GAZETA DO POVO - PR - 18/07
O jurista Lenio Streck ironiza o fato de que temos no Brasil uma sofisticada epistemologia até mesmo do carnaval, mas nenhuma da decisão judicial. Uma escola de samba pode sagrar-se campeã ou amargar o rebaixamento por uma diferença de 0,25 pontos, pois o grau de precisão nos critérios do carnaval é a antítese da carnavalesca imprecisão do nosso mundo jurídico.
Essa pobreza científica tem mais de um motivo, mais de um culpado, porém começa nos bancos universitários. Ali está o “paciente zero”. Universidade que não produz boa doutrina jurídica termina por justificar quaisquer decisões judiciais. Some-se a isso o assalto da política mesquinha e da indignação de opereta, e temos o que merecemos ter: um direito que, como árbitro de futebol, desagrada aos dois lados e ambos têm razão. Em vez do jurista de cátedra, o jurista de passeata.
A Operação Lava Jato desvendou e expôs esquemas de poder e de corrupção como nunca antes haviam sido desvendados e expostos. O mérito é inegável, os aplausos são merecidos. Entretanto, alguns dos efeitos colaterais perigosos de sua atuação se fazem sentir, e preocupam, e deveriam preocupar mais. Um certo espírito persecutório e indiscriminado, em nome do qual tudo vale a pena se a corrupção não é pequena. Como se, para punir ilegalidades, ilegalidades pudessem ser cometidas.
Não, não trato aqui da controvérsia que envolve Sérgio Moro e Deltan Dallagnol, mas sim da decisão do presidente do STF, Dias Toffoli, que suspende investigações em que foram usados pelo COAF dados bancários protegidos por sigilo, sem autorização judicial. Ocorre que o pedido, acatado pelo ministro, não foi de Lula ou de Cunha, de Nero ou de Al Capone, mas de Bolsonaro. Flávio Bolsonaro.
Prometo não rir.
Ri.
Aliás, é curioso que justo o Dias Toffoli, popularmente conhecido como “advogado do PT”, tenha se aproximado tanto do clã Bolsonaro. Eles parecem se entender muito bem, obrigado, e não há mal nenhum nisso. Sou um dos que defendem a regularidade e o respeito entre os poderes, em lugar do clima belicista instalado durante a campanha eleitoral. Minha defesa não é seletiva.
O pedido de Flávio Bolsonaro tem fundamento e seus advogados acertam num ponto: as garantias processuais não podem ser rifadas ou relativizadas como se fossem incômodos obstáculos à justiça. São, ao contrário, a condição de possibilidade da verdadeira justiça. Justiça feita de maneira injusta, injustiça é.
Em meio a toda essa busca por um país civilizado, espanta que o dito garantismo penal e processual tenha se convertido em palavrão. Ora, o que se entende como garantismo, como direito garantista, é tudo aquilo a que Estados liberais deveriam aspirar: a certeza de que qualquer cidadão, rico ou pobre, preto ou branco, homem ou mulher, eleito ou eleitor, terá direito à ampla defesa, à privacidade, às salvaguardas constitucionais.
No caso em questão, Flávio Bolsonaro fez um apelo que o ex-advogado do PT considerou legítimo. Tudo dentro da lei, ainda que fora dos suores do moralismo de ocasião. Estranho mesmo é o silêncio obsequioso da militância, sempre tão pronta a ver conluios e chicanas onde bem entendem ou querem desentender. De repente, algumas garantias são até convenientes, não são? Parece que são, a depender de quem as exige.
Prometo não rir.
Ri.
quinta-feira, julho 18, 2019
O fogo amigo que desidratou a reforma - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR
Gazeta do Povo - PR - 18/07
Após a primeira votação do texto-base da reforma da Previdência no plenário da Câmara dos Deputados, os parlamentares analisaram diversos destaques apresentados por bancadas, que pretendiam alterar pontos do texto recém-aprovado. Praticamente todas elas desidratariam, em intensidades diferentes, a economia pretendida com a reforma – “economia”, lembremos, se refere aqui a gastos que o governo deixaria de fazer, e não a um dinheiro que passaria a estar disponível nos cofres públicos. Esse efeito daninho não impediu que o próprio partido do presidente da República, o PSL, contribuísse com a mutilação da reforma, jogando mais como aliado de determinadas categorias profissionais que do país como um todo.
Dos 14 destaques apresentados, quatro foram aprovados: a emenda que mudou regras para pensões por morte e suavizou o cálculo da aposentadoria para as mulheres; a que reduziu a idade mínima para a aposentadoria de professores e professoras que optarem por uma das regras de transição; a que baixou o tempo mínimo de contribuição para os homens; e a que reduziu ainda mais a idade mínima de aposentadoria para várias carreiras da área de segurança, como policiais federais e agentes penitenciários. Destes quatro destaques, três contaram com o apoio massivo do PSL – no caso da emenda que mudou as regras para homens, a legenda contribuiu com apenas um voto.
Se o governo propõe uma reforma previdenciária, que mensagem o partido no poder envia quando ele mesmo se empenha em desidratar o texto?
O caso mais escandaloso é o da emenda que beneficia policiais, que pelo texto-base já poderiam se aposentar aos 55 anos – a regra geral é de 65 anos para homens e 62 para mulheres. O texto aprovado reduz ainda mais esta idade para aqueles que já estão na ativa, passando para 53 anos para homens e 52 para mulheres. Além disso, esses mesmos policiais terão direito à integralidade, ou seja, a aposentadoria com o último salário da ativa, enquanto a imensa maioria dos demais trabalhadores ficará sujeita ao teto do INSS. A bancada do PSL tem 53 deputados, dos quais 51 estavam na votação da emenda; 50 deles apoiaram a mudança, com uma única abstenção.
Mesmo deputados da legenda que haviam se manifestado anteriormente contra a suavização das regras votaram “sim”, mostrando que a pressão dos policiais havia surtido efeito. Além disso, a emenda contou com um cabo eleitoral importantíssimo: o próprio presidente Jair Bolsonaro, que também cedeu ao corporativismo quando se empenhou pessoalmente pela aprovação, ainda durante a fase da Comissão Especial, das novas regras – o impasse gerado pela defesa dessas categorias chegou até mesmo a atrasar a votação do relatório de Samuel Moreira (PSDB-SP) na comissão. Ali, a iniciativa acabou frustrada, mas prosperou no plenário.
Esses parlamentares argumentarão que os placares das emendas foram ainda mais elásticos que o da votação do texto-base, e que a posição do PSL não teria feito diferença. Do ponto de vista apenas numérico, a alegação faz sentido (o destaque dos policiais foi aprovado com 467 votos; o dos professores, com 465), mas ela desconsidera o efeito moral que essa adesão provoca. Se o governo propõe uma reforma previdenciária, que mensagem o partido no poder envia quando ele mesmo se empenha em desidratar o texto? E argumentar que, neste caso, a legenda seguiu seu líder maior não atenua a responsabilidade de ninguém; mostra apenas que também o presidente da República lançou “fogo amigo” contra o texto daquele a quem Bolsonaro delegou, desde a época da campanha, a função de tratar de todos os temas relativos à economia.
Quando a proposta inicial de reforma foi divulgada, em fevereiro, uma de suas grandes virtudes era seu caráter igualitário: praticamente todos os brasileiros estariam submetidos às mesmas regras, com algumas exceções já contempladas desde a primeira hora e que se justificavam pela natureza do trabalho exercido – entre elas, a dos membros das forças de segurança, cuja função inclui colocar a vida em risco em prol da sociedade. Mas pressões corporativistas vindas do topo do poder acabaram minando esse caráter: no início, quando se optou por tratar da previdência dos militares em um outro projeto, bem mais condescendente; e agora, quando o presidente e seu partido se empenham em conseguir mais benefícios para categorias que já tinham regras mais brandas, criando um favorecimento indevido que rompe a linha que separa uma justa diferenciação de um privilégio."
