sábado, julho 27, 2019

Moropalooza! O hacker é DJ! - JOSÉ SIMÃO

FOLHA DE SP - 27/07

Acho que ele hackeava pra fazer remix das conversas do Moro com o Deltan!


Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Não acredito!

O hacker do Moro é um DJ? Moropalooza! HACKER IN RIO! Rarará! Eu acho que ele hackeava pra fazer remix das conversas do Moro com o Deltan! Pro Festival de Música Eletrônica Moroland! Rarará! E agora tem um ex-Uber! “Seu hacker chegará em dois minutos.” Rarará!

E esse com apelido Vermelho! Nosso Hacker Jamais Será Vermelho! Rarará! Esse suspeito Vermelho é suspeito de ser suspeito. Pré-fabricado! Rarará!

Eu queria hackear o celular do Frota. Mas diz que tem que ter antivírus! Só deve ter nudes. NU FROTAL! Rarará!

E hackearam os celulares do Bolsonaro. Bobagem! Ele fala as merdas publicamente! E hackearam o celular da Joice Hasselmann. Mentira! Hackearam o aplicativo do iFood da Joyce Joice Hasselmann! Rarará! Ela não para de comer. Aí hackeiam o iFood e bate o desespero! Rarará!

E hackearam o Maia: “Amor, você se esqueceu de botar o pacote de Negresco na lancheira”. “Manda o Bolsonaro à merda, quem manda nessa joça sou eu!”

E a charge do Sid: “Essa vodca é mesmo legitima?” “Claro, 100% produzida em Araraquara.” VODCA DE ARARAQUARA!

O Carluxo não falou que os hackers eram russos? Sim! A dança tracidional de Araraquara é a cossaca! Em Araraquara todo mundo anda cossaco de fora! Rarará!

“Sinistra da Agricultura libera 56 agrotóxicos.” Oba! Você entra no restaurante e pede fluoracetato com sulfoxaflor e musse de herbicidas. Em três dias o fazendeiro tá mais rico, e você no hospital com o “estrombo estragrado”. O agro estragra o estrombo. O estragro negrócio!

O Brasil precisa de menos desmatamento e mais desMITAmento! Mato Grosso virou Desmato Grosso! ECOSSISTEMA NERVOSO!

“Novo diretor da Funai é delegado da PF.” Sujô! Amazônia, Teje Presa! Índio vai virar elemento! “Todos com as mãos na cabeça! Evacuar Reserva!” Rarará!

E por R$ 33 mil, o Deltan dá palestra até no Instituto Lula! Rarará! E por mim, o Moro pode apagar todas as mensagens, menos as dele! Rarará!

Nóis sofre, mas nóis goza! Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

José Simão
Jornalista, precursor do humor jornalístico.

Destruir o INPE é abrir mão de nossa soberania - FERNANDO REINACH

ESTADÃO - 27/07

Se nosso monitoramento for abandonado, organizações internacionais assumem tarefa


De uma janela do avião é possível ver o solo passar lá embaixo. Um avião comercial voa a 900 km/h a 10 quilômetros do solo. Agora imagine se você estivesse em um dos satélites usados pelo Inpe para monitorar o desmatamento da Amazônia. Eles estão a 500 quilômetros de altura e viajam a 20.000 km/h. Lá de cima, telescópios poderosos fotografam continuamente o solo e enviam as imagens por meio de sinais de rádio. Os cientistas do Inpe comparam imagens do mesmo local obtidas em diferentes datas, identificam as áreas em que a floresta foi cortada, somam, e calculam o total. O conceito é simples, mas o diabo está nos detalhes.

Pela janela do avião, você vai perceber que grande parte do solo está coberto por nuvens. Sabemos que a cada instante mais de 50% da superfície do planeta esta coberta por nuvens. Pior: algumas áreas na Amazônia passam a maior parte do tempo cobertas por nuvens.

Você deve ter percebido que no Google Maps não existe uma nuvem sequer sobre o Brasil. Como é possível se metade do país esta sempre coberta por nuvens? Fácil, basta emendar imagens coletadas em datas diferentes, todas obtidas com o céu azul. De forma simplificada, é isso que o Inpe tenta fazer no projeto Prodes. Ao longo do ano, o Inpe seleciona as imagens da Amazônia com menos nuvens obtidas no período das secas. Com elas, o Inpe constrói uma espécie de fotomontagem da Amazônia. Aí ele compara essa montagem com ado ano anterior e determina as áreas que foram desmatadas.

As áreas desmatadas são então mascaradas para não se correr o risco de serem identificadas novamente nos anos seguintes. Como cada desmate é identificado diretamente nas imagens de satélite, e só são computadas áreas onde o corte foi total, o número obtido é muito confiável. A principal incerteza no Prodes é a estimativa das áreas desmatadas em regiões onde não foi possível obter imagens sem nuvens.

