segunda-feira, junho 08, 2020

Para Bolsonaro democracia só vale se for a favor - JOSIAS DE SOUZA

UOL - 08/06

A imagem de opositores nas ruas fez com que alguma coisa subisse à cabeça de Bolsonaro. O principal problema do país hoje é a pandemia. Bolsonaro diz que não pode agir contra o vírus. Alega que o Supremo proibiu. Para aproveitar o tempo livre, elege suas próprias priodidades. Avalia que o "grande problema do momento" é o fato de que seus adversários "estão começando a colocar as mangas de fora." Refere-se às manifestações do último domingo. Tomado pelas palavras, Bolsonaro oscila entre a mentira e a autoritarismo.

Bolsonaro mente quando diz que o Supremo o impediu de agir na pandemia. O que o plenário da Suprema Corte fez foi reconhecer que as três esferas da federação —municípios, estados e também a União— têm poderes para adotar medidas relacionadas à saúde. O presidente sabe disso. No mês passado, quando ele atravessou a Praça dos Três Poderes com uma caravana de empresários para despejar a crise no colo do Supremo, o ministro Dias Tofolli o estimulou a coordenar o gerenciamento da crise sanitária a partir de Brasília.

Bolsonaro flerta com o autoritarismo quando se queixa das mangas de fora dos adversários depois de prestigiar por sete semanas seguidas manifestações de rua dos seus devotos. O presidente revela uma visão peculiar de democracia. Para Bolsonaro, democracia começa quando a rua o chama de "mito" e termina quando o asfalto o critica.

A democracia funcionou plenamente no domingo, assegurando aos opositores de Bolsonaro o mesmo direito dos apoiadores do presidente de exercitar a irresponsabilidade sanitária. Ficou entendido que Bolsonaro não é o dono da rua. Se continuar terceirizando responsabilidades em vez de enfrentar os problemas, o presidente logo perceberá que a democracia é um regime em que as pessoas têm ampla e irrestrita liberdade para exercitar a sua capacidade de fazer besteiras por conta própria. Em 2022, a maioria do eleitorado talvez prefira cometer uma besteira diferente.

O Estado e os dados - RONALDO LEMOS

FOLHA DE SP - 08/06

Debate sobre qual regime de dados deve caracterizar o governo tem de ser público


Até há pouco, gestores públicos precisavam se preocupar com questões concretas relacionadas ao patrimônio público: manutenção, consertos, reformas, ampliações etc. No entanto, o Estado —como toda e qualquer instituição no planeta— está sendo transformado e engolido pela economia dos dados.

Decidir qual é a posição que cada país terá com relação a essa questão guarda relação direta com a preservação da democracia e a promoção do desenvolvimento.

Há hoje uma decisão fundamental que cada país precisa tomar: se vai manter a gestão dos dados com que trabalha no âmbito do setor público ou do setor privado. Essa não é uma pergunta para a qual há resposta certa. Mas decidir por que lado seguir tem implicações profundas para cada comunidade política.
Países ricos passam fome na pandemia do novo cornavírus

Na Inglaterra e nos Estados Unidos, o caminho que vem sendo adotado com frequência é a cessão dos dados públicos para entidades privadas. Um exemplo recente são os dados coletados para permitir a resposta à Covid-19.

O governo inglês compartilhou uma lista de “datasets” com empresas privadas, cujo grau de detalhes impressiona. Abrangem o monitoramento de todas as chamadas telefônicas para serviços de emergência, dados de hospitais, dados de toda a cadeia de suprimentos de testes de Covid-19, listas de grupos específicos de pacientes e assim por diante.

Em vez de lidar com esses dados internamente, o governo inglês decidiu contratar empresas privadas (como a Palantir) para fazer o processamento.

A decisão não foi bem recebida. Entidades como a Privacy International enviaram uma série de objeções a esse arranjo e à parceria entre o sistema público de saúde e empresas sediadas no Vale do Silício. Uma das entidades questionou: “É inaceitável que um projeto de larga escala envolvendo dados de pacientes esteja sendo desenvolvido por empresas do Vale do Silício sem transparência pública”.

A crítica é que toda essa operação estava sendo feita sem nenhuma transparência ou debate público prévio. Tanto é que o contrato entre o governo inglês e as empresas envolvidas só foi publicado na sexta (5), depois de muita pressão e ações judiciais.

Esse caso demonstra que o gestor público hoje, além das preocupações com questões concretas de patrimônio, precisa sempre se fazer duas perguntas em qualquer contrato público: qual é o regime de acesso dos dados gerados a partir dos sistemas públicos e qual é o regime de propriedade intelectual (e governança) dos sistemas que regem esses dados.

Essas duas perguntas são extremamente relevantes para o Brasil. Na semana passada, circulou a notícia de que o Serpro, a empresa pública que processa dados do governo federal, está ampliando o uso e até vendendo serviços de empresas privadas com seus próprios serviços.

De novo, não há resposta certa ou errada para essa decisão. Mas, tal como no caso do governo inglês, medidas como essas não são triviais. Produzem impacto por décadas e podem ser em grande parte irreversíveis.

Debater publicamente qual o regime de dados deve caracterizar o governo brasileiro, nos termos da Constituição Federal, é discussão que precisa ser compartilhada de forma informada e prévia com os diversos setores da sociedade.

READER

Já era Esportes de espetáculo só no mundo real

Já é E-esportes (esportes digitais) e videogames virando espetáculo

Já vem E-esportes substituindo as temporadas “reais” de outro esportes durante a quarentena (como a E-Nascar)

Ronaldo Lemos
Advogado, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro.

Tolstói via o casamento como ferramenta social de destruição da vida humana - LUIZ FELIPE PONDÉ

FOLHA DE SP - 08/06

Autor não se sentia muito bem na vida social de salão, muito comum na aristocracia russa de sua época


O conde Liev Tolstói (1828–1910) é conhecido pela sua dura crítica à civilização. Mas, antes de irmos à sua crítica social, lembremos que ele quase se matou.

Tolstói sofreu de depressão parte da sua vida, o que revela que pessoas portadoras desse quadro podem desenvolver grandes obras (e ter uma vida rica), exemplificando um daqueles casos que Freud chamaria de sublimação bem-sucedida: quando você faz do seu sintoma algo construtivo.

Tolstói não se sentia muito bem na vida social de salão, muito comum na aristocracia russa de sua época. Indicativo disso era o fato de que preferia viver na sua propriedade rural, onde nascera, Iasnaia Poliana, à vida urbana. E quando foi obrigado pela esposa a se mudar para a cidade, preferiu a provinciana Moscou à cosmopolita e capital do império, São Petersburgo. E em Moscou, comprou uma casa num bairro proletário, apesar de ser uma excelente propriedade. Tolstói era um homem rico.

Em 1882, Tolstói lançou “Uma Confissão”, publicado aqui pela editora Mundo Cristão. Uma pérola. Neste breve relato de sua depressão, Tolstói vai das dificuldades do apetite e do sono à falta de libido e ao desejo de se matar, passando por discussões com Schopenhauer e seu pessimismo niilista em filosofia, chegando às duras críticas ao cristianismo morto, na sua opinião, da Igreja Ortodoxa Russa, apoiadora da monarquia autocrática czarista.

O grande russo não se matou, graças a Deus. Sua “cura” se deu quando cunhou sua peculiar concepção de cristianismo radicalmente anti-institucional, associado a uma certa idealização da vida do camponês russo, os mujiques, que ele bem conhecia, uma vez que era proprietário de terras e, em alguma medida, dos servos que nelas viviam. Chegou mesmo a criar uma escola para os filhos dos servos e se dedicou a uma vida próxima ao estoicismo, permeada por um culto à natureza e à vida simples, ainda mais arredio ao mundo urbano e civilizado.

Enfim, se curou, não só pela continuidade da sua obra, mas pelo vínculo com a terra e seus servos, num cotidiano muito próximo deles. É claro, Tolstói não era um santinho, teve amantes entre as servas e, provavelmente, filhos com algumas delas. Estamos longe da percepção puritana e infantil que forma o mundo da cultura hoje, que sonha com super-heróis e super-heroínas mortos para o Eros.

E sua crítica à civilização? A descrição da repressão do desejo feminino em Tolstói é muito conhecida em obras como “Anna Kariênina”. Menos conhecidas, talvez, sejam as suas obras em que o grande russo descreve os modos de desespero dos homens dentro dessa mesma civilização. O sofrimento do homem é distinto do da mulher, mas não “menor”. Apesar, é claro, que ao homem casado é permitido continuar a ter amantes, e à mulher casada, não. O esmagamento do homem se dá de outros modos.

Sabe-se que Tolstói via o casamento como uma ferramenta social de destruição da vida humana, por mergulhar os casais num tédio profundo. Aparentemente, sua utopia ao final da vida era uma espécie de vida fraterna e rural entre homens e mulheres, sem desejos carnais violentos, regados a comida vegetariana (ele tornou-se vegetariano). Não nos enganemos: Tolstói virou um niilista contra a vida civilizada conhecida e via com bons olhos uma espécie de socialismo cristão radical.

Em novelas curtas, como “A Morte de Ivan Ilitch” e “Sonata Kreutzer”, Tolstói descreve a destruição de dois maridos pelo casamento e pela ambição masculina materialista.

O primeiro, que chega à morte “por rim móvel” (Tolstói debochava da medicina de sua época), vê o início da felicidade da sua mulher em se livrar do seu marido combalido, depois de ele se dedicar duramente a realizar todos os desejos da esposa continuamente entediada.

O segundo descreve o desespero do marido tentando evitar que sua mulher bela e jovem o traísse com homens jovens, uma vez que ele, o marido, se desgastara tentando “dar tudo do bom e do melhor” para sua família.

Enfim, a depressão e o tédio são doenças que nos invadem de modo invisível e podem ser mortais e contagiosas.

Luiz Felipe Pondé
Escritor e ensaísta, autor de “Dez Mandamentos” e “Marketing Existencial”. É doutor em filosofia pela USP.

Olavo 1,2,3,4,5,6: Ele manda Bolsonaro ser homem - "Militares não valem o que peidam" - Dono da Havan é "inculto e palhaço" - Receita para conter a China é ameaçar não exportar mais a soja!!! REINALDO AZEVEDO



Olavo 1: Ele manda Bolsonaro ser homem, ameaça depô-lo e quer prisão no STF


Olavo de Carvalho, prosélito da extrema direita da Internet, perdeu o juízo só na aparência. Nunca a tirada da personagem Polônio, da peça "Hamlet", de Shakespeare, que já se tornou um clichê, foi tão aplicável a um caso: não é loucura, embora pareça, mas método. Ao vituperar contra Jair Bolsonaro, contra os militares, contra um empresário que já lhe ofereceu ajuda, contra alguns dos seus seguidores, passa a impressão de que está queimando navios.

Não! O diabo é diabo porque é velho, não porque seja necessariamente sábio. E Olavo é esperto. E como! Ou não viveria muito bem com seus cursos na Internet. Fato: é uma das vozes mais influentes junto à família Bolsonaro e reúne fanáticos em penca dispostos a repetir seus bordões, a amar o que ele ama e a odiar o que ele odeia — embora, e ele mesmo admite, não tenham lido, com exceções, os seus livros.

Parece que uma tempestade judicial se abateu sobre ele. Já que mora nos EUA, as pessoas decidiram processá-lo por lá mesmo. Segundo afirma, a causa dos processos são palavras ditas ou escritas por seus acólitos, não por ele. Se for assim, pode ficar tranquilo. Nenhuma pena lhe advirá lá ou aqui. Mas será mesmo? Olavo decidiu pedir ajuda. A seu modo. Como verão.

E seu modo de gritar socorro é atacando — inclusive Bolsonaro. Nenhum líder esquerdista pediu ao presidente até hoje, nem nos protestos de rua, que agasalhasse objetos em um dos extremos do aparelho digestivo. Olavo faz isso. Achando pouco, ameaça derrubá-lo.

