sexta-feira, maio 17, 2019

A China joga wei qi - CELSO MING

O Estado de S.Paulo - 17/05

Por força de sua tradição milenar, a China não é de drásticas respostas retaliadoras. Por isso, quando, na segunda-feira, seu governo anunciou que, como revide às sobretaxações a suas exportações pelos Estados Unidos, aumentaria suas tarifas aduaneiras sobre US$ 60 bilhões em importações dos Estados Unidos, os analistas internacionais se surpreenderam e as bolsas internacionais despencaram.

Estaria o mundo na iminência de sofrer as consequências ruins que proviessem de uma ruptura nas relações de comércio entre as duas maiores potências econômicas do mundo? Que desfecho esperar desse enfrentamento entre gigantes?

Certos comentaristas tendem a ver a guerra comercial entre Estados Unidos e China como uma complexa partida de xadrez, em que cada lado tenta derrubar o rei adversário com uma combinação de jogadas de fúria.

Mas a China não joga xadrez, adverte Henry Kissinger em seu livro Sobre a China (editora Objetiva). Ninguém melhor do que o ex-secretário de Estado do governo Nixon sabe o que é negociar com o antigo Império do Meio. Ele próprio foi o principal negociador dos Estados Unidos em três governos, quando afinal começou a aproximação com a China. Até o lançamento do livro, em 2011, Kissinger havia completado mais de 50 viagens oficiais e particulares à China, conversou e debateu exaustivamente com as principais autoridades do primeiro e do segundo escalões da China, desde Mao até Deng. Se há nos Estados Unidos quem saiba como os chineses tratam de seus negócios com outras potências, este é Henry Kissinger.

A China joga, na verdade, o wei qi (pronúncia aproximada: uei tchi), modalidade que no Japão leva o nome de go. Trata-se de um tabuleiro quadrado de 19 por 19 linhas horizontais e verticais. Os jogadores dispõem de 180 pedras cada um que vão distribuindo nas intersecções de linhas para preencher os espaços vazios, em qualquer área do tabuleiro, com objetivo de produzir o cerco estratégico do adversário.

Está equivocado quem pensa que os negociadores chineses estejam a cada momento dispostos a um golpe heroico para destruir o governo dos Estados Unidos. A China conduz um processo mais complexo, que busca sucessivas vantagens relativas. Até mesmo as retaliações comerciais anunciadas no início desta semana devem ser vistas como medidas de alcance tático.

Na retórica belicista de Donald Trump, a China é um predador de mercados, de tecnologia e de empregos no resto do mundo, que precisa ser pronta e impiedosamente abatido. As manobras de Trump pretendem levar a China a importar mais dos americanos, mas, também, levá-la a desistir da política industrial que subsidia empresas chinesas. Querem, também, que contenha seu ímpeto na corrida tecnológica, que ameaça deixar para trás as empresas de ponta dos Estados Unidos.

Os chineses, por sua vez, dão aos conflitos com outras nações o tratamento tradicional, em que enfrentam um inimigo por vez, sem pressa, tirando proveito das suas debilidades ou, como dizia Mao, procurando “derrotar os bárbaros próximos com a ajuda dos bárbaros distantes”. Para os antigos da China, qualquer outro povo era bárbaro.

No auge da guerra fria, quando deparou com ameaças de um conflito nuclear que partisse tanto dos Estados Unidos quanto da União Soviética, o governo chinês avisou nas mesas de negociação que não temia os efeitos de uma catástrofe porque com mais de 1 bilhão de habitantes sempre sobrariam chineses para construir o futuro.

Esta coluna já lembrou em edições anteriores que, apesar das diferenças mais recentes, prevaleceu até agora a relação simbiótica no arranjo estratégico entre China e Estados Unidos. Enquanto Pequim vinha desfrutando do maior mercado de consumo do mundo (para o qual canalizava a maior parte de suas exportações de manufaturados), Washington também aproveitou a impressionante poupança interna da China para empurrar pelo menos US$ 1,1 trilhão em títulos do Tesouro, com os quais financiou a maior parte de seu déficit fiscal.

Como nem a China pode abrir mão de suas receitas com exportações aos Estados Unidos nem os Estados Unidos podem abrir mão do mercado chinês para seus títulos públicos, o desfecho mais provável no curto prazo ainda será um acordo. Falta saber qual das duas potências a longo prazo sairá melhor desse enfrentamento. Mas isso, definitivamente, não depende apenas do jogo comercial.


Três perguntas para a Nação - LUIZ FELIPE D'AVILA

O Estado de S.Paulo - 17/05

O Brasil só vai enfrentar seus reais problemas se formos capazes de lhes dar resposta afirmativa



É possível recolocar o País no caminho do crescimento econômico com um presidente da República que tem uma vocação insuperável para criar problemas para si e para seu governo? Sim, é possível. A retomada do crescimento, da renda e do emprego depende da aprovação das reformas previdenciária, tributária e política. Se estivermos realmente dispostos a abrir mão das benesses do Estado patrimonialista, o Congresso Nacional vai aprovar as reformas. A classe política não é suicida. Quando o clamor das ruas é uníssono, ela se alinha ao desejo dos cidadãos. Mas neste momento ainda não temos votos suficientes para aprovar a reforma da Previdência no Congresso.