Após a primeira votação do texto-base da reforma da Previdência no plenário da Câmara dos Deputados, os parlamentares analisaram diversos destaques apresentados por bancadas, que pretendiam alterar pontos do texto recém-aprovado. Praticamente todas elas desidratariam, em intensidades diferentes, a economia pretendida com a reforma – “economia”, lembremos, se refere aqui a gastos que o governo deixaria de fazer, e não a um dinheiro que passaria a estar disponível nos cofres públicos. Esse efeito daninho não impediu que o próprio partido do presidente da República, o PSL, contribuísse com a mutilação da reforma, jogando mais como aliado de determinadas categorias profissionais que do país como um todo.
Dos 14 destaques apresentados, quatro foram aprovados: a emenda que mudou regras para pensões por morte e suavizou o cálculo da aposentadoria para as mulheres; a que reduziu a idade mínima para a aposentadoria de professores e professoras que optarem por uma das regras de transição; a que baixou o tempo mínimo de contribuição para os homens; e a que reduziu ainda mais a idade mínima de aposentadoria para várias carreiras da área de segurança, como policiais federais e agentes penitenciários. Destes quatro destaques, três contaram com o apoio massivo do PSL – no caso da emenda que mudou as regras para homens, a legenda contribuiu com apenas um voto.
Se o governo propõe uma reforma previdenciária, que mensagem o partido no poder envia quando ele mesmo se empenha em desidratar o texto?
O caso mais escandaloso é o da emenda que beneficia policiais, que pelo texto-base já poderiam se aposentar aos 55 anos – a regra geral é de 65 anos para homens e 62 para mulheres. O texto aprovado reduz ainda mais esta idade para aqueles que já estão na ativa, passando para 53 anos para homens e 52 para mulheres. Além disso, esses mesmos policiais terão direito à integralidade, ou seja, a aposentadoria com o último salário da ativa, enquanto a imensa maioria dos demais trabalhadores ficará sujeita ao teto do INSS. A bancada do PSL tem 53 deputados, dos quais 51 estavam na votação da emenda; 50 deles apoiaram a mudança, com uma única abstenção.
Mesmo deputados da legenda que haviam se manifestado anteriormente contra a suavização das regras votaram “sim”, mostrando que a pressão dos policiais havia surtido efeito. Além disso, a emenda contou com um cabo eleitoral importantíssimo: o próprio presidente Jair Bolsonaro, que também cedeu ao corporativismo quando se empenhou pessoalmente pela aprovação, ainda durante a fase da Comissão Especial, das novas regras – o impasse gerado pela defesa dessas categorias chegou até mesmo a atrasar a votação do relatório de Samuel Moreira (PSDB-SP) na comissão. Ali, a iniciativa acabou frustrada, mas prosperou no plenário.
Esses parlamentares argumentarão que os placares das emendas foram ainda mais elásticos que o da votação do texto-base, e que a posição do PSL não teria feito diferença. Do ponto de vista apenas numérico, a alegação faz sentido (o destaque dos policiais foi aprovado com 467 votos; o dos professores, com 465), mas ela desconsidera o efeito moral que essa adesão provoca. Se o governo propõe uma reforma previdenciária, que mensagem o partido no poder envia quando ele mesmo se empenha em desidratar o texto? E argumentar que, neste caso, a legenda seguiu seu líder maior não atenua a responsabilidade de ninguém; mostra apenas que também o presidente da República lançou “fogo amigo” contra o texto daquele a quem Bolsonaro delegou, desde a época da campanha, a função de tratar de todos os temas relativos à economia.
Quando a proposta inicial de reforma foi divulgada, em fevereiro, uma de suas grandes virtudes era seu caráter igualitário: praticamente todos os brasileiros estariam submetidos às mesmas regras, com algumas exceções já contempladas desde a primeira hora e que se justificavam pela natureza do trabalho exercido – entre elas, a dos membros das forças de segurança, cuja função inclui colocar a vida em risco em prol da sociedade. Mas pressões corporativistas vindas do topo do poder acabaram minando esse caráter: no início, quando se optou por tratar da previdência dos militares em um outro projeto, bem mais condescendente; e agora, quando o presidente e seu partido se empenham em conseguir mais benefícios para categorias que já tinham regras mais brandas, criando um favorecimento indevido que rompe a linha que separa uma justa diferenciação de um privilégio."
Responsabilidade compartilhada - ZEINA LATIF
O Estado de S.Paulo - 18/07
A reforma da Previdência tem muitos méritos. O principal é estabelecer a idade mínima de aposentadoria para (quase) todos (servidores públicos estaduais e municipais não foram incluídos). Atualmente, apenas os mais humildes, que não conseguem comprovar o tempo mínimo de contribuição à Previdência, se aposentam por idade.
Não é possível dizer que foi a reforma “possível”, pois o governo evitou temas polêmicos, como igualar a idade de aposentadoria de mulheres e homens, e defendeu corporações.
Houve esforço para reduzir as diferenças entre o regime do setor privado e o regime próprio dos servidores da União. Elevou-se a idade mínima no caso geral, em linha com o setor privado (62 anos para mulheres e 65 anos para homens), mas com idade menor para professores (57/60) e policiais (55), e com regra de transição mais suave para quem ingressou no setor público antes de 2003 (idade mínima de 55/60 e a possibilidade de integralidade do valor da aposentadoria), grupo que representa significativos 45% do total de servidores.
A diferença entre as regras do setor público e do setor privado foi reduzida, mas não satisfatoriamente; e reconhecendo que a eliminação completa, sujeita a judicialização. Computando todos os ajustes feitos na proposta do governo, a Instituição Fiscal Independente (IFI) calcula que a desidratação no regime próprio da União é de 45%. No regime geral do setor privado foi menor, de 15%.
No entanto, a crítica que o presidente Bolsonaro falhou no combate à desigualdade precisa ser ponderada. É importante reconhecer que os mais pobres foram mais preservados, com o ajuste pesando mais sobre os mais privilegiados.
Vale lembrar que melhorar a distribuição de renda não foi pauta da campanha de Bolsonaro. Seu foco foram as classes mais favorecidas, que é, por sua vez, quem melhor aprova o governo e exibe aumento de aprovação desde o início do ano, segundo a pesquisa da XP.
A Câmara também procurou reduzir a desigualdade. Houve a preservação da vinculação dos benefícios ao salário mínimo, sendo retiradas as mudanças na aposentadoria rural e no Benefício de Prestação Continuada (BPC), ainda que ajustes fossem necessários em ambos. Afinal, segundo relatório do Banco Mundial, 76% dos beneficiários de aposentadoria rural e 70% do BPC pertencem ao grupo dos 60% mais ricos da população, isso já contabilizados os benefícios. Há provavelmente um problema de falta de focalização desses programas, pelo seu desenho, bem como por decisões judiciais e irregularidades, que é o foco da MP 871.
Quem decepcionou mesmo foi uma parcela da esquerda, justamente onde se espera maior sensibilidade social. Não por terem votado contra a reforma, pois isso faz parte do jogo democrático, mas por não defenderem a inclusão de Estados e municípios e por terem feito propostas para suavizar regras de grupos mais favorecidos.
Para citar alguns, o PSOL apresentou destaque para suprimir as necessárias mudanças na regra de abono salarial. Segundo pesquisa do Banco Mundial, 67% dos benefícios são dirigidos aos 60% mais ricos. O Podemos e o PDT propuseram regras mais brandas para o funcionalismo e o PT propôs mudanças no cálculo de pensões por morte, apesar da enorme distorção das regras (reposição de 100% da renda), que aumentam a renda per capita da família, o que destoa da experiência internacional.
Todas as medidas com custo significativo para os cofres públicos. Felizmente, foram rejeitadas.
Uma reforma mais dura, e que contemplasse Estados e municípios, seria melhor para a população mais pobre que depende dos serviços públicos, cujo orçamento é comprimido pelo aumento das aposentadorias. Faltou também um olhar para o grupo mais humilde que tem pouco tempo de contribuição (subiu para 40 anos para ter direito ao benefício integral).
