanto que invalide a especulação sobre as possíveis saídas do presidente para encontrar o caminho limpo e o apoio popular nos altos índices ascendentes das pesquisas, dos sucessos da política econômica com mais R$ 300 bilhões de dólares nas arcas do Tesouro, sob a sovina vigilância do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles.

Na contramão, a bagunça na casa das mordomias, das mutretas do pior Congresso desde a queda do Estado Novo, viciado em levar vantagem na negociação do voto e que não dá segurança e tranqüilidade ao governo, mesmo com o alto preço da barganha de ministérios, autarquias, cargos de confiança, controle de obras de milhões de reais, desperdiçados na angústia da necessidade para adquirir o apoio e o voto das legendas que ornamentam o leviano bloco majoritário.

Por falta de experiência, de apreço pelo jogo parlamentar, Lula cometeu erros que passaram despercebidos no período de bonança e hoje mais atrapalham do que ajudam. Certamente, o presidente não precisaria espichar o atrito com o presidente do Senado, Garibaldi Alves, no final do mandato, com a teimosia de abusar das medidas provisórias para trancar a pauta das votações e disputar com o Supremo Tribunal Federal (STF) o controle dos votos e o direito de legislar atropelando o Legislativo. E era tal a segurança do presidente de que talvez não elegesse um poste, mas faria seu sucessor com uma candidatura feita em casa, que lançou numa seqüência de discursos, entrevistas e conversas com jornalistas a candidatura da chefe da Casa Civil, ministra Dilma Rousseff, com 8% na pesquisa divulgada no blog do prefeito Cesar Maia. Os resmungos dos frustrados do PT, que são muitos e com cacife, que sequer sustentam as pretensões a uma vereança municipal.

A ministra-candidata conquistou espaço no Palácio do Planalto e anexos. Um tanto sem jeito, procurou domar o seu temperamento, clarear com sorriso o rosto sempre sério e com a habilidade no manejo do esquema de publicidade oficial operou a mágica de, até agora, espaçar as pesquisas e manter o nome da candidata do presidente fora das listas de aspirantes. Alguns percentuais que furaram o cerco mereceram duas linhas de registros em colunas, e os sinos não bimbalharam. Um dígito não enche o bojo de um candidato a mandato majoritário, de prefeito a presidente.

Mas, sem concorrente em casa, com a oposição a brincar de pique entre as candidaturas do favorito, o governador José Serra, de São Paulo, e o obstinado Aécio Neves, governador de Minas, Lula decidiu apresentar a candidata ao eleitorado, incluindo-a em todas as suas viagens de um campeão de milhagens aéreas no Brasil e no exterior. Com o crachá de responsável pelo Projeto de Aceleração do Crescimento, o PAC de verbas milionárias e obras nas áreas carentes, alem de planos mais ambiciosos de recuperar a malha rodoviária em pandarecos, os portos abandonados nos seis anos dos dois mandatos.

Ora, tanto esforço, empenho, discursos, entrevistas, viagens pelo mundo foi de ladeira abaixo nas enxurradas que castigaram Santa Catarina, Espírito Santo e estado do Rio, com o horror de uma das maiores, senão a maior tragédia da nossa crônica de desleixo com a natureza, de omissão dos governos diante da ocupação de áreas de risco, com casas e favelas equilibradas em morros ou na beira dos rios que costumam inundar amplas áreas nos temporais de anos de enchentes, com mortos, desabrigados, casas destruídas e os milhares de famintos que tudo perderam, menos a vida e não sabem por onde recomeçar.

Lula não se omitiu, demorou a avaliar a dimensão da calamidade. De lá para cá, a corrente da solidariedade da população lota centenas de caminhões com a doação de roupa, calçado, cobertores e sacos de alimento, e complementa a gigantesca mobilização oficial de todo tipo de socorro. A sucessão saiu da primeira página dos jornais, da capa das revistas, do destaque dos noticiários das redes de TV. A ministra-candidata espera a hora de voltar ao palco. Seu lugar continua inabalável na cotação palaciana.

Mas, até que a água escoe, comece o mutirão para a construção de milhares de residências, se normalize o tráfego nas rodovias e na malha ferroviária e os portos retomem parte da rotina, a ministra-candidata terá que esperar.