Essa estimativa é feita usando a taxa de desmatamento em áreas vizinhas em que não havia nuvens. E esses números são bem menos confiáveis. O problema é causado pelo fato de os satélites utilizados pelo Inpe somente sobrevoarem uma mesma área uma vez a cada 16 dias, o que diminui a chance de obter imagens sem cobertura de nuvens. Já há satélites que revisitam cada área com maior frequência e sua utilização provavelmente diminuiria muito a incerteza inerente à tecnologia usada hoje.

Os dados do Prodes permitem acompanhar o ritmo de desmatamento ano a ano, mas não servem para alertar os órgãos de fiscalização. Quando uma área desflorestada é identificada pelo Prodes, os culpados estão longe e a madeira já foi retirada da Amazônia.

Para resolver esse problema, o Inpe criou um sistema de alerta rápido, que informa o governo quando um desmatamento esta ocorrendo ou acabou de ocorrer. Esse sistema, o Deter, emite boletins diários e funciona de maneira diferente. Cada foto sem nuvens recebida é analisada e comparada com a última foto dessa área que existe no arquivo. Quando um novo desmatamento é detectado, o Inpe envia localização da área para os órgãos de fiscalização. O sistema é rápido e permite a atuação dos fiscais antes de a madeira desaparecer e o dinheiro chegar no bolso do dono do motosserra.

Mas há desvantagens. Ele não monitora toda a Amazônia a cada dia, mas somente as áreas sem nuvem fotografadas naquele dia e isso dificulta comparações e extrapolações. Imagine que em janeiro de 2017 as áreas sem nuvens se concentravam no centro da Amazônia, enquanto Rondônia estava coberta de nuvens. Como no centro da Amazônia ocorrem menos desmatamentos, o desmate medido em janeiro de 2017 é pequeno. Já em janeiro de 2018 as áreas sem nuvens se concentram em Rondônia, um local com muitos desmatamentos, e o centro da Amazônia é que agora está encoberto.

Assim, em janeiro de 2017 uma área pequena de desmatamento é detectada, já em janeiro de 2018 a área é maior Se compararmos desmatamento detectada pelo Deter em janeiro de 2018 com a de janeiro de 2017 o aumento vai ser enorme. Mas essa não é uma comparação válida pois estamos comparando peras com maças: Rondônia com o centro da Amazônia. Essa característica do Deter, e o cuidado que devemos ter com comparações entre dados do Deter, estão descritas nos documentos técnicos do programa. Apesar disso, essas comparações são divulgadas mensalmente e causam grande confusão, pois os níveis de desmate flutuam loucamente de um mês para o outro. Parece ser o caso agora: o Deter detectou aumento brutal no desmatamento em junho de 2019. Pode ou não ser representativo do que está ocorrendo em toda a Amazônia. Vamos ter que esperar os dados do PRODES para ter certeza.

Ao longo dos anos, a tecnologia dos satélites melhorou muito e os métodos de detecção nas imagens também. O Inpe tentou acompanhar esse progresso. Os satélites usados inicialmente só conseguiam detectar áreas desmatadas maiores que 30 hectares (um hectare é equivalente a um quarteirão em São Paulo: 100 metros por 100 metros). Essa é uma área enorme e pequenos desmatamentos passavam despercebidos.

Hoje o Inpe usa imagens de satélites melhores e pode detectar desmatamentos de 6 hectares. Mas é possível melhorar. Há satélites que detectam desmatamentos de 10 m² (algumas árvores) e revisitam uma mesma área quase diariamente. Entretanto, o número de imagens que precisam ser analisadas se um satélite como esse for usado é enorme. Essas imagens tampouco são gratuitas, como as usadas hoje pelo Inpe. Além de só detectar áreas grandes, o Inpe não consegue detectar de modo consistente desmatamentos parciais (onde só as grandes árvores são cortadas) e tampouco se preocupa em monitorar as áreas que são reflorestadas por plantio ou por terem sido abandonadas. No sistema atual, uma vez desmatada, essa área deixa de ser monitorada. No caso dessa área ser novamente tomada pela floresta, ela deveria ser reincorporada na conta da floresta em pé.

Os últimos 10 anos trouxeram duas importantes mudanças que ainda não foram incorporadas nas análises do Inpe. A primeira é o novo Código Florestal, lei aprovada em 2012 que regula a proteção das florestas. No caso da Amazônia, ela permite que um proprietário desmate até 20% da área de sua propriedade. Para tanto, tem de possuir uma autorização do governo. Os outros 80% da área têm de ser preservadas como Reserva Legal. Essa lei também exige que certas áreas, como beiras de rios, jamais sejam desmatadas, são as Áreas de Proteção Permanente (APPs). No Brasil, parte dos desmatamentos é legal e foi autorizado pelo governo e parte do desmatamento é ilegal. É preciso que as áreas de desmate legal sejam computadas de maneira separada dos desmates ilegais. Conhecer os dois números e como evoluem ao longo do tempo é imprescindível e isso ainda não é feito. O que necessita ser combatido é o desmate ilegal. A divulgação dos dados brutos de desmate dá a falsa impressão de que todos os desmatamentos são ilegais, o que não é verdade.