Passou esse recado em cinco vídeos em menos de 24 horas. Destaco os trechos, entre aspas mesmo, de sua fala, que seguem em vermelho. Comento em azul. Neste primeiro bloco, estão os ataques dirigidos ao presidente. Vocês verão que o prosélito da extrema direita de Internet pede que Bolsonaro o estatize. Como assim? É isso mesmo! Vamos ver.

Por que é esperteza? Porque ele já está com um olho no ponto futuro. No bloco dos ataques às Forças Armadas, vocês perceberão que não aconteceu aquilo com o que ele certamente contava: uma quartelada. Sente o cheiro de carne queimada e ameaça cair fora. A menos que...

Então é preciso criar uma receita que some em doses calculadas suposta independência; ataque ao establishment; dicção de vítima, perseguida, mas altiva e triunfante, e, bem..., é preciso também ser pidão. Afinal, ele precisa abastecer a despensa.

BOLSONARO E OS COVARDES

"E agora uma mensagem aqui ao presidente da República. O que é que esse homem fez contra os seus inimigos até hoje? Nada! Nunca! De vez em quando, dá uma resmungadinha. Briga com algum cara... Já viu presidente da República discutir com jornalista, meus Deus do Céu!? É isso o que ele faz. [Contra] Os verdadeiros inimigos, não faz nada. Chega o embaixador da China, cospe na sua cara, e você não faz nada. Outro comete crimes diante de você, e você, que tem, pela lei, a autoridade e o dever de dar voz de prisão em flagrante quando vê o crime, você não faz nada! Porque você é aconselhado por generais covardes. Covardes ou traidores ou vendidos, eu não sei".
Observem que, para Olavo de Carvalho, Jair Bolsonaro é um homem muito contido. E a fonte dessa contenção sãos generais que o cercam: vendidos ou covardes.


BOLSONARO, SEJA HOMEM, PORRA!

"Olhe aqui, ô presidente da República! Eu lhe aviso: se você não dá voz de prisão quando você vê um crime em flagrante, você está prevaricando. Quer levar um processo de prevaricação? Quer que eu mova contra você um processo por prevaricação? Se não quer, então mexa-se! Seja homem, porra! Porque você criou fama de valente, mas você não é valente."

"Outra coisa: todos os conselhos que eu dei ao Bolsonaro, desde o começo do governo, ele fez sempre ao contrário. Por exemplo: eu sempre disse: não se briga com instituições, briga-se com indivíduos. Não diga: 'O Globo'. Diga o seu Fulano de Tal. É muito simples. Você [Bolsonaro] não estudou estratégia militar, não? Se você briga com uma instituição, você está unificando o inimigo em vez de dividi-lo, porra! Precisa ser muito inteligente para perceber isso?"

A ignorância jurídica de Olavo é assustadora. Ele achar que pode processar o presidente por prevaricação é de uma estupidez que chega a ser assombrosa.

ERREI, SIM!

"O pessoal acha que eu dito a política para o Bolsonaro. Conversei com o Bolsonaro quatro vezes. A única coisa que ele me perguntou foi a respeito de pessoas que ele queria nomear para ministros, que é uma coisa muito errada perguntar para mim porque eu não tenho qualificação para isso porque eu estou há 15 anos fora do Brasil. Quando eu indiquei o Vélez Rodríguez, eu indiquei o Vélez Rodríguez que eu conhecia vinte anos atrás, sem saber que ela já tava meio gagá. Eu não tenho qualificação suficiente para isso, mas, já que ele pediu a indicação, eu dei. Como ele tinha sugerido meu nome para ministro da Cultura, por uma questão de retribuição, eu sugeri os nomes que ele queria. E sugeri errado! Não me culpo muito por isso porque um homem que está fora do Brasil há 15 anos não tem a obrigação de saber como está a cabeça de ninguém."
Vejam a sem-cerimônia com que admite que indicou, sim, ministros para Bolsonaro, mas atribui apenas ao outro a imprudência. Querendo se descolar dos desastres -- afinal, se o presidente cair, ele precisa continuar a dar "aulas" na Internet --, já tenta se descolar do desastre.

BOLSONARO PRENDENDO MINISTROS DO SUPREMO

"Ele [Bolsonaro] vê o pessoal do STF cometer um crime contra a segurança nacional na cara dele, e ele não dá voz de prisão. Ou seja: isso é prevaricação. O que ele quer? Quer ser derrubado por um processo movido pela esquerda ou por um processo movido pela direita? O que ele quer? Pare de dar ouvidos a isentões, covardes e traidores. Se quer o meu conselho, eu lhe dou, só que agora é tarde, presidente."
Na cabeça de Olavo, vai saber quem lhe disse tal sandice, um presidente da República pode dar voz de prisão a um ministro do Supremo. Isso explica parte da ruindade do governo Bolsonaro. Olavo é sabidamente influente junto ao chefe do Executivo. Daí derivam chiliques como "Acabou, porra!" Acabou quê?

Não só o megalômano acredita que pode processar o presidente por prevaricação como assegura a seus pobres seguidores que o chefe do Executivo pode prender ele mesmo um membro da corte suprema do país.

E não! Ele não está brincando. Meros reprodutores que são de suas teses, o que ele próprio admite, seus seguidores saem por aí a repetir a besteira.

Dá no que dá.



Olavo 2: "Bolsonaro, enfia a condecoração no c... Você nunca me defendeu"

Olavo de Carvalho está revoltado com Jair Bolsonaro porque acha, como se verá, que o presidente não lhe dá o devido amparo. Por essa razão, pede que introduza na parte terminal do aparelho digestivo a condecoração que lhe foi dada.

ENFIA A CONDECORAÇÃO NO...

. Se tivessem processado, não estariam me processando agora. (...) Milícia, gabinete do ódio, existe há m"(vídeo dois) Quando você pega um advogado, e ele pega um processo, isso é muita coisa. Não era para me defender de processo. Era para processar esses caras antes que eles me processassem. Houve tempo para fazer issouito tempo. Foi inventado contra mim, não contra Bolsonaro. E esse Bolsonaro, o que ele fez para me defender? Bosta nenhuma! Chega lá, me dá uma condecoraçãozinha. Enfia a condecoração no seu cu! Se você não é capaz de me defender contra essa gente toda, eu não quero a sua amizade. Porque eu fui seu amigo, mas você nunca foi meu amigo. Então você foi tão meu amigo quanto a Pepa (Joice Hasselmann). Você só tira proveito e devolve o quê? É que nem o Weintraub. Dá uma condecoração. Tá brincando com isso, porra? Você veja: só essas multas que os caras estão cobrando de mim é (sic) para me arruinar totalmente. Como é que eu vou poder sobreviver aqui nos EUA sem um tostão furado? Não dá para fazer isso. Se eu não posso ser remunerado pelo meu trabalho, vou viver do quê? (...) Há décadas, há décadas existe esse gabinete do ódio contra o Olavo, porra! E vem esse presidente dizer que é meu amigo? Você não é meu amigo, não! Você simplesmente se aproveitou. E vai me dar uma condecoração? Enfia a condecoração no cu, tá certo? Eu não quero mais saber. E outra coisa: você não está agindo contra os bandidos. Você vê o crime, você os presencia em flagrante e não faz nada contra eles. Isso chama-se prevaricação. Quer levar um processo de prevaricação da minha parte? Esse pessoal não consegue derrubar o seu governo, eu derrubo. Continue inativo, continue covarde, eu derrubo essa merda desse seu governo. Aconselhado por generais covardes ou vendidos. Eu não sei se são covardes ou vendidos. Eu não sei o que é pior. Tá entendendo?"
Nota-se que Olavo esperava de Bolsonaro ainda mais do que tem: chance de indicar ministros e quadros do segundo escalão. Ele quer, como se verá, proteção.

Com seu estilo muito peculiar, pede ao presidente que dê uma destinação nada ortodoxa para a condecoração que recebeu.


COMO TRATAR A MÍDIA

"Por exemplo, o modo de lidar com a mídia, o presidente sempre lidou de maneira errada. Eu digo: primeiro, não deixe passar nada. O que falam contra você, não discuta e não faça processo cível. Não peça indenização. Faça processo criminal e ponha o filho da puta na cadeia. Se ele for para a cadeia, aí você pode até pedir indenização. O cara [Bolsonaro] vai consultar advogado no Brasil, o cara diz assim: 'processo-crime é demais, vamos fazer um processo cível. Quer dizer: já quer acomodar as coisas. Não siga esses maus conselheiros, presidente! Eu sou um bom conselheiro poque eu não estou cobrando para isso, eu não quero cargo público e não quero recompensa nenhuma. Eu estou falando para o seu bem."
Pôr na cadeia por quê? Por crime de opinião? Note que Olavo mora há 15 anos nos EUA, mas sua cabeça é a do defensor da ditadura militar no Brasil. Desafie-se o sábio a dizer que notícia ou opinião publicada na grande imprensa poderia render cadeia... Já Olavo, este sim, se fosse submetido ao crivo do direito americano, dada a sua compulsão para a ofensa, certamente iria à falência. Parece que está bravo justamente porque seus alvos resolveram escolher o caminho da Justiça. E da Justiça americana.



Olavo 3: Homem antissistema quer ser estatizado. Que se crie a Olavobras!


Nos trechos abaixo, Olavo de Carvalho reclama do excesso de processos, coloca-se como o homem mais perseguido da história da humanidade e cobra que Bolsonaro mobilize seus assessores para defendê-lo. Olavo quer ser estatizado. Ou tombado como Patrimônio Histórico da Humanidade.

TEMPESTADE DE PROCESSOS

"Comunista é assim: se você não os processa pelos crimes que eles cometeram, mais cedo ou mais tarde, eles te processam. É exatamente o que estão fazendo comigo. As mentiras que já inventaram... Inventaram que eu fiz ameaça à mão armada para os meus filhos."

"Quando que eu propus um modelo de sociedade? Nunca na minha vida! Quando eu instruí pessoas? Quando eu dei um curso de liderança política? Nunca dei. Então, como é que eu estou formando uma liderança, meu Deus do Céu? Eu estou formando intelectuais. Então eu reconheço como meus alunos aqueles que estão estudando isso. (...) Eu, somando tudo, tem uns 40 caras que eu considero meus discípulos, por assim dizer. O resto não, meu filho! Você acha que, na política, tem algum? Não tem nenhum! Por quê? Porque só estão interessados na política do dia e na disputa de cargos. O que eu tenho a ver com isso? Bicho, se eu não quero um cargo pra mim, como é que eu vou querer para os outros?"

Fica evidente que Olavo está assustado com a quantidade de processos de que é alvo. E olhem quem reclama! Justamente aquele que cobra que o presidente meta jornalistas e ministros do Supremo na cadeia! As ofensas que Olavo dirige a seus desafetos são proverbiais, inclusive nesses vídeos. Mas, claro, escolhe o lugar da vítima para falar.

USANDO O SEU NOME EM VÃO?

"Então é o seguinte. Até acho que agora é tarde, não adianta mais pedir. Mas eu precisaria ter, no mínimo, uns 10 advogados. Porque os ataques eram tantos, eram milhares e milhares. E não é só no Brasil. É na mídia internacional, gente! Você pensa: como é que eu vou passar o tempo todo me defendendo dessas coisas? O tempo todo rebatendo calúnias. E vou fazer só isso, então? Não vou dar mais curso, não vou escrever nada."

"Na verdade, é o seguinte: já perdi o embalo de escrever. Escrever para brasileiros é perda de tempo. Os caras não leem. [Os adversários] usam uns aos outros como fonte do que o Olavo disse, meu Deus do Céu! Esses processos aí. Ninguém provou que o que eles estão atribuindo a mim é de minha real responsabilidade. Ninguém provou nada e não precisa. Tem lá o nome do Olavo de Carvalho? Já é suficiente."

"Esses filhos da puta usam meu nome, criam páginas com meu nome, achando que estão me promovendo. Quando aparece um processo desses, algum aparece para dizer: 'Não foi o Olavo, fui eu'? Nunca apareceu. Agora, eu tenho meios de sair procurando e pesquisando isso? Gente, eu não tenho como verificar essas coisas. Eu sou um homem de 73 anos. Eu não entendo desse negócio de Internet, porra! Como é que 'véio' pode estar tão atualizado com essa... Toda semana aparecem novos termos técnicos que eu não tenho a menor ideia do que sejam. Eu sei me explicar. Eu sei fazer análise política. E isso é tudo que eu sei fazer. Sei analisar questões filosóficas. Que mais cês querem que eu saiba? Querem que seja um técnico de computador? Querem que eu seja engenheiro? Mas, no Brasil, tem que ser: tem que ser engenheiro, tem que ser contador, tem que ser advogado. Tudo ao mesmo tempo. Se você não sabe fazer isso, ninguém vai te ajudar."

