O Estado de S.Paulo
12 de junho de 2021
Maldição sobre maldição pode parecer exagero, exceto num país sujeito ao desgoverno de Jair Bolsonaro. Se ele tiver sucesso em mais um desatino, a campanha para apressar o abandono da máscara, até o mísero avanço econômico estimado para 2022 estará em risco. Vacinação é hoje uma variável essencial em qualquer projeção econômica. É um tema citado nas primeiras linhas de qualquer estudo prospectivo do Banco Mundial, do Fundo Monetário Internacional (FMI), de outras organizações multilaterais e, é claro, das instituições do mercado. Outras medidas preventivas, como o uso de máscara, também são mencionadas ou pressupostas como simples manifestações de bom senso. Mas nem o senso comum, menos brilhante que o bom senso, tem abrigo seguro no mundo bolsonariano.
A economia brasileira deve crescer 2,31% no próximo ano, segundo a pesquisa Focus, do Banco Central, de 4 de junho. Depois disso a expansão anual ficará em 2,5%, número familiar a quem segue as projeções de médio e de longo prazos. Mas até esse desempenho, muito modesto para um grande emergente, estará em risco se o coronavírus for de novo favorecido pela insensatez política. Mesmo sem referência à pandemia, no entanto, o crescimento mais forte estimado para 2021, cerca de 5%, some dos cálculos quando se trata dos anos seguintes. Pelas projeções, o vigor atual deve esgotar-se até o réveillon, sem deixar resíduos.
É como se a economia nacional estivesse sujeita a uma praga, uma espécie de maldição do ano seguinte ou dos anos seguintes. Surtos de crescimento mais vigoroso são acompanhados, nas projeções, de um rápido retorno à mediocridade, com taxas de expansão na faixa de 2% a 3%. Essa é a primeira praga, já experimentada há um bom tempo. A segunda maldição tem a marca bolsonariana.
Essa nova praga é uma combinação de políticas desumanas e desastrosas no front sanitário, de ações centradas nos interesses eleitorais e familiares do presidente e da negação do planejamento econômico. Não há definição de metas para modernização e crescimento, como se a economia real estivesse pouco presente nas pautas oficiais.
Não há sequer previsão de necessidades próximas. O projeto de Orçamento para este ano foi concluído, no final de agosto, como se fosse possível entrar em 2021 sem o auxílio emergencial e sem políticas anticrise. Tudo foi conduzido como se os problemas ligados à pandemia devessem desaparecer até 31 de dezembro. Além disso, nem mesmo se cuidou da tramitação da proposta orçamentária no prazo normal. A aprovação só ocorreu em abril, acompanhada de uma custosa confusão no manejo do dinheiro público.
Um governo preparado, sério e disposto a retomar o caminho do desenvolvimento teria cuidado, desde o início, de combater a maldição original. Bem conhecida há vários anos, essa maldição está associada ao baixo potencial de crescimento econômico do Brasil.
Investimento escasso em capital físico, educação deficiente, economia fechada, tributação disfuncional, insegurança jurídica, burocracia excessiva e finanças públicas engessadas são problemas conhecidos há muito tempo. São temas citados, há anos, em diagnósticos do Banco Mundial e do FMI, em relatórios de outras instituições multilaterais e na literatura econômica.
A maldição do ano seguinte, ou do baixo potencial, aparece claramente, por exemplo, numa tabela incluída num relatório do FMI publicado em julho de 2017. O documento, produzido no início da recuperação da crise de 2015-2016, apresenta num quadro as taxas de crescimento a partir de 2014 e indica as novas projeções: 0,3% em 2017, 1,3% em 2018 e 2% ao ano entre 2019 e 2022. Sim, a taxa de 2% aparece numa sequência de quatro anos.
Esse relatório trata da visita anual de um grupo técnico. É um trabalho regular de registro e de avaliação das condições e perspectivas de cada país-membro. O texto descreve o cenário depois da recessão, aponta uma recuperação muito moderada, registra o combate recente à inflação, menciona os desafios fiscais e cita o combate à corrupção. Também realça a importância do recém-criado teto de gastos e da esperada reforma da Previdência, assunto já avançado na gestão do presidente Michel Temer.
A maldição é visível também nas novas Perspectivas Econômicas Globais do Banco Mundial. O crescimento estimado para o Brasil em 2021 foi revisto de 3% para 4,5%, mas as previsões caem para 2,5% e 2,3% quando se trata dos dois anos seguintes.
Com vacinação atrasada e lenta, sem ação eficaz para conter os estragos da pandemia, sem planejamento e sem algo digno de ser chamado política econômica, a primeira maldição, a do baixo potencial produtivo, é agravada pela segunda praga, a do desgoverno e dos desatinos bolsonarianos. O presente seria, talvez, menos angustiante se todos pudessem seguir o conselho de Horácio a Leucônoe: desistir de saber o fim reservado a cada um pelos deuses, ter siso, desfrutar os vinhos e colher o dia de hoje, sem confiar no de amanhã. Mas o poeta Horácio parece ter pouca influência entre autores de projeções e leitores do boletim Focus.
