terça-feira, março 29, 2011
ARNALDO JABOR
Saudades do futuro
ARNALDO JABOR
O ESTADO DE SÃO PAULO - 29/03/11
Sempre falamos em "cultura brasileira", mas não sabemos exatamente o que é isso, hoje em dia. Cultura é o quê? Uma senhora grega, de camisola, segurando uma tocha? Cultura é uma índia, negra e portuguesa, de cocar e saiote? Cultura é um museu erudito e paralítico que rima com "sepultura"? Fazemos boquinha elegante para falar em "cultura", mas sempre sobra um gosto de alguma coisa em crise, que deve ser salva.
Na tradição de bacharéis colonizados de cartola e fraque, sempre amamos as "coisas do espírito", "a alma minha gentil"ou o "vai-se a primeira pomba despertada", as poesias com que nos embriagávamos nos botequins da República Velha, em meio à febre amarela e varíola.
A impotência política para superar nosso atraso endêmico nos levou a uma supervalorização da "cultura artística". Era nossa ilusão e consolo: "Somos pobres, mas com uma cultura rica...". Senti isso em minha juventude, quando um companheiro me disse: "Não temos nada, mas somos o "sal da terra"". Fazíamos arte, filmes, música como se salvássemos o País. Agora a web é uma cachoeira de criações artísticas. Acabam os poucos artistas criando para muitos.
Antes, o subdesenvolvimento nos dava uma "superioridade" sobre os "falsos problemas europeus", como o absurdismo do teatro de Beckett ou Ionesco, o "existencialismo alienado do social" ou o sinistro comercialismo americano. A pobreza era nossa maior riqueza. Vivíamos na divisão simplista entre "Centro e Periferia", colônia e metrópole, vítimas santificadas do imperialismo cruel. Nossos defeitos institucionais seculares ficavam ocultos, já que a culpa era "dos outros". Chegamos a fazer a glamourização da incompetência. Era a poética da precariedade contra a técnica dos países ricos e "decadentes". Achávamos a miséria uma nova estética - o mito de que o tosco, o povo simples e até o burro são ungidos por uma "verdade sagrada". Essa ideia reacionária rola até hoje, haja vista o carisma triunfal do ex-presidente operário. Minha geração, no cinema e na esquerda, achava que teria um futuro cultural que a salvaria; havia um "geist" artístico em marcha a uma harmonia libertadora. Éramos os "sujeitos" que moldariam a História. Éramos hegelianos e não sabíamos.
No entanto, as mutações culturais mais visíveis (que não enxergávamos) vieram por "irrupções" de causas materiais, de relações de produção industriais e comerciais: a cultura do café e o Modernismo; o "crash" da Bolsa em 29 contribuindo para nossa "identidade" na Revolução de 30; a indústria fonográfica americana e o rádio projetando a música popular dos anos de ouro; a industrialização juscelinista possibilitando a arquitetura, a bossa nova, o cinema novo; a Phillips e outras gravadoras veiculando a música dos anos 60; a TV ensinando o povo a falar e a ver o País. Não éramos marxistas e não sabíamos.
A cultura patriarcal/estatal desde a Colônia nos garantia durante o populismo janguista até 64, que o Estado faria uma revolução tropical e transcendental (vide os delírios de Darcy Ribeiro, por ex.), de modo a tirar o País da "alienação" e salvar, pela arte, os oprimidos. A cultura era uma política.
O golpe de 64 foi uma porrada na utopia. Mas, houve uma vantagem: a derrota nos "ajudou" a ver o atraso de nossas certezas. A ditadura e a depressão dos derrotados nos mostrou que o buraco era mais embaixo e que as forças da história eram mais labirínticas. A esquerda começou a se autocriticar (nem toda, claro - vide os soviéticos que ainda vicejam por aí).
Nos anos 70, a contracultura ampliou repertórios e códigos artísticos, pela loucura do "desbunde" e da subcultura hippie. Houve uma virada mais antropológica que ideológica.
De cabeça para baixo, vimos mais. Valíamos pelo que "não" tínhamos e, se antes éramos vítimas imaginárias do capitalismo, agora éramos vítimas reais da ditadura e passamos a ter uma meta: a liberdade.
Surgiu um novo ente: o mercado. Se Lenin disse que nada existe fora do poder, o capital respondia que nada existia fora do mercado. Para onde ir? O trauma da globalização foi mais profundo que a derrota de 64; ficamos mais informados politicamente, mais cultos, embora, para os mais burros, tenha renascido um neonacionalismo rancoroso e feroz, a ideologia cultural do "bode preto" reforçando conceitos superados: um "mix" de farrapos de esquerda, azedume "punk", pálida tristeza e anseios regressistas.
De repente, outra porrada no voluntarismo de intelectuais e artistas: não há mais futuro. Subitamente o presente nos atacou com uma enxurrada de vida liberada pela era digital na internet.
Sempre falávamos na democratização da cultura, das artes... Pois ela está aí... e não foi o Estado nem o ministério, nem anseios neorromânticos.
Ela esta aí... Bill Gates, Jobs, as redes, os microchips mudaram o mundo... Quem diria?
E agora a mutação é mais intrincada porque não há "uma" ideia nova, uma escola, uma tendência. A mutação atual é a "contribuição milionária" de todos os desejos expressivos. Mudaram todos os suportes, as formas se multiplicam sem parar criando novas significações.
Sabíamos que a era digital mudaria tudo, desde o mundo árabe até a poesia de Shakespeare? Mais uma vez, as coisas criam os homens... Todo mundo pode fazer arte, poesia e a internet é o novo parnaso digital.
Reação romântica: como fazer arte sem futuro, sem finalidade? Sem a ideia de "eterno"? Que será do artista demiurgo, aqueles "poucos falando para muitos", como dialogam Hermano Viana e José M. Wisnik? Agora, em que todos criam para todos, o que é "importante", como dizíamos? O que teria hoje ou amanhã o prefixo "Ur" (alemão) - as coisas fundadoras? Onde está a totalidade?
Há uma revolução de meios sem uma clareza de fins. Como será o mundo árabe? Como será a grande arte? Ainda haverá? Os meios justificam fins desconhecidos. E, vamos combinar, que mesmo na louvação das irrelevâncias, ainda dorme talvez o desejo de um sentido. Olha a encrenca... A própria ideia de um debate sobre essa dúvida já é antiga.
Se fosse proposta a um jovem blogueiro, ele diria: "Pra quê?".
Na tradição de bacharéis colonizados de cartola e fraque, sempre amamos as "coisas do espírito", "a alma minha gentil"ou o "vai-se a primeira pomba despertada", as poesias com que nos embriagávamos nos botequins da República Velha, em meio à febre amarela e varíola.
A impotência política para superar nosso atraso endêmico nos levou a uma supervalorização da "cultura artística". Era nossa ilusão e consolo: "Somos pobres, mas com uma cultura rica...". Senti isso em minha juventude, quando um companheiro me disse: "Não temos nada, mas somos o "sal da terra"". Fazíamos arte, filmes, música como se salvássemos o País. Agora a web é uma cachoeira de criações artísticas. Acabam os poucos artistas criando para muitos.
Antes, o subdesenvolvimento nos dava uma "superioridade" sobre os "falsos problemas europeus", como o absurdismo do teatro de Beckett ou Ionesco, o "existencialismo alienado do social" ou o sinistro comercialismo americano. A pobreza era nossa maior riqueza. Vivíamos na divisão simplista entre "Centro e Periferia", colônia e metrópole, vítimas santificadas do imperialismo cruel. Nossos defeitos institucionais seculares ficavam ocultos, já que a culpa era "dos outros". Chegamos a fazer a glamourização da incompetência. Era a poética da precariedade contra a técnica dos países ricos e "decadentes". Achávamos a miséria uma nova estética - o mito de que o tosco, o povo simples e até o burro são ungidos por uma "verdade sagrada". Essa ideia reacionária rola até hoje, haja vista o carisma triunfal do ex-presidente operário. Minha geração, no cinema e na esquerda, achava que teria um futuro cultural que a salvaria; havia um "geist" artístico em marcha a uma harmonia libertadora. Éramos os "sujeitos" que moldariam a História. Éramos hegelianos e não sabíamos.