As resistências no Parlamento refletem a divisão no seio da sociedade. Existem os defensores da agenda reformista, os opositores e o “Centrão” – o bloco poderoso que defende as reformas em público, mas luta nos bastidores para manter privilégios e benesses de segmentos específicos.

A vitória das reformas depende fundamentalmente de nós, brasileiros, respondermos a três questões cruciais.

1) Você está disposto a abrir mão dos seus benefícios estatais?

Não é só a elite do funcionalismo público que desfruta privilégios e pensões concedidos pelo Estado. Quase todos os brasileiros gozam de benefícios públicos. O governo gasta anualmente R$ 400 bilhões em subsídios, isenções fiscais e benefícios que são distribuídos a empresários, agricultores, estudantes, artistas, ambientalistas, filantrópicos, pequenos e médios empreendedores, caminhoneiros, sindicatos, associações de classe e entidades do terceiro setor. Somos uma sociedade viciada em benefício estatal.

Se quisermos mudar o Brasil, retomar o crescimento econômico e criar empregos, vamos ter de mudar de atitude e de comportamento. A desintoxicação da dependência das benesses do Estado exigirá sacrifício de toda a sociedade. Será preciso cortar benefícios, incentivos, desonerações fiscais e subsídios para eliminar barreiras, ineficiências e reserva de mercado, que atrofiaram nossa capacidade de empreender, competir e produzir sem dependermos do Estado. A política reflete os valores e aspirações da sociedade. Nossos comportamento e atitude são incompatíveis com as reformas de que o Brasil precisa. Temos de abandonar o discurso hipócrita de criticar os benefícios concedidos aos outros e defender as benesses que recebemos do Estado.

2) Você está disposto a abrir mão de certas crenças tribais para aprovarmos as reformas?

No mundo da polarização política, a opinião pessoal triunfa sobre os fatos e o interesse individual, sobre o bem comum. Um dos grandes problemas de construir o entendimento político em torno das reformas reside na leitura enviesada dos nossos reais problemas. O nosso viés pessoal influencia de tal forma o cérebro que obliteramos dados e evidências que parecem absurdos e fora de contexto quando eles conflitam com a nossa visão da realidade. Daí a dificuldade de compreender as demandas, os temores e os desejos dos que pensam diferente de nós. Repare a irracionalidade da conversa política entre amigos. Começa com uma afirmação categórica de que políticos são ladrões e termina exigindo que pratiquem atos heroicos – como votar propostas que podem arruinar suas chances de se reelegerem. Esperam que os políticos façam sacrifícios altruístas – porque as reformas são importantes para o País –, mas se esquivam de discutir qualquer renúncia de “direitos” e benesses que lhes são caros. Com essa atitude, o campo do diálogo torna-se estreito e as alternativas limitadas.

Restam o embate, o confronto e a polarização, que só contribuem para minar as reformas e produzir mudanças superficiais, que nada alteram os incentivos perversos do sistema político. Assim, perpetuam-se os problemas e defeitos que condenam o Brasil ao círculo vicioso de baixo crescimento econômico e descrédito das instituições políticas.

3) Você está disposto a arregaçar as mangas e lutar pelas reformas?

É interessante notar a transformação de pessoas que abandonam a conversa de botequim e decidem se engajar na mobilização em torno das reformas. O movimento Apoie a Reforma (www.apoieareforma.com) é uma iniciativa alentadora da sociedade civil para mobilizar as pessoas em torno do esforço coletivo para debater e aprovar a reforma da Previdência. A participação de conversas com políticos, empresários, jovens e gente do terceiro setor em torno do debate de propostas, do entendimento dos reais desafios e da busca de alternativas concretas, produz resultados extraordinários: o surgimento de um entendimento comum do problema após a discussão exaustiva dos custos e benefícios das alternativas; o reconhecimento mútuo de virtudes e de diferenças legítimas, que precisam ser respeitadas para se construir uma proposta politicamente viável; e, por fim, a defesa convicta de uma proposta de cuja construção todos se sentem corresponsáveis. Assim, reformas que pareciam impossíveis de ser aprovadas – como foi o caso da reforma trabalhista e poderá vir a ser o caso da reforma da Previdência – são votadas no Congresso.

As reformas políticas tornam-se viáveis quando temos coragem de discutir o problema sem minimizar os desafios das mudanças. Elas se transformam em votos quando temos consciência dos valores que precisamos preservar e das crenças e atitudes que temos de mudar para progredir e nos adaptarmos a uma nova realidade. O Brasil só vai enfrentar os seus reais problemas políticos, econômicos e sociais se formos capazes de dar uma resposta afirmativa e inequívoca a essas três perguntas. Chegou a hora de traduzir belas palavras em atos concretos que demandarão escolhas duras, decisões difíceis e medidas impopulares. Esse é o preço da transição do País que somos para o Brasil que queremos deixar para os nossos filhos.

