Quando você acha que já viu tudo, aparece uma gangue pé de chinelo invadindo celulares de juízes, procuradores, deputados, senadores, ministros de Estado e até do presidente da República, para capturar dados e vendê-los no mercado obscuro da contrainformação
RIO — Que país incrível esse Brasil. Quando você acha que já viu tudo, aparece uma gangue pé de chinelo invadindo celulares de juízes, procuradores, deputados, senadores, ministros de Estado, ministros de tribunais superiores, presidentes da Câmara e do Senado e até do presidente da República, para capturar dados e vendê-los no mercado obscuro da contrainformação. Enquanto nos Estados Unidos operações dessa natureza são objeto de sofisticadíssimos esquemas de espionagem, algumas vezes operados desde Moscou, os quadrilheiros brasileiros operavam em um fundo de quintal em Araraquara.
O resultado dessa invasão, que terminou em lambança e domina o noticiário há mais de um mês, paradoxalmente pode servir a Bolsonaro como uma segunda facada. O efeito do hackeamento sem paralelo nos celulares de autoridades ocorre no pior momento pessoal de Bolsonaro. As bobagens que vinha construindo com palavras e atos, como a ofensa aos nordestinos, a indicação do filho para a embaixada de Washington, a declaração sobre a fome e o ataque à Míriam Leitão, podem acabar lavadas e enxaguadas da memória pelo episódio.
Com a facada de Adélio Bispo, Bolsonaro ganhou a eleição de 2018. Com a “facada” desferida agora pelos hackers de Araraquara, ao presidente foi dada a chance de recuperar parte do prestígio perdido ao longo dos seis primeiros meses de governo, período em que produziu mais barulho e fumaça do que conteúdo de qualidade em que pudessem se agarrar aqueles que votaram nele para impedir a volta do PT ao Planalto. É muito cedo ainda para dizer aonde vai dar a investigação deste caso, mas neste momento Bolsonaro se transforma mais uma vez em vítima.
Segundo o hacker Walter Delgatti Neto, ele foi obtendo os números de celulares à medida que ia invadindo contas do Telegram. Curioso é ter chegado ao jornalista Glenn Greenwald, do site The Intercept, através dos telefones do ex-governador Pezão e da ex-presidente Dilma, aliados do ex-presidente Lula, que deveria ser o maior beneficiário do vazamento. Foi por aí que ele alcançou a ex-deputada Manuela D’Ávila, a quem disse ter procurado para contatar Greenwald. As investigações, que ainda engatinham, vão explicar melhor o depoimento de Delgatti e se ele de fato repassou de graça o pacote de dados do Telegram de Deltan Dallagnol para o site, como declarou à PF.
Parece encomenda política, tem cara de encomenda, uma vez que Delgatti não tem perfil de quem faz ação de natureza política. Ao contrário, ele responde por crimes de estelionato, furto qualificado, apropriação indébita e tráfico de drogas. Mas pode muito bem ter sido uma simples picaretagem de estelionatário. Mesmo assim, os efeitos favoráveis a Bolsonaro já estão plantados. Colateralmente, Moro também ganha, já que o foco passou para os criminosos de colarinho sujo. E perdem Lula e PT.
Nenhuma dúvida de que a ação dos hackers foi um atentado às instituições. Mas tampouco se pode negar que o escândalo acabou sendo um achado para Bolsonaro. Ao lado do benefício político causado pela sua vitimização, a de Moro e a de seu governo, o presidente colhe os louros pela reforma da Previdência, embora não tenha se empenhado por ela, e pela liberação de recursos do FGTS, apesar do limite de R$ 500. Tem ainda a seu favor o melhor resultado na criação de empregos desde 2014 e a recuperação de mais meio bilhão de reais desviados da Petrobras.
Mesmo tendo usado um cocar na quinta-feira, o que em Brasília é tido como um sinal de azar na política, Bolsonaro parece pronto para surfar uma onda de sorte. Resta saber até onde vai a investigação sobre os hackers e se a Polícia Federal vai de fato cumprir seu papel republicanamente. Qualquer erro na condução desse inquérito que resulte em parecer estar a serviço de Bolsonaro ou de Moro, e contra o PT, pode ser uma bomba atômica na reputação presidencial. E, claro, é preciso esperar um pouco para ver se Bolsonaro não vai queimar rapidamente esse capital acumulado com mais algumas das suas.
Uma pergunta
Por que pessoas que operavam no mercado sofisticado de bitcoin guardavam quase R$ 100 mil em dinheiro vivo dentro de um armário? Não existe a menor possibilidade de alguém comprar a moeda digital mandando reais pelos Correios. Carregar malas de dinheiro pra lá e pra cá, transportar dólares escondidos na cueca e guardar cédulas em caixas dentro de casa é mais parecido com coisa da história recente da corrupção nacional.
Cara de zap
Alguém acha que Jair Bolsonaro tem cara de Telegram? Parece mais com o WhatsApp. Imagina se um presidente americanista como ele vai usar “essa coisa dos russos”.