No entanto, as mutações culturais mais visíveis (que não enxergávamos) vieram por "irrupções" de causas materiais, de relações de produção industriais e comerciais: a cultura do café e o Modernismo; o "crash" da Bolsa em 29 contribuindo para nossa "identidade" na Revolução de 30; a indústria fonográfica americana e o rádio projetando a música popular dos anos de ouro; a industrialização juscelinista possibilitando a arquitetura, a bossa nova, o cinema novo; a Phillips e outras gravadoras veiculando a música dos anos 60; a TV ensinando o povo a falar e a ver o País. Não éramos marxistas e não sabíamos.
A cultura patriarcal/estatal desde a Colônia nos garantia durante o populismo janguista até 64, que o Estado faria uma revolução tropical e transcendental (vide os delírios de Darcy Ribeiro, por ex.), de modo a tirar o País da "alienação" e salvar, pela arte, os oprimidos. A cultura era uma política.
O golpe de 64 foi uma porrada na utopia. Mas, houve uma vantagem: a derrota nos "ajudou" a ver o atraso de nossas certezas. A ditadura e a depressão dos derrotados nos mostrou que o buraco era mais embaixo e que as forças da história eram mais labirínticas. A esquerda começou a se autocriticar (nem toda, claro - vide os soviéticos que ainda vicejam por aí).
Nos anos 70, a contracultura ampliou repertórios e códigos artísticos, pela loucura do "desbunde" e da subcultura hippie. Houve uma virada mais antropológica que ideológica.
De cabeça para baixo, vimos mais. Valíamos pelo que "não" tínhamos e, se antes éramos vítimas imaginárias do capitalismo, agora éramos vítimas reais da ditadura e passamos a ter uma meta: a liberdade.
Surgiu um novo ente: o mercado. Se Lenin disse que nada existe fora do poder, o capital respondia que nada existia fora do mercado. Para onde ir? O trauma da globalização foi mais profundo que a derrota de 64; ficamos mais informados politicamente, mais cultos, embora, para os mais burros, tenha renascido um neonacionalismo rancoroso e feroz, a ideologia cultural do "bode preto" reforçando conceitos superados: um "mix" de farrapos de esquerda, azedume "punk", pálida tristeza e anseios regressistas.
De repente, outra porrada no voluntarismo de intelectuais e artistas: não há mais futuro. Subitamente o presente nos atacou com uma enxurrada de vida liberada pela era digital na internet.
Sempre falávamos na democratização da cultura, das artes... Pois ela está aí... e não foi o Estado nem o ministério, nem anseios neorromânticos.
Ela esta aí... Bill Gates, Jobs, as redes, os microchips mudaram o mundo... Quem diria?
E agora a mutação é mais intrincada porque não há "uma" ideia nova, uma escola, uma tendência. A mutação atual é a "contribuição milionária" de todos os desejos expressivos. Mudaram todos os suportes, as formas se multiplicam sem parar criando novas significações.
Sabíamos que a era digital mudaria tudo, desde o mundo árabe até a poesia de Shakespeare? Mais uma vez, as coisas criam os homens... Todo mundo pode fazer arte, poesia e a internet é o novo parnaso digital.
Reação romântica: como fazer arte sem futuro, sem finalidade? Sem a ideia de "eterno"? Que será do artista demiurgo, aqueles "poucos falando para muitos", como dialogam Hermano Viana e José M. Wisnik? Agora, em que todos criam para todos, o que é "importante", como dizíamos? O que teria hoje ou amanhã o prefixo "Ur" (alemão) - as coisas fundadoras? Onde está a totalidade?
Há uma revolução de meios sem uma clareza de fins. Como será o mundo árabe? Como será a grande arte? Ainda haverá? Os meios justificam fins desconhecidos. E, vamos combinar, que mesmo na louvação das irrelevâncias, ainda dorme talvez o desejo de um sentido. Olha a encrenca... A própria ideia de um debate sobre essa dúvida já é antiga.
Se fosse proposta a um jovem blogueiro, ele diria: "Pra quê?".
DORA KRAMER
Desordem dos fatores
DORA KRAMER
O ESTADO DE SÃO PAULO - 29/03/11
O Poder Legislativo anda tão fragilizado e desmoralizado que determinadas propostas com teor de subtração flagrante de suas prerrogativas são feitas com naturalidade e até aceitas como perfeitamente lógicas.
Exemplo disso é a sugestão que o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Cezar Peluso, pretende fazer à presidente Dilma Rousseff: o envio dos projetos aprovados no Congresso ao STF antes de sancionados pela Presidência da República, a fim de evitar o exame posterior da constitucionalidade da legislação.
Peluso se manifestou em função da polêmica suscitada pelo exame da Lei da Ficha Limpa e das consequências decorrentes do fato de a decisão ter ocorrido só após as eleições.
"Se houvesse consulta prévia ao STF a Lei da Ficha Limpa não teria gerado tanta discussão sobre sua constitucionalidade", argumentou Peluso ao anunciar, na sexta-feira, que iria apresentar a proposta de controle constitucional prévio à presidente.
Se não é de espantar - dado o papel de irrelevância que o próprio Congresso se impõe -, é de se lamentar a sem-cerimônia com que o presidente do Supremo aborda uma questão cujo conteúdo subtrai poderes do Legislativo e permite que o Judiciário exerça interferência prévia em decisões do Congresso.
Principalmente porque, a despeito de qualquer alteração dessa natureza necessitar de aprovação de três quintos dos parlamentares da Câmara e do Senado (quórum para emenda constitucional), Cezar Peluso achou por bem excluir o Parlamento da discussão, estabelecendo linha direta com o Executivo.
Pode ser um método mais prático, mas não é uma prática condizente com a repartição de Poderes ora em vigor na República. A menos que a proposta do presidente do STF inclua também a revisão desses preceitos, o que requereria uma ampla revisão da Constituição.
Há no Legislativo e no Executivo, instrumentos de controle de constitucionalidade que dispensam a criação do atalho proposto. As Comissões de Constituição e Justiça, no Congresso, e as assessorias da Advocacia-Geral da União, da Casa Civil e do Ministério da Justiça, no Executivo.
Se funcionam precariamente é uma questão que não se resolve fazendo do Supremo um órgão de consultoria permanente.
Vale lembrar, a propósito, que nem o STF está livre de cometer inconstitucionalidades em suas decisões administrativas.
A proposta enviada pelo próprio Peluso tempos atrás ao Congresso sobre a instituição de reajustes automáticos para os salários dos ministros é considerada por integrantes do tribunal como passível de contestação judicial.
Além disso, como pondera o senador Demóstenes Torres, as contestações constitucionais resultantes de leis aprovadas não são significativas a ponto de constituírem um problema institucional, até porque 80% da produção legislativa tem origem em projetos do Executivo. "Que não iria submetê-los ao crivo prévio do STF."
Na opinião do senador, o presidente do Supremo cria uma polêmica desnecessária. "Na questão da Ficha Limpa não podemos esquecer que o impasse só se prolongou porque o ministro Peluso se recusou a dar o voto de Minerva no empate. Não estaria, como argumentou, conferindo-se poder absoluto, mas cumprindo uma prerrogativa que lhe dá o regimento."
Cartório. Marina Silva sabia, evidentemente, com quem estava lidando ao entrar para o PV, presidido há dez anos por José Luiz Penna. Isso naquela ocasião. Agora que ele acaba de renovar o mandato mediante o controle da máquina, são 12 anos de presidência.
De ninguém com essa longevidade no poder pode-se dizer que tenha apreço pela democracia interna, que pressupõe alternância.
