terça-feira, agosto 06, 2019

A economia deve salvar Bolsonaro do impeachment - PEDRO MENEZES

GAZETA DO POVO - PR - 06/08


"Dilma Rousseff não sofreu impeachment por praticar pedaladas fiscais. Petistas adoram esse argumento, mas esquecem do complemento natural: Collor não caiu pelos esquemas de PC Farias, assim como Richard Nixon não foi derrubado pelo escândalo Watergate. Crimes de responsabilidade costumam ser coadjuvantes nesses processos. O que realmente determina um impeachment é a combinação destrutiva de crises política e econômica.

Nos tempos do impeachment de Dilma, muitos cientistas políticos foram à imprensa comentar por que um presidente cai. Três fatores foram os mais citados: crise econômica, impopularidade e base parlamentar frágil.

A base parlamentar de Bolsonaro não é das melhores, mas o clima no parlamento é muito distinto daquele que caracterizou os últimos dois processos de impeachment. A esta altura de 2015, o Congresso Nacional trabalhava ativamente para atrapalhar o governo. Sob Bolsonaro, o parlamento trabalha com independência e foco numa agenda econômica alinhada ao governo. A atual insatisfação difusa dos deputados não se compara com a hostilidade aberta que precedeu o último impeachment.

É claro que tudo isso pode mudar nesse front. O presidente parece disposto a isso quando ameaça nomear seu filho Eduardo como chanceler, caso o Senado rejeite sua indicação para a embaixada em Washington. Esse tipo de chantagem não costuma acabar bem.

Na popularidade, o presidente também vai mal. Seus índices de aprovação caem consistentemente desde janeiro em todos os institutos de pesquisa, enquanto a rejeição cresce. No primeiro Ibope do ano, 49% dos eleitores avaliavam o presidente como ótimo ou bom em janeiro e 11% o viam como péssimo ou ruim. Ou seja, haviam quatro bolsonaristas e meio para cada antibolsonarista. Na última pesquisa, essa razão era de um para um: 32% da população acha o governo como ótimo ou bom e o mesmo percentual o avalia como péssimo ou ruim.

Nesse campo, apesar de ir mal, Bolsonaro também está melhor que Dilma e Collor. Os 33% de rejeição do atual presidente no último Datafolha contrastam com os quase 70% que rejeitavam os dois antecessores que forem chutados do cargo.

Apesar de fraco no diálogo com o Congresso e cada vez mais impopular, o presidente passa longe de Dilma e Collor. O problema é que o terceiro elemento do tripé – uma crise econômica – tem potencial para enfraquecer o presidente simultaneamente nos fronts parlamentar e popular. Se a economia afundar, o presidente pode perder apoio e corre risco de cair.

O crime de responsabilidade é juridicamente importante, mas factualmente secundário num impeachment. Os casos de Dilma e Collor tiveram um contexto econômico similar, combinando profunda recessão e inflação.

Em 1990, o PIB brasileiro caiu 4,35%. Em 2015 e 2016, a queda ficou em 3,55% e 3,31%. Nos dois primeiros anos do governo Bolsonaro, segundo expectativas de mercado registradas no último boletim Focus do Banco Central, o PIB deve crescer 0,82% e 2,1%.

Sobre o PIB, a diferença de contexto pode ser vista no gráfico abaixo. Nele, o crescimento da economia sob Dilma e Collor é comparado com as projeções do Boletim Focus para o governo Bolsonaro. A conclusão é evidente: o desempenho é melhor e a trajetória esperada é de retomada, e não de crise como nos casos anteriores.


Cabe também notar que tanto o impeachment de Dilma quanto de Collor ocorreram em contextos de inflação alta e acelerada. O IPCA chegou a 10,7% em 2015 e 6,3% em 2016. Já o governo Bolsonaro começa sob inflação baixa, abaixo de 4%, e a expectativa atual do Boletim Focus é de continuação desse cenário até 2022.

Vale notar que a alta nos preços também aparece nitidamente no impeachment de Richard Nixon nos EUA, em 1974 – ano em que a inflação americana atingiu um dos maiores níveis da sua história, chegando a 11,1%. Já Bill Clinton, julgado pelo Congresso em período favorável para a economia, foi absolvido.