"O movimento olavista só se constitui de assassinos do Olavo. É isso o que vocês são. Vocês estão ajudando a me matar, gente! É isso o que vocês querem. Vocês querem subir na vida às minhas custas. Isso é bum bando de filha (sic) da puta".

"Vocês acham que eles (seus críticos) vão conferir os textos para ver realmente quem disse? Não. Pegam qualquer coisa que tem lá o nome do Olavo de Carvalho... Autoria do Olavo de Carvalho. Que condição tenho eu de fiscalizar isso? Gente, eu estou com 73 anos e sofro de catarata. Para ler coisinha na Internet e difícil. Aumenta a tela... Olha o tamanho do meu computador. Até onde você acha que eu posso aumentar. São cínicos."


Notem que, nesse ponto, Olavo passa um sabão em seus próprios seguidores. São estes os "filhos da puta" em questão. Seriam eles os responsáveis pelos processos de que ele é alvo porque lhe estariam atribuindo, sob o pretexto de homenageá-lo, textos que não são de sua autoria. A ser assim, pode ficar tranquilo. Nada de mal vai lhe acontecer.

O MAIS PERSEGUIDO DA HISTÓRIA DA HUMANIDADE

(vídeo dois) "A primeira milícia foi a milícia antiolavista. Só no Orkut, havia mais de 100 mil páginas de invencionices absurdas contra mim: calúnia e difamação o tempo todo. Como é que você vai falar de 'gabinete do ódio'? Esse gabinete do ódio não foi contra o Bolsonaro. Foi contra mim, que sou apenas um cidadão particular".

(vídeo dois) "Eu pedi, eu implorei, que fizessem ao menos uma antologia, uma história do antiolavismo, um fenômeno inédito na história do mundo, gente! Vocês não sabem medir as coisas, porra! Quer dizer: não tem ideia do tamanho da coisa? Nunca houve contra um cidadão particular um massacre jornalístico e judiciário (sic) deste tamanho! Nunca aconteceu, meu Deus do Céu! Nem contra líderes revolucionários. Nem contra narcotraficantes. E os meus pretensos amigos? Nem para anotar! Nem para contar a história. Aí me mandam: "Mas nós o amamos..." Vai amar a puta que o pariu, rapaz!" Que é que é isto? Pega os seus bons votos e enfia no cu. Vocês não têm vergonha? Eu não tenho amigos, não! Eu tenho dois ou três, que, por enquanto, estão me ajudando."

Megalomania não surpreende em tão exótica figura. Assim como existe a conspiração do comunismo internacional contra o Ocidente cristão, existe a conspiração universal contra Olavão, que é o demiurgo da parte livre do planeta. É espantoso que tantos trouxas caiam na conversa. Mas caem. Essa vítima agressiva que ele inventa é uma criação meticulosa. Ele quer que as pessoas se sintam culpadas. Precisa de recursos e de advogados.

A CRIAÇÃO DA OLAVOBRAS

(vídeo dois) "Então você [Bolsonaro] quer me ajudar? O que é que tem de fazer? Você [Bolsonaro] quer me ajudar? Vamos constituir agora -- poderia ter processado esses filhos da puta dez anos atrás. Esperou que eles me processassem. Agora decidiram agir. Tardiamente, tarde. Para fazer o serviço tarde e porcamente. Mas querem fazer alguma coisa? Vocês têm de se ajuntar entre si. Vocês têm de começar a pesquisar os crimes que foram cometidos contra mim. Eu não tenho condição de fazer isso. Eu estou dizendo para você. Eu não tenho nem visão para ficar catando essas coisas na Internet. (...) Não tenho sequer uma secretária, gente! Agora o presidente não tem assessores para fazer isso? Quantos crimes contra o Olavo você investigou, seu Bolsonaro? Nenhum! Você nem se interessou."
Vocês leram direito! Olavo quer que o Estado brasileiro, sabe-se lá por quê, faça a sua defesa. Cobra que Bolsonaro coloque seus assessores -- pago pelos cofres públicos -- para defender um cidadão privado. E, segundo diz, algo estaria em curso. Que algo? Vai saber.

Também achei encantadora a figura do velhinho que não consegue ler na tela grande do computador. É mesmo? Livro, então, nem pensar, né? A menos que o demiurgo já esteja fazendo download cerebral das obras, como faz da palavra de Deus.



Olavo 4: "Militares não valem o que peidam". E sua obsessão por Felipe Neto


Os militares não deram a quartelada que Olavo de Carvalho esperava. E ele vê os generais como elementos de contenção do extremista que gostaria de ver em Jair Bolsonaro. E olhem que isso nem é exatamente verdade.

GENERAIS CUPINCHAS DO FORO DE SÃO PAULO

"Eu estou vendo o pessoal pisar sobre a honra das Forças Armadas há 30 anos, e nenhum general faz nada, fica tudo quietinho. Ao contrário, vai lá afagar tipos como Aldo Rebelo, afagar comunistas do Foro de São Paulo. É isso que fazem"

"Você [Bolsonaro] é acomodado, como todos os militares. Olhe, gente fardada, hoje em não confio nem em porteiro de prédio mais. Eu já vi o que vocês fazem. Quando apareceu o [Eduardo] Villas Boas, o Luiz [Eduardo] Ramos, né?, puxando o saco do Aldo Rebelo, que é homem do Foro de São Paulo... Gente, foi o Foro de São Paulo que roubou dinheiro do Brasil para dar para o governo da Venezuela. E vocês são cúmplices disso. Quem é puxa-saco de gente do Foro de São Paulo é cúmplice do Foro de São Paulo."

Seus seguidores, basta uma rápida passada pelas redes, acham que o Foro de São Paulo fica em algum prédio secreto na capital paulista. Não têm ideia remota do que seja, mas o veem como um perigo, claro! Acusar os militares brasileiros de viés esquerdista seria de uma sandice ímpar não fosse cálculo. Ao fazê-lo, inflama os idiotas, que cobram, então, dos fardados uma agenda contra o "marxismo cultural" e obediência cega a Bolsonaro.

GENERAIS BURROS E COVARDES

"Os seus [de Bolsonaro] generais não percebem? Não percebem! Porque são burros. Burros e covardes. Isso se não forem traidores. Eu não confio mais em ninguém nas Forças Armadas. Essa gente não vale o que peida. Nunca fizeram nada pelo Brasil. Fazem o quê? Serviço de transporte e de obras públicas. É uma empresa de construção civil e de transportes. É isso o que fazem. Daí vêm se gabar: 'Ah, nós levamos cinco mil injeções (sic) de cloroquina lá para o Nordeste. Cinco mil cloroquinas (sic) cabem dentro de um teco-teco, gente! E os caras vêm se gabar de ter feito essa merdinha? Que que é isso, porra?"
Reitere-se: Olavo achou que os militares iriam querer governar com o porrete na mesa -- quartelada mesmo! Quando percebeu que não aconteceria, passou a atacá-los. Notem que sua verborragia malcriada é dirigida aos generais. O sonho de guerra civil não é apenas de Bolsonaro. Olavo certamente pretende falar aos quarteis de coronel para baixo. O proselitismo bolsonarista já é grande por ali e junto às PMs, o que preocupa oficiais sensatos. Não que se tema um golpe de patentes médias. O que se tenta é evitar a bagunça.

Não por acaso, o primeiro membro do governo que entrou na sua mira foi o general Santos Cruz, cujo discurso em favor da legalidade nunca teve ambiguidade.

Olavo já percebeu que a chance do golpe passou — se é que chegou a existir. E ele precisa manter o mercado de aulas de filosofia para a patota da extrema burrice.

Afinal, Bolsonaro pode cair. Ele não!


OS MILITARES E A SUPOSTA PARCERIA COM CUBA

"Milico só fala das Forças Armadas em tom autoglorificante. Eles começam por mentir que os militares nos livraram do comunismo em 1964. Livraram nada! Eles fortaleceram a posição dos comunistas. O tempo da ditadura militar foi o tempo de maior prosperidade da mídia de esquerda e da indústria do livro esquerdista no Brasil. E do cinema esquerdista também. Encheram essa gente de dinheiro. Deixaram todos livres. No começo, primeiro mês, fizeram uma coisinha, prenderam dois ou três da universidade. E depois mais nada. Só afagaram. O que eles fizeram foi destruir Sete Quedas para dar energia para o Uruguai. Ajuda Cuba a invadir Angola e matar angolano pra caramba. Falam crimes da ditadura. Você quer um crime maior do que isso? Quantos angolanos os cubanos mataram lá? Com a ajuda do Brasil. Em dinheiro, armas e assistência técnica. No mínimo, no mínimo, mataram 10 mil angolanos. O que são 400 guerrilheiros mortos aqui, comparados com 10 mil angolanos inocentes. O governo ajudou a fazer isso. Alguém incluiu isso entre os crimes da ditadura. Não! Porque isso é a favor do comunismo, não é crime!".

Para os idiotas que compram suas burrices, isso deve soar como música. Ocorre que se trata de uma mentira formidável. Observem que inexistem os 10 anos de AI-5 no seu resumo. É asqueroso. Os mortos e desaparecidos da ditadura são, segundo a Comissão da Verdade, 434, mas milhares de pessoas foram torturadas, compulsoriamente aposentadas, perseguidas. Olavo dá de ombros. Afinal, ele gostaria é de uma reedição da ditadura. O ódio aos generais se explica porque estes reconhecem a impossibilidade de levar a loucura adiante. Talvez nem falte vontade.

A colaboração com cubanos e angolanos é uma mentira arreganhada. O Brasil esteve entre os primeiros países a reconhecer a independência de Angola em consonância com uma política externa que buscava marcar um espaço de autonomia, não atuando como mera extensão dos interesses dos EUA — no que, aliás, fez muito bem. A atual submissão a Washington, diga-se, tem rendido apenas joelhadas no queixo de Bolsonaro.

Afirmar que houve colaboração com os cubanos é uma aberração. O que houve, isto sim, foi uma colaboração entre as ditaduras da América do Sul para o assassinato de militantes de esquerda, pouco importando a sua nacionalidade. Ou para a entrega de prisioneiros quando isso era conveniente. A colaboração mereceu um nome: Operação Condor.

Olavo está contando uma mentira para enganar patetas. Como ele mesmo reconhece, ninguém vai se interessar em saber se o que diz é verdade ou não.

A "DÍVIDA" DOS MILITARES COM O BRASIL

"As Forças Armadas não terão o meu respeito enquanto elas não disserem a verdade. E a verdade não é autoglorificação. A verdade seria arrependimento e confissão. 'Olha, nós fizemos isso'. Outro dia, o general Heleno falou uma coisa muito importante: 'Nós, militares, temos uma dívida para com o Brasil'. Este homem falou a verdade. Eu gosto do general Heleno. Ele é sincero. Nós não devemos nada a vocês [militares]. Vocês é que devem ao Brasil. Vocês devem tudo o que vocês não fizeram contra os comunistas. E devem toda essa humilhação a que vocês estão nos submetendo quando aparecem generais dizendo do seu Aldo Rebelo: 'As nossas concepções da segurança nacional são as mesmas. As mesmas do Foro de São Paulo. Você já pensou que maravilha? A segurança nacional está nas mãos do Foro de São Paulo. Que maravilha, né? Seu Aldo Rebelo e mais não sei quantos. Cinco no total. Não preciso dizer os nomes agora. Membros do Foro de São Paulo. Pessoas que, um general que tivesse vergonha na cara não falaria com eles, viraria as costas. Agora esse pessoal é bom pra quê? Quando foi na posse da Dilma, fizeram um muro isolando o povo e fizeram lá os soldados brincar de cirandinha para divertir a presidente. Quer dizer... É uma desonra para o nosso Exército. Soldado não pode dançar cirandinha, meu Deus do Céu! Que palhaçada é essa? Vocês falam tudo isso e ainda se gabam? E falam das heroicas Forças Armadas? Talvez tenham sido heroicas. Foram de fato. Se você estudar a história da Segunda Guerra, os nossos soldados de fato foram heroicos. Mas essa gente que está aí não merece eles. Vocês não merecem falar em nome das gloriosas Forças Armadas. Vocês devem falar em nome das rebaixadas Forças Armadas".
Proselitismo para inflar os quarteis contra os generais. É esse o objetivo. E, como se nota, Olavo acha que a ditadura foi branda.