Outro grande progresso nos últimos anos foi a criação do Cadastro Ambiental Rural (CAR), um mapa digital de cada propriedade que é feito usando um GPS. O CAR delimita o perímetro da propriedade e dentro dela o perímetro das áreas de Reserva Legal, das APPs, e das áreas desmatadas. Além disso, contém o nome, CPF ou CNPJ do proprietário. A beleza do CAR é que, combinado às imagens de satélite, ele é o instrumento perfeito fiscalizar o cumprimento do Código. O CAR de cada propriedade pode ser sobreposto facilmente às fotos de satélite, da mesma maneira que o Google Maps desenha as ruas e indica os restaurantes sobre seus mapas.

Com isso, quando o Inpe detectar um desmatamento saberá imediatamente o dono da área, se o desmatamento foi em reserva legal ou em área de proteção permanente e se foi feito sem autorização. Assim, a cada ano não somente poderemos saber quantos quilômetros quadrados foram desmatados na Amazônia, mas quem desmatou e se foi ilegal. Com esses dados, multar desmatamentos ilegais é um passo automático. Da mesma maneira que a integração de radares, câmaras fotográficas e a identificação das chapas dos veículos permite a identificação de carros em alta velocidade, imagens de satélites acopladas aos cadastros do CAR permitirão identificar automaticamente os desmates ilegais na Amazônia, com o bônus de não criar suspeitas sobre proprietários rurais que cumprem a lei.

O Brasil foi um dos primeiros países a usar satélites para monitorar suas florestas, possui agora legislação rígida que regula o desmate e um cadastro em que as áreas a serem protegidas estão mapeadas. O próximo passo é juntar essas ferramentas em um sistema que realmente permita abolir o desmate ilegal no Brasil.

O governo, no lugar de criticar o Inpe, deveria investir na atualização e melhora do sistema. Se nosso sistema de monitoramento for abandonado ou destruído, não tenham dúvida, organizações internacionais assumirão essa tarefa e aí o governo vai ter de justificar dados de desmate coletados por terceiros. Isso sim é abrir mão de parte da soberania nacional.

Mais informações:

1- PRODES: Metodologia para o Cálculo da Taxa Anual de Desmatamento na Amazônia Legal. INPE, versão de 30/10/2013.

2- DETER-B: The New Amazon Near Real-Time Deforestation Detection System. IEEE Journal Of Selected Topics In Applied Earth Observations and Remote Sensing, vol. 8 2015

Riscos desnecessários - MARCO AURÉLIO NOGUEIRA

O Estado de S. Paulo - 27/07

Acima de tudo e de todos, deve-se evitar que o País degringole e fique sem opções


Falando sem parti pris, o problema político dos brasileiros não é termos um governo de direita ou extrema direita, nem ser Jair Bolsonaro um fundamentalista retrógrado. O problema é que o presidente não conhece o País, não respeita princípios democráticos básicos e não deseja governar. Estamos correndo riscos desnecessários.

Desde sua posse o País depende muito mais do empenho da Câmara dos Deputados que do Poder Executivo. Falam mal dos parlamentares, mas sem eles teríamos tido um semestre trágico, estaríamos mergulhados numa sequência de bravatas, provocações e ofensas promovidas por Bolsonaro e seu entorno, que parecem dispostos a tratar todos como inimigos.

Combater a esquerda e o PT é legítimo e aceitável, mas é uma patifaria quando feito na base de mentiras e agressões. A direita e a esquerda fazem parte da vida, o revezamento delas no governo dos países é normal, saudável e produtivo. Liberais, conservadores e socialistas são famílias políticas essenciais, filhos legítimos da modernidade e de suas transformações no correr do tempo. Querer eliminar um deles com argumentos de autoridade é ir contra a lógica das coisas e os parâmetros democráticos de civilidade.

Debochar de brasileiros do Nordeste, agredir ativistas, professores, artistas, intelectuais e jornalistas, ameaçar a cultura e a educação com a imposição de “filtros” que não passam de censura, tratar a ciência com desprezo, beneficiar o próprio filho – tudo isso, verbalizado com escárnio, faz a Presidência da República evaporar como instância de organização do País e se transforme numa trincheira de combate.

Agindo assim, o presidente prejudica o País e a população, além de criar dificuldades para si próprio. Sua guerra ideológica contra partidos, “velhos políticos” e sociedade civil exaspera os parlamentares, aumentando os custos da transação política na aprovação de medidas e propostas governamentais. Enfraquece as instituições e os órgãos públicos, varrendo-os para a margem. Suas ações não são “folclóricas”, inocentes, mas ferem princípios básicos e fazem o País andar para trás, na educação, na cultura, na política internacional, nos direitos, na saúde, no meio ambiente, na economia. Impactam negativamente a sociedade, fomentando divisões que não ajudam o País a enveredar por uma trilha de progresso, justiça e bem-estar.