A caixa de areia - ROGÉRIO FURQUIM WERNECK

O Estado de S.Paulo - 17/05

Ninguém sabe quando a reforma da Previdência poderá ser votada. E nem que abrangência e potência fiscal afinal terá

Entre a eleição e a posse de Jair Bolsonaro, os mais propensos ao autoengano tentaram se convencer de que, ao contrário do que se temia, o novo presidente saberia dar a devida prioridade ao que de fato importa. E relegaria a segundo plano a maior parte das propostas extremadas que brandira na campanha eleitoral.

Enquanto os “adultos” cuidariam das reformas, da retomada do crescimento e da redução do desemprego, os “bolsonaristas de raiz” ficariam restritos a uma pequena caixa de areia, entretidos com as possibilidades da agenda de costumes, da flexibilização do porte de armas e de outras diabruras mais, sob o olhar atento e instigante de tio Olavo.

Não é preciso muita argúcia para já se dar conta de quão fantasiosos mostraram ser tais devaneios. A caixa de areia está longe de ter sido relegada a segundo plano. Vem assumindo proporções cada vez maiores. E absorvendo grande parte das atenções do presidente. Vem operando como potente gerador de cizânia no núcleo do governo. E tumultuando o ambiente político, num momento em que o Planalto deveria estar focado no delicado esforço de tramitação da reforma da Previdência.

Em nenhuma manifestação sobre a reforma, feita até agora, Bolsonaro conseguiu externar um décimo da convicção e do entusiasmo que exalava, na semana passada, ao anunciar a assinatura do seu impensado decreto de flexibilização de posse e porte de armas no país.

Sobram razões para lamentar o despropósito desse decreto. Basta, aqui, ter em conta um aspecto que tem recebido menos atenção do que merece: os alarmantes desdobramentos da concessão indiscriminada de porte de armas a caminhoneiros.

Faça o leitor um esforço para rememorar as cenas dantescas da greve de caminhoneiros de 2018. E tente imaginar como poderá ser a próxima greve, com grande parte dos caminhoneiros armados. Muitos deles, até os dentes. É difícil que o Congresso e o STF compactuem com tamanha inconsequência. São contrassensos que apontam para inevitáveis atritos com o Legislativo e o Judiciário, fadados a redundar em novos e custosos desgastes políticos para o governo.

Não pararam por aí os desatinos recentes da caixa de areia. Tendo insistido em nova escolha estapafúrdia de ministro da Educação, o Planalto colhe agora, pouco mais de um mês depois, uma conflagração completamente desnecessária do sistema universitário, que voltou a agitar as ruas, deu novo alento à oposição e acirrou os ânimos no Congresso. A tentativa de impedir que o ministro fosse convocado para prestar esclarecimentos na Câmara custou ao governo mais uma humilhante derrota. De 307 a 82.

Há até quem tema que a conflagração possa ter sido deliberada, pois não falta nas alas mais radicais do governo quem esteja convicto de que a militância bolsonarista só voltará a vicejar em ambiente conflagrado. As declarações descomedidas do presidente, anteontem, em Dallas, só contribuíram para reforçar esse temor.

Seja lá como for, o tumulto gerado pela hipertrofiada caixa de areia em que essas alas operam vem dificultando em grande medida o avanço do que deveria ser a agenda prioritária do Planalto. E o espaço de manobra para condução da política econômica vem se tornando a cada dia mais exíguo.

A promessa de um círculo virtuoso, alimentado pela perspectiva de rápida aprovação do programa de reformas, vem cedendo lugar a expectativas cada vez mais pessimistas sobre o crescimento da economia e a queda do desemprego.

A tramitação da reforma da Previdência, num quadro de resistência do Planalto a qualquer forma de presidencialismo de coalizão, continua cercada de enorme incerteza. Ninguém sabe ao certo quando a reforma poderá ser votada. E nem que abrangência e potência fiscal afinal terá.

É preocupante que, na sua dramática corrida contra o tempo, em meio a clara deterioração do quadro fiscal e rápido estreitamento do espaço de manobra da política econômica, o Planalto continue dando força ao processo desestabilizador que vem sendo gestado pelas alas mais radicais do governo.

Já esgotamos nossa margem de erros - PEDRO LUIZ PASSOS

FOLHA DE SP - 17/05

Os vaivéns do governo reduzem as opções para a retomada do crescimento


Depois de dois anos em queda livre e um biênio estagnada, a economia se aproxima perigosamente da fronteira de uma nova recessão, como sinalizam as estimativas cadentes para o desempenho do PIB (Produto Interno Bruto) de 2019 e o indicador do Banco Central divulgado dias atrás, que apontou um recuo de 0,68% no primeiro trimestre do ano em relação aos três meses anteriores.