Bolsonaro disse certa feita que o regime militar deveria ter fuzilado uns 30 mil. Olavo não chega a dar um número. Dado o que entende por Justiça, a gente pode imaginar.

Não há muito o que esperar de quem afirma que a mídia esquerdista floresceu na ditadura com a colaboração dos generais. Vai ver é porque havia censores que atuavam dentro das redações, não é mesmo?

Este senhor é patético.


GENERAL HELENO, O AMIGÃO

"Agora o senhor [Bolsonaro] acha que esses generais estão falando para o seu bem, é? Cê é louco! O que esses generais entendem de ciência política e, sobretudo, o que eles entendem de guerra cultural, meu Deus do Céu? (...) O senhor quer conselho de general? Segue conselho de general. Vê no que está dando. Hoje em dia, meu filho, os generais têm medo do Felipe Neto. O Felipe Neto dá uma bronca neles, eles ficam todos quietinhos."

(vídeo três) "Eu nunca disse uma palavra contra o [general Augusto] Heleno. Falei a favor dele. Acabei de falar. Na própria gravação. Disse que o considero um homem bom. Que fofocagem é essa?"

Felipe Neto tem de tomar banho de sal grosso. Olavão está obcecado por ele. Vai ver é porque tem posto seu peso gigantesco nas redes sociais a serviço da tolerância, da democracia, do Estado de direito, da pluralidade. Mais: Felipe fala a um publico que OIavo jamais alcançara: os jovens! E, ora vejam, mesmo quando não trata de política, emprega um vocabulário que não precisa de tarja preta, à diferença desse Matusalém desbocado, com vocabulário pornô.

Quanto ao general Augusto Heleno, resta-me uma pergunta: o que será que tem dito e feito para merecer elogios de Olavo de Carvalho, segundo quem as Forças Armadas não valem o que peida, e os generais ou são burros ou são vendidos?



Olavo 5: Dono da Havan é "inculto e palhaço" e ajuda a levar país "à merda"


Segundo Olavo, Luciano Hang se veste como Zé Carioca. Até relógio parado está certo duas vezes por dia...

Olavão soltou os cachorros até contra Luciano Hang, o dono da Havan, que já se propôs a ajudá-lo. Parece, no entanto, que o maior intelectual da Terra e homem mais perseguido da história da humanidade achou que oferta ficou abaixo da expectativaor. Sobram qualificações como "sem cultura" e "palhaço". E, claro!, sobrou um palavrão.

"Você pensa, assim, que o pessoal olavista, os meus admiradores e seguidores, valem um pouco mais [do que os militares]? Não, não valem. Porque só o que têm feito é financiar a sua campanha. Chega aí o seu Luciano Havan (sic). Vem aqui me visitar: 'Não, eu vou ajudar você, não sei o quê... O quê? Esse homem acabou de gastar R$ 258 milhões pra comprar um aviãozinho. Han? Quantos advogados esse cara pagou para mim? Nunca nenhum! Nunca fez nada! Uma vez, a única coisa que sugeri que ele poderia fazer, eu disse: 'Olha, se eu tiver um programa de televisão, eu vou ajudar muito. Eu posso fazer alguma coisa que os outros não podem. Daí ele [disse]: 'Ah, nós tamos fazendo um programa, talvez nós demos unas 10 minutos para você lá no programa. Tá brincando? Esse cara não tem ideia do que eu sou. Não tem por quê? Porque não tem cultura. Não leu livros. São todos assim, meu Deus do Céu"!

(segundo vídeo) "Esse seu Havan. Vem aqui: 'Ah, vou ajudar você!' Vai ajudar o caralho! Você vai comprar aviãozinho e se vestir de Zé Carioca porque você é um palhaço. É isso o que você é. Eles têm roda razão. É por causa de empresários como você que o Brasil está nessa merda. Gente que não tem cultura e não gosta de quem tem. Bando de invejosos, filha da puta!"

Dizer o quê? Olavo já escreveu sobre Maquiavel, mas parece que ele não aposta que Luciano Hang vá ler "O Príncipe". Então vamos de "O Pequeno Príncipe". O fato é que Hang se sente responsável por aquele que já cativou, ainda que leve porrada nada leve. Leio no Estadão:
O empresário Luciano Hang, dono da rede de lojas Havan, decidiu apelar a um grupo de empresários para financiar o guru dos bolsonaristas Olavo de Carvalho. Por meio de um grupo de Whatsapp, Hang disse aos amigos que Olavo está sem dinheiro e que precisa de apoio financeiro para que continue "lutando pelo Brasil". Há dez dias, Hang foi um dos alvos de busca da Polícia Federal no âmbito do inquérito das Fake News, no qual é um dos investigados. "Temos que ajudá-lo financeiramente. Está chateado, precisa de mais ajuda para continuar lutando pelo Brasil", escreveu Luciano Hang, em mensagem enviada aos empresários. Hang foi contestado pelos demais. Uma pessoa do grupo respondeu: "Pede para ele vir ao Brasil, então. De longe, é fácil." Uma segunda pessoas reagiu e disse: "Deve estar ficando louco." Houve ainda uma terceira pessoa que declarou: "Ele vive de criar polêmica. Em cada uma criada, ele consegue vender cursos online para incautos. Vejo como má fé."

É isso aí, senhores empresários! Deem dinheiro a esse guia genal. Até porque ele tem a resposta perfeita para o empresariado brasileiro. A forma como ele recomenda que o Brasil trate a China diz muito de seu saber profundo. Há um post específico a respeito.

Nota: as esquerdas e os estetas, por razões óbvias, não têm lá grande simpatia por Hang. Mas só Olavão foi tão duro. Coisa de "brother" de fé, irmão, camarada.


Olavo 6: Receita para conter a China é ameaçar não exportar mais a soja!!!


Sim, Olavo está sendo metódico. Usa uma receita para aumentar seu número de seguidores na Internet, para conseguir advogados que trabalhem para ele de graça e para cobrar que Bolsonaro o estatize. Mas há, sim, não um grão, mas uma montanha de insanidade na sua receita para o Brasil se relacionar com a China. Lembrem-se de que Ernesto Araújo, titular do Itamaraty, é seu discípulo. Na reunião ministerial de 22 de abril, falaram-se cobras lagartos sobre os chineses. O ministro Celso de Mello resolveu censurar os trechos. Prestem atenção!

"O Brasil já foi vendido. Veja: é (sic) nós que precisamos da China, ou a China que precisa de nós? Se você pega, por exemplo, a produção de soja da China, não dá um décimo do que eles precisam. E nós temos mais, muito mais do que eles precisam. Então tem de dizer o seguinte: 'Olha aqui, vocês querem continuar comprando nossa soja, então troca esse embaixador porque esse cara não tem educação'. Custa fazer isso? Não custa. Você não brigar com a China inteira. Você vai brigar com um cara."

"O embaixador da China cospe na cara do presidente, eles [os generais] ficam todos quietinhos. Que é isso, porra? Eu não estou falando para brigar com a China. Não dá para brigar com a China! Mas dá para pedir que o presidente da China te respeite. 'Olha, o senhor quer a nossa soja, quer o nosso milho, quer não sei quê? Tira esse embaixador daí e manda outro mais educado.' É a coisa mais simples do mundo. Mas nem isso ele [Bolsonaro] faz."

"Agora é tarde, presidente! Eu acho que a China já tomou o Brasil. Diz que vai (sic) chegar 800 empresários lá para comprar tudo o que tem. Com a ajuda do Seu Dória, Seu Caiado... Eu, outro dia, vi aí um discurso, o senhor puxando o saco do Caiado, dizendo que era seu grande amigo. Como é que você acredita nesse tipo de amigo, meu Deus do Céu?"

Bem, nesse caso, eu realmente desconfio um pouco da sanidade em sentido clínico mesmo. Então devemos encostar a China contra a parede, é isso? O presidente liga para Xi Jinping, tendo Eduardo Bolsonaro como intérprete e dá um ultimato: "Ou tira daqui o embaixador Yang Wanming, ou a gente não vende mais soja para vocês".

É tão estúpido isso que nem errado consegue ser. Eu já vi países fazerem retaliação deixando de comprar produtos. Deixar de vender é tática realmente inédita. Olavo trata o Brasil como se fosse o único produtor e exportador da soja do mundo. E se fizéssemos o mesmo com a carne, valentão? E com o ferro? Hein? Já imaginaram?

Se a China deixasse de comprar carne e soja do Brasil em razão das burrices de Bolsonaro, a bancada ruralista lhe daria um pé no traseiro, e ele seria impichado. Se deixássemos de vender commodities para os chineses, eles comprariam de outros exportadores.

Será que a gente deve torcer por uma coisa ou outra? Imaginem os chineses assustadíssimos: "Oh, sem a soja brasileira, vamos à bancarrota". Deve ser a coisa mais imbecil que o homem mais inteligente e mais perseguido do planeta já disse.

Tomara que Luciano Hang arrume logo uns trocos para ele. Está aflito, coitado, e começa a bater biela.


Vai piorar porque não dá pra melhorar - ANTONIO PENTEADO MENDONÇA

ESTADÃO - 08/06

Dados do primeiro trimestre são ruins e praticamente não sofreram o impacto decorrente da chegada da pandemia


É constrangedor ver o presidente do país cavalgando fantasiado de caubói de chanchada da Atlântida pelas ruas de Brasília. Mais constrangedor é verificar que a cavalgada se destinava a fazer bonito para um público mirrado, que, visto de cima, não alcançava duas mil pessoas, para depois ser inserida nas redes sociais, dando a impressão que uma multidão o aplaudia e apoiava.

De outro lado, é apavorante ver que no meio da maior pandemia desde a gripe espanhola, com mais de meio milhão de brasileiros oficialmente infectados e, no melhor cenário, mais de um milhão e meio realmente infectados, a sensibilidade oficial é nenhuma e o drama das famílias atingidas pela covid-19 não tem qualquer poder de comover quem deve tomar as decisões ou pelo menos dar o exemplo.

Os números do primeiro trimestre são ruins. E eles praticamente não sofreram o impacto decorrente da chegada da pandemia. A pandemia começou em meados de março, ou seja, num total de seis quinzenas ela influenciou uma e, mesmo assim, de forma muito suave. A verdade dura de ser assimilada é que as afirmações da área econômica do governo de que o Brasil estava pronto para decolar não se sustentam. Quem está pronto para decolar não voa feito galinha choca e despenca dez metros à frente porque, no último sexto do período analisado, o coronavírus deu as caras.

É triste concluir que, desde o final do ano passado, as coisas não estavam andando como a nação gostaria que estivessem. Com exceção do agronegócio e, parcialmente, seguros, os demais setores estavam estagnados ou, quando cresciam, era em patamares medíocres, claramente insuficientes para fazer o resto de crise que ainda persistia se transformar num crescimento esplendoroso.

O agronegócio faz anos que carrega o País nas costas, mas nem por isso o governo se sensibilizou com a importância de tentar blindá-lo e os equívocos, mais gritados do que praticados, tiveram o dom de fazer o mundo nos enxergar como os vilões do clima, dando aos produtores agrícolas dos outros países a oportunidade de acusar o agronegócio brasileiro de ser o responsável pelo desmatamento da Amazônia.

E o setor de seguros tem uma particularidade interessante, composta pelo diferimento e parcelamento dos prêmios, que faz com que os negócios fechados no passado influenciem os resultados do presente. Quer dizer, os resultados positivos de boa parte das seguradoras no primeiro trimestre foram fruto de seguros fechados em 2019.