Um presidente que se comporta como se fosse chefe de uma facção, não mede as palavras, confunde o público com o particular, move-se pela emoção imediata e por cálculos improvisados é uma tragédia anunciada. Poderá sobreviver ao mandato, e até prolongá-lo, mas de seu período governamental não sairá um País melhor, uma sociedade mais coesa ou um Estado administrativo mais eficiente.

Em vez de nos ajudar a superar a polarização fratricida que reinou nos últimos anos, ele a agrava, a esvazia de dignidade e a empurra para a violência explícita.
Jair Bolsonaro venceu as eleições de 2018 de forma inquestionável, cristalina. Mostrou senso de oportunidade ao endossar um figurino específico na hora mesma em que o eleitorado demonstrava estar cansado das ofertas políticas usuais. Suas proposições autoritárias, seu estilo informal, o uso abusivo que fez de valores religiosos e moralistas, sua habilidade em utilizar as redes sociais encontraram eco nos eleitores, que viram nele uma opção ou para derrotar o PT e virar a página, ou para depositar esperanças num líder de novo tipo.

Sua vitória, porém, também foi conseguida porque a esquerda petista se mediocrizou e a esquerda democrática não conseguiu abraçar o campo liberal-democrático e, junto com ele, virou farinha, que engrossou o pirão da extrema direita. Foi uma vitória do senso de oportunidade combinado com incompetência política. Sem isso o resultado teria sido diferente.

A vitória eleitoral, no entanto, não deu a Bolsonaro o direito de se comportar como o tirano platônico que se deixa dominar pelos desejos mais baixos e por seus demônios internos, postos em movimento pela paixão que aguça a imoderação. Numa República democrática o presidente deve ser um agente da moderação, um construtor de consensos, um promotor do diálogo coletivo. Tem suas preferências, seu credo e seu mapa de navegação, mas não está autorizado a agir por impulso, conforme uma rotina passional que só produz caos e confusão.

A conduta errática e acrimoniosa de Bolsonaro ainda não levou a sociedade à convulsão. Em parte porque só se passaram seis meses, em parte porque a população tem conseguido manter alguma coesão, em parte porque o Congresso tem governado o País, construindo consensos e tomando decisões estratégicas.

Faltam entrar em cena os partidos, os movimentos cívicos e os cidadãos ativos perfilados no campo democrático progressista. Até agora, eles parecem trabalhar nos bastidores, em silêncio, dando até mesmo a impressão de estarem a hibernar A oposição que orbita o PT não consegue produzir propostas e entendimentos, limita-se a mimetizar com sinal trocado a conduta presidencial, valendose de uma retórica igualmente passional, que divide e inflama a população. Em vez de se lançar com coragem no mar aberto da renovação procedimental e discursiva, aferra-se a mitos e atitudes defensivas, refratárias ao moderno que se renova em direções inesperadas, surpreendentes e desafiadoras.

Temos de girar a chave e abrir novas portas. Buscar maior interlocução, abandonar projetos parciais de poder e cálculos eleitorais de curto prazo. Pode ser que se tenha de ajudar o governo a governar, a cometer menos erros e a causar menores prejuízos. Não há por que ter preconceito contra isso. Acima de tudo e de todos deve estar a preocupação de evitar que o País degringole e fique sem opções. Resistir é preciso, mas sem medo de olhar para a frente e ousar, correndo riscos que valham a pena.

PROFESSOR TITULAR DE TEORIA POLÍTICA E COORDENADOR DO NÚCLEO DE ESTUDOS E ANÁLISES INTERNACIONAIS DA UNESP

A batalha contra a realidade - EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de S. Paulo - 27/07

Como presidente, Jair Bolsonaro deve se ater aos problemas reais e dar-lhes soluções.



Já é sabido que o presidente Jair Bolsonaro não nutre especial apreço por dados estatísticos e científicos quando estes contrariam as suas próprias crenças, seja qual for o assunto. O problema é que os fatos se impõem por si mesmos e, ao fim e ao cabo, a desmoralização recai sobre aqueles que os negam. E quando não nega dados que lhe desagradam, o presidente Bolsonaro trata de desqualificar os métodos de trabalho para sua obtenção, baseando-se em especulações e preconceitos. Não é um bom caminho. A batalha contra a realidade é inglória.

Em pouco mais de 200 dias, o governo de Bolsonaro já desacreditou o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) quando o órgão de insuspeita reputação divulgou dados sobre o desemprego. Já desqualificou pesquisa da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) sobre o flagelo das drogas. Agora, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), instituição científica de grande prestígio dentro e fora do Brasil, é que está sob ataque.

Em café da manhã com correspondentes estrangeiros na sexta-feira passada, o presidente Jair Bolsonaro contestou dados do Deter, sistema de alerta de desmatamento do Inpe, que mostrou que em junho houve um aumento de 57% da área desmatada na Amazônia em relação ao mesmo período no ano passado. De acordo com o Deter, 769 km² na região amazônica foram desmatados no mês passado. Há um ano, foram 488 km².