Há ainda o desafio de aprovar a reforma em segundo turno na Câmara e, também, no Senado. Que não tenhamos mais sustos.
A reforma da Previdência tem muitos méritos. O principal é estabelecer a idade mínima de aposentadoria para (quase) todos (servidores públicos estaduais e municipais não foram incluídos). Atualmente, apenas os mais humildes, que não conseguem comprovar o tempo mínimo de contribuição à Previdência, se aposentam por idade.
Não é possível dizer que foi a reforma “possível”, pois o governo evitou temas polêmicos, como igualar a idade de aposentadoria de mulheres e homens, e defendeu corporações.
Houve esforço para reduzir as diferenças entre o regime do setor privado e o regime próprio dos servidores da União. Elevou-se a idade mínima no caso geral, em linha com o setor privado (62 anos para mulheres e 65 anos para homens), mas com idade menor para professores (57/60) e policiais (55), e com regra de transição mais suave para quem ingressou no setor público antes de 2003 (idade mínima de 55/60 e a possibilidade de integralidade do valor da aposentadoria), grupo que representa significativos 45% do total de servidores.
A diferença entre as regras do setor público e do setor privado foi reduzida, mas não satisfatoriamente; e reconhecendo que a eliminação completa, sujeita a judicialização. Computando todos os ajustes feitos na proposta do governo, a Instituição Fiscal Independente (IFI) calcula que a desidratação no regime próprio da União é de 45%. No regime geral do setor privado foi menor, de 15%.
No entanto, a crítica que o presidente Bolsonaro falhou no combate à desigualdade precisa ser ponderada. É importante reconhecer que os mais pobres foram mais preservados, com o ajuste pesando mais sobre os mais privilegiados.
Vale lembrar que melhorar a distribuição de renda não foi pauta da campanha de Bolsonaro. Seu foco foram as classes mais favorecidas, que é, por sua vez, quem melhor aprova o governo e exibe aumento de aprovação desde o início do ano, segundo a pesquisa da XP.
A Câmara também procurou reduzir a desigualdade. Houve a preservação da vinculação dos benefícios ao salário mínimo, sendo retiradas as mudanças na aposentadoria rural e no Benefício de Prestação Continuada (BPC), ainda que ajustes fossem necessários em ambos. Afinal, segundo relatório do Banco Mundial, 76% dos beneficiários de aposentadoria rural e 70% do BPC pertencem ao grupo dos 60% mais ricos da população, isso já contabilizados os benefícios. Há provavelmente um problema de falta de focalização desses programas, pelo seu desenho, bem como por decisões judiciais e irregularidades, que é o foco da MP 871.
Quem decepcionou mesmo foi uma parcela da esquerda, justamente onde se espera maior sensibilidade social. Não por terem votado contra a reforma, pois isso faz parte do jogo democrático, mas por não defenderem a inclusão de Estados e municípios e por terem feito propostas para suavizar regras de grupos mais favorecidos.
Para citar alguns, o PSOL apresentou destaque para suprimir as necessárias mudanças na regra de abono salarial. Segundo pesquisa do Banco Mundial, 67% dos benefícios são dirigidos aos 60% mais ricos. O Podemos e o PDT propuseram regras mais brandas para o funcionalismo e o PT propôs mudanças no cálculo de pensões por morte, apesar da enorme distorção das regras (reposição de 100% da renda), que aumentam a renda per capita da família, o que destoa da experiência internacional.
Todas as medidas com custo significativo para os cofres públicos. Felizmente, foram rejeitadas.
Uma reforma mais dura, e que contemplasse Estados e municípios, seria melhor para a população mais pobre que depende dos serviços públicos, cujo orçamento é comprimido pelo aumento das aposentadorias. Faltou também um olhar para o grupo mais humilde que tem pouco tempo de contribuição (subiu para 40 anos para ter direito ao benefício integral).
Há ainda o desafio de aprovar a reforma em segundo turno na Câmara e, também, no Senado. Que não tenhamos mais sustos.
Big Techs são novo alvo - CELSO MING
O Estado de S.Paulo - 18/07
Na ânsia por mais recursos, os países mais ricos se atiram agora ao projeto de taxar as gigantes digitais. Conseguirão?
A penúria de recursos não é problema apenas de países pobres. Incapacitada de cumprir seus compromissos com o bem-estar social, a maioria dos países ricos trata de espremer a população.
Também por isso, as classes médias, cada vez mais ressentidas, recusam-se a apoiar governos democráticos. Entendem que foram abandonadas por eles e engrossam os movimentos populistas de oposição. Na ânsia por mais recursos, os países mais ricos se atiram agora ao projeto de taxar as gigantes digitais, como Apple, Microsoft, Facebook, Google e Amazon.
Essas empresas, por sua vez, fazem de tudo para fugir do tacão tributário. Muitas já transferiram suas sedes para paraísos fiscais. No mais, estão em toda parte, embora possam não estar em nenhum lugar, porque não precisam manter presença física no lugar em que estão seus clientes e usuários.
Tudo sempre foi tributado com base no espaço físico: seja onde foram realizadas as vendas, onde vive o contribuinte, seja de onde um produto foi importado. Agora os produtos digitais estão “na nuvem” por meio da qual são canalizados para os interessados. Nessas condições, como tributar esses novos serviços digitais? Quando os tradicionais fatos geradores de impostos começam a escapar, o que fazer?
Até agora, por mais que tenham mobilizado seus especialistas em tributação, os países avançados não encontraram solução em comum para a tributação desses serviços intangíveis. Google e Facebook, por exemplo, faturam centenas de bilhões de dólares em publicidade e em venda de informações (o tal do big data), mas os Fiscos não os conseguem alcançar porque essas atividades, ainda, não são tributáveis.
A solução buscada foi a instituição do chamado imposto digital, que incide sobre faturamentos de determinadas atividades digitais feitas no território do país. A França, por exemplo, de ressaca pelas revoltas dos coletes amarelos, está perto de aprovar neste ano a taxa de 3% sobre as receitas provenientes das vendas de produtos, troca de dados e de anúncios em plataformas digitais. A medida vale para as companhias com receita mundial superior a US$ 848 milhões ao ano e que, na França, faturam mais de 25 milhões de euros, poupando startups e até mesmo companhias francesas e atingindo 30 empresas, entre elas americanas, chinesas e alemãs. O governo dos Estados Unidos pronunciou-se contra a medida, por considerá-la injusta com suas próprias gigantes, e estuda possíveis retaliações, como imposição de tarifas sobre as importações francesas.
Países como Reino Unido, Espanha e Itália discutem tributos similares, mas não sabem ainda que caminho tomar. E esse tipo de ideia é rejeitado por aqueles que têm seus paraísos fiscais e oferecem melhores condições fiscais, como o próprio Reino Unido, a Irlanda e Luxemburgo, que abrigam sedes dessas gigantes. Por lá, elas pagam poucos impostos, mas não o proporcional a suas receitas bilionárias. Por aí se vê que a guerra fiscal dificulta soluções consensuais.
Os EUA, país de origem das principais gigantes digitais, tampouco ignoram o tema, e buscam uma saída que não prejudique suas empresas. Alguns economistas, como o vencedor do Nobel de Economia Paul Romer, defendem proposta similar à francesa, de taxação sobre vendas. E economistas do Partido Republicano propõem um imposto com base no destino (o tal do Destination-based Cash Flow Tax). Mas a abordagem mais discutida por lá, principalmente entre os democratas (que atribuem a derrota nas eleições ao poder desenfreado dessas mesmas gigantes), é tratar o assunto pelo viés jurídico, que procura desmembrar essas empresas por meio de lei antitruste específica.