J.R. GUZZO


REVISTA VEJA
Top de linha

"É muito ruim que as suspeitas sejam tantas e tão freqüentes... o Poder Judiciário, pelo menos ele, deveria estar distante desse tipo de confusão"

Numa época de tantas dúvidas em relação ao presente e ao futuro, o cidadão brasileiro sempre pode contar com algumas certezas básicas. Hoje em dia, pelo mundo afora, tudo parece sujeito a virar do avesso de repente, mas nada consegue mudar, no Brasil, um fenômeno com três faces surgido nos últimos anos. A primeira delas é a fascinação dos Tribunais Superiores da Justiça por construir prédios novos para abrigar suas sedes. A segunda é que todos eles têm de ter as dimensões, a pose e o acabamento de palácios. A terceira é que sempre acabam aparecendo, mais cedo ou mais tarde, sinais de que a contabilidade dessas obras apresenta algum tipo de avaria, às vezes avaria grossa. É o que ocorre, segundo se informou na semana passada, com a construção das novas sedes do Tribunal Regional Federal da 1ª Região e do Tribunal Superior Eleitoral, ambas em Brasília e ambas sob a mira dos auditores do Tribunal de Contas da União. Isso para não falar do Tribunal de Justiça de Minas Gerais; em outubro, as obras de seu novo edifício, cujos custos já ameaçavam bater nos 550 milhões de reais, foram suspensas.

Tudo começou, como se sabe, com o inesquecível juiz Nicolau dos Santos Neto, que presidiu a construção de um monumento para o Tribunal Regional do Trabalho em São Paulo na década de 90, foi condenado a 26 anos de cadeia pelo desvio de 170 milhões de reais e hoje cumpre pena em prisão domiciliar. Deu-se, aí, coisa curiosa. O caso, em vez de assustar possíveis imitadores, produziu efeito contrário – na verdade, abriu os olhos dos interessados em ganhar dinheiro com obras do governo para um novo nicho de mercado. Dali para cá, embora ninguém tenha chegado às alturas do juiz Nicolau, formou-se sobre esse tipo de gastos uma nuvem que não foi mais embora. Há denúncias repetidas de sobrepreço, desperdício e estouros de orçamento. Apontam-se falhas em licitações e contratos. Há problemas nos projetos, nos prazos e no custo dos materiais utilizados. As obras vivem metidas em dificuldades com os tribunais de contas e com o Ministério Público.

É muito ruim, naturalmente, que as suspeitas sejam tantas e tão freqüentes – sobretudo quando se leva em conta que o Poder Judiciário, pelo menos ele, deveria estar distante desse tipo de confusão. Mas isso é apenas uma parte do problema. Mesmo que não houvesse irregularidade nenhuma, a situação toda é difícil de engolir quando se olha mais de perto o conjunto da obra – ou, como diriam os corretores de imóveis, o "memorial descritivo" dos edifícios que estão sendo construídos para as cortes mais elevadas da República. É o que há, em matéria de pretensão, ânsia de gastar dinheiro dos outros e deslumbramento em se ver como "top de linha".

No caso do TRF-1, por exemplo, as salas de cada desembargador têm 350 metros quadrados de área útil. Não há como explicar, por nenhum tipo de raciocínio, por que um funcionário público, ou privado, precisaria de 350 metros quadrados para trabalhar. Menos compreensíveis ainda são os 650 metros quadrados destinados ao presidente do tribunal. É coisa para um Luís XV, pelo menos. Barack Obama não tem isso, e daqui a pouco vai ser presidente dos Estados Unidos; o presidente Luiz Inácio Lula da Silva também não. Lula tem um escritório com um quarto desse tamanho, cerca de 160 metros, e já está mais do que bom – como ele próprio sabe perfeitamente bem, muito pouca gente no Brasil dispõe de um espaço desses para morar com a família toda. Pior ainda, essas obras não servem para nada, do ponto de vista do interesse público – nem os prédios em si, nem os mármores que se põem lá dentro, nem a soma de milhares de metros quadrados que os gabinetes de todos os ministros vão acabar ocupando. A Justiça brasileira não fica nem um pouco melhor nem um minuto mais rápida com nada disso.