Quanto mais tempo ficarmos nesse limbo, maiores serão os danos econômico e social e mais custoso será o caminho de volta.

Como um carro parado há muito tempo, a bateria descarrega, os pneus esvaziam, e colocá-lo em movimento exige um trabalhão.

É esse o risco que corremos.

A economia se arrasta e, depois de quase cinco meses do governoBolsonaro, poucas medidas efetivas foram tomadas para reverter o quadro de atividade desfibrada, aprofundando o ambiente de paralisiaque se instalou em 2014 e perdura até hoje.

Os instrumentos convencionais para dar algum tipo de alento à atividade econômica se esgotaram rapidamente, reduzindo o leque de alternativas para induzir um novo ciclo de prosperidade. O desemprego é a sequela do desalento.

Não há como esperar por ações diretas do setor público para reanimar a economia, a exemplo do que ocorreu em passado recente, com resultados desastrosos.

Com as próprias projeções oficiais indicando déficit primário (que não inclui juros) por dez anos seguidos até 2023, não se pode alimentar a perspectiva de estímulos ou receitas extras vindas de nenhuma das instâncias administrativas do país.

A reforma da Previdência, cuja urgência avança numa razão inversa à lentidão com que tramita no Congresso, não vai gerar recursos no curto prazo —a economia prevista de até R$ 1,2 trilhão em uma década, como quer o governo, crescerá cumulativamente a partir de 2021.

Da mesma forma, as concessões de infraestrutura anunciadas recentemente só começarão a abastecer o caixa público no ano que vem, se tudo correr mais ou menos até lá.

Resta contar com a restauração do ímpeto empreendedor da iniciativa privada. Mas, em razão do longo inverno da economia, ela talvez não garanta, por si só, o impulso necessário aos investimentos. Mesmo assim, e falo como empresário, não se deve esmorecer.

A melhoria nas expectativas depende de muito mais. O conjunto de medidas que compõem a agenda do governo deve vir a público de forma a entusiasmar a sociedade com o objetivo de construirmos um país que atenda aos anseios da população e se mostre promissor aos investimentos privados.

A coesão em torno da esperança de dias melhores não será construída com caneladas e restrições nem com cortes lineares na educação, desprezo pelo ambiente e interdição do debate ao que é fundamental para nossos filhos e netos.

Tudo considerado, o veredito é claro: não podemos mais errar.

É necessário parar com o vaivém de anúncios e desmentidos que marcam os pronunciamentos do presidente, sobretudo em assuntos econômicos, campo no qual parece não comungar com a visão que norteia a equipe do ministro Paulo Guedes. Incomoda também o cacoete do Executivo de querer governar de costas para os outros Poderes.

Esse estilo fere pelo menos três dos principais pilares sobre os quais se apoiam a estabilidade da economia e o seu desenvolvimento: segurança jurídica, previsibilidade e determinação.

A construção desse cenário positivo requer lideranças engajadas e com capacidade de mobilização em torno de um projeto factível de prosperidade para o país. Pode parecer óbvio, mas a verdade é que a instabilidade dos últimos meses tem sinalizado justamente o contrário.

Pedro Luiz Passos
Empresário, conselheiro da Natura

Blindar a reforma da disputa eleitoral - MIRIAM LEITÃO

O Globo - 17/05

Relator da reforma da Previdência diz que tem fortes divergências com o bolsonarismo, mas que o projeto é do país e precisa ser aprovado


O relator da reforma da Previdência na Comissão Especial da Câmara, deputado Samuel Moreira (PSDB-SP), acha que a reforma da Previdência pode ser aprovada, apesar dos erros do governo Bolsonaro. Ele defende a tese de que agora a reforma pertence aos deputados, e não mais ao executivo, que “tem dado caneladas” que atrapalham as negociações. Moreira diz que ele e o seu partido têm fortes divergências com o bolsonarismo, “que estimula um retrocesso do nosso estágio civilizatório”, mas lembra que o PSDB apoiou todas as tentativas de reforma, do governo Fernando Henrique ao governo Temer.

Moreira aceitou a relatoria de um projeto impopular, mas diz que não teme os efeitos colaterais que isso possa ter nas próximas eleições. Temo diagnóstico de que a crise fiscal és e vera, com seis anos seguidos de déficit primário, e que sema contenção do rombo da Previdência — maior do que o orçamento do estado de São Paulo, diz — não será possível recolocar as contas públicas em ordem.

—Estamos procurando blindara reforma, nos despir das questões eleitorais. É uma Casa política? É a realidade. Mas é uma agenda nacional, absolutamente prioritária. O país está quebrado, vocês estão acompanhando o esforço do governo para poder aprovar um crédito suplementar. Eu confio demais nos deputados, Rodrigo Maia está comprometido coma proposta, acho que o Congresso tem que entregar essa reforma à sociedade — afirmou.