A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e o G-20 publicaram em junho um relatório cuja única definição foi o compromisso de, até janeiro de 2020, apresentar uma solução consensual entre 129 países, entre os quais o Brasil. Trata-se de desafio ambicioso.
A professora do Insper e diretora do Centro de Cidadania Fiscal (CCiF) Vanessa Canado acredita que seja muito difícil que esses países ricos cheguem a um acordo até 2020 porque há em jogo grandes conflitos de interesse. Para ela, o relatório da OCDE e do G-20 foi redigido para conter os ânimos de países apressados, como a França, que buscam uma solução rápida.
Mesmo que venha a ser adotada, uma saída atingirá a tecnologia hoje existente que amanhã pode não ser a mesma. E é preciso saber como reagirão tais empresas tão criativas: podem mudar sucessivamente de modelo de negócio ou podem repassar os novos custos para seus clientes. Ou será que aceitarão impassíveis as novas cargas de impostos? A conferir.
Na ânsia por mais recursos, os países mais ricos se atiram agora ao projeto de taxar as gigantes digitais. Conseguirão?
A penúria de recursos não é problema apenas de países pobres. Incapacitada de cumprir seus compromissos com o bem-estar social, a maioria dos países ricos trata de espremer a população.
Também por isso, as classes médias, cada vez mais ressentidas, recusam-se a apoiar governos democráticos. Entendem que foram abandonadas por eles e engrossam os movimentos populistas de oposição. Na ânsia por mais recursos, os países mais ricos se atiram agora ao projeto de taxar as gigantes digitais, como Apple, Microsoft, Facebook, Google e Amazon.
Essas empresas, por sua vez, fazem de tudo para fugir do tacão tributário. Muitas já transferiram suas sedes para paraísos fiscais. No mais, estão em toda parte, embora possam não estar em nenhum lugar, porque não precisam manter presença física no lugar em que estão seus clientes e usuários.
Tudo sempre foi tributado com base no espaço físico: seja onde foram realizadas as vendas, onde vive o contribuinte, seja de onde um produto foi importado. Agora os produtos digitais estão “na nuvem” por meio da qual são canalizados para os interessados. Nessas condições, como tributar esses novos serviços digitais? Quando os tradicionais fatos geradores de impostos começam a escapar, o que fazer?
Até agora, por mais que tenham mobilizado seus especialistas em tributação, os países avançados não encontraram solução em comum para a tributação desses serviços intangíveis. Google e Facebook, por exemplo, faturam centenas de bilhões de dólares em publicidade e em venda de informações (o tal do big data), mas os Fiscos não os conseguem alcançar porque essas atividades, ainda, não são tributáveis.
A solução buscada foi a instituição do chamado imposto digital, que incide sobre faturamentos de determinadas atividades digitais feitas no território do país. A França, por exemplo, de ressaca pelas revoltas dos coletes amarelos, está perto de aprovar neste ano a taxa de 3% sobre as receitas provenientes das vendas de produtos, troca de dados e de anúncios em plataformas digitais. A medida vale para as companhias com receita mundial superior a US$ 848 milhões ao ano e que, na França, faturam mais de 25 milhões de euros, poupando startups e até mesmo companhias francesas e atingindo 30 empresas, entre elas americanas, chinesas e alemãs. O governo dos Estados Unidos pronunciou-se contra a medida, por considerá-la injusta com suas próprias gigantes, e estuda possíveis retaliações, como imposição de tarifas sobre as importações francesas.
Países como Reino Unido, Espanha e Itália discutem tributos similares, mas não sabem ainda que caminho tomar. E esse tipo de ideia é rejeitado por aqueles que têm seus paraísos fiscais e oferecem melhores condições fiscais, como o próprio Reino Unido, a Irlanda e Luxemburgo, que abrigam sedes dessas gigantes. Por lá, elas pagam poucos impostos, mas não o proporcional a suas receitas bilionárias. Por aí se vê que a guerra fiscal dificulta soluções consensuais.
Os EUA, país de origem das principais gigantes digitais, tampouco ignoram o tema, e buscam uma saída que não prejudique suas empresas. Alguns economistas, como o vencedor do Nobel de Economia Paul Romer, defendem proposta similar à francesa, de taxação sobre vendas. E economistas do Partido Republicano propõem um imposto com base no destino (o tal do Destination-based Cash Flow Tax). Mas a abordagem mais discutida por lá, principalmente entre os democratas (que atribuem a derrota nas eleições ao poder desenfreado dessas mesmas gigantes), é tratar o assunto pelo viés jurídico, que procura desmembrar essas empresas por meio de lei antitruste específica.
A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e o G-20 publicaram em junho um relatório cuja única definição foi o compromisso de, até janeiro de 2020, apresentar uma solução consensual entre 129 países, entre os quais o Brasil. Trata-se de desafio ambicioso.
A professora do Insper e diretora do Centro de Cidadania Fiscal (CCiF) Vanessa Canado acredita que seja muito difícil que esses países ricos cheguem a um acordo até 2020 porque há em jogo grandes conflitos de interesse. Para ela, o relatório da OCDE e do G-20 foi redigido para conter os ânimos de países apressados, como a França, que buscam uma solução rápida.
Mesmo que venha a ser adotada, uma saída atingirá a tecnologia hoje existente que amanhã pode não ser a mesma. E é preciso saber como reagirão tais empresas tão criativas: podem mudar sucessivamente de modelo de negócio ou podem repassar os novos custos para seus clientes. Ou será que aceitarão impassíveis as novas cargas de impostos? A conferir.
Fundão eleitoral de R$ 3,7 bilhões: é mesmo preciso? - FERNANDO SCHÜLER
FOLHA DE SP - 18/07
É de fato crucial sacar mais R$ 25 ou R$ 50 do bolso de cada cidadão?
A ideia é usar até R$ 3,7 bilhões do orçamento público nas campanhas eleitorais do ano que vem. É o valor que consta no parecer do deputado Cacá Leão, relator da Lei de Diretrizes Orçamentárias no Congresso. “Não acho que é um exagero”, sinalizou o presidente da Câmara, Rodrigo Maia.
“Orçamento público” é uma palavra elegante que significa o seguinte: dinheiro drenado do bolso do contribuinte para o caixa dos partidos políticos. Alguns dirão que não é nada. Se dividirmos pelo número de eleitores, dá R$ 25 por cabeça. O valor é pouco mais de 10% do que gastamos, todos os anos, com o Bolsa Família. Quem se preocupa com isso?
Uma boa sociedade democrática deveria se preocupar. Cada real retirado da conta do cidadão é um pequeno ato de violência. Qualquer despesa aprovada em Brasília deveria ser precedida dessa pergunta: é de fato crucial sacar mais R$ 25 ou R$ 50 do bolso de cada um?
No debate sobre o financiamento público de campanhas, não é apenas o montante do dinheiro público que importa, mas o impacto que ele gera sobre a qualidade da democracia. É melhor continuar despejando (ainda mais) dinheiro público nas eleições ou migrar para um modelo em que os partidos assumam a responsabilidade e busquem o apoio direto dos cidadãos?
Sejamos claros: não há modelo ideal de financiamento eleitoral. O melhor é ver a questão pelo ângulo inverso: qual o modelo menos imperfeito? Aquele que mais ajuda ou o que mais prejudica, de verdade, a equidade nas eleições?
Acho curioso quando gente boa repete acriticamente a ideia de que o fundão eleitoral gera maior equidade eleitoral. Nas eleições do ano passado, pouco mais de um terço do valor foi drenado para os cofres do MDB, PT e PSDB. Parlamentares com mandato, que em regra controlam as máquinas partidárias, capturaram para si o maior quinhão. É isto que acontecerá no ano que vem, se seguirmos com este modelo. Prefeitos e vereadores com mandato concentrarão os recursos. Eles já dispõem do gabinete, poder de alocar recursos e acesso à mídia. Não é fácil entender de que maneira concentrar ainda mais dinheiro nas suas mãos pode favorecer a equidade nas eleições.