O grupo da ex-senadora, no entanto, pareceu apostar que o significativo cacife de 20 milhões de votos obtidos na eleição presidencial lhe daria força para renovar o partido.
De fato, seria uma consequência natural, caso não prevalecesse na política brasileira a mais absoluta desconexão entre a vida cotidiana dos partidos e os momentos eleitorais.
BENJAMIN STEINBRUCH
Valeu
BENJAMIN STEINBRUCH
FOLHA DE SÃO PAULO - 29/03/11
A IMPRENSA americana não achou oportuna a viagem de Barack Obama à América Latina. Enquanto as forças da Otan iniciavam o ataque à Líbia, o presidente dos EUA assistia a apresentações de capoeira e chutava bola com garotos no Rio. Por essa razão, a mídia americana, de olho na Líbia, deu pouco destaque às andanças de Obama no Brasil.
Dada a gravidade da crise na Líbia, Obama tinha motivos de sobra para cancelar a viagem na última hora, mas não o fez, e isso foi, no mínimo, um bom sinal.
Por aqui, a imprensa deu grande destaque à visita, o que é natural. Afinal, trata-se de um presidente carismático da maior economia do mundo em sua primeira viagem ao continente. Mas que resultados podem ser esperados dessa visita?
De imediato, há pouco resultado prático. O principal problema do Brasil em sua relação com os Estados Unidos é o protecionismo americano. Nada mudou nessa matéria. Entre os dez acordos assinados, há um sobre cooperação econômica, cujo objetivo é remover entraves ao intercâmbio comercial entre os dois países e aos investimentos.
Na prática, portanto, prevalece um vigoroso comportamento protecionista por parte dos americanos, cuja mudança, aliás, depende muito do Congresso americano e quase nada de Obama, por mais bem-intencionado que ele esteja.
A entrada de etanol brasileiro nos Estados Unidos, por exemplo, paga uma taxa adicional de US$ 0,54 por galão, o que inviabiliza as vendas. Enquanto isso ocorre para atender ao lobby dos produtores de milho americanos, o petróleo entra livremente naquele país, em flagrante desincentivo ao uso de combustível líquido mais limpo.
Não há espaço para detalhá-las, mas o Brasil sofre com várias outras barreiras protecionistas que prejudicam o acesso de produtos como aço, suco de laranja e carnes ao mercado americano. Nenhuma palavra sobre essas restrições saiu da boca de Obama, ainda que o presidente democrata tenha pouca influência na modificação dessas normas no Congresso americano, agora majoritariamente republicano.
O fato é que o tema número um no contencioso entre os dois países foi tratado genericamente. Isso é péssimo, porque o Brasil amargou um deficit de US$ 7,7 bilhões em 2010 no comércio com os EUA, um recorde. Em 2005 e 2006, o país chegou a obter dois superavit anuais de US$ 9,8 bilhões. Está clara, portanto, a deterioração da qualidade do comércio em prejuízo do Brasil, inclusive porque vendemos cada vez mais produtos primários e cada vez menos manufaturados. Em 2010, só 51% das vendas eram de manufaturas, percentual que chegou a alcançar 72% dez anos antes.
As declarações de Obama, que não focaram esse tema diretamente, portanto, foram mais perfumaria. Ele demonstrou "apreço" pela reivindicação brasileira de um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU, um apoio, se é que se pode dizer assim, muito menos enfático do que o feito por ele em relação à Índia no ano passado.
Os acordos para liberação de voos comerciais podem configurar um avanço, desde que se avalie com cuidado o impacto que isso poderá causar nas companhias aéreas brasileiras, que terão de enfrentar a concorrência direta das gigantes americanas nas rotas entre os dois países.
Nessa mesma área do turismo, nenhum sinal foi dado sobre a odiosa exigência de visto para os cidadãos brasileiros que entram nos Estados Unidos -em represália, o Brasil faz o mesmo com os americanos-, ato que contrasta com o discurso de que o Brasil se tornou um país sério, e não mais "do futuro". É como se disséssemos que o país é sério, mas seus cidadãos, não.
A visita de Obama ao Brasil foi badalada. Ambos os lados se esforçaram para mostrar consideração e respeito. Poucos cartazes de "Obama go home" foram vistos. Embora um grupo radical tenha estourado uma bomba em frente à embaixada americana no Rio, atitude deplorável, o clima foi de cordialidade. Infelizmente, porém, como disseram alguns analistas, a viagem passará para a história mais pelo fato de o presidente americano ter autorizado daqui o ataque à Líbia do que pelos acordos assinados.
VINÍCIUS TORRES FREIRE
Imposto turismo e mais remendos
VINÍCIUS TORRES FREIRE
FOLHA DE SÃO PAULO - 29/03/11
O GOVERNO elevou o imposto sobre gastos com cartão de crédito no exterior, o que também afeta as despesas com viagens internacionais. Taxou o Bolsa Miami, o incentivo para gastar dólares decorrente da combinação de aumento de renda com real forte. Entre outros efeitos, o imposto em tese segura a saída de dólares. Por outro lado, o governo tem aumentado impostos com o fim de segurar a entrada de dólares.
Parece haver um ruído aí, uma contradição na tentativa de evitar tanto a saída como a entrada de dólares. Mas isso é só aparência mesmo, pois o sentido das medidas não é o de controlar o caixa do país em moeda forte, o que já foi um problema grave, mas não é o caso agora.
No momento, parece ocorrer o seguinte: 1) O governo recolhe imposto novo onde pode, a fim de melhorar o balanço das contas públicas. Taxa cartão de crédito no exterior, bebida etc., a fim de compensar gastos extras em salário mínimo e renúncia de receita com a correção da tabela do Imposto de Renda; 2) Por meio de remendos menores, tenta corrigir os excessos de uma economia que está superaquecida.
A taxação da Bolsa Miami seria, a princípio, de uma espécie de imposto corretivo e também "prudencial". Evitaria endividamento excessivo e dolarizado de famílias ou até de pequenas empresas. Em caso de desvalorização abrupta do real, muita gente pode ficar quebrada -tal hipótese e sua consequência parecem agora remotas, mas existem.
Note-se que não se trata de despesa pequena, porém. O gasto com a rubrica "viagens internacionais" das contas externas chegou a 0,8% do PIB, no acumulado de 12 meses encerrados em fevereiro. O saldo do comércio exterior, a diferença entre todas as exportações e importações, foi de 1% do PIB no mesmo período. O deficit externo total do país está em 2,3% do PIB.
A despesa ficara quase tão alta assim apenas em outros períodos de crescimento excessivo e/ou real forte, como nos anos de câmbio fixo de FHC ou imediatamente antes da crise de 2008. Como há entrada até excessiva de capital externo, o gasto enorme com "viagens internacionais" não parece um problema. Mas consumir demais em momento de bonança costuma dar em besteira.
Por outro lado, o governo se preocupa, com razão, com o excesso de entrada de capitais "financeiros". Taxou até estrangular a entrada de dinheiro para Bolsa e aplicações em renda fixa. Quer agora taxar empréstimos externos a fim de evitar também o endividamento excessivo de empresas e especulação doida.
De quebra, pode assim segurar um tico a valorização extra do real e o "excesso de liquidez", pois a entrada de dinheiro barato do exterior dificulta o esfriamento da economia e a contenção da inflação. Porém, pode exagerar na dose, barrar capital demais, provocar uma pequena desvalorização do real e, assim, ficar com ainda mais problemas para conter a inflação.
Parece confuso -e é. Quando se tenta arrumar a casa com gambiarras ou puxadinhos, o resultado é incerto ou por vezes oposto ao desejado. Curto-circuitos e desabamentos.
Mas o governo parece recorrer a essa série de pequenos remendos porque não quer lidar logo e de frente com o problema de base: o consumo, doméstico e externo, é excessivo porque há crédito demais e gasto demasiado do governo.