A grande questão é saber como a reforma vai andar na Casa, se o próprio presidente não busca o diálogo e a sua base tem imposto derrotas aos projetos do governo. Moreira reconhece que isso tem atrapalhado e não deixa de apontar as discordâncias que ele próprio tem com várias pautas do bolsonarismo.

—O governo realmente tem dado caneladas desnecessárias. E nós temos divergências com o governo em uma série de coisas. Eu tenho preocupação com nosso estágio civilizatório, que já não é dos melhores. E o governo estimula o retrocesso do nosso estágio civilizatório porque ele arma as pessoas. Ele ataca a cultura. Ele ataca as minorias, é um governo dificílimo, que tem diferenças conosco grandes —reconheceu.

O relator indica que o BPC pode ficar opcional e defende a aposentadoria rural: — A nossa posição é fazer a reforma com diálogo com a sociedade e se preocupando com os que mais precisam. Estamos falando do BPC e da rural, que é um salário mínimo, são os mais pobres. Na rural, pega muito o Nordeste. Veja o Piauí, 70% de toda a aposentadoria é rural, em São Paulo é 4%.

Se o governo for derrotado nesses dois pontos, a reforma não será desidratada, segundo ele, porque as mudanças propostas não teriam grande impacto fiscal. Ele acha importante conseguir manter uma economia de pelo menos R$ 1 trilhão em 10 anos para que as contas públicas possam ser equilibradas.

Pelo seu cronograma, Samuel Moreira pretende apresentar o voto na primeira semana de junho, no mais tardar na segunda, para que o projeto seja votado na Comissão Especial. O objetivo é que o texto esteja pronto para ir a plenário antes do recesso, que acontece na segunda quinzena de julho:

— A meta é votar na Câmara antes do recesso. Mas veja, é uma meta, pode ser atingida ou não, dependendo da dinâmica da política. Eu vou fazer esforço, mas os líderes são importantes, têm que ser respeitados, valorizados, ouvidos, precisamos da ajuda deles, é uma construção. Por isso que governar não é só ter boas ideias, tem que fazer levá-las a efeito.

Perguntei se não era perda de tempo falar tanto no sistema de capitalização, se isso só será discutido posteriormente, em um outro projeto de lei. Moreira respondeu que a discussão não ajuda nem atrapalha, e explicou que a Constituição estabelece o modelo de repartição. Por isso, o governo só poderá debater esse assunto se antes houver essa possibilidade, por meio de uma PEC.

Se vai dar certo esse esforço de blindar a reforma contra os problemas criados pelo próprio governo é o que se verá. Mas ele diz que esse é o caminho:

—Se não, vamos afundar. O Brasil está com 13 milhões de desempregados. O que é isso? Onde nós vamos parar? Faltam investimentos, credibilidade. A Câmara precisa ter uma agenda com a aderência da sociedade.

Teto de gasto racha, governo se perde - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 17/05

Pibinho, gente na rua e inépcia do governo mudam até ventos do debate econômico

Alguma coisa acontece no coração quando a gente chega à encruzilhada que dá numa recessão. Mais ainda quando se notam as notícias de maio:

1) o teto de gastos do governo começa a trincar. Admite-se aqui e ali a ideia de rever o congelamento da despesa federal antes da data prevista, 2026;

2) a rachadura é um efeito do desespero que bate na praça, dada a frustração até das expectativas reduzidas de crescimento da economia;

3) o governo não tem controle algum do que se passa no Congresso e não parece capaz ou preocupado de formar coalizão majoritária;

4) medidas do presidente são barradas por inépcia intelectual, jurídica e política;

5) o presidente está mais perturbado do que de costume por causa da investigação das contas de seu clã e, em especial, de seu filho Flavio.

Economistas-padrão, ditos "ortodoxos", passam por um processo que em inglês tem o nome sugestivo de "soul searching", o que se traduz de modo mais chocho por "exame de consciência" ou "análise introspectiva". A retomada do crescimento deu chabu além da conta razoável dos erros de estimativa, mesmo considerados choques recentes. O pessoal está, pois, em terapia.

A conversa sobre taxas de juros altas demais entrou no debate corriqueiro de economistas reputados. Um ou outro admite até que se reveja a proibição de aumentar a despesa do governo federal além do nível registrado em 2017. A mesma conversa rola pelo Congresso desde o início do mês, muito mais animadamente por lá, é claro.

O objetivo das mudanças seria permitir um aumento do investimento público e, segue o argumento, estimular algum crescimento. Mesmo com a aprovação da mudança previdenciária, não haverá dinheiro para o governo gastar mais em obras nos próximos muitos anos.

Enfim, o teto está rachando porque o plano deu errado. Seria um sufoco quase impossível mantê-lo até 2026 mesmo se a reforma previdenciária tivesse sido aprovada em 2017 e se o crescimento tivesse voltado como previsto. Nada disso aconteceu. O teto perdeu pilares.

A condição estrita para essas mudanças de política macroeconômica (juros, gastos) seria, claro, a aprovação de uma reforma dura da Previdência. Ainda assim, a conversa mudou. Não quer dizer que rever o teto seja viável, econômica ou politicamente.