É evidente que o sistema de financiamento individual produzirá desigualdade entre os candidatos. A pergunta é: ela será maior do que a atualmente gerada pelo financiamento estatal? Teremos, como em 2018, um candidato com mais de R$ 50 milhões e outro com menos de R$ 2 milhões, sendo ambos competitivos? A resposta parece evidente, mesmo porque o volume de recursos em jogo será muito menor.
A experiência de 2018 igualmente pôs abaixo o mantra de que “no Brasil, as campanhas são caras”. Cansei de escutar, em debates país afora, que “a democracia custa caro” e que “na Europa é assim que funciona”. São frases deslocadas no tempo. A tecnologia digital vem produzindo uma revolução no mundo eleitoral: ela reduz brutalmente os custos de campanha, por um lado, e por outro cria mecanismos acessíveis a todos para mobilização de recursos.
Haverá menos dinheiro, de qualquer modo, nas campanhas? Sem dúvida. Menos estrutura, menos sofisticação, menos cabos eleitorais. Mais trabalho voluntário e contato direto com os eleitores. Ruim para a democracia? Não creio. O importante, em uma eleição, não é ter mais recursos, mas regras iguais para todos.
Alguns dirão que é mais difícil. De fato. Fácil é aprovar R$ 3,7 bilhões no Congresso e distribuir. Não precisa nem fazer lobby e não parece haver muita gente de fato preocupada com o assunto.
De minha parte, me preocupo. Não passa de cinismo usar o argumento dos mais fracos para justificar uma montanha de dinheiro público para nossa elite partidária. É um pouco como a retórica que escutamos no debate da reforma da Previdência, em que a defesa da “igualdade”, ao final do dia, resultou em um pacote de aposentadorias especiais para as corporações de sempre.
Confesso não ter lá muita esperança, mas quem sabe o país possa dar um pequeno grande passo para reaproximar o mundo político do bom senso, evitando que o vasto mar de distorções eleitorais a que assistimos em 2018 se repita, melancolicamente, nas eleições do ano que vem.
Fernando Schüler
Professor do Insper e curador do projeto Fronteiras do Pensamento. Foi diretor da Fundação Iberê Camargo.
É de fato crucial sacar mais R$ 25 ou R$ 50 do bolso de cada cidadão?
A ideia é usar até R$ 3,7 bilhões do orçamento público nas campanhas eleitorais do ano que vem. É o valor que consta no parecer do deputado Cacá Leão, relator da Lei de Diretrizes Orçamentárias no Congresso. “Não acho que é um exagero”, sinalizou o presidente da Câmara, Rodrigo Maia.
“Orçamento público” é uma palavra elegante que significa o seguinte: dinheiro drenado do bolso do contribuinte para o caixa dos partidos políticos. Alguns dirão que não é nada. Se dividirmos pelo número de eleitores, dá R$ 25 por cabeça. O valor é pouco mais de 10% do que gastamos, todos os anos, com o Bolsa Família. Quem se preocupa com isso?
Uma boa sociedade democrática deveria se preocupar. Cada real retirado da conta do cidadão é um pequeno ato de violência. Qualquer despesa aprovada em Brasília deveria ser precedida dessa pergunta: é de fato crucial sacar mais R$ 25 ou R$ 50 do bolso de cada um?
No debate sobre o financiamento público de campanhas, não é apenas o montante do dinheiro público que importa, mas o impacto que ele gera sobre a qualidade da democracia. É melhor continuar despejando (ainda mais) dinheiro público nas eleições ou migrar para um modelo em que os partidos assumam a responsabilidade e busquem o apoio direto dos cidadãos?
Sejamos claros: não há modelo ideal de financiamento eleitoral. O melhor é ver a questão pelo ângulo inverso: qual o modelo menos imperfeito? Aquele que mais ajuda ou o que mais prejudica, de verdade, a equidade nas eleições?
Acho curioso quando gente boa repete acriticamente a ideia de que o fundão eleitoral gera maior equidade eleitoral. Nas eleições do ano passado, pouco mais de um terço do valor foi drenado para os cofres do MDB, PT e PSDB. Parlamentares com mandato, que em regra controlam as máquinas partidárias, capturaram para si o maior quinhão. É isto que acontecerá no ano que vem, se seguirmos com este modelo. Prefeitos e vereadores com mandato concentrarão os recursos. Eles já dispõem do gabinete, poder de alocar recursos e acesso à mídia. Não é fácil entender de que maneira concentrar ainda mais dinheiro nas suas mãos pode favorecer a equidade nas eleições.
É evidente que o sistema de financiamento individual produzirá desigualdade entre os candidatos. A pergunta é: ela será maior do que a atualmente gerada pelo financiamento estatal? Teremos, como em 2018, um candidato com mais de R$ 50 milhões e outro com menos de R$ 2 milhões, sendo ambos competitivos? A resposta parece evidente, mesmo porque o volume de recursos em jogo será muito menor.
A experiência de 2018 igualmente pôs abaixo o mantra de que “no Brasil, as campanhas são caras”. Cansei de escutar, em debates país afora, que “a democracia custa caro” e que “na Europa é assim que funciona”. São frases deslocadas no tempo. A tecnologia digital vem produzindo uma revolução no mundo eleitoral: ela reduz brutalmente os custos de campanha, por um lado, e por outro cria mecanismos acessíveis a todos para mobilização de recursos.
Haverá menos dinheiro, de qualquer modo, nas campanhas? Sem dúvida. Menos estrutura, menos sofisticação, menos cabos eleitorais. Mais trabalho voluntário e contato direto com os eleitores. Ruim para a democracia? Não creio. O importante, em uma eleição, não é ter mais recursos, mas regras iguais para todos.
Alguns dirão que é mais difícil. De fato. Fácil é aprovar R$ 3,7 bilhões no Congresso e distribuir. Não precisa nem fazer lobby e não parece haver muita gente de fato preocupada com o assunto.
De minha parte, me preocupo. Não passa de cinismo usar o argumento dos mais fracos para justificar uma montanha de dinheiro público para nossa elite partidária. É um pouco como a retórica que escutamos no debate da reforma da Previdência, em que a defesa da “igualdade”, ao final do dia, resultou em um pacote de aposentadorias especiais para as corporações de sempre.
Confesso não ter lá muita esperança, mas quem sabe o país possa dar um pequeno grande passo para reaproximar o mundo político do bom senso, evitando que o vasto mar de distorções eleitorais a que assistimos em 2018 se repita, melancolicamente, nas eleições do ano que vem.
Fernando Schüler
Professor do Insper e curador do projeto Fronteiras do Pensamento. Foi diretor da Fundação Iberê Camargo.
Países não pertencem a presidentes - WILLIAM WAACK
O Estado de S. Paulo - 18/07
Ao decidir tornar o filho embaixador em Washington, Jair Bolsonaro ignora que países não têm amigos, têm interesses.
Ao se empenhar em colocar o filho Eduardo como embaixador do Brasil em Washington, o presidente Jair Bolsonaro decidiu ignorar um dos mais antigos princípios nas relações entre Estados. É o princípio segundo o qual países não têm amigos, têm interesses.
Pode-se discutir as qualificações do indicado ou a falta delas para o exercício do cargo, a idade ou o fato de ser filho do chefe de Estado, mas não é o que mais importa. Relevante é algo que o presidente brasileiro destacou ao justificar a escolha:
Eduardo tem acesso direto à família do colega americano Donald Trump.
Em outras palavras, relevante para a indicação é a proximidade com uma família entendida como amiga. Quaisquer que sejam esses laços, a noção de que negócios de Estado poderiam ser melhor resolvidos na base do entendimento pessoal expressa desprezo por fundamentos básicos de relações internacionais – além de pouco apreço pelo “staff” profissional das respectivas diplomacias, característica comum a Bolsonaro e Trump.
