quinta-feira, novembro 19, 2020

China X EUA: Saiba o que há por trás da guerra do 5G com a Huawei - LUIZ FELIPE SIMÕES

ESTADÃO - 19/11

China X EUA: Saiba o que há por trás da guerra do 5G com a Huawei
Governo dos EUA afirma que a empresa chinesa pode estar espionando seus usuários



“A República Popular da China (RPC) está explorando cada vez mais o capital dos Estados Unidos para obter recursos e permitir o desenvolvimento e a modernização de seus aparatos militares, de inteligência e outros de segurança”. São essas as palavras que o presidente norte americano Donald Trump utilizou para justificar uma ordem executiva que proíbe americanos de investirem em 31 empresas chinesas. Dentre elas, Huawei, China Telecom e Hikvision.

A decisão, que entrará em vigor em janeiro, acirra ainda mais a guerra que começou entre as duas maiores potências do mundo desde que a tecnologia do5G foi anunciada. A batalha travada entre China e Estados Unidos teve início primeiro com as redes e depois se estendeu para os aparelhos da Huawei. Hoje em dia, os smartphones da fabricante chinesa estão impedidos de utilizar o sistema operacional Android e, agora possuem o seu próprio, chamado HarmonyOS.

A companhia chinesa Huawei, fundada em 1987, opera redes em 170 países e emprega mais de 194 mil pessoas. Recentemente, ultrapassou a Samsung como a maior vendedora de smartphones do mundo. Grande parte do sucesso da gigante asiática se deve pelo seu compromisso com a inovação, pois a empresa investe cerca de 10% do seu lucro anual em pesquisa e desenvolvimento.

A fabricante chinesa vem desenvolvendo a tecnologia do 5G desde 2009, tanto internamente como também por meio entidades de padronização. Para os consumidores comuns, a quinta geração da internet móvel permitirá velocidades de download mais rápidas, o desenvolvimento da internet das coisas e também de veículos autônomos.

Do lado econômico, o potencial de geração de riqueza com o 5G é imenso e gira na faixa dos trilhões de dólares. A tecnologia será fundamental para o desenvolvimento das economias nas próximas décadas.

Além dos fatores econômicos, há também os fatores geopolíticos. Informações encontradas nos documentos da NSA (Agência Nacional de Segurança) dos EUA vazados Edward Snowden em 2013 oferecem algumas pistas sobre isso.

Soberania Informacional

Em 2010 a NSA invadiu os servidores da Huawei durante uma operação. A premissa era encontrar traços que pudessem ligar a companhia chinesa ao Exército de Libertação Popular, além de identificar quaisquer vulnerabilidades nos aparelhos, a fim de permitir que a inteligência dos EUA monitorasse os clientes da Huawei inseridos no governo Chinês, como a agência já faz em países como Irã e Paquistão.

De acordo com os documentos vazados por Snowden, a intenção da NSA era clara. “Muitos de nossos alvos comunicam-se por meio de produtos produzidos pela Huawei. Queremos ter certeza de que sabemos como explorar esses produtos e também queremos garantir que manteremos o acesso a essas linhas de comunicação”, explicou o documento.

A dominância da Huawei na tecnologia do 5G poderia vir a ser uma barreira para a supremacia dos EUA na área de inteligência. Isso porque a empresa chinesa não seria tão receptiva sobre pedidos das agências de inteligência dos EUA, como são os seus concorrentes europeus.

Com isso, os EUA passaram a acusar a Huawei de construir caminhos alternativos que permitiriam o regime chinês de espionar os aparelhos. Na última investida do governo americano, o secretário de estado Mike Pompeo ameaçou parar de compartilhar informações com qualquer membro que utilizasse a infraestrutura 5G da Huawei. “Se um país adotar e colocar em alguns de seus sistemas críticos de informação, não vamos poder compartilhar informações com eles”, contou.

Mercado de patentes

Outro ponto importante, mas que pouco se fala a respeito, é em relação às patentes que envolvem a quinta geração da internet móvel. O 5G nada mais é do que um padrão, ou seja, todas as redes e dispositivos que dependem dele deverão estar de acordo com suas especificações, e isso envolve tecnologias patenteadas. Segundo o Le Monde Diplomatique, um celular com wi-fi e tela TouchScreen pode ter mais de 250 mil patentes dentro.

O problema das patentes é que elas acarretam em despesas com licenciamento. A Qualcomm, que venceu a corrida do 2G, tem mais de dois terços das suas receitas vindas da China, e a maior parte dela vem da Huawei. Desde 2001, a Huawei gastou mais de US$ 6 bilhões em royalties, cerca de 80% para empresas americanas.