Primeiro, a revisão do teto exige mudança constitucional. Segundo, os economistas de Bolsonaro são adversários convictos dessa ideia. Terceiro, a ideia de mexer no teto ainda é muito minoritária e anátema. Quarto, o plano em si não é trivial, para dizer o mínimo.

Mais gasto com investimento implica, pelo menos de início, mais déficit e aceleração do crescimento da dívida pública. Assim, o efeito imediato do gasto extra poderia ser aumento do risco-país, desvalorização da moeda e, pois, alta de juros no mercado, o que anularia o efeito do aumento de gasto. A mera menção de um projeto de revisão do teto pode causar pânico financeiro.

Além do mais, para fazer diferença, o aumento da despesa federal em obras teria de chegar pelo menos a meio ponto do PIB (uns R$ 40 bilhões): o dobro do gasto previsto para este ano. O governo teria projetos bastantes e de qualidade?

No entanto, começam a soprar outros ventos políticos no debate da política econômica, as ruas rugem um pouco e a descrença na capacidade do presidente se dissemina, assim como o sentimento de "ninguém aguenta mais".

Vinicius Torres Freire
Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).

Impeachment de Bolsonaro entra no radar - REINALDO AZEVEDO

FOLHA DE SP - 17/05

Assistimos a um filme previsível, com roteiro desconjuntado e bufões da pior espécie


Se o presidente Jair Bolsonaro continuar a ouvir apenas a horda de malucos que o cerca, não conclui o seu mandato. Já cometeu, e deixei isto claro há algum tempo nesta coluna, uma penca de crimes de responsabilidade. Aliás, ele falou nesta quinta (16) a palavra "impeachment" pela primeira vez.

Falta que o ambiente político degenere o suficiente para que perca o apoio de ao menos um terço da Câmara. Os dois terços do Senado viriam por gravidade. Observem que falo em conclusão do "mandato", não do "governo". Este ainda não começou. Nem vai.

Aquele que ocupa a cadeira de presidente da República nunca soube por que queria o mandato. Ou por outra: não tinha uma prefiguração afirmativa de razões para comandar o país. O cargo lhe serve apenas para se vingar de seus inimigos ideológicos ou do fiscal do Ibama que um dia o multou.

É raso e mesquinho, no sentido original dessa palavra. A mistura de ignorância com poder é sempre perigosa porque torna as pessoas arrogantes e destrutivas. Uma imagem: o sujeito chega diante de um quadro de Picasso e diz: "Isso eu também faço".

A estupidez não reconhece competências, história, técnica, saber acumulado. Lembrando tirada do jornalista H. L. Mencken, tornada já quase um clichê, figuras com essas características têm sempre na ponta da língua uma resposta simples e errada para problemas difíceis.

Converso com muita gente que está surpresa com a ruindade do governo. Quem acompanha o que escrevo nesta Folha e em meu blog ou o que falo em meu programa de rádio sabe que estou assistindo a um filme previsível —e daqueles ruins, com roteiro desconjuntado, tiradas momescas e bufões da pior espécie.

Se muitos recorreram a seu pretenso liberalismo para votar em Bolsonaro em nome do mal menor, afastei de mim esse cálice. O conjunto das minhas convicções liberais sempre me blindou de tipos como esse. Há muitos anos, escrevi em minha página, no auge dos embates com o petismo, que "nem tudo o que não é PT me serve".

Ora, não há como ser "mal menor" uma personagem que não entende os fundamentos da democracia e que demonstra, desde sempre, a clara intenção de recorrer às licenças civilizatórias que o regime oferece para solapar as suas bases. Não! Ele nunca me serviu! Nem em nome do antipetismo.

Ademais, convenham, e disto também já tratei aqui antes ainda de ele ser eleito: quem o escolheu queria consagrar aquelas boçalidades que dizia. Havia outros meios de ser antipetista: Henrique Meirelles, Geraldo Alckmin, até João Amoêdo, que exercita, assim, um bolsonarismo mais light —sem o trabuco na mão ao menos.

Bolsonaro serviu como uma espécie de prova dos noves para testar convicções realmente liberais. Havia muitos que disfarçavam a condição de reacionários delirantes vestindo esse uniforme. Nesse particular sentido, ele serviu para tirar muita gente do armário.

Meu senso moral impediu-me de escolher, ainda que como instrumento de uma luta contra um suposto mal maior, aquele que fez, por exemplo, a apologia do estupro e da tortura sob o pretexto de exercer as garantias previstas no artigo 53 da Constituição. Eis o exemplo escancarado do uso de uma prerrogativa da democracia para agredir seus fundamentos.

Sim, chegou a hora de fazer esse debate no Brasil. E vem com atraso. Há muito estamos confundindo um modo de escolher governos —por meio de eleições— com a democracia, que, com efeito, vive uma crise mundo afora. Esta é mais do que o sufrágio, por mais livre que seja.