A “química pessoal” funciona menos do que se pensa. Tome-se o exemplo recente do ditador da Coreia do Norte – por quem Trump “caiu de amores”, segundo disse, mas o baixinho que Trump ridicularizava continua sentado nas suas bombas atômicas. Ou considere-se a postura de Vladimir Putin, por quem Trump expressou sincera admiração pessoal – a mais nova versão de um czar russo peita os EUA onde pode, e está se articulando com a grande rival americana, a China (onde uma espécie de líder vitalício pensa em sistemas e não em pessoas).
As relações pessoais entre mandatários do Brasil e dos Estados Unidos já sofreram grandes oscilações. Ernesto Geisel detestava Jimmy Carter, Fernando Henrique e Bill Clinton viraram amigos pessoais, Lula não foi muito com a cara de Obama, mas, à luz da história, o que explica melhor os períodos de maior ou menor convergência dos interesses de ambos os países são fatores políticos bastante abrangentes. São a chave para compreender a razão de o Brasil não ter tido nesse último meio século um duradouro “alinhamento automático” com a política externa de Washington nem uma duradoura “oposição sistêmica”.
É para lá de óbvio que nem tudo que agrada ao amigo Trump interessa ao Brasil. Para ficar com apenas um exemplo, Trump adora a imagem que cultiva de dirigente dedicado a frear a China (nesse ponto, além da questão pessoal, existe uma rara coincidência de postura com os adversários democratas americanos). Para o Brasil, seria um pesadelo ter de escolher lado neste momento na briga dos elefantes.
É seguro supor que Brasil e Estados Unidos vão redescobrir convergências em campos como Defesa e Segurança Hemisférica. O Brasil está fadado a ter de lidar com a crise da Venezuela, não importa o que pense Trump. E obrigado a modernizar-se por meio do acesso que conseguir a setores de tecnologias sensitivas – preparando-se para enfrentar resistências (tradicionais, aliás, não importa quem é amigo de quem) em Washington.
O mesmo jogo complexo de interesses contrários e divergências vai prosseguir no campo do comércio bilateral e mundial, no qual americanos e brasileiros são, simultaneamente, parceiros e competidores, dependendo do setor e do momento, e no qual o protecionismo a la Trump, e seu desprezo pelas regras multilaterais, passa longe do que possa beneficiar o Brasil. São temas que dificilmente amigos conseguem decidir entre si, por mais sincera que seja a amizade.
As imagens de líderes mundiais se encontrando, seus cumprimentos, abraços ou caretas e suas poses para as câmeras confundem. Tomado no seu conjunto, o campo das relações internacionais é, por definição, o campo da impessoalidade. Os Estados Unidos não são de Trump, nem o Brasil é de Bolsonaro.
Bolsonaro e Trump enxergam as relações internacionais como relações pessoais
Ao decidir tornar o filho embaixador em Washington, Jair Bolsonaro ignora que países não têm amigos, têm interesses.
Ao se empenhar em colocar o filho Eduardo como embaixador do Brasil em Washington, o presidente Jair Bolsonaro decidiu ignorar um dos mais antigos princípios nas relações entre Estados. É o princípio segundo o qual países não têm amigos, têm interesses.
Pode-se discutir as qualificações do indicado ou a falta delas para o exercício do cargo, a idade ou o fato de ser filho do chefe de Estado, mas não é o que mais importa. Relevante é algo que o presidente brasileiro destacou ao justificar a escolha:
Eduardo tem acesso direto à família do colega americano Donald Trump.
Em outras palavras, relevante para a indicação é a proximidade com uma família entendida como amiga. Quaisquer que sejam esses laços, a noção de que negócios de Estado poderiam ser melhor resolvidos na base do entendimento pessoal expressa desprezo por fundamentos básicos de relações internacionais – além de pouco apreço pelo “staff” profissional das respectivas diplomacias, característica comum a Bolsonaro e Trump.
A “química pessoal” funciona menos do que se pensa. Tome-se o exemplo recente do ditador da Coreia do Norte – por quem Trump “caiu de amores”, segundo disse, mas o baixinho que Trump ridicularizava continua sentado nas suas bombas atômicas. Ou considere-se a postura de Vladimir Putin, por quem Trump expressou sincera admiração pessoal – a mais nova versão de um czar russo peita os EUA onde pode, e está se articulando com a grande rival americana, a China (onde uma espécie de líder vitalício pensa em sistemas e não em pessoas).
As relações pessoais entre mandatários do Brasil e dos Estados Unidos já sofreram grandes oscilações. Ernesto Geisel detestava Jimmy Carter, Fernando Henrique e Bill Clinton viraram amigos pessoais, Lula não foi muito com a cara de Obama, mas, à luz da história, o que explica melhor os períodos de maior ou menor convergência dos interesses de ambos os países são fatores políticos bastante abrangentes. São a chave para compreender a razão de o Brasil não ter tido nesse último meio século um duradouro “alinhamento automático” com a política externa de Washington nem uma duradoura “oposição sistêmica”.
É para lá de óbvio que nem tudo que agrada ao amigo Trump interessa ao Brasil. Para ficar com apenas um exemplo, Trump adora a imagem que cultiva de dirigente dedicado a frear a China (nesse ponto, além da questão pessoal, existe uma rara coincidência de postura com os adversários democratas americanos). Para o Brasil, seria um pesadelo ter de escolher lado neste momento na briga dos elefantes.
É seguro supor que Brasil e Estados Unidos vão redescobrir convergências em campos como Defesa e Segurança Hemisférica. O Brasil está fadado a ter de lidar com a crise da Venezuela, não importa o que pense Trump. E obrigado a modernizar-se por meio do acesso que conseguir a setores de tecnologias sensitivas – preparando-se para enfrentar resistências (tradicionais, aliás, não importa quem é amigo de quem) em Washington.
O mesmo jogo complexo de interesses contrários e divergências vai prosseguir no campo do comércio bilateral e mundial, no qual americanos e brasileiros são, simultaneamente, parceiros e competidores, dependendo do setor e do momento, e no qual o protecionismo a la Trump, e seu desprezo pelas regras multilaterais, passa longe do que possa beneficiar o Brasil. São temas que dificilmente amigos conseguem decidir entre si, por mais sincera que seja a amizade.
As imagens de líderes mundiais se encontrando, seus cumprimentos, abraços ou caretas e suas poses para as câmeras confundem. Tomado no seu conjunto, o campo das relações internacionais é, por definição, o campo da impessoalidade. Os Estados Unidos não são de Trump, nem o Brasil é de Bolsonaro.
Bolsonaro e Trump enxergam as relações internacionais como relações pessoais
Por sorte não é o Carlos - ASCÂNIO SELEME
O GLOBO - 18/07
Indicação de Eduardo, sob todos os pontos já analisados, representa um retrocesso para a diplomacia nacional
‘O pensamento meu é no Brasil”. O presidente Jair Bolsonaro repete esta frase toda vez que é questionado sobre uma decisão sua que ultrapassa o limite do bom senso. Terça-feira passada foi a última vez em que “pensou no Brasil”, quando disse que estava pronto para indicar o seu filho Eduardo Bolsonaro para o cargo de embaixador nos Estados Unidos. Numa entrevista na saída do Palácio da Alvorada, onde fez uma reunião ministerial, afirmou que, se dependesse dele, a nomeação do deputado-filho seria feita.
Dois pontos chamam a atenção na entrevista. Primeiro, desde quando a nomeação de seu filho representaria um anseio da nação, ou mesmo um benefício para o país? A indicação, sob todos os pontos já analisados por juristas, diplomatas, políticos e jornalistas, representa um retrocesso para a diplomacia nacional. Mais do que isso, significa prejuízo até mesmo para o governo de Bolsonaro. Porque enfraquece o seu clã internamente, como observou o guru Olavo de Carvalho, e porque bajulação e inexperiência não fazem de ninguém um bom embaixador.