MARIA CRISTINA FRIAS - MERCADO ABERTO
Usinas solares iniciam operação comercial no Brasil
MARIA CRISTINA FRIAS
FOLHA DE SÃO PAULO - 29/03/11
Os grandes consumidores de energia do Brasil poderão, em breve, adquirir energia solar no mercado livre, ainda que, de início, a preços elevados.
A Eletrosul, empresa do sistema Eletrobras, inicia a construção, em Florianópolis, de uma usina para captar luz do sol. Deve gerar a partir do ano que vem.
Outro projeto, da MPX, entra em operação no final de abril no Ceará.
"Não há parques do tipo no país. Ainda são comuns apenas os coletores residenciais", afirma o presidente da Eletrosul, Eurides Luiz Mescolotto, que embarcou para a Alemanha nesta semana para tratar do financiamento com o banco KfW, instituição que já atua no negócio de crédito de carbono no país.
A usina deve gerar 1,2 GWh/ano. O volume vai para a rede de distribuição.
Ainda incipiente no Brasil, para as empresas que contratarem a energia solar, o modelo deve ser mais útil como marketing. Os preços ainda não foram estimados.
"Vai ser cara por causa dos equipamentos, que são importados, e que, por isso, não podem ser financiados pelo BNDES aqui. Mas vamos oferecer um selo verde, que atesta o uso de energia limpa pela empresa que consumir", afirma.
"É um negócio comum na Europa e está ganhando peso no Brasil", diz Marcelo Mesquita, da Abrava (associação de refrigeração, ventilação e aquecimento).
A MPX já montou 4.680 painéis. Seu projeto começa com capacidade de 1 MW, mas já tem autorização ambiental para 5 MW e área para 50 MW.
Por "questões estratégicas", a empresa também não comenta ainda sobre preços. O apoio financeiro é do BID.
CARRO SEGURADO
Até 50% dos preços dos seguros estão relacionados com o índice de roubos dos carros. As marcas mais visadas por criminosos também se tornaram as que têm apólices mais caras que as concorrentes do mercado.
"O preço dos seguros engloba os riscos de incêndio, colisão, alagamento e roubo, sendo que este item correspondente a cerca de metade do que é pago pelo consumidor", diz o vice-presidente da Porto Seguro Luiz Pomarole.
O modelo Stilo, da Fiat, foi o que registrou maior frequência de roubo em 2010, de 0,76%, segundo a Confederação Nacional das Empresas de Seguros Gerais, Previdência Privada e Vida, Saúde Suplementar e Capitalização. O dado é uma divisão da quantidade de carros roubados pelo total da frota.
"Veículos sem grandes alterações na linha ao longo dos anos têm maior número de sinistros, pois as peças encaixam em qualquer modelo", diz Pomarole.
As locadoras também levam em conta as pesquisas sobre roubo antes de comprar os carros, segundo o presidente do conselho nacional da associação do setor, Paulo Gaba.
REFORMA EM CASA
O escritório Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr. e Quiroga Advogados passou por um processo de reestruturação interna, iniciado em 2009, que considera pioneiro no Brasil.
Uma consultoria norte-americana, Hildebrandt, foi contratada e reformulou a estruturação de cargos, equipes, gestão e remuneração dos advogados e sócios.
Para o advogado e sócio-diretor do escritório, Roberto Quiroga, o modelo, inspirado em escritórios americanos e ingleses, melhorou a gestão interna e o atendimento aos clientes.
"A remuneração passou a ser mais coletiva. Não importa quem traga o cliente, e, sim, o crescimento do escritório. Abolimos remuneração individual e criamos uma avaliação anual feita por um comitê interno."
O escritório alterou a governança. "Hoje, todos os sócios têm direito a um voto. Não importa se está há 30 anos no escritório, como eu, ou se o sócio entrou agora. Um de nós é eleito para ser diretor por três anos."
Ary Oswaldo Mattos Filho voltou ao escritório como presidente.
Tecido...
A Frente Parlamentar Mista para o Desenvolvimento da Indústria Têxtil reunirá 190 parlamentares de 20 legendas, de acordo com a Abit (associação nacional do segmento).
...no Congresso
Entre os objetivos da frente -que será lançada no próximo dia 5 no Congresso Nacional- está a reversão do deficit de US$ 6 bilhões do setor.
Na mesa
Será lançada no Brasil em abril a Fresh Gourmet, empresa americana especializada em complementos para saladas e pratos. A marca atua há cerca de 30 anos na Europa e nos Estados Unidos.
Prioridades...
A Agenda Legislativa da Indústria de 2011, que funciona como um guia da atuação da CNI (Confederação Nacional da Indústria) no Congresso, lista 129 projetos de interesse do setor em tramitação.
...da indústria
A agenda será lançada hoje em Brasília. Entre seus projetos está a reformulação do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica).
Visita
Ricardo Obregon, presidente do Grupo Carvajal, dono das marcas Guia Mais.Com e Listel, visita SP hoje para tratar de negócios entre Brasil e Colômbia.
Novo comando 1
A Century 21 Brasil anunciou, em evento em Las Vegas, que Ernani Assis é seu novo CEO. A empresa tem hoje 78 imobiliárias em 18 Estados do país mais o Distrito Federal. A Century planeja alcançar 200 franqueados até o final deste ano.
Novo comando 2
A partir do dia 1º de abril, a Abraphe (Associação Brasileira dos Pilotos de Helicóptero) será presidida pelo comandante Rodrigo Duarte. Ele assume o cargo após dois mandatos do até então presidente, comandante Cleber Teixeira Mansur.
Brinquedo
A PBKIDS inaugura loja no shopping Iguatemi Alphaville na segunda metade de abril. A rede, que procura parceiros para abrir franquias nas cidades de Cuiabá, Campo Grande, Goiânia, Fortaleza e Natal, investiu R$ 3 milhões na nova unidade.
Visita
O presidente mundial do Grupo Carvajal, Ricardo Obregon Trujillo, dono no Brasil de marcas como Guia Mais.Com, Editel e Listel, visita SP hoje. O executivo participará de evento onde será lançada a nova marca da multinacional colombiana Carvajal no Brasil.
Moradia
A construtora Toctao Rossi vendeu no último final de semana 74% das suas unidades de segmento econômico, do modelo do programa "Minha Casa, Minha Vida", disponíveis na cidade de Goiânia. O valor geral de vendas foi de R$ 20,5 milhões.
com JOANA CUNHA, ALESSANDRA KIANEK e VITOR SION
ROSELY SAYÃO
APRENDIZES E TURISTAS
ROSELY SAYÃO
FOLHA DE SÃO PAULO - 29/03/11
CONSUMIR é muito bom: é um prazer, compensa alguns dissabores da vida e ainda dá status e visibilidade social. A pessoa que consome tem reconhecimento, sente que vive de verdade.
Podemos dizer, hoje, que aquela conhecida afirmação cartesiana "penso, logo existo" foi substituída por "consumo, logo existo".
Assim, pensamos e agimos porque o contexto da vida atual nos leva a dar importância extrema ao consumo, qualquer que seja o tipo.
Entre tudo aquilo que podemos comprar, o lazer tem sido um filão que cresce sem parar. O turismo, em especial, tornou-se um dos principais sonhos de consumo de muitas famílias.
Quem tem filhos pequenos planeja cuidadosamente as finanças, para poder passar uma temporada na praia ou no campo, em algum hotel do tipo resort.
Ah! Que felicidade passar uma semana ou mais descansando a mente e colocando o corpo para trabalhar sob as ordens e a programação do pessoal especializado do hotel, não é verdade?
Mais do que isso: além de você não ter de se ocupar com as suas próprias escolhas durante esses dias, que delícia que é entregar os filhos, para que eles se divirtam o dia todo. E basta apenas aguardar que eles cheguem ao final do dia, exaustos de tantas atividades que fizeram, sem ter de pedir sugestão alguma aos pais.
Já quem tem filhos um pouco maiores ou adolescentes programa uma viagem ao exterior, de preferência.