O presidente Jair Bolsonaro não só desacreditou os dados, mas o próprio Inpe, seu corpo de servidores e o presidente do instituto, Ricardo Magnus Osório Galvão. Aos jornalistas estrangeiros, Bolsonaro insinuou que Galvão estaria “a serviço de alguma ONG”.

Em entrevista ao Estado,o presidente do Inpe afirmou que Bolsonaro fez “comentários impróprios” e “ataques inaceitáveis”, que mais pareceram “conversa de botequim”. Ricardo Galvão disse ainda que a atitude do presidente da República foi “pusilânime e covarde”. Por fim, o presidente do Inpe afirmou que não pedirá demissão do cargo.

Por meio de nota, o ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, Marcos Pontes, fez coro às críticas de seu chefe ao Inpe e disse “compartilhar a estranheza” do presidente Bolsonaro sobre a variação do porcentual de desmatamento na Amazônia no último ano. O ministro Pontes, a quem o Inpe está subordinado, disse que irá requerer “mais dados” ao instituto e que convocará Ricardo Galvão a ir a Brasília para “esclarecimentos e orientações”.

Marcos Pontes, embora militar, é um homem com origem na comunidade científica. Dele era esperado que soubesse que, em Ciência, dados são refutados por outros dados, não por especulações, sobretudo as de natureza política. Ao chancelar, na prática, a “tese” do presidente Jair Bolsonaro, segundo a qual as informações sobre desmatamento apuradas pelo Inpe são “mentirosas” e se prestam apenas a “desgastar a imagem do País no exterior”, o ministro faz clara opção por uma política de baixa extração.

Jair Bolsonaro requereu que os dados apurados pelo Inpe passem a ser submetidos a ele antes de serem divulgados. O que pretende o presidente com essa medida? Caso se depare novamente com dados que não estejam a seu gosto irá alterá-los ou, no limite, proibir sua divulgação? Seria inútil, pois os dados de satélite do Deter são acessíveis por uma série de instituições científicas mundo afora. O País, afinal, é pioneiro nesse tipo de monitoramento do meio ambiente.

Afigura-se um padrão de comportamento. O tempo irá dizer se a atitude de negação será uma marca deste governo. Dados que consubstanciem teses “de esquerda”, como supostamente seria a defesa do meio ambiente, não seriam por si sós confiáveis.

A construção de uma realidade paralela pode funcionar muito bem para manter acesa a chama dos núcleos de apoio mais aferrados ao governo. Mas Jair Bolsonaro não preside nichos. Como presidente do Brasil, deve-se ater aos problemas reais e dar-lhes soluções. Um bom começo é admitir que eles existem.

Desenvolvimento econômico e intervenção estatal (parte I) - MARCUS PESTANA

O TEMPO - MG - 27/07

No centro do debate contemporâneo, no Brasil e no mundo, está a discussão sobre o papel do Estado e o modelo de intervenção governamental. Por trás disso há elementos teóricos e políticos e evidências históricas. No plano teórico, o liberalismo disseminou a ideia de que o livre movimento das forças de mercados, tendo como sinalizador o sistema de preços relativos, promoveria por si o equilíbrio microeconômico e macroeconômico a partir das flutuações de oferta e demanda de bens e serviços e da moeda. Autores como Walras, Misses, Bohm-Bawerk e, depois, Hayek e Friedman acreditavam que o mercado deveria ser o grande maestro da economia.

Por outro lado, a evolução da economia demonstrou que a concorrência não era perfeita, que haveria grandes assimetrias de informações e posições entre empresas e consumidores, que monopólios e oligopólios nasceram e que o equilíbrio não era uma tendência natural.

A economia capitalista teria uma dinâmica cíclica, com períodos de expansão alternados com crises. Marx, Keynes, Schumpeter, Kontratieff, Kalecki explicaram de diversas maneiras os movimentos cíclicos da economia, exigindo a ação governamental para compensar as imperfeições no funcionamento do mercado.

Essas polêmicas não são meramente teóricas e contaminaram a dinâmica política na evolução do papel do Estado e no jogo de disputa pelo poder. No nascedouro do capitalismo, o papel do Estado era mínimo. Não havia sequer sistemas públicos de educação, saúde e previdência. E a intervenção econômica dos governos se limitava a assegurar a liberdade de mercado e a estabilidade da moeda.

A experiência histórica concreta delimitou, assim, grosso modo, com suas nuances e calibres, os três polos na disputa pela condução dos destinos da sociedade: o liberalismo, que continua advogando a total prevalência do mercado e a ineficiência de quase toda intervenção estatal; a social-democracia e seu Estado de bem-estar social, que admite o mercado como mais eficiente na orquestração da alocação dos fatores produtivos, mas enxerga as imperfeições de seu funcionamento e advoga a necessidade da intervenção governamental para combater desequilíbrios e desigualdades; e, o Estado máximo, que foi exercitado pela experiência do socialismo real e “deu com os burros n’água”.