Um cenário de aceleração da inflação e volta da recessão, hoje, pode acontecer de duas formas. A primeira seria por crise internacional, que levaria à alta do dólar, elevando os preços e o desemprego. Essa é uma hipótese que segue em aberto, mas é cada vez menos provável – assim como Bolsonaro teria maior facilidade para se livrar da culpa por um problema global.

Por outro lado, a segunda possibilidade seria um colapso das contas públicas devido à não aprovação do ajuste fiscal. Com a reforma da Previdência andando, esse cenário fica cada vez menos provável. É curioso que as conversas sobre impeachment tenham voltado à tona logo após a aprovação do projeto em primeiro turno, justamente quando um afastamento de Bolsonaro se tornou menos provável.

É claro que crimes de responsabilidade importam. Ao abrir a boca sem qualquer cuidado, o presidente se expõe desnecessariamente a argumentações sobre a Lei de Impeachment. Mas todos os presidentes eleitos no Brasil tiveram algum pedido de impeachment apresentado contra si. Só dois caíram.

O presidente, boquirroto nato que não faz noção do que é democracia, parece se esforçar para incentivar debates sobre impeachment, mesmo num país tão fragilizado quanto o Brasil pós-Dilma. Apesar disso, Paulo Guedes segue no cargo e o resto do mundo continua crescendo. Os juristas odiariam admitir, mas, nestas condições, não há quebra de decoro que derrube Jair Bolsonaro antes de 2022."

A pauta que interessa - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 06/08

Os arroubos presidenciais não têm abalado o ambiente no Congresso, que retoma seus trabalhos hoje, para tocar os projetos de interesse do País


O Congresso retoma seus trabalhos hoje, depois de 20 dias de recesso, tendo em sua pauta diversos temas de grande relevância para o País. A Câmara pode encerrar o segundo turno de votação da reforma da Previdência já nesta semana, encaminhando a matéria para o Senado. Também estarão em discussão propostas para uma reforma tributária, além da revisão do marco regulatório para o saneamento básico.

Tudo isso está sendo negociado com escassa participação do governo federal. No período em que o Congresso não funcionou, o presidente Jair Bolsonaro não tocou em nenhum dos assuntos que serão apreciados pelos parlamentares. Passou as últimas semanas a dar declarações polêmicas sobre as mais variadas questões, com entrevistas e manifestações públicas diárias, causando mal-estar aqui e no exterior em diversos momentos.

Em condições normais, tal comportamento por parte do presidente da República poderia tumultuar o processo legislativo, especialmente diante de uma agenda tão politicamente espinhosa como a que se apresenta agora para os parlamentares. Pelo que se observa até aqui, no entanto, os arroubos presidenciais não têm sido capazes de abalar de modo significativo o ambiente no Congresso nem o empenho das lideranças parlamentares em tocar os projetos de interesse do País.

É uma situação peculiar. Algumas das grandes crises nacionais do passado se deram em razão da dificuldade de superar impasses entre Executivo e Legislativo, momentos em que a agenda política foi dominada por interesses imediatistas e particulares em detrimento do coletivo e do longo prazo. Hoje, aparentemente, não existe esse impasse, pela simples razão de que a relação entre Executivo e Legislativo é pouco menos que protocolar, ainda que sujeita a alguns acidentes.

Desde a posse de Jair Bolsonaro, ficou claro que o Executivo, por decisão do presidente, não teria nenhuma base no Congresso. Bolsonaro até ensaiou uma aproximação com os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, Davi Alcolumbre, e também com os líderes de partidos potencialmente governistas, mas a maioria dessas tentativas se revelou desastrosa. Em lugar de construir pontes para facilitar a aprovação dos projetos de interesse do governo, tais reuniões serviram para deixar claro aos parlamentares que Bolsonaro não estava disposto a dividir com eles o ônus da aprovação de medidas que exigirão sacrifícios da população.

O resultado disso foi a mobilização dos parlamentares, capitaneada por Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre, para que o Congresso passasse então a ser o protagonista das reformas. Nesse processo, aliás, não foram poucas as vezes em que os líderes reformistas tiveram que enfrentar o próprio presidente da República quando este procurou defender os interesses de corporações para preservar privilégios no sistema de aposentadorias.