Naturalmente, tanto os tribunais como as empreiteiras de obras dão longas explicações para o que estão fazendo; todas elas têm em comum o fato de não fazer sentido. O que há de verdade, no fundo e mais uma vez, é a velha prática do poder público brasileiro de construir o prédio e só depois pensar no serviço que será prestado ali – isso quando se chega a pensar, algum dia, no serviço. O que interessa, mesmo, é a construção. (Se tiver um projeto do escritório Oscar Niemeyer, melhor ainda; vai passar por obra de arte e ele custará muito caro – quase 6 milhões de reais, no caso do TSE.) É o que nos ajuda a entender por que o Brasil, possivelmente, é um campeão mundial de hospitais sem equipamentos, museus sem acervo e bibliotecas sem livros.

DIOGO MAINARDI


REVISTA VEJA
Cof, cof, cof...

"Tenho expectorado continuamente desde setembro, quando meu menorzinho me passou uma tosse. Posso não entender nada de recessão, mas me considero um especialista em matéria de expectoração"

Benjamin Steinbruch, dono da CSN, publicou na Folha de S.Paulo um artigo intitulado "Expectadores da recessão". Assim mesmo: "expectadores" com "xis". Tenho expectorado continuamente desde setembro, quando meu menorzinho me passou uma tosse. Posso não entender nada de recessão, mas me considero um especialista em matéria de expectoração. Por isso, o artigo de Benjamin Steinbruch me fez refletir profundamente. Dá para expectorar uma recessão? Interpretei da seguinte maneira: cada pneumococo é um keynesiano em potencial, com seus estratagemas para contaminar os organismos do estado e sufocar as vias respiratórias da economia. É isso?

Se entendi direito, Benjamin Steinbruch pertence ao partido dos pneumococos keynesianos. Cito um trecho de seu artigo: "Até a semana passada, pacotes para estimular investimentos e consumo num total de 3 trilhões de dólares já haviam sido anunciados por diferentes governos. No Brasil, o caminho é o mesmo. Uma vez que não temos por aqui nenhum problema de solidez no sistema financeiro, a tarefa é direcionar recursos a empreendedores públicos ou privados que efetivamente tenham coragem e competência para gastá-los de forma produtiva". Cof, cof, cof. Considerando todos os recursos que, nos últimos anos, o BNDES direcionou à CSN, como os 900 milhões de reais para a Nova Transnordestina ou os 300 milhões de reais para o Porto de Sepetiba, Benjamin Steinbruch só pode ser um desses corajosos e competentes empreendedores privados que, segundo ele próprio, teriam de ser contemplados com ainda mais dinheiro público. Pergunte ao senador petista Aloizio Mercadante o que ele pensa sobre o assunto. Aposto que ele concorda.

Achei que os keynesianos fossem mais obsoletos do que as escarradeiras dos tuberculosos, para continuar com a analogia pulmonar. Mas me enganei. Eles voltaram. E em sua forma mais agressiva: a dos keynesianos em causa própria, como o presidente da GM, nos Estados Unidos, ou o presidente da CSN, no Brasil. Benjamin Steinbruch, o Hans Castorp da siderurgia nacional, internado em seu sanatório de verbas do BNDES – sim, Thomas Mann, A Montanha Mágica–, conclui seu artigo recomendando que os recursos públicos "sejam realmente gastos e não fiquem debaixo dos colchões de apavorados expectadores da recessão". Como eu sou apenas um espectador comum – um espectador com "esse" –, aconselho o governo a fazer o contrário: é melhor ficar sentado na platéia, de mãos dadas com a chanceler da Alemanha, Angela Merkel, e assistir aos desdobramentos do espetáculo, deixando o dinheiro prudentemente debaixo do colchão. E se um keynesiano em causa própria expectorar em sua orelha, na poltrona de trás, afaste-o imediatamente: ele é contagioso.

SÁBADO NOS JORNAIS

Globo: Congresso e governo criam gastos extras em plena crise

Folha: EUA fecham 533 mil vagas em 1 mês

Estadão: EUA cortam 533 mil empregos

JB: Uma cidade contra o crime

Correio: Nomeação de aprovados em concurso corre risco

Valor: União mantém seus planos para pré-sal, apesar da crise

Gazeta Mercantil: Queda acelerada nas vendas deixa 300 mil carros nos pátios

Estado de Minas: Vereadores correm para aumentar IPTU