Eduardo Bolsonaro usou um boné com a inscrição “Trump 2020” durante uma visita que fez aos Estados Unidos em novembro do ano passado, quando se tornou “amigo” dos filhos de Trump. Bajulação mais explícita se desconhece na diplomacia brasileira. O Zero Três foi ainda mais longe. Imitou o presidente americano e levou o pai a anunciar a transferência da Embaixada do Brasil em Israel de Tel Aviv para Jerusalém. A ideia causou um mal-estar tão grande que só não resultou em perdas para o Brasil porque acabou ficando apenas no blá-blá-blá retórico, bem conhecido entre os Bolsonaro.
O outro ponto curioso da entrevista foi o fato de o presidente ter dito “de minha parte está definido”. Ora, de que outra parte depende a nomeação? O único com poder de indicar ministros e embaixadores no Brasil é o presidente. Talvez Bolsonaro tenha tentado dizer que ainda aguarda consultas que aliados poderiam estar fazendo no Senado e no Supremo sobre sua viabilidade política e jurídica. Mas pelo que se viu até aqui, só Bolsonaro fez uma consulta. Foi ao presidente do Senado, Davi Alcolumbre, que se recusou a julgar a indicação, dizendo apenas como ela tramitaria na casa.
O líder do governo no Senado, Major Olímpio (PSL-SP), que também parece não ter ouvido ninguém, disse que a Comissão de Relações Exteriores do Senado “vai analisar a indicação tecnicamente”. Se fosse isso mesmo, o problema estaria resolvido. Zero Três não seria aprovado. Eduardo Bolsonaro, como se sabe, não é qualificado para a função. Seu nome cairia já na comissão, antes mesmo de ir para o plenário.
O presidente ainda não se deu conta da gravidade do momento que está vivendo, e chegou a fazer graça com a questão mais bizarra do episódio. Como se não fosse coisa saída da cabeça de Eduardo, disse que a polêmica do hambúrguer era tolice, até porque sabe fritá-lo melhor do que o filho. “Vai ver por isso eu sou presidente”, disse Bolsonaro, rindo. O filho havia afirmado sentir-se apto para o cargo porque morou nos EUA, fala inglês, conhece a hospitalidade do americano, é amigo dos filhos de Trump e chegou a fritar hambúrguer no estado do Maine.
O fato é que Bolsonaro já perdeu, não importa qual seja o desfecho do episódio. Se Eduardo for indicado pelo pai, aprovado pelo Senado e pelo Supremo, o deputado vira embaixador, vai embora e enfraquece o bloco monolítico familiar que ajuda a sustentar emocionalmente o presidente. Se for indicado e acabar caindo no Senado ou no Supremo, seu pai terá sofrido a mais dura derrota desde a posse, já que o rejeitado será, para lá da questão política, seu filho. Se o presidente recuar e acabar não fazendo a indicação, terá mostrado fraqueza diante de um ambiente político hostil que não teve coragem de enfrentar. E, ainda pior, terá um filho melindrado. Por sorte não é o Carlos.
Festa em Curitiba
Se a decisão do ministro Dias Toffoli em favor do senador Flávio Bolsonaro prevalecer, o Coaf deixa de ter qualquer importância. Não podendo apontar indícios de lavagem de dinheiro ou outros crimes financeiros para PF e MP sem autorização judicial, o órgão não servirá mais para combater a corrupção.
Indicação de Eduardo, sob todos os pontos já analisados, representa um retrocesso para a diplomacia nacional
‘O pensamento meu é no Brasil”. O presidente Jair Bolsonaro repete esta frase toda vez que é questionado sobre uma decisão sua que ultrapassa o limite do bom senso. Terça-feira passada foi a última vez em que “pensou no Brasil”, quando disse que estava pronto para indicar o seu filho Eduardo Bolsonaro para o cargo de embaixador nos Estados Unidos. Numa entrevista na saída do Palácio da Alvorada, onde fez uma reunião ministerial, afirmou que, se dependesse dele, a nomeação do deputado-filho seria feita.
Dois pontos chamam a atenção na entrevista. Primeiro, desde quando a nomeação de seu filho representaria um anseio da nação, ou mesmo um benefício para o país? A indicação, sob todos os pontos já analisados por juristas, diplomatas, políticos e jornalistas, representa um retrocesso para a diplomacia nacional. Mais do que isso, significa prejuízo até mesmo para o governo de Bolsonaro. Porque enfraquece o seu clã internamente, como observou o guru Olavo de Carvalho, e porque bajulação e inexperiência não fazem de ninguém um bom embaixador.
Eduardo Bolsonaro usou um boné com a inscrição “Trump 2020” durante uma visita que fez aos Estados Unidos em novembro do ano passado, quando se tornou “amigo” dos filhos de Trump. Bajulação mais explícita se desconhece na diplomacia brasileira. O Zero Três foi ainda mais longe. Imitou o presidente americano e levou o pai a anunciar a transferência da Embaixada do Brasil em Israel de Tel Aviv para Jerusalém. A ideia causou um mal-estar tão grande que só não resultou em perdas para o Brasil porque acabou ficando apenas no blá-blá-blá retórico, bem conhecido entre os Bolsonaro.
O outro ponto curioso da entrevista foi o fato de o presidente ter dito “de minha parte está definido”. Ora, de que outra parte depende a nomeação? O único com poder de indicar ministros e embaixadores no Brasil é o presidente. Talvez Bolsonaro tenha tentado dizer que ainda aguarda consultas que aliados poderiam estar fazendo no Senado e no Supremo sobre sua viabilidade política e jurídica. Mas pelo que se viu até aqui, só Bolsonaro fez uma consulta. Foi ao presidente do Senado, Davi Alcolumbre, que se recusou a julgar a indicação, dizendo apenas como ela tramitaria na casa.
O líder do governo no Senado, Major Olímpio (PSL-SP), que também parece não ter ouvido ninguém, disse que a Comissão de Relações Exteriores do Senado “vai analisar a indicação tecnicamente”. Se fosse isso mesmo, o problema estaria resolvido. Zero Três não seria aprovado. Eduardo Bolsonaro, como se sabe, não é qualificado para a função. Seu nome cairia já na comissão, antes mesmo de ir para o plenário.
O presidente ainda não se deu conta da gravidade do momento que está vivendo, e chegou a fazer graça com a questão mais bizarra do episódio. Como se não fosse coisa saída da cabeça de Eduardo, disse que a polêmica do hambúrguer era tolice, até porque sabe fritá-lo melhor do que o filho. “Vai ver por isso eu sou presidente”, disse Bolsonaro, rindo. O filho havia afirmado sentir-se apto para o cargo porque morou nos EUA, fala inglês, conhece a hospitalidade do americano, é amigo dos filhos de Trump e chegou a fritar hambúrguer no estado do Maine.
O fato é que Bolsonaro já perdeu, não importa qual seja o desfecho do episódio. Se Eduardo for indicado pelo pai, aprovado pelo Senado e pelo Supremo, o deputado vira embaixador, vai embora e enfraquece o bloco monolítico familiar que ajuda a sustentar emocionalmente o presidente. Se for indicado e acabar caindo no Senado ou no Supremo, seu pai terá sofrido a mais dura derrota desde a posse, já que o rejeitado será, para lá da questão política, seu filho. Se o presidente recuar e acabar não fazendo a indicação, terá mostrado fraqueza diante de um ambiente político hostil que não teve coragem de enfrentar. E, ainda pior, terá um filho melindrado. Por sorte não é o Carlos.
Festa em Curitiba
Se a decisão do ministro Dias Toffoli em favor do senador Flávio Bolsonaro prevalecer, o Coaf deixa de ter qualquer importância. Não podendo apontar indícios de lavagem de dinheiro ou outros crimes financeiros para PF e MP sem autorização judicial, o órgão não servirá mais para combater a corrupção.
Enfim, medidas contra a crise - EDITORIAL O ESTADÃO
O Estado de S. Paulo - 18/07
Com a liberação de dinheiro do FGTS e do PIS/Pasep, governo decidiu dar alguma atenção aos desempregados e aos empresários atolados na crise.