Assim, se não ajuda, o presidente Bolsonaro poderia se esforçar um pouco para atrapalhar menos. No curto período de recesso parlamentar, o presidente ofendeu governadores do Nordeste e os nordestinos, vilipendiou a memória de um perseguido pela ditadura militar, atacou a imprensa e prejudicou a imagem do Brasil no exterior na área ambiental, entre outros desatinos. Tal comportamento, naturalmente desagregador, não costuma render votos no Congresso.

Felizmente, ao que parece, o Congresso tem se mostrado indiferente aos rompantes do presidente. Mais do que isso: tem enfrentado as grandes questões nacionais sem esperar as propostas do Executivo – que, quando finalmente são encaminhadas, ou chegam tarde, ou vêm carregadas de irregularidades.

É evidente que essa situação sui generis não pode perdurar. Num regime presidencialista, é o presidente da República que conduz o debate político, porque foi eleito com uma plataforma de governo apoiada pela maioria dos eleitores. No entanto, se o presidente se ausenta desse debate, ou se prefere intoxicá-lo com impropérios e temas de pouca relevância, resta torcer para que o Congresso continue a fazer sua parte, a despeito da desorientação dos governistas, da vocação fisiológica dos oportunistas de sempre e da escassez de uma oposição digna do nome.

O eterno duelo - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 06/08

Lula criticou o Ministério do Meio Ambiente, comandado por Marina, e disse que não se poderia culpar a agropecuária


O embate entre desenvolvimentistas e ambientalistas é constante nos últimos dez anos, e não importa se o governo é de esquerda ou de direita. As discussões são recorrentes, a disputa entre a agricultura e o meio-ambiente persiste, e os problemas e soluções são semelhantes.

O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) sempre foi uma pedra no sapato dos governantes. A crise gerada pelos números sobre o desmatamento da Amazônia, que levou à demissão do presidente do INPE, é uma repetição do que ocorreu em 2008, quando o então presidente Lula desacreditou os números do órgão, negando que o país estivesse passando por um novo surto de desmatamento. Não chegou a demitir seu presidente, mas atribuiu ao órgão números errados que colocou "sob investigação".

Para o presidente, houve “alarde na divulgação dos números”. Lula criticou o Ministério do Meio Ambiente, que era comandado por Marina Silva, e as ONGs, e disse que não se pode culpar a agropecuária, os produtores de soja e os sem-terra assentados pelo aumento do desmatamento na Amazônia. Lula afirmou ainda que pretendia " comprar briga" com as organizações não-governamentais (ONGs) se elas insistissem em ligar o crescimento da agricultura ao desmatamento.

O desenvolvimento da região sempre foi uma preocupação de Lula, que a certa altura, em discurso na inauguração de uma usina de biodiesel no Mato Grosso, afirmou que queria levantar todos os “entraves que eu tenho com o meio ambiente, todos os entraves com o Ministério Público, todos os entraves com a questão dos quilombolas, com a questão dos índios brasileiros, todos os entraves que a gente tem no Tribunal de Contas, para tentar preparar um pacote, chamar o Congresso Nacional e falar: ‘Olha, gente, isso aqui não é um problema do presidente da República, não. Isso aqui é um problema do País”. As diversas organizações ambientalistas, daqui e do exterior, criticaram Lula por opor o meio-ambiente ao desenvolvimento.

Na assinatura da concessão para a construção da Usina de Belo Monte, Lula disse: “Vocês nem imaginam quantos discursos fiz contra a construção de Belo Monte. “E é exatamente no meu governo que ela acontece”. O presidente lembrou na ocasião diversos casos de obstáculos a obras na região, desde uma caverna que seria inundada para a construção da usina Tijuco Alto, uma “machadinha” que sinalizaria um sítio arqueológico ou a “perereca” que atrasou as obras de duplicação da BR-101, no Rio Grande do Sul. Sem falar dos bagres do Rio Madeira, que tanto incomodavam Lula na construção das hidrelétricas de Jirau e Santo Antonio.

O ministro do Meio Ambiente de Bolsonaro, Ricardo Salles, queria usar o Fundo Amazônia para indenizar proprietários rurais em unidades de conservação, para fazer a regularização fundiária. Os críticos o acusam de estar favorecendo os grileiros em áreas protegidas. Pois o então ministro Mangabeira Unger, do Planejamento Estratégico, quando assumiu o Programa da Amazônia Sustentável (PAS), teve a mesma proposta. Aliás, o fato de Lula ter dado a Mangabeira o projeto para a Amazônia foi a gota d’água para a saída da ministra do Meio-Ambiente Marina Silva, assim como, anteriormente, o então deputado federal Fernando Gabeira havia deixado o PT devido a divergências, especialmente pela política ambientalista.