As previsões para o agronegócio são francamente positivas, devendo ser o único setor da economia a crescer de verdade ao longo do ano, inclusive devendo bater todos os recordes anteriores. Já o setor de seguros não manterá o desempenho, pelo contrário, com o aprofundamento da crise, deve ver seus números encolherem. Não tem como ser diferente.

A produção de veículos está em patamares melancólicos. As demais atividades industriais não estão muito melhor. O comércio e os serviços assistem milhares de estabelecimentos fecharem as portas. O desemprego impacta diretamente os seguros de vida e os planos de saúde privados. Além disso, impacta indiretamente todos os demais ramos de seguros porque as pessoas, antes de contratarem ou renovarem suas apólices, têm outras prioridades, como comer, se vestir, pagar a casa e a educação dos seus filhos.

As projeções falam em recessão perto de 7%. Como este número vem crescendo a cada semana, é bem possível que ultrapasse os 10%.

2020 está perdido e pode ser esquecido. A questão que se coloca é como vamos atravessar 2021. O começo do ano que vem será muito difícil. Com a pandemia ainda em ascensão, com o presidente da República subindo a temperatura política, com a polarização mostrando que os contra o presidente são maioria, como ficou evidente com a postura das torcidas uniformizadas, não será fácil encontrar a liga necessária para unir a sociedade em torno de um projeto de recuperação econômica. Trocando em miúdos, 2021 corre o risco ser mais um ano perdido.

SÓCIO DE PENTEADO MENDONÇA E CHAR ADVOCACIA E SECRETÁRIO-GERAL DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS

De João 8:32 ao art. 211 do Código Penal - BRUNO CARAZZA

Valor Econômico - 08/06

Bolsonaro se parece cada vez mais com aqueles que criticava


Todo-poderoso da economia cubana desde a revolução socialista, Ernesto Che Guevara foi escolhido por Fidel Castro para comandar o Banco Central (1959-1961) e depois o recém-criado Ministério das Indústrias (1962-1967). No final de 1963, a diretoria executiva do Fundo Monetário Internacional enviou a Cuba uma carta denunciando o descumprimento de uma série de obrigações, entre elas o não fornecimento de dados sobre balanço de pagamentos e estatísticas financeiras e monetárias desde julho de 1961. Incomodada com as cobranças por maior transparência sobre a evolução da economia do país, a ditadura caribenha retirou-se do FMI em 2 de abril de 1964.

Quem assistiu à premiada série “Chernobyl” se lembra das imensas dificuldades enfrentadas pelo cientista Valery Legasov (interpretado por Jarred Harris) na sua tentativa de implementar um plano de mitigação das consequências do acidente nuclear. Temendo a repercussão negativa, tanto em termos internacionais quanto no apoio popular ao regime comunista, o governo soviético demorou não só a admitir a ocorrência do desastre, mas também em reconhecer sua gravidade. Até hoje não há um consenso sobre o número de mortes decorrentes do “acidente” - as estimativas variam de dezenas a milhares.

As denúncias sobre interferências no Instituto Nacional de Estatísticas e Censos (Indec) - o IBGE da Argentina - remontam ao falecido presidente Néstor Kirchner. As acusações, que iam da falta de transparência à descarada manipulação de dados, tiveram continuidade nos mandatos subsequentes de sua esposa Cristina Kirchner. Chegou-se até mesmo a interromper o cálculo do índice de pobreza da população, sob a justificativa de que isso “estigmatizaria” as pessoas.

No Brasil, após perder apoio político e popular, Dilma Rousseff sofreu impeachment ao ficar demonstrado que o Tesouro Nacional mascarava artificialmente a situação de nossas contas públicas - as famosas “pedaladas fiscais”.

Em fevereiro deste ano, a morte de Li Wenliang causou revolta na população chinesa. Tendo sido um dos primeiros a identificar o surgimento de um novo tipo de coronavírus em Wuhan, o médico foi alvo de uma investigação da polícia por espalhar notícias falsas na internet. Hoje se sabe que a falta de transparência das autoridades locais na divulgação de alertas sobre o surto de Sars-Cov-2 foi determinante para o vírus se espalhar pelo mundo.

No início da pandemia de covid-19, fez sucesso nas redes sociais um meme que apresentava o número de mortos pelo coronavírus na Coreia do Norte. A contagem era a seguinte: 1, 0, 1, 0, 1, 0... A piada fazia alusão à ditadura de Kim Jong-um, capaz não apenas de ocultar as informações sobre a evolução da epidemia em seu território, como também de executar os contaminados para evitar a disseminação da doença. Brincadeiras à parte, a Coreia do Norte é hoje o único país para o qual não existem dados sobre a quantidade de casos e óbitos no site da Organização Mundial da Saúde (OMS).

No fim de maio, tanto a Universidade Johns Hopkins, que produz um dos mais reputados levantamentos de dados sobre a covid-19, quanto a organização Human Rights Watch denunciaram a Venezuela de Nicolás Maduro por maquiar as estatísticas. “Em um país onde os médicos não têm água nem para lavar as mãos nos hospitais, onde o sistema de saúde colapsou totalmente, onde há superlotação em favelas e cadeias, não nos parece crível o país só registrar mil infectados e dez mortos”, disse o diretor da HRW para as Américas, José Miguel Vivanco. Segundo os dados de ontem, os números oficiais eram de 2.316 contaminados 22 mortos.

Já houve candidato no Brasil que se elegeu com o slogan “50 anos em 5”, outro tinha uma vassoura como símbolo. Em tempos mais recentes, foram usados “gente em primeiro lugar”, “sem medo de ser feliz” e “mais mudanças, mais futuro”. Mas Jair Bolsonaro inovou ao adotar um versículo bíblico como mote de sua campanha: “Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará”.

Paradoxalmente, desde o início de seu mandato, o presidente se esforça em impedir que a verdade venha à luz. No primeiro mês de seu governo, editou um decreto ampliando a possibilidade de se classificar documentos públicos como secretos e ultrassecretos - que, felizmente, foi derrubado pela Câmara dos Deputados. No início da pandemia, uma medida provisória tentou suspender a tramitação de pedidos de informações amparados por lei - e desta vez quem impôs um freio ao ímpeto obscurantista foi o STF.

Incomodado com a fiscalização e as críticas da imprensa, Bolsonaro recorreu à velha tática petista de destinar dinheiro público para alimentar blogs e sites pelegos, assim como canais de televisão de pouca audiência e muito puxa-saquismo. Tentando asfixiar financeiramente parte da imprensa que não é condescendente com seus atos, tentou proibir que órgãos públicos assinassem determinados jornais e publicou medida provisória dispensando a publicação de balanços de empresas em periódicos de grande circulação - e novamente foi barrado pelo Judiciário.

Incapaz de gerenciar as graves crises econômica e de saúde pública causada pelo coronavírus, Bolsonaro resolveu agora brigar com os dados. Ao omitir o acumulado de casos e óbitos e retirar do ar a ferramenta que apresentava os microdados da evolução da doença, o governo cobre o país de trevas no momento em que milhares de pessoas morrem diariamente pela pandemia, enquanto governadores, prefeitos e empresas buscam uma saída para a retomada das atividades.

Confiança é um dos ativos mais valiosos com os quais um governante pode contar. Ao ocultar os cadáveres da pandemia, Bolsonaro não apenas prejudica a gestão da crise, como também enterra a credibilidade internacional da nação, construída a duras penas ao longo de décadas - que o diga o longo processo para sermos aceitos na OCDE.

Acuado e buscando governar apenas para aqueles que cegamente lhe apoiam, Bolsonaro a cada dia se parece mais com os tiranetes esquerdistas e autoritários que seus eleitores sempre criticaram.

Bruno Carazza é mestre em economia, doutor em direito e autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro”

Violência, última quimera de Bolsonaro, não vai a protesto. Firmeza e paz! - REINALDO AZEVEDO

UOL - 08/06


Como já afirmei aqui, não endossei as manifestações de protesto contra o governo de Jair Bolsonaro por um único motivo: estamos em tempos em que é preciso manter o distanciamento social. A covid-19 está aí. Trata-se de uma doença grave. Mas sou realista também: as ruas não permaneceriam por muito mais tempo como monopólio da extrema-direita, que nunca respeitou política nenhuma de saúde. Ao contrário: estimulada por Jair Bolsonaro, agarrou-se a um negacionismo estúpido e genocida.

O governo praticamente empurrou os manifestantes para as ruas. Não fosse o desastre já em curso da política de saúde, tomou a decisão adicional de manipular dados sobre as vítimas da doença, o que constitui crimes variados e em diversas frentes: segundo o Código Penal, segundo a Lei 1.079, a do impeachment, e segundo a Lei da Improbidade. Mais: a continuar o que aí está, uma acusação tem de ser formulada contra o presidente e o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, no Tribunal Penal Internacional. É preciso ainda apelar à Comissão Interamericana de Direitos Humanos para que o Estado brasileiro seja julgado pela Corte Interamericana.

Tentar esconder dos brasileiros a tragédia que colhe o país constitui uma forma atenuada de genocídio, um crime contra a humanidade e de agressão aos direitos humanos. Ora, dado que havia uma manifestação marcada, mas de adesão incerta em razão dos temores da doença, ninguém conseguia fazer uma aposta sobre o tamanho do evento.

E muitos brasileiros compareceram. Aos milhares. Houve manifestações em pelo menos 20 capitais. E, para a melancolia de Jair Bolsonaro e, parece-me, do general Augusto Heleno, elas foram pacíficas. Houve um pequeno confronto quando alguns poucos, depois de encerrado o protesto, tentaram furar uma barreira da PM em São Paulo. Tratou-se de um evento sem importância. Em Brasília, só não se decretou o bloqueio naval porque o mar fica um tantinho longe. E, no entanto, não aconteceu nada a não ser a defesa da democracia e do Estado de direito.

A incitação de Bolsonaro para que as PMs agissem com rigor contra os que ele chamou de "marginais, viciados e pessoas com costumes que não são os da maioria do povo" caiu no vazio. Os manifestantes foram às ruas pedir democracia. Baderneiros, bandidos e criminosos, que atentam contra a segurança nacional e a Constituição, são os que pedem o fechamento do Congresso e do Supremo, não é mesmo?

SAUDÁVEL DIVISÃO

Aqui e ali, fala-se que o protesto se deu sob o signo da divisão. Mas que unidade era possível, gente? Convenham: a rigor, em razão do distanciamento, o ideal era que não houvesse nada que o justificasse. Embora impróprio, ressalte-se sempre, havia. E há. Os partidos de oposição não se engajaram no protesto, exceção feita ao PSOL. O PT mudou de ideia na última hora.

O fato é que as instâncias de militância de esquerda, exceção feita ao coletivo Povo Sem Medo e o já citado PSOL, não participaram da convocatória. Também se mantiveram distantes os movimentos suprapartidários em favor da democracia. E, mesmo assim, um ato robusto e pacífico — viu, general Heleno!? — aconteceu.

Imprudente, sim, para a saúde dos próprios manifestantes e de seus familiares caso não se tome cuidado, mas saudável para a democracia. As divisões, num momento como esse, são mais do que naturais: diria até que são necessárias para que grupos plasmem a sua identidade. Os sindicatos também não estavam lá.

E, por isso mesmo, Bolsonaro tem razões para se preocupar ainda mais. Ou por outra: a convocação não foi feita pela, digamos, "esquerda administrativista" — e emprego a expressão sem sentido pejorativo. Por isso mesmo, os que foram às ruas não são militantes profissionais. Nesse particular sentido, há ecos de 2013 e do movimento antirracismo que explodiu nos EUA e se espalha mundo afora.

Mas, à diferença do que se deu naquele ano e em desastres posteriores, não pareceu ser um ato contra a política. Até onde percebi, fez-se a defesa da dita-cuja. Se partidos estivessem ali com suas bandeiras, não seriam hostilizados. Estamos aprendendo de um modo duro, pela pancada, que onde se mata a dita política tradicional brotam a não política e a fascistização.