Hoje em dia as coisas são diferentes, pois a Huawei tem o maior portfólio de patentes relacionadas ao 5G, o que segundo o Le Monde vai de encontro com a distribuição geográfica das patentes, com os EUA e a Europa Ocidental, perdendo terreno para os países asiáticos.

Empresas como a Apple e o Google também são acusadas de espionarem seus usuários. Legisladores dos EUA convocaram representantes das empresas a prestarem esclarecimentos ao comitê de energia e comércio sobre como e quais informações os dispositivos coletam.

Responsabilidade nas promessas - ZEINA LATIF

ESTADÃO - 19/11

Embora com tom mais moderado, Guilherme Boulos repete o nefasto e equivocado discurso populista


Os debates eleitorais têm muito a melhorar. Candidatos da oposição muitas vezes constroem a imagem de que é fácil resolver os problemas e que, se nada foi feito antes, foi por descaso ou desonestidade. A simplificação excessiva, como na campanha de Bolsonaro em 2018, atrapalha a decisão consciente e o amadurecimento do eleitor.

O discurso fácil e eloquente dá voto, pois segmentos da sociedade continuam em busca de “salvadores da pátria”. Porém, cedo ou tarde, chega a fatura, como na decepção de eleitores com o presidente.

É necessário ir além da superficialidade e afastar promessas descabidas, pois enfrentar os desafios do desenvolvimento requer maturidade política.

Os candidatos à reeleição, por sua vez, falham ao não explicitar problemas e diagnósticos, talvez por temerem críticas. Ao final, há uma cumplicidade perversa entre contendores no debate eleitoral, ao evitarem temas polêmicos.

A campanha para a eleição da Prefeitura de São Paulo não foge à regra.

Mal se discute, por exemplo, o grave desequilíbrio da previdência municipal. Em 2019, o rombo foi de R$5,4 bilhões, o que equivaleu a 16% da arrecadação tributária. O déficit atuarial estava em quase R$163 bilhões.

Depois da desistência de Fernando Haddad e o insucesso de João Doria, a reforma da Previdência foi aprovada no fim de 2018. A pressão do funcionalismo foi enorme e houve greve no início de 2019, data escolhida a dedo para coincidir com o calendário escolar, segundo os próprios sindicalistas.

A reforma, porém, foi tímida, prevendo praticamente apenas o aumento da alíquota de contribuição dos servidores de 11% para 14% e a previdência complementar para entrantes com benefício acima do teto do INSS.

Não foi alterada a idade mínima de aposentadoria, diferentemente da reforma federal, que, diga-se de passagem, foi atacada por Guilherme Boulos, candidato do PSOL à Prefeitura de São Paulo. Agora, ele defende mais contratações para aumentar a arrecadação previdenciária do município. Argumento incompreensível.

O jovem político reproduz o discurso da velha esquerda que não acredita em restrição orçamentária e acha que tudo se resolve com mais recursos. Nada se ouve sobre melhorar a gestão nas diversas áreas. A lista de promessas de campanha é inexequível, pela falta de recursos e por contemplar medidas tecnicamente equivocadas.

Para cobrar a dívida ativa, em boa medida irrecuperável neste País de crises frequentes, Boulos promete contratar mais procuradores. Para reduzir a população de rua, propõe usar a rede hoteleira e contratar mais agentes. Para a saúde, mais médicos. E por aí vai.

Promete uma “renda cidadã” paulistana, uma política onerosa e mais adequada para a União, e defende o que chama de economia solidária – por exemplo, a compra de alimentos de pequenos produtores no cinturão verde, fora de São Paulo, para prover escolas. No entanto, em uma grande metrópole, ganhos de escala são necessários para garantir a efetividade das políticas públicas e, ao mesmo tempo, evitar despesas em demasia.

Para financiar seus programas, o candidato diz contar com a recuperação da dívida ativa e com a suposta sobra de caixa – um recurso já comprometido e exigência da Lei de Responsabilidade Fiscal. Ele confunde fluxo com estoque (fluxo de despesa permanente pago com estoque finito de recursos), erro básico, que, de quebra, fere a LRF.

Faltam bons diagnósticos sobre os problemas da cidade, as prioridades e a realidade fiscal.

O próximo prefeito terá muitas outras missões, como povoar e adensar os bairros centrais com infraestrutura urbana, o que reduziria tempo no transporte, pressionaria menos o preço da terra – tema caro ao Boulos – e ajudaria a preservar o meio ambiente, em meio ao aumento de loteamentos ilegais.

Oxigenar o debate público, como fazem alguns candidatos “nanicos”, é saudável. O crescimento de Boulos exige, porém, maior responsabilidade nas propostas. Embora com tom mais moderado, ele repete o nefasto e equivocado discurso populista.

CONSULTORA E DOUTORA EM ECONOMIA PELA USP