Faz parte do pacote de ser um consumidor refinado levar os filhos à Disney, fazer compras com eles em outros locais dos Estados Unidos ou -mais sofisticado ainda- passar alguns dias em países da Europa.
Os turistas do mundo do consumo não se ocupam muito com a cultura que uma viagem dessas poderia possibilitar para crianças e adolescentes. Já com as compras... uau!
O grande problema, para quem tem filhos e quer viajar com eles, sejam eles crianças ou adolescentes, é que os preços disparam exatamente no período das férias escolares.
Aliás, não é por acaso que chamamos esse tempo de "alta temporada".
Mas para tudo há um jeitinho. Estamos criando uma nova maneira de contornar os altos preços, de forma a conseguir realizar o sonho da viagem turística em família.
Muitas famílias já começam a fazer viagens de mais de uma semana em pleno período de aulas.
E a escola dos filhos, como é que fica?
Ah, os pais dão um jeito nisso. Alguns comunicam à escola que, por causa da viagem da família, os compromissos escolares deverão ser realizados em outras datas. E as escolas, em geral, atendem, ou melhor, obedecem aos pais dos seus alunos.
O que falta é conversar com os filhos a respeito, fazer com que saibam que eles têm o direito de faltar às aulas dentro de um limite estipulado, mas que terão de administrar isso. Mesmo assim, eles precisam saber, também, que terão de arcar com as consequências das faltas no período da viagem.
Isso pode significar muitas coisas, dependendo da organização da escola e das suas normas de funcionamento.
Se os pais simplesmente resolvem os problemas que geraram para o filho, que lições estão dando a ele?
Que a vida escolar não é de fato tão importante quanto dizem; que não é preciso comprometer-se com as próprias responsabilidades e que tampouco é preciso arcar com as consequências de seus atos e suas escolhas.
E para fechar com chave de ouro a formação deles: consumir é mais importante do que qualquer outra coisa.
Depois, não vale reclamar dos comportamentos dos mais novos resultantes das lições que ensinamos.
CELSO MING
Esvaziamento do MST
CELSO MING
O ESTADO DE SÃO PAULO - 29/03/11
O Estadão de ontem publicou matéria de Roldão Arruda e José Maria Tomazela sobre o esvaziamento do Movimento dos Sem-Terra (MST). Os acampamentos e os militantes estão rareando e é cada vez mais difícil recrutar gente para invadir propriedades.
Os dirigentes do movimento têm duas explicações: (1) o Bolsa Família acomodou os militantes, que agora se contentam com a cesta básica em vez de enfrentar as agruras da lona dos acampamentos; e (2) o aumento do emprego no Brasil, especialmente na construção civil, empurrou muita gente para o mercado de trabalho.
Esse diagnóstico diz muita coisa. Diz, por exemplo, que esse caldo de pobreza em que o MST sempre buscou seus integrantes não se trata com distribuição de terras, mas com políticas de renda, cuja melhor resposta é o Programa Bolsa Família, e não com assentamentos burros e sem futuro. E diz, também, que sem-terra não quer terra, mas, sim, emprego. E isso se resolve com crescimento, não com fatiamento de propriedades.
Há anos, o MST vai perdendo foco. Para disfarçar o esvaziamento, seus dirigentes perpetram barbeiragens tanto ideológicas como programáticas. Tentam, de um lado, responder com a pregação de um socialismo esclerosado, sem contexto histórico. E, de outro, com a adoção de práticas ambientalistas radicais em nada relacionadas com a questão agrária.
Na última década, não se limitaram a invadir propriedades improdutivas. O MST patrocinou centenas de atos que pouco se diferenciam do puro vandalismo. Invadiram e destruíram plantações de eucalipto, cana-de-açúcar, laranjais e canteiros de pesquisas agronômicas, sob a alegação de que essas culturas agridem o meio ambiente ou que, em vez de alimentos, produzem commodities para os mercados - como se a silvicultura e as culturas do algodão e da cana fossem distorções neoliberais. Enfim, comportaram-se como se sua principal função não fosse a distribuição de terras a quem supostamente delas necessita, mas servir de massa de manobra de grupos fundamentalistas.
Outros fatores ajudam nesse processo de definhamento do MST. Um deles é o crescimento do agronegócio, que só acidentalmente tem a ver com a ação de grandes capitais na agropecuária. Está ligado ao maior uso de tecnologia de produção de sementes, de preparo de terra, de plantio, de irrigação, de colheita, de armazenagem e a práticas financeiras modernas, que seguem a trajetória das cotações das commodities, operam no mercado futuro e trabalham com hedge. E tem a ver com a integração da agropecuária às cadeias produtivas e aos mercados de consumo, seja o produtor uma grande empresa agroindustrial ou uma mera unidade familiar. É esse conjunto que está determinando o fracasso de tantos assentamentos.
Em todo o caso, uma é função social de determinadas instituições e outra pode ser a função real. Na cabeça dos fundadores e dos dirigentes, o MST canaliza energias para a reforma agrária e para a ocupação não predatória da terra. Na prática, foi e continua sendo um movimento conservador. Sua principal função não foi além de conter e dar certa disciplina às massas carentes das grandes periferias urbanas para que não criem problemas ao desenvolvimento do País.
MÍRIAM LEITÃO
Risco de inflação
MIRIAM LEITÃO
O GLOBO - 29/03/11
No governo, há quem acredite que a inflação é só sazonal porque normalmente é assim quando é de alimentos. Mas, desta vez, ela está mais duradoura. Mesmo que alguns produtos tenham caído de preço, a queda não é suficiente, e há vários fatores que tornam certas pressões mais permanentes. E nem toda a inflação é de produtos com base agrícola.
- Estou muito preocupado com a inflação porque é o segundo janeiro consecutivo em que o índice de dispersão é de mais de 70% no IPCA (percentual de preços que subiram num índice). Serviços estão com alta forte e vão continuar assim porque refletem a pressão do mercado de trabalho. O resultado é que está havendo uma reindexação. Toda discussão de reajuste de preço começa em 6% - disse José Roberto, da consultoria MB Associados.
O Brasil está importando álcool e gasolina. Esse é o período da entressafra da cana-de-açúcar. Mas não é só por isso:
- Falta cana também, e há um bom motivo para produzir mais açúcar: os preços subiram. As usinas de álcool estão ainda se recuperando da crise de 2008. Muita gente foi apanhada no contrapé com investimentos fortes, endividamento alto. Houve consolidação, redução da produção, atraso no pagamento de fornecedores. Tem produtor de cana que ficou oito meses esperando para receber e não teve capital para ampliar o canavial. O açúcar subiu, e houve aumento da demanda por cana. Tudo isso afetou diretamente a produção de álcool. Além disso, há muito mais carro na rua absorvendo combustível.
Outra fonte de demanda por álcool é a alcoolquímica, segundo José Roberto. Alguns produtos como plástico e solventes começam a ser feitos com base em álcool, para a redução das emissões de gases de efeito estufa. Ele acha que esse processo está só no começo e que novos produtos verdes vão surgir para substituir produtos da petroquímica.
Até recentemente, o único alimento importante que não havia tido aumento significativo de preço tinha sido o arroz. Mas aí houve o terremoto e tsunami no Japão:
- A área onde aconteceu o terremoto produz 40% da produção de arroz do Japão. Ela foi destruída, a água está contaminada. Isso afetará os preços.
Nos últimos anos, houve aumento forte de grãos e carne. Subiram trigo, milho e soja que, junto com a carne, formam a parte mais importante da alimentação. Ainda que tenha havido uma pequena queda de commodities como efeito de crise internacional, eles estão em níveis elevados. Leite também teve aumento forte no mundo. Há produtos que já sentem o efeito direto das mudanças climáticas, então devem continuar com preço alto:
- O café é o exemplo perfeito disso. Há falta de café de qualidade no mundo. Na Colômbia, por exemplo, as áreas produtoras enfrentaram um aumento médio de temperatura de meio grau a um grau centígrado nos últimos 20 anos em comparação com o período anterior. Houve também uma concentração da precipitação. Essa temperatura e a concentração das chuvas fizeram aparecer por lá pragas novas que estão destruindo o café. Uma dessas pragas é a nossa conhecida ferrugem. Dificilmente o preço do café cai a curto prazo.