Foi editada uma medida provisória que regularizava a posse de terra na Amazônia, muito criticada como nociva à preservação ambiental. Para Mangabeira, "nada na Amazônia vai avançar, nenhum aspecto do desenvolvimento sustentável includente, se não resolvermos o problema da terra". Mangabeira tinha à época o mesmo argumento que Salles tem hoje: "Vamos poder regularizar a situação de 500 mil famílias urbanas e 400 mil famílias rurais. Essa é a população que construiu a Amazônia, que está construindo a Amazônia". Mangabeira Unger dizia que chamá-los de grileiros é o mesmo que chamar de grileiros os que ocuparam e construíram os Estados Unidos ou a Austrália.

A disputa entre Agricultura e Meio-Ambiente é outra situação recorrente. Lula chegou a ter na sua base de apoio o governador do Mato Grosso Blairo Maggi, o maior plantador de soja do mundo, a quem a ONG Greenpeace concedeu a Motoserra de ouro pelo desmatamento da Amazônia, e Marina Silva no Meio-Ambiente.

Uma trama no Paraguai - JOSÉ CASADO

O GLOBO - 06/08

O caso ameaça a sobrevivência do governo de Mario Abdo Benítez


Suspeitas de interferências privadas —indevidas — e a precipitação de Jair Bolsonaro em baratear o custo doméstico da energia comprada de Itaipu arrastaram o Brasil para o centro de uma crise no Paraguai.

Na noite de sexta-feira o advogado José Rodríguez González, assessor do vice-presidente Hugo Velázquez, confessou à Procuradoria Anticorrupção paraguaia ter atuado nas negociações entre os dois países para beneficiar a empresa paulista Leros, comercializadora de energia.

Essa manobra ampliou a comoção local com descoberta de que o governo do Paraguai aceitara um aumento de US$ 50 milhões por ano, até 2023, no custo da energia adquirida de Itaipu para o consumo próprio. Revelado pela repórter Mabel Rehnfeldt, o acordo foi cancelado por ser considerado lesivo aos paraguaios e benéfico ao Brasil. O caso ameaça a sobrevivência do governo de Mario Abdo Benítez.

A obscura transação com a Léros ocorreu quando Paraguai e Brasil discutiam as bases dos contratos da energia de Itaipu. O vice-presidente Hugo Velázquez mandou a cúpula da estatal paraguaia Ande, símile da Eletrobras, negociar com a Léros a garantia de monopólio na revenda no Brasil de uma cota de 300 Megawatts de potência de Itaipu. Negócio milionário sobre volume de energia suficiente para abastecer cidades como Volta Redonda, um polo siderúrgico. Entre os brasileiros estava Alexandre Giordano, apresentado como vinculado à “familia del mandatario brasileño”. Ele é suplente do senador Major Olímpio (PSL-SP), líder de Bolsonaro no Senado.

O assessor do vice Velázquez orientou negociadores de seu país a omitir do acordo com o Brasil — e manter em segredo— o monopólio da Léros.

Velázquez agora está no centro da trama ajudou a abalar as relações do Brasil com o Paraguai. A crise do acordo de Itaipu ocorre em plena celebração do “Sesquicentenário da Epopeia Nacional: 1864-1870”, a guerra perdida para o Brasil, Argentina e Uruguai. Esse tratado prevaleceu por 46 anos como um símbolo moderno da pacificação na fronteira. Sob Bolsonaro, virou fonte de convulsão na outra margem do Rio Paraná.

Uma novidade promissora - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 06/08

Atual legislatura do Congresso é diferente da anterior


A ampla renovação do Congresso Nacional ocorrida nas eleições do ano passado trouxe a expectativa de um Poder Legislativo mais probo, mais responsável e mais eficiente – em suma, mais cônscio de seu papel para a sadia evolução dos negócios do País. Junto a essa lufada de esperança, havia certa de dúvida. Por mais alta que tivesse sido a taxa de renovação, não se sabia se a mudança de nomes representaria uma efetiva mudança das práticas políticas, que é o que realmente importa. Em muitas eleições passadas, caras novas no Parlamento serviram apenas para dar continuidade a velhos e deploráveis costumes.