Cuidado, benzinho
Pelo que viu e apurou Bela Megale, repórter e blogueira do GLOBO, Sergio Moro está bebendo demais. No restaurante em que gosta de jantar, o Avenida Paulista de Brasília, ele toma sempre uma garrafa de vinho tinto e “arremata” com dois chopinhos. Ministro, beba com moderação . Ou vão acabar dizendo que vossa excelência anda tenso demais. Razão para isso não lhe falta.
Afogando mágoas
Como se explica essa perseguição implacável do presidente Bolsonaro aos generais de dentro e de fora de seu governo? Talvez seja rescaldo da sua passagem pela caserna, da qual foi expelido com apenas 15 anos de serviço. Estaria descontando as mágoas acumuladas? Um presidente não precisa mostrar que tem autoridade e poder. Basta exercê-los.
Destruindo fontes
Bolsonaro está determinado a explodir todas as pontes que possam permitir um recuo estratégico em caso de extrema necessidade. Parece que na sua breve passagem pelo Exército ele não teve tempo de assistir às aulas de tática.
Faltou apuração
Durante a cerimônia no Palácio do Planalto na terça passada, um ajudante de ordens se aproximou do presidente Bolsonaro enquanto o ministro Paulo Guedes discursava. Cochichou alguma coisa no ouvido do presidente, que abriu a boca e arregalou os olhos com ar abismado . Em seguida pegou o celular que o ajudante trazia na mão e falou com alguém por uns 30 segundos. Terminada a ligação, devolveu o celular para o ajudante de ordens, que se retirou. Bolsonaro ficou uns dez segundos refletindo, com olhar ausente. Em seguida falou alguma coisa baixinho para o vice-presidente, Hamilton Mourão, que fez cara de espanto. O que foi? Pode ter sido o momento em que soube que fora hackeado? Pode, mas não dá para garantir. A TV mostrou a imagem. E ficou nisso, ninguém reportou o susto que deixou lívido o presidente.
Filosofia
Na reunião em que se anunciou a nova fórmula de saque do FGTS, o presidente do Banco do Brasil, Rubem Novaes, disse que ninguém melhor que o cidadão sabe onde aplicar o seu dinheiro . Acrescentou que essa era a nova filosofia do governo. Se é assim, então porque não liberou tudo de uma vez? Solene, o secretário de Política Econômica, Adolfo Sachsida, explicou que ninguém ali estava fazendo mágica. Entendido. Não era filosofia nem mágica. O presidente da Caixa tomou a palavra para dizer que a turma do banco (ele inclusive) vai fazer um mutirão, trabalhando sábados e domingos, para liberar esta dinheirama toda. Ufa.
Presidente rompedor
Perigo! Perigo! Perigo! O ministro Paulo Guedes disse que é preciso descarimbar recursos, tirar dinheiro colocado em “chiqueirinhos” para realocá-lo onde as instituições públicas e os estados entenderem ser melhor. Segundo Guedes, apenas um “presidente rompedor”, que ele reputa ser Bolsonaro, seria capaz de fazer isso. Mas não depende apenas do presidente, é preciso o aval do Congresso. Dinheiro carimbado é dinheiro que o Congresso determinou que seja gasto exclusivamente em uma atividade , para protegê-la exatamente de vontades políticas, muitas vezes casuísticas. Os recursos da educação e da saúde, por exemplo, são carimbados. Imagine se bastasse apenas a vontade do presidente para retirar dinheiro da educação. Pobre educação.
Caso a caso
Há evidentemente alguns carimbos muito mal aplicados na economia nacional, que foram criados como forma de garantir dinheiro público para causas nem sempre necessárias ou republicanas. O “presidente rompedor” terá de mostrar força e articulação no Congresso para eliminar estes penduricalhos mamadores . Vai ter que negociar caso a caso e enfrentar lobbies poderosos.
Férias de Weintraub
O ministro da Educação saiu de férias. Segundo nota divulgada por sua assessoria, ele tem esse direito, embora esteja no cargo há menos de quatro meses. Ele é professor federal e tem férias vencidas. Muito bem ministro, bom descanso. Provavelmente sua excelência foi curtir um calorzinho na Europa . O problema não é o direito do ministro, mas o seu dever. Com tanta coisa para fazer, Abraham Weintraub deveria estar com gana de trabalhar. Mas, não.
Decepção no Uruguai
Uma mulher voltou do Uruguai, na sexta, absolutamente desapontada. Foi a uma loja especializada comprar um baseado legal para fumarcom o marido. Pediram a ela documento de identidade local. Ela não tinha porque é fluminense de Niterói. Disseram então que se tivesse um amigo uruguaio ele poderia comprar o produto. Ela levou um amigo, mas ele não estava cadastrado na loja. Ficaram todos de cara. Segundo a brasileira desiludida, a liberação da maconha no Uruguai “foi uma enganação do nosso Mujica”. Rsrs.