quarta-feira, maio 15, 2024

Aumento da longevidade trará mudanças sociais profundas - Martin Wolf

FOLHA DE SP 16/05/24

Martin Wolf

Comentarista-chefe de economia no Financial Times, doutor em economia pela London School of Economics.


Aumento da longevidade trará mudanças sociais profundas

Pessoas terão que trabalhar por mais tempo e a previdência social precisará ser transformada

FINANCIAL TIMES



Em 1965, a idade mais comum de morte no Reino Unido era no primeiro ano de vida. Hoje, a idade mais comum para morrer é de 87 anos. Essa estatística surpreendente vem de um novo e notável livro, "The Longevity Imperative" [O Imperativo da Longevidade, em tradução livre], de Andrew Scott, da London Business School.

Ele observa também que uma menina recém-nascida no Japão tem 96% de chance de chegar aos 60 anos, enquanto as mulheres japonesas têm uma expectativa de vida de quase 88 anos. O Japão é excepcional. Mas estamos vivendo mais em todos os lugares: a expectativa de vida global é agora de 76 anos para mulheres e 71 para homens (claramente, o sexo mais fraco).

Esse novo mundo foi criado pelo colapso nas taxas de morte dos mais jovens. Em 1841, 35% dos meninos morriam antes de completar 20 anos no Reino Unido e 77% não sobreviviam até os 70 anos.

Em 2020, esses números haviam caído para 0,7% e 21%, respectivamente. Nós praticamente derrotamos as causas de morte precoce, por meio de alimentos e água mais limpos, vacinação e antibióticos. Lembro-me quando a poliomielite era uma grande ameaça. Ela está quase totalmente erradicada, assim como o outrora muito maior perigo da varíola.

Essa é a maior conquista da humanidade. No entanto, nossa principal reação é nos preocuparmos com os custos de uma sociedade "envelhecida". Os jovens adultos e pessoas de meia-idade prefeririam saber que eles e, pior, seus filhos poderiam morrer a qualquer momento? Sabemos a resposta para essa pergunta.

Sim, o novo mundo em que vivemos cria desafios. Mas o principal argumento de Scott é que esse mundo também cria oportunidades.

Precisamos repensar a velhice, tanto individualmente quanto socialmente. Não devemos empurrar uma grande parte de nossa sociedade para uma "velhice" improdutiva e insalubre.

Podemos e devemos fazer muito melhor, tanto individualmente quanto socialmente. Este é o "imperativo" dele. Exceto por um desastre, haverá muito mais pessoas muito idosas: em 1990, havia apenas 95.000 pessoas com mais de 100 anos no mundo. Hoje, há mais de meio milhão, e esse número está aumentando.

Uma grande questão é como as pessoas vão envelhecer. Elas vão desfrutar de uma velhice vigorosa e depois morrer subitamente, ou viveremos "sem olhos, sem dentes, sem nada" por muitos anos impotentes e sem esperança? Scott imagina quatro cenários.

O primeiro são os Struldbruggs de Jonathan Swift, imortais, mas envelhecendo eternamente. O segundo é Dorian Gray de Oscar Wilde, que vive jovem e depois morre subitamente velho. O terceiro é Peter Pan, que é eternamente jovem. O quarto é Wolverine dos quadrinhos da Marvel, que é capaz de se regenerar.

Podemos concordar que o primeiro é terrível. No entanto, parece ser onde estamos: se vivermos o suficiente, tendemos a nos desintegrar lentamente. Mas, talvez, a combinação de uma dieta melhor, mais exercícios e avanços médicos possa oferecer outras possibilidades.

Isso, argumenta Scott, é para onde os esforços devem se concentrar agora, não apenas no tratamento ou, pior, apenas na gestão dos males da velhice, mas na busca por evitá-los.

Isso requer não apenas avanços médicos. A alta desigualdade não é apenas uma questão social e econômica, mas também um risco para a saúde.

A expectativa de vida na China agora é de 82 anos para mulheres e 76 para homens. Surpreendentemente, isso é muito semelhante aos EUA. A expectativa de vida neste país é surpreendentemente baixa para um país tão rico. Isso se deve a enormes desigualdades de saúde.

Segundo Scott: "Nos EUA, a diferença na expectativa de vida entre o 1% mais rico e o 1% mais pobre é de quinze anos para homens e dez anos para mulheres."

No entanto, precisamos mudar não apenas como envelhecemos, mas como pensamos sobre a idade.

O mundo de Dorian Gray, embora ideal, parece improvável. Mas um mundo de Struldbruggs ou Peter Pans seria horrível.

Isso é verdade para o primeiro, porque a maioria de nós não deseja terminar nossas vidas na decrepitude, impondo inevitavelmente também um grande fardo aos membros mais jovens da sociedade. Isso também é verdade para o segundo, porque poucos quererão viver ao lado de seus bisavós. A imortalidade não é para nós.

De forma igualmente clara, um mundo em que a maioria provavelmente viverá até os 90 anos, muitos até mais, precisa ser completamente repensado.

A ideia de 25 anos ou mais de educação, 35 anos de trabalho e depois, digamos, 35 anos de aposentadoria é impossível, tanto para indivíduos quanto para a sociedade. Certamente é insustentável. Também é provável que produza uma velhice vazia para vastas proporções da população.

Será necessário trabalhar por mais tempo por via de regra. Isso também exigirá várias mudanças na carreira ao longo da vida. Em vez de um período de educação, um de trabalho e um de aposentadoria, fará sentido para as pessoas misturarem os três. As pessoas voltarão a estudar, repetidamente. Elas farão pausas, repetidamente. Elas mudarão o que fazem, repetidamente.