Aglomerar não é positivo. Mas muitas pessoas que foram aos protestos aglomeradas já estão ou porque trabalham e são usuárias do sistema público de transporte ou porque atuam em setores essenciais.

Que se tomem sempre todos os cuidados contra o terrível coronavírus. Mas sejamos igualmente vigilantes contra um patógeno ainda mais perigoso: o vírus do autoritarismo. A liberdade ainda respira.

No Brasil de Alice soma vira subtração de cadáver - JOSIAS DE SOUZA

UOL - 08/06


Aos poucos o país vai compreendendo por que Bolsonaro sustenta que não houve um golpe em 1964 nem aconteceu uma ditadura. Ele tramava montar o seu próprio regime militar. E não queria correr o risco de ser acusado de plágio. Coisa digna de Lewis Carroll e do País das Maravilhas que ele criou para Alice. No Brasil em que os generais batem continência para o capitão, a realidade é um incômodo inexistente.

No país da fantasia, os generais palacianos adulam o capitão reclamando do excesso de cadáveres no noticiário. E o Ministério da Saúde, convertido numa trincheira em que um general paraquedista comanda duas dezenas de militares e um par de soldados do centrão, transforma pandemia em pantomima tragicômica.

"Não vejo que o governo quer esconder os dados", disse o general Hamilton Mourão, vice-presidente do País das Maravilhas, ao comentar a mudança no modelo de divulgação da contabilidade fúnebre do coronavírus. "Ele mudou a metodologia. Não apresenta os números totais, que basta você somar com o dia anterior."

Horas depois, na noite de domingo, descobriu-se que, na pasta da Saúde, soma virou subtração. Cadáver, abstração. Às 20h30, informou-se que 1.382 mortes foram registradas nas 24 horas anteriores. Dali a uma hora e meia, 857 cadáveres tomaram chá de sumiço. Em novo levantamento, o número de mortos caiu para 525.

O vaivém denuncia o desejo incontido do capitão de sumir com um pedaço da pilha de mais de 35 mil cadáveres, ajustando a realidade ao universo paralelo da "gripezinha". O problema é que os cadáveres estão aí.

Aliás, há tempos que nada esteve tão aí como a pilha de corpos do coronavírus. Os milhares de defuntos são a definição da coisa que está, inegavelmente, ali, e sobre a qual nenhuma desconversa é possível.

Fica entendido que, no regime militar que Bolsonaro inventou para seu próprio deleite, os cadáveres devem ser descartados, pois ameaçam a ordem da fantasia. Agora só falta arranjar desculpas melhores. Fazer desaparecer 35 mil cadáveres não é tão simples quanto sumir com o Fabrício Queiroz.

Eficiência, gestão e respeito - LEANDRO COLON

Folha de S. Paulo - 08/06

Os três pontos foram elencados no plano de governo de Bolsonaro para Saúde e Educação


No plano de governo entregue à Justiça Eleitoral em 2018, o então candidato à Presidência Jair Bolsonaro elencou três prioridades: segurança, saúde e educação.

Na Segurança, adotou uma retórica armamentista e entrou numa crise política grave ao perder o ministro que escolheu para comandar a área. Com a saída de Sergio Moro, Bolsonaro agora retoma a ideia de separar a Segurança da Justiça para agradar os amigos da bancada da bala como se essa fosse a solução.

Diz o plano de governo da campanha em sua primeira frase ao citar saúde e educação: “eficiência, gestão e respeito com a vida das pessoas”.

Não precisa muito esforço para concluir que nenhum dos três pontos está sendo cumprido. Eficiência, gestão e respeito com as vidas não existem na Saúde e na Educação.

A primeira hoje está nas mãos de um general cuja principal credencial é entender de logística —além de ser um ótimo paraquedista, talvez a virtude mais necessária para assumir esse ministério.

As sandices do ministro da Educação, Abraham Weintraub, e o desempenho pífio da pasta que comanda resumem o fracasso de Bolsonaro em cumprir o que prometeu.

Na Saúde, Eduardo Pazuello foi efetivado ministro interino em mais um exemplo de que a lógica não faz qualquer sentido neste governo.

Desde semana passada, o general tem a companhia do empresário bilionário Carlos Wizard Martins.
Nem havia sido nomeado e espalhou que aceitara convite para ser secretário de ciência e tecnologia. Já dava diretrizes como tal.

Um dos seus negócios é o Pizza Hut: “E o que eu entendo de fazer pizza? O que eu entendo é a minha posição como gestor, de avaliar, projetar, contratar profissionais qualificados. É muito mais importante você ter noção de gestão, ter metas”.

O gestor de pizza foi quem afirmou, sem constrangimento, que uma de suas metas era mudar os critérios de contagem de mortos na pandemia. Na noite de domingo (7), desistiu do cargo que nunca ocupou.

As grandes crises aceleram a história - LUIZ CARLOS TRABUCO CAPPI

ESTADÃO - 08/06

O momento é oportuno para que iniciemos um debate sobre as lições que a pandemia nos trouxe e sobre o que devemos esperar dessa nova fase histórica


De uma coisa já se pode ter certeza neste momento tão marcado pelas dúvidas e pela angústia: passada ou amenizada a pandemia da covid-19, o mundo não será mais aquele que conhecemos até recentemente.

Muita coisa já está mudando ou vai mudar, e em praticamente todos os terrenos da atividade humana. Na economia, na pesquisa científica, nas relações interpessoais, nas formas de comunicação, na educação, na avaliação dos governos, nas prioridades sociais.

É bastante provável que alguma coisa mude também no campo dos valores, isto é, naqueles princípios que as pessoas elegem como bons e necessários para a condução da vida.

Grandes crises, como se sabe, têm o predicado de acelerar a história, e com esta não será diferente.

O momento, portanto, é oportuno para que iniciemos um debate sobre as lições que a pandemia nos trouxe e sobre o que devemos esperar dessa nova fase histórica. Como corrigir erros antigos e nos adaptar com eficiência a esse novo tempo. Como aproveitar as alternativas positivas para melhorar a qualidade de vida, os laços familiares, a coesão social e fortalecer nossas instituições para que possamos enfrentar os novos desafios?

É uma discussão necessária, pois teremos de escolher novos caminhos, e em breve.

Não devemos perder tempo.

Começo com este texto uma contribuição periódica com o jornal O Estado de S. Paulo. Trata-se de uma satisfação e um privilégio pelos quais desde já agradeço.

A crise provocada por um vírus até então desconhecido pelos pesquisadores, e para o qual ainda se busca um tratamento eficaz, foi inesperada, veloz em sua expansão, e de abrangência global. Do ponto de vista da saúde, não sabemos ainda como ela vai progredir, pois mesmo os países que já obtiveram algum sucesso nas medidas de isolamento social temem uma segunda ou terceira onda de contágio.

Este é o aspecto mais dramático da pandemia, mas há outras consequências importantes, e entre elas o problema econômico.

Aqui também temos de lidar com estimativas e avaliações preliminares, mas elas nos dão uma ideia dos desafios que teremos de enfrentar.

Instituições, analistas e entidades preveem quedas históricas para o PIB, só comparáveis ou até superiores à da Grande Depressão dos anos 1930.

Há preocupações correlatas, como o aumento do desemprego, o agravamento do protecionismo, a redução do comércio entre os países e a queda do investimento estrangeiro.

No Brasil, estima-se uma queda desoladora do PIB em 2020.

O impacto no emprego já se vê. Somente em abril, segundo dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), a perda de empregos formais alcançou 860 mil vagas.

Para o setor público, o secretário do Tesouro, Mansueto Almeida, estima déficit primário de RS$ 700 bilhões em 2020.

Lembremos que no início do ano o déficit previsto era de R$ 124 bilhões.

O caso é que crises como esta já ocorreram no século XX, foram superadas e delas resultaram coisas boas.

Foi assim na Grande Depressão americana, que se estendeu por boa parte da década de 1930.

A própria reconstrução dos países europeus após a Segunda Guerra Mundial nos dá outro exemplo. Mesmo num momento tão desafiador como o atual, o Brasil está encontrando suas soluções. Nosso sistema político, apesar de todas as fricções e tensões, confirma-se robusto o suficiente para dar respostas rápidas às necessidades sociais dessa emergência.

O nosso Estado democrático é uma âncora fundamental para o desenvolvimento econômico, a estabilidade macroeconômica e a confiança dos investidores estrangeiros.

O isolamento fez com que praticamente a totalidade das empresas tivesse de se reinventar ou rever as suas táticas e estratégias.

Há muitos relatos de ganhos de produtividade nos mais diferentes setores.

Os canais digitais se consolidam como pontes abertas para o futuro. As compras pela internet avançam no comércio em alta velocidade. Os clientes dos bancos incrementam seu relacionamento pelos canais digitais.

O home office, a educação à distância e as teleconferências, como se vê, vieram para ficar.

Esse já é o novo mundo.

Ganhos de eficiência em todas as atividades serão o caminho para se alcançar a porta de saída da crise. Quanto mais as pessoas e as companhias firmarem compromisso com o fazer melhor, e com empatia ao próximo, estaremos posicionados para os espaços que serão reabertos na tão desejada volta, em segurança, da economia.

PRESIDENTE DO CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO DO BRADESCO.

O Brasil tem fome de quê? - ANTONIO CARLOS DO NASCIMENTO

ESTADÃO - 08/06

Privação e sofrimento já são expectativas perenes para metade da nossa nação


As realidades pessoais, especialmente econômicas, podem ser absolutamente distintas e dois ou três quarteirões podem separar sobrevivências amparadas por cestas básicas de outras em que iguarias e bebidas numa só refeição custam alguns salários mínimos.

Saudável para um número enorme de lares é conceito determinado pela ausência de fome e muito bem estabelecido se o consumo alimentar for ao menos três vezes ao dia. Desse lado do muro, na maioria das vezes o artigo que resolve a questão responde pelo nome de comida e o “combo” pode conter qualquer casta de digeríveis saciantes.

Em todas as mídias observamos boas matérias acerca da “institucionalização” dos deliveries de alimentos, agora muito além do fast-food, dada a inclusão de restaurantes de envergadura qualitativa com suas opções, em amplificação e ampliação causadas pelas ações no contingenciamento da pandemia de covid-19. Mais alvissareiras são as reportagens observando famílias com pais e filhos novo(a)s chefs de cuisine e suas refeições partilhadas por todos à mesa.

Seja qual for a lente captando o inusitado cotidiano atual, as preocupações projetadas são a transgressão calórica, a rédea perdida da boa forma ou questionamentos mais cerebrais conjecturando o saldo psíquico e comportamental quando o isolamento social for completamente descontinuado.

Porém quase metade da população brasileira é de famílias, com média de três integrantes, agraciadas com 0,8% da renda do País, que custeia sua existência com menos de dois salários mínimos por mês, quantia responsável por albergar, assear, vestir e alimentar incontestes gênios da economia que encontram métricas para seguirem vivos. São muitos em inúmeras funções que podem não ter garantido nenhum rendimento se lhe faltam o trabalho ou a força para exercê-lo.

Na mesma análise os dados oficiais informam 10% dos brasileiros detendo por volta de 40% da renda nacional, enquanto os dois universos citados estão separados por um grupo intermediário, classificado formalmente como classe média, esta, porém, claramente dividida em alguns escalões. À parte, mas não desatentos, estão gestores de enormes agregados financeiros atuantes em vários segmentos, os quais afrontam cientistas e desdenham de números de óbitos em justificativas ancoradas na fome e miséria vindouras com a retração econômica pós-pandemia.

Como já dito, privação e sofrimento já são expectativas perenes para metade de nossa nação, nessa substancial fração populacional o medo da carência extrema é e sempre foi infinitamente maior que a preocupação com outras ameaças de qualquer natureza, que incluem enchentes, desmoronamentos e tantas mazelas contagiosas.

Então, é para o grupo intermediário, ao qual pertenço, que a maior parte dos recados é endereçada, sejam observações para nosso deleite e introspeção, ou os estratégicos cutucões de quem timoneia o barco da engrenagem financeira. Mas, por aqui, quando tratamos de coisas sérias estamos discutindo se o medicamento é usado para prejudicar o governo estadual ou não está sendo prescrito para atrapalhar o federal. Já definimos também que a ousadia de não usar máscara afirma com louvor a bandeira política que defendemos, enquanto abordar a ciência perante discussões sobre a pandemia de covid-19 expõe o marxista que nos habita.