Decorridos mais de seis meses da nova legislatura é possível afirmar que ela é muito diferente da legislatura anterior. E não apenas os nomes são novos. As práticas de fato mudaram. Trata-se de uma novidade realmente espetacular, seja pelo que essa mudança pode proporcionar ao País, seja porque foi uma alteração profundamente democrática, originada das ruas.

O que se observa no Congresso é resultado direto do voto depositado nas urnas. Ou seja, as eleições de outubro de 2018 mostraram que, ao contrário do que tantas vezes se ouve, o voto individual pode mudar os rumos da política e do País. A democracia não é uma enganação coletiva. Quando se quer – quando de verdade se quer –, é possível mudar. Não convém desperdiçar essa lição tão positiva das eleições passadas: o voto individual é decisivo e merece ser escolhido com a máxima responsabilidade.

A atual legislatura tem três características especialmente positivas, que a tornam muito diferente das antecedentes, especialmente da imediatamente anterior. Em primeiro lugar, vê-se que o Congresso trabalha a partir de uma agenda de prioridades. Esse trabalho coordenado, especialmente importante num Poder colegiado, ficou muito evidente pelo modo como as reformas da Previdência e do sistema tributário são tramitadas. A despeito de suas dificuldades típicas, assuntos complexos vêm sendo enfrentados de forma operativa, com a formação dos necessários consensos e maiorias.

A segunda característica está relacionada ao fato de que a atual legislatura se mostra muito mais sintonizada com o interesse público. As atuais prioridades do Congresso são temas popularmente difíceis, que de modo algum podem ser classificados como populistas ou de interesse particular dos parlamentares. Observa-se, tanto na Câmara como no Senado, uma clara preocupação com o País.

Não menos importante é a terceira característica da atual legislatura. Ela é mais proba, não se movendo primariamente em função do toma lá dá cá. Pelo que se viu no primeiro semestre, a Câmara e o Senado não foram transformados num balcão de negócios.

Talvez essa maior probidade não tenha sido suficientemente notada por um equívoco dos próprios parlamentares que estão fora das extremidades do espectro político. Apesar das evidentes diferenças com o que ocorria na legislatura anterior, esses políticos continuam denominando seu lugar político de “centrão”, o que inexoravelmente remete, entre outras tristes lembranças, aos costumes do sr. Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara.

Tão enganoso quanto não ver as melhoras ocorridas na atual legislatura, seria achar que no atual Congresso não há gente interesseira ou desonesta. É imperioso continuar com o saneamento da política, que é renovação dos costumes e dos critérios de atuação. A continuidade desse processo virtuoso se deve dar nas eleições municipais do ano que vem, quando o eleitor terá condições formais de promover uma profunda melhoria da política local, com a escolha de representantes honestos e competentes para o Executivo e para o Legislativo. Tal passo é decisivo, seja para que o cidadão incorpore cada vez mais a necessidade da responsabilidade na hora de votar, seja para que partidos e políticos também tomem consciência de que o eleitor, com o seu protagonismo, está mudando a política. Há espaço – e cada vez deve haver mais – para gente honesta e competente. A atual legislatura confirma tal realidade.

E o PT? - HÉLIO SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 06/08

Não poupei nem Lula nem Dilma quando eles estavam no comando

Toda vez que faço críticas a Jair Bolsonaro ou ao governo —o que ocorre com uma frequência maior do que gostaria—, leitores cobram-me um posicionamento em relação ao PT. "No tempo do Lula é que era melhor, não é mesmo, seu esquerdopata?" e outras frases do gênero, muitas vezes adornadas por adjetivos que prefiro não reproduzir aqui, tomam conta de minha caixa de mensagens.

O que tenho a dizer a essa gente é que a fila anda. Não poupei nem Lula nem Dilma de duras críticas quando era o PT que estava tomando conta da lojinha. Estou longe de ser uma figura querida no QG do partido. Mas, desde 1º de janeiro, é Bolsonaro que está no comando. Ainda que não possamos considerar o atual presidente culpado pelo descalabro econômico que vivemos, é dele que devemos cobrar soluções, assim como exigir que os projetos do governo para outras áreas estejam ao menos baseados em fatos.