JORNALISTA
12 de junho de 2021
Maldição sobre maldição pode parecer exagero, exceto num país sujeito ao desgoverno de Jair Bolsonaro. Se ele tiver sucesso em mais um desatino, a campanha para apressar o abandono da máscara, até o mísero avanço econômico estimado para 2022 estará em risco. Vacinação é hoje uma variável essencial em qualquer projeção econômica. É um tema citado nas primeiras linhas de qualquer estudo prospectivo do Banco Mundial, do Fundo Monetário Internacional (FMI), de outras organizações multilaterais e, é claro, das instituições do mercado. Outras medidas preventivas, como o uso de máscara, também são mencionadas ou pressupostas como simples manifestações de bom senso. Mas nem o senso comum, menos brilhante que o bom senso, tem abrigo seguro no mundo bolsonariano.
A economia brasileira deve crescer 2,31% no próximo ano, segundo a pesquisa Focus, do Banco Central, de 4 de junho. Depois disso a expansão anual ficará em 2,5%, número familiar a quem segue as projeções de médio e de longo prazos. Mas até esse desempenho, muito modesto para um grande emergente, estará em risco se o coronavírus for de novo favorecido pela insensatez política. Mesmo sem referência à pandemia, no entanto, o crescimento mais forte estimado para 2021, cerca de 5%, some dos cálculos quando se trata dos anos seguintes. Pelas projeções, o vigor atual deve esgotar-se até o réveillon, sem deixar resíduos.
É como se a economia nacional estivesse sujeita a uma praga, uma espécie de maldição do ano seguinte ou dos anos seguintes. Surtos de crescimento mais vigoroso são acompanhados, nas projeções, de um rápido retorno à mediocridade, com taxas de expansão na faixa de 2% a 3%. Essa é a primeira praga, já experimentada há um bom tempo. A segunda maldição tem a marca bolsonariana.
Essa nova praga é uma combinação de políticas desumanas e desastrosas no front sanitário, de ações centradas nos interesses eleitorais e familiares do presidente e da negação do planejamento econômico. Não há definição de metas para modernização e crescimento, como se a economia real estivesse pouco presente nas pautas oficiais.
Não há sequer previsão de necessidades próximas. O projeto de Orçamento para este ano foi concluído, no final de agosto, como se fosse possível entrar em 2021 sem o auxílio emergencial e sem políticas anticrise. Tudo foi conduzido como se os problemas ligados à pandemia devessem desaparecer até 31 de dezembro. Além disso, nem mesmo se cuidou da tramitação da proposta orçamentária no prazo normal. A aprovação só ocorreu em abril, acompanhada de uma custosa confusão no manejo do dinheiro público.
Um governo preparado, sério e disposto a retomar o caminho do desenvolvimento teria cuidado, desde o início, de combater a maldição original. Bem conhecida há vários anos, essa maldição está associada ao baixo potencial de crescimento econômico do Brasil.
Investimento escasso em capital físico, educação deficiente, economia fechada, tributação disfuncional, insegurança jurídica, burocracia excessiva e finanças públicas engessadas são problemas conhecidos há muito tempo. São temas citados, há anos, em diagnósticos do Banco Mundial e do FMI, em relatórios de outras instituições multilaterais e na literatura econômica.
A maldição do ano seguinte, ou do baixo potencial, aparece claramente, por exemplo, numa tabela incluída num relatório do FMI publicado em julho de 2017. O documento, produzido no início da recuperação da crise de 2015-2016, apresenta num quadro as taxas de crescimento a partir de 2014 e indica as novas projeções: 0,3% em 2017, 1,3% em 2018 e 2% ao ano entre 2019 e 2022. Sim, a taxa de 2% aparece numa sequência de quatro anos.
Esse relatório trata da visita anual de um grupo técnico. É um trabalho regular de registro e de avaliação das condições e perspectivas de cada país-membro. O texto descreve o cenário depois da recessão, aponta uma recuperação muito moderada, registra o combate recente à inflação, menciona os desafios fiscais e cita o combate à corrupção. Também realça a importância do recém-criado teto de gastos e da esperada reforma da Previdência, assunto já avançado na gestão do presidente Michel Temer.
A maldição é visível também nas novas Perspectivas Econômicas Globais do Banco Mundial. O crescimento estimado para o Brasil em 2021 foi revisto de 3% para 4,5%, mas as previsões caem para 2,5% e 2,3% quando se trata dos dois anos seguintes.
Com vacinação atrasada e lenta, sem ação eficaz para conter os estragos da pandemia, sem planejamento e sem algo digno de ser chamado política econômica, a primeira maldição, a do baixo potencial produtivo, é agravada pela segunda praga, a do desgoverno e dos desatinos bolsonarianos. O presente seria, talvez, menos angustiante se todos pudessem seguir o conselho de Horácio a Leucônoe: desistir de saber o fim reservado a cada um pelos deuses, ter siso, desfrutar os vinhos e colher o dia de hoje, sem confiar no de amanhã. Mas o poeta Horácio parece ter pouca influência entre autores de projeções e leitores do boletim Focus.
JORNALISTA