Esse regime também compreende um conjunto de valores. Se uma maioria se estabelece para sufocar liberdades e para discriminar e silenciar minorias, receba um outro nome qualquer. Democracia nunca! Ou teríamos de conferir o diploma de heróis da liberdade a Erdogan, a Putin e aos aiatolás do Irã.

Volto lá ao começo. Não estou me oferecendo para ser o conselheiro de Bolsonaro em lugar de Olavo de Carvalho. Estou a fazer um registro. Por estupidez política, a reforma da Previdência, que até há um mês poderia servir de correia de transmissão para um segundo mandato, agora vai atuar, ainda que necessária, para corroer o que resta de popularidade ao governo.

O Planalto, por intermédio dos seus incendiários, acordou as muitas e justas insatisfações de brasileiros das mais diversas extrações. O próprio Bolsonaro, seus filhos, Carvalho, este espantoso Abraham Weintraub... Essa gente toda é, para esse governo, o que o esquerdista Movimento Passe Livre foi para o governo Dilma. Tentando animar seus fanáticos, deu unidade ao coro dos contrários.

Lembro-me de um post que escrevi no dia 10 de março de 2015. A então presidente Dilma falava "impeachment" pela primeira vez.

Os dilemas de Moro - FERNANDO GABEIRA

O Estado de S.Paulo - 17/05

Não foi pelas armas que a Lava Jato rendeu muitos elogios e prestígio internacional



Não posso dizer que o ministro Sergio Moro me surpreenda, porque não o conheço bem. Nem posso avaliar o êxito de sua escolha, pois o governo apenas começa, apesar de tantos episódios cheios de som e fúria, significando nada.

Nos últimos meses, o Brasil vem reduzindo o número de assassinatos. A queda foi de 12,5% em 2018. Leio que em fevereiro a queda dos assassinatos no Ceará foi de 58%. Já analisei a situação do Ceará em artigos anteriores. Parte da derrocada do crime se deve à suicida ofensiva militar das facções. Derrotadas, tiveram de unir objetivos e parou a matança mútua.

Mas houve trabalho também por trás dessa redução. Do governo petista e de Moro. Um dos fatores foi a apreensão rápida dos carros roubados, graças às câmeras que identificam as placas e acionam o alarme. Carros roubados são fundamentais em ações criminosas.

Era o momento de dizer: o índice de assassinatos está caindo, é possível reduzi-los, vamos discutir o que aconteceu e traçar os rumos do próximo avanço.

Moro parece-me indiferente a esses dados. É provável que, no caso do Ceará, exista um pequeno incômodo: o sucesso parcial se deve a um trabalho conjunto com o governo petista. Reconhecer as vantagens de uma ação republicana não repercute bem nas hostes radicais governistas. Mas, no meu entender, existe outro fator que condena o pequeno sucesso ao anonimato. Ele se deve também à tecnologia. Assim como em Guararema (SP), são as câmeras que fazem o trabalho – um trabalho decisivo.

Num governo preocupado com espingardas e trabucos, a grande expectativa é a posse de armas para todos. O sucesso não interessa porque ele é resultado do avanço tecnológico, não comprova a ideologia oficial que vê nas armas a única salvação.

Moro assistiu meio constrangido à assinatura de um decreto claramente ilegal para a liberação das armas. É uma espécie de estatuto próprio de Bolsonaro, atropelando o Congresso e a lei.

De que adianta ser ministro da Justiça e concordar com esse amadorismo bélico? De certa forma, Moro lembra a obra mestra da literatura alemã: Fausto, de Goethe.

Bolsonaro sabe que Moro engole sapos no governo e tende a ser derrotado no Congresso. E relembra a compensação para tantos transtornos: um lugar no Supremo Tribunal Federal.

Com todo o respeito pelo Supremo e pelos juízes que querem chegar lá como ápice de suas carreira, isso é um enredo modesto e provinciano diante das oportunidades que se abrem de construir uma eficaz política de segurança pública no Brasil. As afirmações de Bolsonaro sobre o compromisso de levar Moro ao Supremo, entre outras coisas, apenas reduzem a dimensão do que parecia ser até para ele um tema de grande importância.

Isso sem contar o absurdo de indicar um ministro para o Supremo com mais de um ano de antecedência, abstraindo as condições da Corte e os potenciais candidatos, algo que só pode ser levado em conta no momento da escolha.

Moro tem um pacote anticrime e se empenha em aprová-lo, o que acho improvável em curto prazo e na integridade do texto. Mas isso não esgota o trabalho. Há muita coisa a fazer no campo da segurança pública e nem tudo está contido no pacote.

Uma das coisas mais lamentáveis nos políticos é ocuparem um cargo pensando em outro. Alguns são derrotados por causa disso. Outros escapam pela tangente, como é o caso do governador de São Paulo.

Essa história do Supremo acabou colocando Moro no mesmo patamar das pessoas que estão fazendo de seus postos apenas uma espécie de alavanca para o que consideram um salto maior.