Claro que continuará a haver oscilação. Em abril, acaba a entressafra da cana-de-açúcar. Os preços oscilam na safra e entressafra, mas não caem aos níveis em que estavam antes da escalada.
Hoje, os preços que não estão subindo são os chamados "tradables", produtos que podem ser importados. E não estão subindo por causa do câmbio. O problema é que a queda do dólar tem outros efeitos negativos para a economia, e o governo luta contra esse fenômeno com medidas como a que anunciou ontem, o aumento do IOF a 6,38% sobre compras de cartão de crédito no exterior. No ano passado, só de gastos na conta turismo foram US$10 bilhões de déficit. A medida é necessária. Mas pode não surtir nenhum efeito, exceto o aumento da arrecadação. E se surtir efeito elevando o dólar, a inflação terá mais um ponto de pressão:
- A inflação de serviços, não há sinal de que vá cair a curto prazo. Nós estamos prevendo, aqui na MB, uma inflação de 9,2% nesses preços. Serviços é o "non-tradable" clássico; não dá para segurar preço importando e a pressão vem do mercado de trabalho muito aquecido e do aumento da indexação.
Esta semana, o Banco Central vai divulgar o Relatório de Inflação, que sai trimestralmente, e os analistas poderão tirar dúvidas sobre qual é a estratégia do BC para enfrentar tantas pressões ao mesmo tempo. Ontem, o relatório Focus do Banco Central, baseado em previsões do mercado financeiro e das consultorias, elevou de novo a previsão de inflação deste ano, para 6%, e do ano que vem. A dúvida é se o BC vai aceitar mais inflação este ano e lutar para convergir para a meta de 4,5% apenas em 2012.
O álcool enfrenta aumento de consumo; redução de investimentos por causa da crise de 2008; e competição com preços do açúcar, que quase dobraram em um ano. O café sofre os efeitos da mudança climática: calor e concentração de chuva estão atingindo a produção na Colômbia. Por vários casos assim é que o economista José Roberto Mendonça de Barros acha que a inflação não vai cair.
RENATA LO PRETE - PAINEL DA FOLHA
Com licença
RENATA LO PRETE
FOLHA DE SÃO PAULO - 29/03/11
Pressionado a tirar do papel em tempo recorde obras de intrincado licenciamento, como o trecho norte do Rodoanel e a duplicação da rodovia dos Tamoios, Geraldo Alckmin prepara pacote de medidas para destravar análises de impacto ambiental. O tucano triplicará o número de municípios aptos a emitir licenças a projetos de pequeno porte, liberando a Cetesb para se dedicar aos grandes empreendimentos.
Hoje, 32 prefeituras estão prontas para dar o aval. A meta é atingir cem até o final de 2012. O governo paulista também estimulará a fixação, pelo Conselho Estadual de Meio Ambiente, de medidas compensatórias que abrandem a resistência de ativistas.
Modelo
O exemplo mencionado de forma recorrente pelo governador é a expansão do aeroporto de Viracopos (Campinas), aprovada por unanimidade no Consema mediante exigência de recuperação de área de cerrado quatro vezes mais extensa do que a atingida pela obra.
Nunca antes 1
O Planalto chamou para a reunião de hoje sobre os tumultos nos canteiros do PAC a Conlutas, central ligada ao PSTU e crítica contumaz do governo. É a primeira vez que a entidade vai à Presidência.
Nunca antes 2
Segundo Atnágoras Lopes, representante dos trabalhadores da construção civil de Belém e Fortaleza, a Conlutas abraçará a pauta comum: acordo coletivo nacional e combate às terceirizações.
À mesa
A paralisação nas obras do PAC estará no cardápio do jantar de Lula e Dilma hoje em Coimbra.
Trabalhismo
Dilma foi convidada pelo secretário-geral Manoel Dias a inaugurar o 5º Congresso do PDT, no dia 26 de agosto em Porto Alegre. Na ocasião, serão comemorados os 50 anos da Campanha da Legalidade de Leonel Brizola, com lançamento de livro que traz documentos inéditos sobre as articulações do então governador para que João Goulart assumisse a Presidência.
Receita
Agora líder nas pesquisas para a Presidência do Peru, Ollanta Humala divulgou documento similar à "Carta ao Povo Brasileiro", lançada pela campanha de Lula, em 2002, para assegurar ao mercado o compromisso com a estabilidade e a manutenção dos contratos.
Alfândega
Entre 2006 e 2010, o governo brasileiro gastou R$ 27 mil para emitir 328 passaportes diplomáticos em caráter excepcional, como os concedidos a Marcos Cláudio, 39, e Luís Cláudio, 25, filhos de Lula, no crepúsculo de seu mandato. Como o documento é tirado sem custo para o beneficiário, a União assume o ônus.
Saia justa
Acompanhado de comitiva, o governador Jaques Wagner (PT) irá à posse, hoje, do baiano Jorge Hereda no comando da Caixa. Geddel Vieira Lima (PMDB), desafeto do governador, assumirá, no mesmo evento, a vice-presidência de Pessoa Jurídica do banco.
Tampão
Confirmada ontem por Alckmin, a exoneração do secretário João Sampaio (Agricultura) estava prevista desde a transição. Sua permanência no novo governo era tida como temporária. A pasta foi oferecida ao PMDB, que agora a considera desidratada, devido à perda dos programas "Bom Prato" e "Viva Leite".
Visita à Folha Herman Voorwald, secretário da Educação do Estado de SP, visitou ontem a Folha, onde foi recebido em almoço. Estava com João Cardoso Palma Filho, secretário-adjunto, Fernando Padula, chefe de gabinete, e Maurício Tuffani, assessor de comunicação.
com LETÍCIA SANDER e FABIO ZAMBELI
tiroteio
"Depois de adotar política de Estado quanto ao Irã, só espero que o Brasil reveja também o alinhamento com países da América Latina que desrespeitam a democracia."
DE CARLOS LERÉIA (PSDB-GO), presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, sobre posição brasileira na comissão de Direitos Humanos da ONU.
contraponto
Estranho no ninhoA audiência do presidente do BC, Alexandre Tombini, na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado foi realizada com a presença de um único parlamentar da oposição, Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP).
Diante de ambiente tão confortável para a base governista, o presidente da comissão, Delcídio Amaral (PT-MS), brincou com o colega:
-Nunca tinha visto uma sessão tão produtiva, serena e silenciosa, não é, senador Aloysio?
Depois desse dia, o tucano se tornou titular da comissão, substituindo o correligionário Aécio Neves.
MERVAL PEREIRA
O que será o PSD?
MERVAL PEREIRA
O GLOBO - 29/03/11
O prefeito paulistano, Gilberto Kassab, precisa definir de uma vez por todas por que deixou o Democratas para fundar o Partido Social Democrático (PSD). Se foi em busca de uma legenda que lhe dê espaço político para continuar uma carreira ascendente até o governo de São Paulo, será um projeto personalista de voo curto.A tentativa de levar a indefinição da legenda às últimas consequências - "Não será um partido nem de direita nem de esquerda nem de centro, mas a favor do Brasil" - fará com que o novo partido surja enfraquecido, embora se anuncie que já tem uma bancada de 43 deputados federais saídos de diversas legendas, até mesmo da base governista.
O receio de assumir uma posição ideológica próxima de sua história política de centro-direita repete o mesmo erro do PFL e de seu sucessor, o Democratas, e retira do novo partido justamente a capacidade de representar um nicho eleitoral que, à falta de opções, votou em Serra e em Marina na eleição de 2010.
Não é isso o que a senadora Kátia Abreu está buscando quando se prepara para trocar o DEM pelo PSD, uma decisão que pode ser fundamental na sua carreira política.