A história parece ter dado razão aos que enxergavam não a tendência ao equilíbrio geral, mas os movimentos cíclicos da economia e a produção continuada de desigualdades, paralelos ao inegável e vigoroso avanço das forças produtivas promovido pela evolução do capitalismo.

A globalização reduziu radicalmente a margem de manobra dos Estados nacionais.

Como disse no último artigo, os paradigmas ideológicos estão problematizados. Vivemos um momento de instabilidade. A China “comunista” incorporou o mercado à sua vida. As reações protecionistas e nacionalistas presentes à direita e à esquerda – estranha convergência – presentes na ação de Trump, no Brexit, nas posições da extrema direita e da extrema esquerda europeias, ameaçam o horizonte com uma perspectiva regressiva e antiglobalista.

Na próxima semana, voltarei ao tema, tentando refletir sobre as repercussões desse debate no Brasil, que, a meu juízo, tem na sociedade e nas instituições uma cultura anticapitalista arraigada e uma viciada dependência da ação intervencionista do Estado

Novos negócios, regras antigas? - VINICIUS MARQUES CARVALHO

O GLOBO - 27/07

É saudável que bens e serviços regulados de forma diversa concorram entre si


É consagrado na história e na teoria econômica que o desenvolvimento tecnológico não é obra do acaso. Superar padrões atrasados de produção demanda, simultaneamente, esforços da iniciativa privada e um quadro normativo/institucional atrativo ao investimento. Esse ambiente não é, evidentemente, estático. O texto normativo incide sobre a realidade aplicado a um conflito — e é aqui que as ameaças e barreiras à inovação e à criação de novos modelos de negócio têm aparecido com mais frequência no Brasil.

Não são poucos os casos que mostram que, na contramão, atores governamentais embaralham incentivos e interrompem ou atrasam o desenvolvimento tecnológico. Recentemente, disputa na Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) sobre regulação de transmissão de conteúdo programático via internet chamou a atenção. Seria o serviço próprio da lei do SeAC, que regula o acesso condicionado (TV por assinatura), ou um serviço de valor adicionado (SVA), disposto na Lei Geral de Telecomunicações (LGT)? São várias as alegações para defender a aplicação do SeAC, desde que existiria “neutralidade tecnológica” na lei — e não interessaria qual o meio de difusão do conteúdo, basta que ele seja algum tipo de programação para estar abarcado pela regra — até que a disparidade tributária estaria configurada, pois as prestadoras de serviços de SeAC estariam sujeitas a obrigações que não incidem sobre a transmissão de conteúdo on-line.

O discurso é conhecido: já que a transmissão de conteúdo on-line e a programação de TV por assinatura concorrem, ainda que a substitutibilidade entre os serviços não seja plena (quem procura por TV por assinatura busca pacote de conteúdo diversificado, que os aplicativos de transmissão de conteúdo específico não oferecem), a menos que as condições entre as empresas que atuam no mercado sejam idênticas, há concorrência desleal, que deve ser combatida.

O argumento é sedutor, mas a realidade é diferente dessa caricatura. É saudável que bens e serviços regulados de forma diversa concorram entre si, tanto mais quando tratamos de mercados intensivos em inovação. Essas ofertas geralmente usam estruturas diferentes, atendem públicos distintos e estão reguladas por regras diversas.

Um exemplo são os aplicativos de transporte de passageiros. Quando eles entraram no Brasil, taxistas argumentaram que quem prestasse o serviço sem seguir a regulação seria clandestino. O que se verificou, porém, é que fazia sentido criar regras diversas para tais aplicativos, ainda que houvesse concorrência entre os serviços. Como afirmou o Conselho Administrativo de Defesa Econômica, um dos principais efeitos desse movimento foi a expansão do mercado de transporte individual, que passou a atrair passageiros que usavam outros modais.

O debate na Anatel traz elementos adicionais. A LGT prevê o SVA, portanto, não se trata de um serviço “clandestino”. Trata-se de discutir se, ainda que compitam em alguma medida, canais de TV por assinatura e serviços de streaming podem estar sujeitos a regras diversas. A premissa é que novos modelos de negócio tendem a precisar de formas de regulação distintas, e prender essas inovações a modelos aplicados às empresas incumbentes — exigindo dos entrantes cumprimento de regras antigas — não traz benefício ao mercado.

Como diz a MP da Liberdade Econômica, a regulação deve estimular e permitir a atividade econômica em diversas formas, e compreender os efeitos das decisões para o ambiente competitivo. Não é diferente quando debatemos oferta de conteúdo on-line, e é papel da administração pública ter atenção a essa realidade.