É desalentador imaginar que essa catástrofe não nos faça pensar nada além do nosso umbigo e quando nos apartamos dos ranços ideológicos o que fazemos é continuar destilando possibilidades para o “novo normal”. Imaginamos a perpetuação do home office, das reuniões em plataformas virtuais, motoboys cruzando a cidade para nos representarem em gôndolas de supermercados, balcões de farmácias e restaurantes. Cenários futuros para “nós”.

Se compomos os 90 milhões do grupo entre os extremos, somos ao menos 60 milhões de interlocutores entre as duas verdades. Passa da hora de assumirmos nossa parcela na indispensável mudança que não impede a contemplação de hábitos novos, mas não permite continuarmos enxergando metade do País como fonte de nossos serviçais.

O plano mitigador dos inevitáveis danos da pandemia precisa negar o mergulho no escuro proposto pelos detentores do caixa, mas impõe a humildade de solicitar-lhes as luzes para clarear os caminhos de uma reconstrução real. As compassivas doações bilionárias de várias instituições mantêm nossos reféns no jogo, mas não mudam suas perspectivas.

Entre tantos deveres, fica a cargo do poder público providenciar urgentemente redes de esgotos, água potável e educação de base de alta linhagem; para a livre-iniciativa, a inclusão para além da excludência, lembremos que o escalonamento produtivo de ínfimos custos, na ausência de mão de obra humana com boa remuneração, caminha a passos rápidos para um mercado de extraordinárias ofertas sem ninguém com recursos para consumir.

Muito mais que um novo normal, precisamos de uma nova fome, a saciada por mudanças que melhorem a vida de todos.

DOUTOR EM ENDOCRINOLOGIA PELA FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO (USP), É MEMBRO DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE ENDOCRINOLOGIA E METABOLOGIA (SBEM)

O povo contra o populismo - VINICIUS MOTA

Folha de S. Paulo - 08/06

Aqui e nos EUA, ruas pedem respeito, democracia e responsabilização de poderosos



A batata do presidente Jair Bolsonaro vai assando lentamente. Neste fim de semana, com menos de 18 meses no cargo, conseguiu a proeza de reunir contra si um movimento de rua que tem tudo para engrossar nos próximos meses. De quebra, jogou mais lenha na fogueira dos crimes de responsabilidade ao interferir, com a sutileza de um Borat, nas estatísticas da pandemia.

Não é para qualquer um. Quando chega uma ameaça ao conjunto da sociedade, sob a forma de guerra ou de infecção mortal, o normal é a maioria da população sublimar divisões internas e cerrar fileiras com seu governante. Basta ter fosfato em volumes mínimos circulando no sangue para o mandatário surfar essa onda.

Na falta do mineral, outra opção seria o clássico “siga o líder”. Durante a crise, Donald Trump tem mesclado a sua volúpia bravateira com acenos ao consenso médico. Não pensou duas vezes na hora de propagandear que a política adotada nos EUA para combater o coronavírus se diferencia da catástrofe brasileira.

Mas Trump tampouco tem se salvado da deterioração da imagem. A coisa já vinha ruim para o republicano antes de policiais sádicos asfixiarem George Floyd em Mineápolis. Agora, com manifestações diárias por todo o país, piorou um pouco.

A novidade é que, em várias cidades do mundo, o povo começou a sair às ruas para criticar governantes populistas. Não pede pão, mas respeito, democracia, igualdade diante da lei e equalização de oportunidades. Essa agenda embanana a cabeça binária de trogloditas aqui e alhures.

Ela fala ao coração dos princípios de governança e inclusão que o Ocidente promoveu a duras penas ao longo dos últimos séculos. Denuncia em seus adversários a adesão à violência, ao elitismo e à anulação de tudo o que lhes pareça estranho.

No Brasil e nos Estados Unidos, as ruas gritam pelas regras do jogo democrático, pela valorização da vida e pela responsabilização dos poderosos. Má notícia para as falanges de Jair Bolsonaro e Donald Trump: o segundo semestre não lhes será leve.

O caminho do arbítrio - DENIS LERRER ROSENFIELD

O Estado de S.Paulo - 08/06

Estamos vivendo um processo semelhante ao da Venezuela chavista, só que de sinal trocado



Urge que o presidente Bolsonaro pare sua escalada rumo ao autoritarismo, mediante o uso indiscriminado do arbítrio. Decisões presidenciais num Estado democrático passam por uma série de mediações, sendo as mais importantes o Legislativo e o Judiciário, e no que concerne a este último, o STF. Arrogar a si a verdade e a decisão arbitrária só é fonte de confrontos incessantes.

Acontece que o presidente e sua família operam segundo a concepção schmittiana da distinção entre amigo e inimigo, fazendo que qualquer crítica ou divergência seja vista sob o prisma do inimigo a ser atacado. O mesmo vale para amigos em definições mutáveis, pois, ao passarem a ser considerados uma ameaça, tornam-se inimigos a ser abatidos – os casos mais eloquentes, Bebianno, Moro e Santos Cruz.

A distinção amigo-inimigo não é, todavia, exclusiva da extrema direita, vale também para a esquerda. O próprio Carl Schmitt, após ter sido apoiador entusiasta de Hitler, escreveu, no pós-guerra, que Mao e Lenin se encaixavam na mesma concepção, tecendo-lhes elogios. Chávez e agora Maduro são seus discípulos. A distinção lulopetista entre “nós” e “eles” é dessa mesma estirpe.

No caso da experiência venezuelana, considerada por Lula um exemplo de democracia, processou-se a subversão da democracia por meios democráticos. As instituições democráticas foram inicialmente preservadas, enquanto o seu interior foi progressivamente minado. A imprensa e os meios de comunicação em geral foram, passo a passo, calados, o Legislativo perdeu suas funções, com o presidente passando a legislar por decretos, e o Supremo Tribunal, após ser atacado, foi cooptado. Milícias foram criadas e passaram a violentar e controlar os cidadãos.

No Brasil, estamos vivendo um processo semelhante nos seus inícios, só que de sinal trocado. Da extrema esquerda passamos para a extrema direita. Os ataques sistemáticos à imprensa, aos meios de comunicação em geral e o financiamento e operação organizada de grupos encarregados de difundir fake news mostram essa tática de ataque ao “inimigo”. A ameaça de ruptura institucional, apesar de apresentada como defesa da democracia contra o espantalho do comunismo, é outro de seus braços. A constituição de milícias digitais, agora tornadas milícias de rua, até mesmo armadas, caso do grupo liderado por Sara Winter, é outro de seus instrumentos. A antiga bandeira preta da Ucrânia, símbolo da extrema direita naquele país, é o seu símbolo.

Na mesma linha, a declaração presidencial de que população brasileira deve ser armada para não ser escravizada procura, na verdade, a servidão dessas forças ao domínio da extrema direita. Uma coisa é a posse de armas no legítimo exercício da autodefesa, um direito; outra, muito diferente, é armar a população para se opor às autoridades, como os governadores de Estado, por suas políticas de combate à pandemia.

Contudo parar esse processo rumo ao precipício exige moderação do presidente, com a subsequente alteração da equipe governamental mediante o afastamento dos mais exaltados, os ideológicos. A perseguir tal política, as crises sanitária, política e econômica só tendem a se agravar, levando o País a um impasse perigoso, estando o próprio mandato presidencial em questão.

As recentes manifestações de reação a este autoritarismo por meio de vários manifestos pela democracia exibem uma sociedade atuante, ciente de que suas instituições devem ser defendidas independentemente dos governos. A democracia é tida por um valor maior, situado acima das contendas políticas e partidárias. No entanto, não deveria esse processo ser conduzido sob o modo de uma nova polarização, embora possa ser necessária num primeiro momento, sob pena de outra forma de autoritarismo surgir novamente no horizonte. O impasse institucional seria o seu resultado.

Salta à vista que dois terços da população brasileira não são pró-democracia, apesar de serem anti-Bolsonaro. Aí estão incluídos, por exemplo, os responsáveis pelo mensalão, que minaram o sistema representativo com a corrupção e o descalabro fiscal, para além das tentativas, felizmente infrutíferas, de controle da imprensa e dos meios de comunicação, apresentadas naquele então como sendo a verdadeira democracia. Para não falar das milícias do MST infernizando o campo brasileiro. Convém estar atentos a esses “novos democratas”.

Deve-se olhar igualmente com precaução a participação de torcidas organizadas nas manifestações, pois considerá-las como democráticas é outro equívoco. Na pressa de uma oposição atuante nas ruas, corre-se o risco de confundir alhos com bugalhos, na medida em que se caracterizam por serem uma espécie de quadrilhas, cujo prazer é extraído do uso da violência.

A sociedade brasileira deve sair da polarização, tendo como norte a democracia, sob pena de perpetuarmos o impasse pelos próximos dois anos e meio, além de corrermos o perigo de nele permanecer por mais quatro anos, seja sob a égide da extrema direita, seja da extrema esquerda.

Professor de filosofia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

Um crucifixo no peito de Lula - MIGUEL DE ALMEIDA

O GLOBO - 08/06

Líder que enterrou a esquerda no Brasil já disse que jamais fará autocrítica


E lá vamos lá de novo…

O Fora Bolsonaro substitui o Fora Temer, que por sua vez vem no lugar do Fora Dilma e, antes, o Fora FHC. Ah, houve antes o Fora Collor e o (meu preferido) Abaixo a Ditadura, que seria uma espécie de Fora Milicos.

A política brasileira soa sempre como uma reprise de enredos, onde os bandidos de ontem passam a ser os mocinhos de antes. Ou vice-versa, conforme o gosto.

Os raciocínios também são bisados.

Senão, vejamos.

Das profundezas das tumbas do ABC, a voz de Lula surge para assacar contra os manifestos da sociedade civil, assinados por milhares de brasileiros, em defesa da democracia, e contra as bolsonarices de domingo a domingo.

É uma redundância política, calcada na mesma sintaxe solteira de pronomes: “a gente é contra”, “a gente não lê nada em defesa dos trabalhadores” etc. e tal.

Redundante porque Lula domou o PT para não ir ao Colégio Eleitoral (que derrubou a ditadura militar), se recusou a assinar a Constituição de 1988 (embora haja embolsado salário como deputado constituinte), não quis apoiar a presidência de Itamar Franco (mas assoprou lulamente o nome de Walter Barelli como ministro do Trabalho)…

Agora reconhece estar velho para “ser maria vai com as outras”.

Antes de atestar portar velhas ideias, o líder que enterrou a esquerda no Brasil, algo que Getúlio e os militares tentaram sem sucesso, já disse que jamais fará autocrítica.

Na recente narrativa lulista, alguns dos signatários dos manifestos em defesa da democracia, como Fernando Henrique Cardoso, são responsáveis pela assunção de Bolsonaro ao poder.

Há em Lula e no petismo de raiz uma total falta de empatia pelo dissabor alheio. Aquele ódio de classe (“nós e eles”) escandido em centenas de discursos gosmentos e sobejamente populistas (ao final ficamos fora do butim da Petrobras e das empreiteiras) mascara somente a luta pelo poder em benefício próprio.

As cartadas de Lula desnudam um jogador cada vez mais de truques manjados. Os outros são os culpados. Os erros dele vão nas costas dos inimigos políticos.

Assim como Lula, Luís Carlos Prestes, todo-poderoso comandante do Partido Comunista, amargou um tempo atrás das grades. Não por corrupção. Em um episódio de teor humano difícil de compreender, deu apoio político ao seu algoz, Getúlio Vargas, mesmo após a ditadura varguista haver entregue sua mulher, Olga Benário, então grávida, aos nazistas, onde morreu num campo de concentração.

Em nome do cálculo político pessoal, Lula atrapalhou a candidatura de Fernando Haddad (que assinou o manifesto em favor da democracia...) e impediu no segundo turno o candidato petista de buscar apoio junto às forças de centro. Havia a proposta de convidar Armínio Fraga para ser ministro da Economia, caso vencesse.