O governo decidiu, enfim, dar alguma atenção aos 25 milhões de desempregados, subempregados e desalentados e à multidão de empresários, principalmente pequenos e médios, atolados na mais longa crise da história republicana. O ministro da Economia, Paulo Guedes, anunciou a intenção de liberar dinheiro para estimular o consumo, reativar os negócios e criar alguma esperança de tempos menos duros. Poderão chegar às famílias R$ 42 bilhões do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e até R$ 21 bilhões do PIS/Pasep. “Agora, com o avanço na tramitação da Previdência, podemos levar essas medidas adiante”, afirmou. O ministro demorou muito, no entanto, para tomar essa decisão. Até há pouco tempo, a intenção proclamada pelas autoridades era outra: cuidar da reativação econômica só depois de aprovada a reforma do sistema de aposentadorias e pensões. Aparentemente, nem o governo aguentou a deterioração da economia e das condições de sobrevivência dos brasileiros.
Os novos estímulos devem chegar, segundo as novas informações, antes de concluída a votação da reforma na Câmara dos Deputados. O segundo turno está previsto para o começo de agosto, mas o governo parece ter cedido, afinal, à pressão dos fatos. Até o Ministério da Economia já reduziu para 0,8% sua projeção de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) em 2019. Com isso a estimativa oficial coincidiu com a dos economistas do setor financeiro e das principais consultorias. A projeção do mercado recuou por 20 semanas consecutivas antes de se confirmar a disposição do governo de proporcionar algum estímulo aos negócios.
O anúncio praticamente coincidiu com a divulgação de uma rara informação positiva. Em maio, o PIB foi 0,5% maior que em abril, segundo a Fundação Getúlio Vargas (FGV). Mas a melhora, por enquanto, pode ter sido apenas um repique. No trimestre iniciado em abril e terminado em maio a produção foi 0,8% menor que no trimestre móvel encerrado em fevereiro. A economia continuou, portanto, rodando em marcha mais lenta que no final de 2018 e na virada do ano. Todos os novos levantamentos têm confirmado o diagnóstico recente do Banco Central (BC): a recuperação iniciada em 2017, depois de dois anos de recessão, foi interrompida.
Poucos dados de junho foram divulgados, mas os sinais até agora conhecidos são pouco animadores. Nesse mês, a indústria paulista de transformação demitiu 13 mil trabalhadores, segundo a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). Ainda assim, sobrou, no semestre, a criação líquida de 2.500 vagas, inferior à projeção inicial. Agora, a perspectiva é fechar o ano com saldo negativo, de acordo com o 2.º vice-presidente da entidade, José Ricardo Roriz.
As péssimas condições do mercado de trabalho compõem o lado mais dramático da crise econômica. Os desempregados eram 13 milhões, no trimestre móvel encerrado em abril. Juntando-se a esse número os subempregados e os desalentados, chega-se a um total de 25 milhões de trabalhadores sem salário, empregados em condições muito ruins ou simplesmente sem ânimo para continuar, por enquanto, procurando uma vaga.
Na maior parte das famílias, uma única pessoa sem rendimento ou em condições precárias de trabalho já representa uma considerável piora das condições de vida, mesmo quando outras estão ocupadas. Se dois familiares forem somados a cada um dos 25 milhões em situação precária, o resultado será um conjunto de 75 milhões em graves dificuldades. Isso é bem mais que um terço da população brasileira, estimada em cerca de 210,2 milhões de pessoas.
Por um semestre o governo pareceu menosprezar o drama dessas dezenas de milhões. Mas algo deve ter mudado e talvez a equipe econômica tenha notado um fato simples e óbvio. Sem estímulo inicial, nem a economia se mexerá nem o desemprego será reduzido, mesmo lentamente. Nesse caso, nem um voo de galinha será realizado. Mas, se um voo começar, poderá prolongar-se com outras medidas, especialmente estruturais, se ordenadas de forma competente.
Com a liberação de dinheiro do FGTS e do PIS/Pasep, governo decidiu dar alguma atenção aos desempregados e aos empresários atolados na crise.
O governo decidiu, enfim, dar alguma atenção aos 25 milhões de desempregados, subempregados e desalentados e à multidão de empresários, principalmente pequenos e médios, atolados na mais longa crise da história republicana. O ministro da Economia, Paulo Guedes, anunciou a intenção de liberar dinheiro para estimular o consumo, reativar os negócios e criar alguma esperança de tempos menos duros. Poderão chegar às famílias R$ 42 bilhões do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e até R$ 21 bilhões do PIS/Pasep. “Agora, com o avanço na tramitação da Previdência, podemos levar essas medidas adiante”, afirmou. O ministro demorou muito, no entanto, para tomar essa decisão. Até há pouco tempo, a intenção proclamada pelas autoridades era outra: cuidar da reativação econômica só depois de aprovada a reforma do sistema de aposentadorias e pensões. Aparentemente, nem o governo aguentou a deterioração da economia e das condições de sobrevivência dos brasileiros.
Os novos estímulos devem chegar, segundo as novas informações, antes de concluída a votação da reforma na Câmara dos Deputados. O segundo turno está previsto para o começo de agosto, mas o governo parece ter cedido, afinal, à pressão dos fatos. Até o Ministério da Economia já reduziu para 0,8% sua projeção de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) em 2019. Com isso a estimativa oficial coincidiu com a dos economistas do setor financeiro e das principais consultorias. A projeção do mercado recuou por 20 semanas consecutivas antes de se confirmar a disposição do governo de proporcionar algum estímulo aos negócios.
O anúncio praticamente coincidiu com a divulgação de uma rara informação positiva. Em maio, o PIB foi 0,5% maior que em abril, segundo a Fundação Getúlio Vargas (FGV). Mas a melhora, por enquanto, pode ter sido apenas um repique. No trimestre iniciado em abril e terminado em maio a produção foi 0,8% menor que no trimestre móvel encerrado em fevereiro. A economia continuou, portanto, rodando em marcha mais lenta que no final de 2018 e na virada do ano. Todos os novos levantamentos têm confirmado o diagnóstico recente do Banco Central (BC): a recuperação iniciada em 2017, depois de dois anos de recessão, foi interrompida.
Poucos dados de junho foram divulgados, mas os sinais até agora conhecidos são pouco animadores. Nesse mês, a indústria paulista de transformação demitiu 13 mil trabalhadores, segundo a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). Ainda assim, sobrou, no semestre, a criação líquida de 2.500 vagas, inferior à projeção inicial. Agora, a perspectiva é fechar o ano com saldo negativo, de acordo com o 2.º vice-presidente da entidade, José Ricardo Roriz.
As péssimas condições do mercado de trabalho compõem o lado mais dramático da crise econômica. Os desempregados eram 13 milhões, no trimestre móvel encerrado em abril. Juntando-se a esse número os subempregados e os desalentados, chega-se a um total de 25 milhões de trabalhadores sem salário, empregados em condições muito ruins ou simplesmente sem ânimo para continuar, por enquanto, procurando uma vaga.
Na maior parte das famílias, uma única pessoa sem rendimento ou em condições precárias de trabalho já representa uma considerável piora das condições de vida, mesmo quando outras estão ocupadas. Se dois familiares forem somados a cada um dos 25 milhões em situação precária, o resultado será um conjunto de 75 milhões em graves dificuldades. Isso é bem mais que um terço da população brasileira, estimada em cerca de 210,2 milhões de pessoas.
Por um semestre o governo pareceu menosprezar o drama dessas dezenas de milhões. Mas algo deve ter mudado e talvez a equipe econômica tenha notado um fato simples e óbvio. Sem estímulo inicial, nem a economia se mexerá nem o desemprego será reduzido, mesmo lentamente. Nesse caso, nem um voo de galinha será realizado. Mas, se um voo começar, poderá prolongar-se com outras medidas, especialmente estruturais, se ordenadas de forma competente.