Vinicius Marques de Carvalho é advogado, professor da USP e foi presidente do Conselho Administrativo de Defesa Econômica

“Sigam o dinheiro” - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 27/07

Não parece provável que um estelionatário seja movido apenas por ‘fazer justiça, trazendo a verdade para o povo’

A investigação sobre os hackeamentos dos celulares de centenas de autoridades brasileiras parece estar chegando a uma solução, embora a Polícia Federal não creia que Walter Delgatti Neto tenha entregue o material resultante da invasão ao site Intercept Brasil apenas por “amor à causa”, pois não tem nenhuma, aparentemente.

Tudo indica que sua linha de defesa é transformar-se da noite para o dia em um whistleblower, um denunciante de irregularidades que alerta a sociedade com a divulgação de documentos sigilosos.

Como Edward Snowden, que revelou documentos sobre o sistema de vigilância global dos Estados Unidos, que incluiu a então presidente Dilma Rousseff. Ou Chelsea Manning, que divulgou, através do Wikileaks, documentos sobre as guerras do Iraque e do Afeganistão. Assim como diversos outros casos.

O caso Watergate é um dos mais famosos. O informante dos repórteres Bob Woodward e Carl Bernstein, do Washington Post, era conhecido como Deep Throat. Uma fonte realmente anônima para o grande público, que orientava as investigações jornalísticas, mas não dava documentos. Só pistas quentes.

A revelação da sua identidade só veio quase 30 anos depois dos fatos, que levaram à renúncia de Nixon em 1974. E por decisão do próprio informante, Mark Felt, na época dos acontecimentos vice-diretor da CIA. Só depois que o Deep Throat se revelou é que Woodward e Bernstein revelaram mais detalhes dos acontecimentos.

O chamado Caso Watergate ficou célebre como jornalismo investigativo, e virou livro e filme, dirigido por J Pakula, com Robert Redford e Dustin Hoffman nos papéis dos repórteres. Foi no filme que surgiu a frase que se tornou famosa: “Sigam o dinheiro”, nunca dita por Felt, mas criada pelo diretor.

Passou a ser o símbolo das investigações de crimes, especialmente os de corrupção política. Chegamos agora a esse ponto de seguir o dinheiro. Ao revelar que Manuela Dávila, a ex-candidata a vice do petista Fernando Haddad na eleição de 2018, foi a intermediária entre ele e o editor do The Intercept Brasil Glenn Greenwald, o hacker Walter Delgatti colocou-a na chamada sinuca de bico.

Ter intermediado a entrega do produto de um crime para um jornalista pode implicar cumplicidade, na visão de alguns. Há, porém, quem considere que a ex-deputada apenas agiu como uma pessoa que informa a um jornalista sobre um fato de que teve conhecimento.

O problema muda de figura no caso de ter havido um pagamento nessa cadeia de informantes. Não parece provável que um estelionatário seja movido apenas por “fazer justiça, trazendo a verdade para o povo”, conforme depoimento de Glenn Greenwald sobre seus contatos com o hacker, que ele continua sem confirmar ser o preso na operação Spoofing.

Se o grupo atuou sob encomenda de alguém, quem contratou é cúmplice, co-autor do crime. Se o Intercept Brasil não participou do pagamento, ou, sabendo dele, mesmo assim publicou o material, também não pode ser considerado cúmplice. Apenas terá a sanção moral pelo ato.

Se Manuela Dávila participou da negociação para a compra do material, poderá ser acusada de cumplicidade. E se um partido político foi o negociador da compra, será possível enquadra-lo criminalmente, mas duvidoso o resultado.

Um caso assim aconteceu durante a campanha presidencial de 2006, quando um grupo de petistas foi flagrado comprando, em dólar, um dossiê que supostamente implicaria o candidato tucano José Serra em falcatruas no ministério da Saúde.

Serra acabou vencendo a eleição para governador, derrotando Aluizio Mercadante, e Lula, com o peso do mensalão recentemente descoberto, acabou indo para o segundo turno contra Alckmin, a quem derrotou com facilidade. Nenhum petista graúdo foi punido.

No caso presente, se Walter Delgatti insistir nessa versão fantasiosa, a Polícia Federal poderá usar seu Telegram para confronta-lo com as conversas que teve com Manuela Dávila e Glen Greenwald.

Venda de controle da BR é parte de plano estratégico - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 27/07

Negócio compõe um projeto de mudança do perfil da Petrobras, com o fim de alguns monopólios


A importância da venda do controle da BR Distribuidora em Bolsa não se resume ao ineditismo de uma operação patrocinada por uma estatal de que surgirá uma empresa privada com ações pulverizadas entre sócios. De 70% do capital da subsidiária, a Petrobras passará a deter 37,5%, depois da venda integral das ações. O plano é fazer-se o mesmo com a Eletrobras, holding do setor elétrico.

Nos dois casos, a Petrobras e o Tesouro levantam recursos sem custo, e as companhias, já de controle privado, podem ganhar eficiência, por meio de reformas e corte de custos impossíveis de serem executados no ambiente estatal — e em qualquer instância de governo, municipal, estadual e federal.