Falta grandeza, falta empatia com o sofrimento do povo brasileiro.

Durante a Campanha das Diretas Já, caso houvesse eleição direta, havia espécie de consenso político de que Ulysses Guimarães seria o candidato do PMDB. E, não havendo, como ocorreu, Tancredo Neves seria o nome do partido no Colégio Eleitoral. Por quê? Ulysses reconhecia que não conseguiria votos suficientes para enterrar a ditadura. Abriu mão em benefício de Tancredo, e os militares tiveram de largar o osso (e o país em frangalhos, não podemos jamais esquecer).

O gesto gentil de Ulysses, o homem que comandou a movimentação das Diretas Já, ajudou o país a vencer uma ditadura de 21 anos.

Lula, o inverso. Sua política brindou o país com 12 milhões de desempregados e destampou a garrafa com o miasma da extrema direita bozonarista.

Ao impedir que o PT se junte às outras forças políticas democráticas e ainda criticar o teor dos manifestos pró-Brasil, Lula escande novamente seu amargor que levou à atual clivagem.

Na década de 1970, diante de um Richard Nixon cada vez mais reacionário, os intelectuais e políticos democratas sugeriram o que parecia ser o único caminho: durante a manhã, alguém deveria espetar em seu peito um crucifixo.

Lula desperta a mesma receita.

Miguel De Almeida é editor e diretor de cinema

O fascismo eterno e o fascismo tabajara - FERNANDO GABEIRA

O GLOBO - 08/06

Há obsessão com a conspiração, sobretudo a internacional. Esse talvez seja dos traços mais decisivos na política externa


Fascismo tabajara é uma feliz expressão criada pelo cientista político Luiz Werneck Vianna. Fascismo eterno é um conceito do intelectual italiano Umberto Eco e foi tema de uma de suas conferências nos EUA.

Como muita gente nova tem me perguntado o que é o fascismo, resolvi trabalhar um pouco o tema, partindo das características eternas do fascismo para suas manifestações tropicais. A conferência de Umberto Eco acabou resultando num livro de 64 páginas. Ele entende como fascismo esse regime nacionalista, autoritário, que vigorou na Itália e foi derrubado no final da Segunda Guerra.

Quando garoto, Umberto Eco participava de concursos de composições com esse tema: “Devemos morrer pelo glória de Mussolini e o destino imortal da Itália?” Como um garoto esperto, respondia que sim. Eco viu os americanos ocuparem a Itália, Mussolini ser executado e refletiu tantos anos sobre o fascismo que acabou extraindo do regime as suas características que sobrevivem aos tempos.

São 14 traços essenciais e, segundo Eco, não precisam estar todos presentes para definir um regime fascista. É temerário condensá-los num curto artigo e apontar sua manifestação tabajara.

Alguns, no entanto, são tão evidentes que não demandam profundas análises comparativas.

Eco acha que para o fascismo eterno não há luta pela vida, mas antes “vida para a luta”. “Logo, o pacifismo é conluio com o inimigo; o pacifismo é mau porque a vida é uma guerra permanente.”

Daqui salto para dois outros traços essenciais: a relação com a cultura e a relação com as armas. Para o fascista, a relação com a cultura também é uma guerra permanente. Daí a célebre expressão atribuída por Eco a Goebbels: “Toda vez que ouço falar de cultura tenho vontade de sacar minha arma.”

No campo das armas, também se desenha um traço essencial do fascismo eterno. O fascismo eterno transfere sua vontade de poder para questões sexuais. Esta é a origem de seu machismo, que implica desdém pelas mulheres e uma condenação intolerante de hábitos não conformistas, como o homossexualismo.

Para Eco, o herói do fascismo eterno, para quem o sexo é um jogo difícil de jogar, prefere jogar com as armas, um simbolo fálico, e seus jogos de inveja se devem a uma permanente inveja do pênis.

Para aqueles que se veem despojados de qualquer identidade social, o fascismo diz que o único privilégio comum a todos é terem nascido no mesmo país. É a base do nacionalismo extremado. O único elemento que pode conferir identidade é o inimigo.

No fascismo há uma obsessão com a conspiração, sobretudo a internacional. Esse talvez seja um dos traços mais decisivos na nossa política externa. A própria ONU parece ser uma sede de conspiração, assim como a OMS e outros organismos internacionais. O aquecimento global é uma invenção do marxismo globalizante, o corona é um vírus comunista, destinado a enfraquecer os países do Ocidente.

Entre os 14 traços essenciais do fascismo eterno, na concepção de Eco, está também a recusa da modernidade. Escrevi sobre ele, mostrando que a proposta de Bolsonaro na verdade é uma retropia, uma volta a um passado ideal, ordenado e tranquilo, desenhado por Damares, com meninos vestidos de azul, meninas, de rosa.

O fascismo tabajara também defende um tipo de tradição religiosa, na qual a verdade foi revelada e não há espaço para o avanço do saber.

Só que aqui a verdade foi revelada nas profecias evangélicas, segundo as quais Cristo deve retornar ao Oriente Médio, quando Israel recuperar suas terras. É essa profecia que move o governo Bolsonaro a querer mudar para Jerusalém a embaixada brasileira.

O interessante, para finalizar, sem finalizar de fato porque há muito o que comparar ao longo dos traços restantes, o fascismo vê diversidade como um sinal de desacordo. Ele busca o consenso exacerbando no natural medo pela diferença. Seu primeiro apelo é contra os intrusos, logo, por definição tende ao racismo.

Umberto Eco morreu recentemente. Não viu surgir de novo o movimento antifascista. Mas, sobretudo, não pôde incluir um traço ao fascismo eterno que surge aqui como nos Estados Unidos: o fascismo chama de terrorista quem se insurge contra ele.

Brasil manchado também nos EUA - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 08/06

O parentesco ideológico do presidente brasileiro com seu líder americano pouco vale diante da maioria democrata na Câmara dos Representantes


Mais uma vitória sinistra foi alcançada pelo presidente Jair Bolsonaro, em seu esforço para transformar o Brasil em pária internacional. Ele poderá continuar aplaudindo, seguindo e imitando seu grande guru, o presidente Donald Trump, mas terá de abandonar a ambição de um acordo comercial com os Estados Unidos, pelo menos enquanto houver maioria democrata na Câmara dos Representantes. A busca de qualquer parceria econômica mais estreita com “o Brasil do presidente Jair Bolsonaro” será rejeitada, informaram 24 deputados democratas da Comissão de Orçamento e Tributos da Câmara. A declaração foi expressa em carta dirigida ao chefe do Escritório do Representante Comercial dos Estados Unidos (USTR), embaixador Robert Lighthizer. O embaixador havia anunciado em maio, depois de uma conversa com o chanceler brasileiro Ernesto Araújo, a intenção de intensificar a cooperação econômica entre os dois países.

Na mesma data da carta, 3 de junho, o Parlamento holandês aprovou moção contrária ao acordo comercial entre União Europeia e Mercosul, assinado em 2019 e ainda pendente de ratificação pelos países participantes. A devastação da Amazônia foi o principal argumento a favor da moção. Mas também houve referência a riscos para os povos indígenas. Políticos citados pela imprensa europeia, nas discussões sobre o acordo entre os dois blocos, têm apontado o governo Bolsonaro como inimigo do meio ambiente e dos direitos humanos.

Ameaças ao meio ambiente, aos direitos humanos e à democracia são listadas extensamente na carta enviada ao principal negociador comercial dos Estados Unidos, o embaixador Lighthizer. O presidente Jair Bolsonaro, segundo os deputados, tem uma longa e persistente história de “declarações depreciativas sobre mulheres, populações indígenas e pessoas identificadas por gênero ou orientação sexual, além de outros grupos”. O governo Bolsonaro, continua o texto, “demonstrou seu completo menosprezo por direitos humanos básicos, pela necessidade de proteger a floresta amazônica e pelos direitos e dignidade dos trabalhadores”.

O Brasil sob Bolsonaro, acrescentam os deputados, não estará preparado, de forma crível, para assumir os novos padrões de direitos trabalhistas e de proteção ambiental estabelecidos no Acordo Estados Unidos-México-Canadá. Negociar qualquer acordo comercial com o Brasil será perda de tempo, sustentam os autores da carta.

Mencionando detalhes da gestão Bolsonaro, o texto cita números do Instituto Nacional de Pesquisa Espacial (Inpe) sobre aumento das queimadas na Amazônia. Esses dados, poderiam ter lembrado os autores da carta, foram postos em dúvida pelo presidente Bolsonaro, no início de uma polêmica encerrada com a demissão do diretor do instituto, o físico Ricardo Galvão, respeitado internacionalmente.

Há um claro componente protecionista na atitude dos democratas. Eles acabam atribuindo aos produtores brasileiros “uma história de emprego de práticas desleais de comércio”. A acusação é vaga e a intenção de impedir uma concorrência maior aos produtores americanos é evidente. Além disso, os autores da carta confundem a atividade ilegal e ambientalmente danosa realizada na Amazônia com a produção agrícola eficiente e competitiva – a mais importante – nas áreas tradicionais.

O protecionismo é novamente favorecido, portanto, pelas atitudes e políticas do presidente Bolsonaro e de seus piores ministros. Nos Estados Unidos, assim como na Europa, os defensores de barreiras contra produtos brasileiros dispõem de amplo cardápio de argumentos – ambientalistas, políticos e relativos a direitos humanos – fornecido pelo presidente do Brasil. Detalhe importante, na Europa, como nos Estados Unidos, os críticos frequentemente se referem ao “Brasil do presidente Jair Bolsonaro”. Essa expressão é usada pelos deputados democratas. O parentesco ideológico do presidente brasileiro com seu líder americano pouco valerá diante da oposição desse grupo. Os Estados Unidos são muito mais que Donald Trump. Bolsonaro parece ignorar também isso.

Oligopólio resiliente - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 08/06

A despeito de avanços na competição, concentração bancária segue elevada demais


O relatório de economia bancária recém-apresentado pelo Banco Central indica algum aumento da concorrência no sistema financeiro, mas trata-se de progresso insuficiente que precisa ser acelerado.

Não houve, em particular, redução relevante no enorme grau de concentração do mercado em 2019. Os cinco maiores bancos (Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Itaú, Bradesco e Santander) concentraram 80,7% das operações de crédito, percentual não muito distante do medido em anos recentes.

Enquanto isso, o índice de custo do crédito (ICC, o custo médio de todas as operações vigentes sob a ótica do tomador) ficou praticamente estável, em 20,3% ao ano, mesmo depois de quedas consideráveis da taxa Selic, do BC.

Como resultado, a margem de lucro dos bancos cresceu a 16,5%, ante 14,8% em 2018.

A explicação para a estabilidade do ICC estaria na mudança de composição dos financiamentos, com aumento da participação de operações mais rentáveis para pessoas físicas e pequenas e médias empresas, enquanto as grandes companhias passaram a buscar emissões no mercado de capitais.

A concentração não é obstáculo insuperável para o aumento da competição. Tudo depende da regulação —e nesse sentido é possível identificar avanços a partir do trabalho realizado pelo BC.

Facilitar a portabilidade de crédito e outros produtos, melhorar o desenho regulatório do mercado, como nos casos do cartão de crédito e do cheque especial, são algumas medidas importantes. Outra iniciativa fundamental é a implantação do chamado open banking, que facilitará o acesso dos consumidores a serviços mais baratos.

Os resultados de algumas dessas ações começam a aparecer. A portabilidade de financiamentos imobiliários, embora ainda pequena, cresceu 200% no ano passado.

Tal pressão também força os bancos a renegociarem —30 mil contratos, somando R$ 9,1 bilhões, foram repactuados no período.

Da mesma forma, o BC estima que a alteração das regras do cheque especial, com limitação das taxas em 8% ao mês, poderá reduzir a despesa de juros em 24%.

Esses exemplos mostram que é possível, além de desejável, enfrentar o oligopólio dos bancos e obter resultados positivos. Cumpre, no entanto, persistir na agenda de reformas, com amplo apoio das autoridades também para a entrada de novos participantes no mercado.