Cogitada para ser candidata à Presidência da República pelo DEM, ou vice na chapa de Serra, a senadora de Tocantins foi vítima desta síndrome política brasileira: ninguém quer ser tachado de conservador, de direitista. Todos são, no máximo, de centro.
Até o senador Agripino Maia, novo presidente do DEM, assumiu negando que seja de direita, dizendo-se de centro-esquerda.
Nenhum político brasileiro se declara "de direita", mas a direita política está sempre presente nos governos formados a partir de 1985, quando Tancredo Neves se elegeu presidente da República numa aliança política antes impensável com os dissidentes do PDS, partido que dava sustentação à ditadura militar.
Pois se Kassab insistir no mesmo erro em que incorre o Democratas, antigo PFL, que tentou diversas vezes preencher esse espaço político e depois recuou, vai criar mais um partido que não se distinguirá dos demais e deixará de ser um contraponto a PT e PSDB, legendas de esquerda que dominam a política nacional há mais de 20 anos.
A senadora Kátia Abreu tem uma explicação simples para esse impasse: todos querem dizer que têm preocupação social e parecem convencidos de que esse sentimento é um monopólio da esquerda.
Como convencer o eleitorado de que essa dicotomia não funciona tão linearmente assim e que ser de direita, ou de centro-direita, não significa ser insensível às necessidades dos mais pobres?
No seu caso, a senadora, que é presidente da Confederação Nacional da Agricultura, tem uma tarefa a mais: demonstrar que o agronegócio reúne mais produtores de classe média e pobres do que grandes agricultores, apontados pelos adversários como vilões do meio ambiente.
Na presidência da CNA, a senadora Kátia Abreu está trabalhando com o governo para mudar o sistema de crédito agrícola, ampliando seu alcance, e tem um objetivo que, segundo ela, coincide com o do governo: promover a ascensão social da maioria dos agricultores, que, ao contrário do que se imagina, encontra-se nas classes C, D e E, e não tem acesso a financiamentos.
Dos cinco milhões de produtores agrícolas, apenas 5% estão nas classes A e B, ressalta Kátia Abreu. Ela vem conversando com o prefeito paulistano, Gilberto Kassab, a respeito do PSD, depois que se desencantou com a atuação do Democratas, especialmente o que chama de "ditadura partidária", que teria levado seu partido a ser dominado por grupos que não dão espaço a políticos independentes.
Uma das principais alterações que ela pretende apoiar, se for para o PSD, é a garantia de que os cargos serão escolhidos através de prévias partidárias, em todos os níveis, até mesmo a presidência da legenda, para a qual está sendo sondada mesmo antes da adesão formal.
A democracia interna seria um diferencial do novo partido, que poderia estimular a atuação partidária de cidadãos que hoje estão alienados da política.
Kátia Abreu está convencida de que existe um nicho eleitoral que o novo partido pode ocupar, representado pela nova classe média ascendente e por todos os anseios e necessidades que virão com ela.
Além do fato de que existe um eleitorado que não vota no PT, que atingiu 44% na última eleição presidencial.
Olhando o mapa da votação do segundo turno na eleição de 2010, Kátia Abreu enxerga bolsões azuis de oposição em áreas dominadas pelo vermelho do PT, como, por exemplo, na região conhecida como Mapito, que cobre os estados do Maranhão, do Piauí e de seu Tocantins.
Numa região dominada pelos votos governistas, produtores rurais que, na sua definição, não vivem das benesses governamentais querem uma candidatura alternativa para seguir produzindo alimentos.
Ela pretende se filiar ao PSD defendendo uma série de posturas liberais que colocariam o novo partido fora da base aliada governista e, mais ainda, longe do PSB, partido ao qual Kassab pretenderia se juntar ao final de um processo político que descaracterizasse uma burla à legislação eleitoral.
Nas conversas que vem tendo com Kassab, a senadora Kátia Abreu garante que essa possibilidade de fusão futura com um partido socialista está fora de cogitação.
A senadora de Tocantins acha que o novo partido não pode repetir o erro de PMDB e Democratas, que não lutaram por ter uma vida própria e tornaram-se satélites de PT e PSDB.
Uma das decisões a serem tomadas pode ser a de lançar uma candidatura própria à Presidência da República em 2014, mesmo que apenas para marcar posição. Não só por ser mulher, mas, sobretudo, por representar o espírito liberal do novo partido, seu nome seria uma escolha provável.
ILIMAR FRANCO
Derrota premiada
ILIMAR FRANCO
O GLOBO - 29/03/11
O ex-senador Osmar Dias (PDT), que concorreu ao governo do Paraná para dar palanque à presidente Dilma Rousseff, terá sua recompensa. Dias vai ser nomeado vice-presidente de Agronegócio do Banco do Brasil. A direção do banco não terá dois políticos. Com isso, o ex-governador José Maranhão (PMDB-PB) ficou de fora. Diferentemente da CEF, a presidente Dilma Rousseff está satisfeita com a gestão do Dida, apelido de Aldemir Bendine, presidente do Banco do Brasil.
Quem tem medo do voto do povo?
O STF terá de se posicionar nos próximos meses sobre temas polêmicos: o aborto de anencéfalos, a união homoafetiva e o programa de cotas raciais. Mas, para o ministro do STF e presidente do TSE, Ricardo Lewandowski, melhor seria se esses temas fossem decididos pela própria população. “As grandes reformas institucionais e constitucionais deveriam ser submetidas à população. Deveríamos inaugurar um novo modo de fazer reformas para dar mais legitimidade a elas”, afirma. Nas duas vezes em que a população decidiu, o establishment político saiu derrotado: parlamentarismo (1993) e desarmamento (2005).
"O Congresso devia aproveitar este ano para fazer as reformas política e tributária. Um dia elas terão de ser feitas” — Jaques Wagner, governador da Bahia
TRABALHO ESCRAVO. O secretário-geral da CNBB, Dom Dimas Lara Barbosa, quer descobrir qual a consistência do presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS). Dom Dimas vai a Maia hoje reivindicar que seja votada em segundo turno a PEC do Trabalho Escravo, que expropria terras de quem mantém trabalhadores nessas condições. O primeiro turno de votação foi em 2003, e de lá para cá os ruralistas falaram mais alto.
Segundo escalão
Depois de oito anos na base aliada, nos governos Lula e Dilma, sem participação no governo, o PSC finalmente terá seu cargo. Emplacou Norman Oliveira na Secretaria Nacional de Programas Urbanos, do Ministério das Cidades.
Verde amarelo
Os governadores pressionam o relator do Código Florestal, deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP), a retirar do texto a moratória de cinco anos para novos projetos agropecuários. Querem viabilizar projetos mantendo a reserva legal.
Pânico no Porto de Santos
Fiscais federais agropecuários estão preocupados com cargas de origem asiática que chegarão ao Porto de Santos, a partir de 11 de abril, por causa do acidente nuclear no Japão. Presidente do Sindicato Nacional dos Fiscais Federais Agropecuários, Wilson Roberto de Sá diz que não há equipamento para medir a quantidade de radiação nos produtos e navios que chegarão ao país. Segundo ele, o equipamento custa cerca de R$ 2.000.
Tucanos
No encontro com cineastas, na sexta-feira, perguntaram à presidente Dilma Rousseff onde ela preferia morar: no Palácio da Alvorada ou na Granja do Torto? Falando sobre o Torto, disse: “Lá, eu adoro os tucanos, como são lindos!”
E pavões
Uma das cineastas aproveitou para emendar: “E dos tucanos do Congresso, a senhora gosta?”. Dilma riu. Outro quis saber do artigo de Nelson Motta, sobre eventual relação política dela com o ex-presidente FH. Dilma foi seca: “Não li”.
LICENÇA. Por motivo de saúde, o presidente do PT, José Eduardo Dutra, deve renovar sua licença do cargo por mais três meses.