Este é o caminho para tornar a longevidade acessível e, tão importante, suportável. Para fazer com que um mundo assim funcione, teremos que reorganizar a educação, o trabalho, as pensões, os estados de bem-estar social e os sistemas de saúde.

As pessoas não mais, por exemplo, irão para a universidade ou receber treinamento apenas quando jovens adultos. Isso será uma atividade ao longo da vida. Novamente, idades obrigatórias ou padrão de aposentadoria serão sem sentido. As pessoas devem ter opções de trabalhar e não trabalhar em várias fases de suas vidas.

Apenas aumentar as idades de aposentadoria de forma geral é ineficiente e injusto, uma vez que a expectativa de vida é distribuída de forma tão desigual. As taxas de contribuição para aposentadoria também precisarão ser alteradas. Hoje, geralmente são muito baixas.

Os sistemas de saúde também devem incorporar totalmente a saúde pública, que se tornará cada vez mais importante à medida que a sociedade envelhece.

Estamos entrando em um novo, velho mundo. Isso é fruto de um enorme sucesso. No entanto, há também um perigo realista de um futuro Struldbrugg para indivíduos e para a sociedade. Se assim for, devemos repensar nossa visão sobre a prioridade de preservar a vida.

segunda-feira, maio 13, 2024

EUA perderam a América Latina para a China

FOLHA DE SP 11/05/24


Igor Patrick

EUA perderam a América Latina para a China

Políticos latinos dizem que em Pequim encontram promessas de investimentos; de Washington, voltam com palestras


Na semana que vem, o Congresso americano vai precisar votar a renovação da concessão de fundos à Corporação Financeira de Desenvolvimento Internacional dos Estados Unidos (DFC, na sigla em inglês), o resultado de uma fusão de várias agências de promoção ao desenvolvimento criado durante o governo de Donald Trump para fazer frente à Iniciativa Cinturão e Rota.

Acompanhei in loco o debate na Câmara e adianto: os argumentos levantados durante a audiência pública sobre o tema deixam claro que os EUA vão perder o trem na competição com a China por influência na América Latina.

Há várias razões para esta conclusão. Para começar, não acho que ninguém minimamente informado acreditou algum dia que a DFC conseguiria fazer frente aos chineses. O fundo que financia as operações da corporação chegam a US$ 60 bilhões, contra quase US$ 1 trilhão prometido pelos chineses no lançamento da Cinturão e Rota.

A distribuição do dinheiro também está sujeita a uma série de requisitos, sendo o pior o fato de que ao criar o órgão, congressistas americanos limitaram a maior parte dos recursos a países classificados de pobres pelo Banco Mundial. Essa regra não faz nenhum sentido, e mesmo os coordenadores da DFC admitem isso. Ao ranquear as economias de países ao redor do mundo, o Banco Mundial não leva em consideração questões como variação cambial, poder de paridade de compra e desigualdade. A própria instituição nem sequer usa apenas essa variável na hora de conceder empréstimos.

Consequentemente, países como o Brasil são classificados de "renda média superior", o que automaticamente nos exclui de receber investimentos substanciais por parte dos americanos. Alguém aí diria que nossa infraestrutura é semelhante à chinesa, outro país posto pelo Banco Mundial sob o mesmo guarda-chuva?

Além disso, o dinheiro que vem de Washington geralmente vem atrelado a uma série de compromissos, como a promoção de reformas políticas e melhora do ambiente de negócios. Não são regras necessariamente ruins, claro, mas atrasam significativamente a aprovação e o recebimento das verbas.

Para um país de tamanho e economia médios, faz pouco sentido esperar anos por um dinheiro que, os chineses, muito mais pragmáticos e desinteressados em interferir na governança doméstica de nações terceiras, conseguem entregar em meses. Políticos latinos também têm por tradição abraçar projetos de infraestrutura que possam mostrar em suas campanhas eleitorais —e o calendário das eleições nem sempre é compatível com o tempo necessário para garantir a sustentabilidade de tais obras.

Por fim, só agora começa a cair a ficha em Washington que a presunção ao tratar a América Latina como seu quintal de influência estava baseada em premissas frágeis. Não me entendam mal, é inegável que os EUA ainda são parceiros essenciais de vários dos nossos vizinhos, mas agora há uma nova opção: a China.

Mesmo assim, não vemos nenhuma movimentação para mudar o panorama. Os EUA estão ocupados demais resolvendo a miríade de disputas políticas internas e agora se veem às voltas com a possibilidade de eleger um candidato abertamente isolacionista.

Não há clima no Congresso para ampliar um auxílio financeiro para atenuar o enorme déficit de infraestrutura na América Latina. O dinheiro disponível está fluindo para o Indo-Pacífico, única região no mundo cuja importância é consenso bipartidário, dada a necessidade de fazer frente aos chineses.

Quando encontro fontes do governo Joe Biden, essas pessoas quase sempre gostam de defender o que vêm fazendo pelos latino-americanos e enunciam de cabeça uma série de projetos na região. É só perguntar sobre o valor empreendido em cada um deles para fazê-los corar e invariavelmente admitir que deveriam estar gastando mais se quiserem competir de verdade com Pequim.

Ao longo dos últimos meses ouvi de dezenas de políticos latinos que, quando viajam à China, voltam para casa com acordos e promessas de investimentos. Dos EUA, voltam com uma palestra sobre o que deveriam estar ou não fazendo. Os cães ladram e o dragão passa.