A operação pode ser vista por vários ângulos. Um deles, o do objetivo estratégico de injetar concorrência na distribuição de combustíveis, onde opera um oligopólio formado pela BR e poucos grupos privados. Esta é uma das explicações para a lentidão com que a queda de preços nas refinarias chega às bombas — quando chega.

Tem o mesmo sentido o plano da Petrobras de vender refinarias, o início da cadeia da distribuição. Articular o processamento privado do petróleo com a distribuição também em mãos particulares parece forma eficaz para dar flexibilidade à formação dos preços dos combustíveis. Com o devido cuidado de, na venda de refinarias, não se criarem monopólios privados regionais.

Vai na mesma direção acabar com o controle que a estatal exerce no gás, compartilhado com empresas públicas de estados. Daí o hidrocarboneto no Brasil custar na faixa de US$ 14 por milhão de BTUs (unidade térmica), contra US$ 7 em mercados onde há concorrência.

Não faz mesmo sentido o país entrar num ciclo de grande crescimento na produção de gás, com a exploração do pré-sal, e os preços continuarem nas nuvens, em função de um monopólio da União e de estados.

Outro aspecto-chave da venda, em parte ou no todo, de subsidiárias — operações que não necessitam do aval do Congresso, segundo o Supremo — é o destino dos recursos: abater o superendividamento da estatal e reforçar os gastos com a mais promissora fronteira de negócios da Petrobras, a exploração do pré-sal.

Impulsionada por projetos delirantes e intervencionistas no período do lulopetismo, a Petrobras chegou a acumular a maior dívida corporativa do planeta, de meio trilhão de reais. Impagável. Tanto que mesmo no governo estatista de Dilma Rousseff começou a ser desenhado um programa de desinvestimentos na estatal.

Não há dúvida de que a corrupção tem um peso neste quadro, devido aos superfaturamentos que tornaram projetos inviáveis. Por exemplo, a Refinaria Abreu e Lima (PE)e o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj). Há casos em que a incompetência presta serviços à corrupção.

Juízo afoito - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 27/07

Moro confunde público e faz intromissão injustificável na apuração sobre hackers


Causam espanto os movimentos do ministro da Justiça, Sergio Moro, em meio às investigações dos ataques de hackers ao seu telefone celular e aos de outras autoridades.

Na quarta (24), um dia após a prisão de quatro suspeitos de serem os responsáveis pelos crimes, o ministro veio a público para vinculá-los ao vazamento das mensagens de procuradores da Operação Lava Jato que o site The Intercept Brasil começou a publicar em junho.

Como as investigações ainda estão em andamento e são conduzidas oficialmente sob sigilo pela Polícia Federal, as evidências que poderiam sustentar a insinuação de Moro eram desconhecidas.

Em seu primeiro depoimento aos policiais, o principal suspeito, Walter Delgatti Neto, admitiu a invasão das contas do ex-juiz e de outras autoridades no aplicativo Telegram e declarou ter sido a fonte do material obtido pelo site.

Mas a PF ainda está verificando a consistência do depoimento e examinando provas, e por isso a precipitação de Moro soou como tentativa de intimidar o Intercept e outros veículos que têm publicado as mensagens, como esta Folha.

O Intercept afirma ter obtido o material de fonte anônima —cujo sigilo é protegido pela Constituição brasileira— e nega ter participado dos crimes cometidos pelos que copiaram os arquivos fornecidos a seus jornalistas.

Ao examinar as mensagens, este jornal não encontrou sinais de adulteração. Mesmo que a fonte as tenha conseguido de forma ilícita, o evidente interesse público justifica a publicação do seu conteúdo.

Na quinta (25), Moro tomou a iniciativa de avisar o presidente Jair Bolsonaro (PSL) e outras autoridades que seus aparelhos celulares também haviam sido alvo de ataques. A uma das vítimas o ministro assegurou que as informações seriam destruídas.

Coube à própria PF lembrá-lo do óbvio, em nota oficial. O material obtido pelos hackers, bem como outras provas que vierem a ser colhidas, não pode ser descartado sem que o Ministério Público seja ouvido e sem autorização do juiz que supervisiona o inquérito.

As ações de Moro podem parecer compreensíveis para muitos, considerando os danos causados pela divulgação das mensagens à sua reputação e os indícios de que o ataque teve de fato grande alcance. Entretanto elas representam intromissão injustificável no andamento das investigações.

Embora seja subordinada ao Ministério da Justiça, a PF tem autonomia para conduzir seus inquéritos, segue protocolos rigorosos e está sujeita a mecanismos de controle externo previstos em lei.

Ao buscar informações sobre uma investigação sigilosa e usá-las para difundir conclusões prematuras e confundir o público, o ministro da Justiça desrespeita essa autonomia, prejudica o trabalho policial e compromete aquele que deveria ser seu único objetivo —o esclarecimento dos fatos.