AMPARADO. Exonerado da presidência do Incra, o petista Rolf Hackbart foi nomeado assessor especial do ministro Aloizio Mercadante (Ciência e Tecnologia).
“PERCORRENDO MEMÓRIAS” é o título da autobiografia que o médico Aloysio Campos da Paz, fundador da rede de hospitais Sarah Kubitschek, lança quarta-feira, no Salão Negro do Congresso.
CARLOS HEITOR CONY
Laranjas de ontem e de hoje
CARLOS HEITOR CONY
FOLHA DE SÃO PAULO - 29/03/11
RIO DE JANEIRO - Quando ia de trem para o interior do antigo Estado do Rio, ao passar por Nova Iguaçu, logo à saída do ex-Distrito Federal, sentia o cheiro das laranjas que, de um lado e de outro da via férrea, invadia os vagões que perdiam o cheiro de fumaça das velhas locomotivas e ganhavam aquele perfume de sumo, de fruta fresca e encantada, dos imensos laranjais que nos acompanhavam por algum tempo.
Era um cheiro bom, e além do cheiro, também era bom ver as laranjeiras verdes e pejadas de frutos cor de ouro. Tínhamos a impressão de que os laranjais nunca terminavam, eram imensos e eram eternos.
Passou-se o tempo e, por ironia, temos hoje outro tipo de laranja que nos acompanha, que está em toda a parte, no governo e fora dele, no empresariado, na economia, na política, nos esportes, quase na vida diária e pessoal de cada um.
É uma invasão de laranjas, mas laranjas malcheirosas, de péssimo aspecto, que transformam a realidade num truque de mágica, gente que é o que não é; e gente que não é e passa a ser, para efeito de driblar a lei.
Tudo e todos parecem ser laranjas uns dos outros. Onde há dinheiro grosso, concessões de rádio e televisão, alguma forma de poder grossíssimo, há concentração de laranjas que espionam e são espionados, gravam-se fitas e vídeos, aparecem documentos que são e não são legais. O emaranhado que se cria entre o laranja e o seu produtor, ou seja, aquele que o contrata e o paga, é difícil de ser avaliado e dificílimo de ser punido.
Qualquer jogada de peso no mercado cria um laranjal de influências, laranjas que têm dono, algumas se expõem, outras se escondem. E ao contrário das laranjas da antiga Nova Iguaçu, não perfumam o trem em que viajamos.
ALOISIO DE TOLEDO CÉSAR
A Polícia Civil em crise
ALOISIO DE TOLEDO CÉSAR
O Estado de S.Paulo 29/03/11
A crise aberta na Polícia Civil de São Paulo, por motivos diversos, com consequências muito ruins para a segurança de cada um de nós, faz lembrar um braseiro quando fica encoberto pela cinza: quem olha não tem ideia de como aquilo está quente.
Os policiais civis sentem-se desmoralizados e é nesse clima que estão trabalhando, fazendo lembrar a lamentável e surrada imagem do servidor burocrata limitado pelo cartão de ponto a cumprir o horário de trabalho. É como a se polícia judiciária paulista, essencial à instrução dos processos criminais, passasse a fazer o serviço somente por obrigação, sem nenhuma vontade. Percebe-se claramente que a classe caminha para um apagão.
Na raiz dos descontentamentos, entre outros assuntos, está um decreto do então governador José Serra, de 2009, que transferiu a Corregedoria-Geral da Polícia Civil, há décadas subordinada ao delegado-geral, para o gabinete do secretário de Segurança Pública, diretamente ligado e obediente ao governador.
Os delegados ainda não conseguiram deglutir a mudança. Inconformados, levaram o problema à Assembleia Legislativa, por meio de uma proposta de decreto legislativo que susta os efeitos desse mesmo decreto de transferência da Corregedoria-Geral para o gabinete do secretário de Segurança.
O decreto é instrumento legal que exprime ato de vontade do Executivo e não é nada corriqueiro o Legislativo produzir alterações que criem choques políticos entre os dois Poderes. Essa a novidade. Com o reinício das atividades da Assembleia Legislativa, a alteração será apreciada.
O defensor dos delegados e redator da proposta é o deputado Campos Machado, presidente do PTB, parlamentar bastante experiente e com influência entre os colegas. Para onde ele se inclina, costuma conduzir à aprovação ou rejeição da lei em exame. Apesar de manter expressiva ligação com o governador Geraldo Alckmin, ele assumiu a defesa dos delegados e está muito empenhado em aprová-la.
Na exposição de motivos, argumenta que a Corregedoria-Geral da Polícia Civil deve estar permanentemente dentro da estrutura da Delegacia-Geral, por sua essência de auxiliar do chefe maior de polícia e pela autonomia, que seria necessária.
A importância da Corregedoria sempre foi reconhecida no organograma da Polícia Civil, com sua subordinação ao delegado-geral. A modificação dessa competência foi entendida pelos delegados como capitis diminutio, ou seja, uma redução de sua competência, sem que ato igual também alcançasse a Polícia Militar, cuja Corregedoria continua subordinada ao Comando-Geral.
Para quem acompanha há décadas as divergências e competições das duas polícias paulistas, o mal-estar entre ambas não vem a ser novidade. No caso presente, a subordinação da Corregedoria da Polícia Civil diretamente ao secretário de Segurança Pública estaria, de fato, rompendo o equilíbrio que sempre houve entre as Polícias Civil e Militar. Uma delas, a Civil, ficou diretamente subordinada ao secretário de Segurança, que não é delegado, enquanto a outra se mantém subordinada a um coronel militar.
Um dos motivos que contribuíram para a apresentação do decreto legislativo referido - talvez a gota d"água - foi a cena, exposta pelas televisões e pelo noticiário dos jornais, em que uma escrivã de polícia teve as roupas íntimas arrancada por policiais, para revista, na presença de integrantes da Corregedoria. Isso dentro de uma delegacia. Em vez do habitual uso de mulheres para a revista, tudo foi feito por homens, ao mesmo tempo que a policial esperneava e pedia, pelo amor de Deus, que permitissem a realização da tarefa por outra mulher.
O assunto não é novo, mas parece ter ficado encoberto no gabinete do secretário de Segurança. Quando se tornou público, houve mobilização silenciosa de delegados para que o organograma da Polícia Civil voltasse ao que era antes. Porta-voz desse descontentamento, o mesmo deputado Campos Machado dirigiu requerimento ao secretário de Segurança Pública pedindo explicações e perguntando se os integrantes da Corregedoria nesse episódio pertencem efetivamente àquele órgão e se houve orientação para que assim agissem.
Enfim, a crise está aberta. O desgaste e o esperneio silencioso dos delegados de polícia ocorrem num momento em que o próprio Ministério Público investe contra eles. Realmente, recente edição da revista Dialógico, órgão dos promotores de Justiça, cuidou preferencialmente da necessidade de exercer controle externo sobre a atividade policial.
Ao argumento de que a Constituição federal incumbiu o Ministério Público de controlar essa atividade, os promotores de Justiça defendem um controle externo que sob o ângulo de análise dos delegados significaria praticamente uma subordinação, ou seja, como se realizassem os inquéritos não para o Judiciário, mas tão somente para o Ministério Público.
É claro que esse ambiente não ajuda nem um pouco o andamento das ações penais. As convicções externadas pelos promotores de Justiça estão expressas em órgão de classe, dirigidas ao público interno, e por isso é compreensível que transmitam suas convicções.
Mas, ao dizer que as requisições de inquérito devem ser privativas somente deles e que nem mesmo os juízes de Direito teriam competência legal para isso, certamente não agradaram a todos. Nenhum juiz perdeu o sono por causa disso, mas os delegados ficaram feridos, sobretudo por estarem enfrentando um momento difícil, de humilhação.
Sobretudo por receberem os mais baixos vencimentos do Brasil, quatro vezes menos do que recebem os promotores, a chicotada contribuiu para atiçar um pouco mais a fogueira dos descontentamentos.
DESEMBARGADOR APOSENTADO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO.
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