Minha sensação é que bolsonaristas reproduzem os mecanismos de defesa de que petistas abusaram no passado, atribuindo tudo o que não funcionava bem na gestão, incluindo seus próprios erros, a uma suposta "herança maldita" de Fernando Henrique Cardoso. Admito que, no caso dos bolsonaristas, a queixa contra o antecessor faz mais sentido do que no caso dos petistas, mas, mesmo assim, o foco de qualquer administração deve estar em encontrar soluções e não em buscar culpados. Vale lembrar que Bolsonaro só chegou ao poder porque a gestão Dilma foi um desastre.

A imprensa, nunca é demais repeti-lo, tem na crítica a governantes sua razão de existir. Não é que nunca possa elogiar, mas ela cumpre seu papel institucional quando revela o que autoridades gostariam de esconder, aponta incongruências nos projetos oficiais e indica alternativas. Obviamente, essa disposição até meio niilista para desconstruir precisa aplicar-se a todas as administrações, independentemente de sua coloração ideológica.

Hélio Schwartsman
Jornalista, foi editor de Opinião. É autor de "Pensando Bem…"

O presidente desinformante - CARLOS ANDREAZZA

O GLOBO - 06/06

Ele estica a corda do ultraje ao máximo para testar fidelidades


O presidente da República mente. Não terá sido o primeiro. Em Bolsonaro, porém, a mentira é estratégia, método mesmo, e está a serviço da desinformação. A desinformação como política de governo. Aliás: que um revolucionário da cepa de Jair Bolsonaro — um desconstrutor reacionário — tenha podido se inscrever no imaginário político brasileiro como um conservador é a própria afirmação da influência da operação desinformante.

Repito: a desinformação é política de governo. Não exagero. Está em curso, desde o Planalto, um programa de relativização absoluta da verdade, de flexibilização daquelas balizas levantadas a partir do estudo, processo que depaupera o valor do acúmulo de experiências, o rebanho de saberes sobre os quais assentamos o erguimento da civilização — o que, conforme o espírito do tempo, deságua, aí está, em desapreço por expressões fundamentais de nosso pacto social contra a selvageria, donde, na prática, os ataques dirigidos e estimulados às instituições que encarnam a democracia representativa, a defesa do contraditório e a guarda da Constituição.

A imposição do bolsonarismo investe numa blitz cujo ímpeto destruidor de princípios resulta em que se considere equivalentes dados objetivos, colhidos com ciência, e a negação autoritária destes, sem qualquer base técnica que os refute.

Tanto a fala cretina sobre a morte de Fernando Santa Cruz quanto aquela, mistificadora, relativa ao desmatamento têm lastro numa modalidade de discurso impostor que consiste em desqualificar permanentemente a história, as estatísticas, os mapeamentos empíricos, as comprovações científicas etc. Há uma intenção narrativa: desqualificar o conhecimento e a fiscalização, jornalismo incluído, de modo a que sobre tudo paire suspeição. Trata-se de um movimento consciente na direção de deslegitimar, isto para que tudo quanto seja incômodo possa ser também rebaixado — desacreditado — como produto de uma armação ideológica contra um governo em busca da verdade. Registre-se que tal modus operandi também serve para diluir atenções ante a “velha política” praticada pela nova corte e sua fome patrimonialista.

O presidente é um desinformante, um dos caráteres constitutivos da mentalidade bolsonarista por meio do qual se cultiva a forja de conflitos, de crises artificiais, que anima o fenômeno político reacionário, essencialmente ressentido, que alavancou e sustenta a liderança carismática de Bolsonaro. Ele só surpreende o ingênuo que supunha que seu avanço, uma vez eleito, pudesse ter outro norte senão o da radicalização, do acirramento de cismas institucionais, de rachas nos princípios republicanos, de polarizações, de multiplicações de novos “nós contra eles”, cujo evidente objetivo é escalpelar — devastar — o terreno onde o centro político poderia se rearranjar. Desnecessário dizer que onde não há centro não haverá estabilidade.

O presidente trabalha para desequilibrar; estica a corda do ultraje ao máximo para testar fidelidades e firmar a bolha eleitoral que o manterá competitivo.

Suas manifestações estúpidas recentes não são exceções, mas previsíveis desenvolvimentos de um texto iliberal que promove um projeto autoritário de poder ancorado numa modalidade de campanha permanente para a qual é imprescindível a eleição constante de ameaças e inimigos conspiradores — em face dos quais o único caminho é recrudescer. O Brasil está — pelo menos desde 2013 — em depressão política aguda; doença de que Bolsonaro é a mais alta febre.

Há quem possa conviver com isso — com a mentira, com o esgarçamento do tecido social, com a depredação do ambiente de convívio político, com a intimidação do dissenso — porque, afinal, as reformas evoluem. A esses lembro — pois já havia advertido — que a última escalada autocrática de Bolsonaro é decorrente da sensação de liberdade que a aprovação da nova Previdência lhe dá. Temos um presidente que despreza o Parlamento — e do qual agora se crê menos dependente. Ele vai pra cima.

Boa política econômica — está provado —qualquer tirania pode encaixar. Incontornável é proteger os marcos democráticos; de resto, a única garantia de durabilidade para qualquer programa liberal. Que os cínicos não se percam disto. E tampouco do quão improvável é que reformas estruturais profundas possam se plantar num terreno de imprevisibilidade semeada pelo próprio presidente.

A história é cheia de exemplos de para qual destino pende o liberal que imagina poder instrumentalizar um autoritário populista: é clarear um tantinho o horizonte de curto prazo, afrouxar um pouco o nó fiscal, por meio do que o governo retome alguma capacidade de investir, para logo se tornar dispensável.

Entulho burocrático - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 06/08

Governo acerta ao simplificar normas obsoletas que regulam segurança no trabalho


A tarefa de reduzir o custo de fazer negócios no Brasil e facilitar a geração de empregos é multidisciplinar. Pode depender de reformas de grande envergadura, como a trabalhista, mas no mais das vezes pequenas alterações, acumuladas, fazem a diferença.

Depois da ampla flexibilização da CLT, ainda em sedimentação na jurisprudência e na prática cotidiana, o governo agora se debruça num esforço de simplificação do cipoal de dispositivos infralegais que regulam as relações entre empresas e contratados.

O plano passa pela modernização das 36 Normas Regulamentadoras (NR), que tratam de saúde e segurança e dão margem a mais de 6.000 possibilidades de autuação, pela consolidação de 160 decretos em quatro textos apenas e pela revisão de centenas de instruções normativas e portarias.

Em relação às NR, o governo anunciou alterações em duas delas, 1 e 12, que dispõem, respectivamente, sobre regras gerais e normas relativas a máquinas e equipamentos. Também foi revogada a de número 2, que exigia inspeção prévia de fiscais do trabalho em novos estabelecimentos.

As mudanças, em termos gerais, buscam adaptação aos novos tempos e redução de custos de conformidade, sem prejuízo para a segurança. Exigências ineficazes e pouco racionais foram revistas.

No caso da NR 12, havia distanciamento em relação a padrões internacionais —que encareciam a implantação de maquinário importado, mesmo o mais sofisticado.

Segundo o governo, apenas a revisão desses regulamentos permitirá economia de R$ 68 bilhões em dez anos. Ainda que cálculo tão grandiloquente deva ser encarado com cautela, não resta dúvida quanto às vantagens que podem resultar de um esforço sistemático de remoção de burocracias.

Pode parecer que ganhos desse tipo implicarão prejuízos para a segurança do trabalhador. Quando se observam algumas das exigências agora eliminadas, contudo, a impressão se desfaz.

Não faz sentido, em exemplo mencionado pelo Secretário de Previdência e Trabalho, Rogério Marinho, que uma simples loja de roupas precise gastar R$ 1.500 a R$ 3.000 por ano em prevenção contra riscos químicos e biológicos.

Regras do gênero só beneficiam, até onde se percebe, firmas que fornecem o serviço fixado no papel.

Outra constatação importante é que as alterações promovidas não suscitam controvérsia. Ao contrário, resultam de entendimento unânime da comissão tripartite formada para analisar o tema, que reúne representantes de governo, empresas e trabalhadores.

Eis uma prova de que substituir regras obsoletas constitui agenda de interesse geral, de fácil aceitação, e que deve ser aprofundada.