E nem sempre consideram com precisão. De fato, seria uma bela carreira começar como juiz no interior do Paraná, conduzir importantes processos e conquistar ainda jovem uma cadeira no Supremo. Mas isso é um capítulo do livro “pessoas que deram certo”, que realizaram seus sonhos.

Muitos podem achar que a soma de pessoas que deram certo faz um país vitorioso. Mas é um engano. É preciso um trabalho específico de recuperação do Brasil, que independe de promoções, promessas compensatórias.

Uma política de segurança pública é algo essencial. No entanto, apesar de eleito com essa bandeira, Bolsonaro confia apenas nas armas e aponta os dedos como se estivesse atirando. Ao seu lado, numa foto meio patética, políticos e aspones apontam o dedo também como se estivessem atirando.

A base deixada por Temer e implementada por Jungmann precisa ser desenvolvida. Visitei no Ceará um centro de informações que será vital para o Nordeste. Agora foi inaugurado de vez. Inteligência e tecnologia, aos poucos, vão transformando o caos na segurança pública em algo administrável.

Movidos por sua ideologia bélica, os dirigentes atuais seguem apontando os dedos como se atirassem. Não há provas da eficácia dessa visão. É um pouco como as cerimônias religiosas dos antigos para garantir a chuva e fertilidade.

É preciso problematizar a solução pelas armas e Moro até agora não se dispôs a fazê-lo. Não foi pelas armas que a Lava Jato rendeu muitos elogios e prestígio internacional.

Apoiei a operação por considerá-la a única capaz de desatar o nó da impunidade no Brasil, unindo instituições, estabelecendo a cooperação internacional, usando da melhor forma os recursos tecnológicos. Se alguém me dissesse que o sonho de Moro era fazer tudo isso para ganhar uma cadeira no Supremo Tribunal, perguntaria: mas só isso?

Moro decidiu entrar no governo para completar seu trabalho, uma vez que a Lava Jato dependia de novas leis. Agora, corre o risco de retrocesso e tudo o que lhe prometem é uma compensação, um cargo de ministro, uma capa preta, lagosta com manteiga queimada, vinhos quatro vezes premiados e espaço na TV para falas intermináveis. Mesmo o Doutor Fausto queria mais.

Em busca do centro - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 17/05

O ronco das ruas, que já serviu para alavancar a candidatura de Bolsonaro, se voltou contra ele quarta-feira de forma expressiva

Duas declarações fundamentais para a política brasileira vieram ontem dos Estados Unidos, demonstração vigorosa de que o globalismo que os olavetes criticam é uma fenômeno irrecusável. Aliás, a própria participação dele na politica nacional é uma afirmação disso.

Ao afirmar, do Texas, que manterá a nova postura no relacionamento com os demais poderes da República, por exigência da maioria da população, o presidente Bolsonaro escalou mais um degrau no seu embate com o Congresso. O que ele está querendo explicitar é que o Congresso só age na base do toma-lá-dá-cá.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, se contrapondo em declaração em Nova York, durante reunião com investidores, garantiu que o Congresso fará a reforma da Previdência “com ou sem governo”, abrindo caminho para uma ação parlamentar autônoma, descolada do Palácio do Planalto.
Maia se mostra disposto a assumir um papel crucial nesse momento, o de um líder de centro liberal fiador dos compromissos de reformas, que passariam a questões de Estado.

Ele sabe que se o Congresso não aprovar uma reforma que permita o inicio de uma retomada econômica, vai ser acusado por Bolsonaro de estar agindo na base do fisiologismo, que não aprovaram a reforma por não ter dado os cargos que pediram. Sairá dessa crise como uma vítima da velha política.

O ronco das ruas, que já serviu para alavancar a candidatura de Bolsonaro por falta de opção, na quarta-feira se voltou contra ele de maneira expressiva. O enfrentamento rasteiro escolhido pelo governo para responder às pessoas que, aos milhares, protestaram em todas as capitais e em mais de cem cidades pelo país, demonstra uma avaliação equivocada do que está acontecendo.

Bolsonaro quer fazer crer que apenas os “idiotas inúteis” esquerdistas estavam nas ruas. É mais provável, porém, que estivessem nelas boa parte dos eleitores que escolheram Bolsonaro para se livrar do PT. Se os petistas e apoiadores da esquerda tivessem essa capacidade de mobilização, teriam saído às ruas para defender o “Lula livre”, ou a candidatura de Haddad.

Quem foi para as ruas quarta-feira demonstrou o descontentamento com o governo disfuncional de Bolsonaro, que se perde em picuinhas ideológicas e esquece os verdadeiros problemas do país, sendo a educação o maior deles.

Se é verdade que a performance dos nossos alunos nos exames internacionais como o Pisa tiveram uma queda assustadora nos anos petistas, indicando que o PT deu mais importância às medidas paliativas do que à qualidade, também não se vê nos primeiros passos do governo Bolsonaro nada que indique um projeto educacional promissor.

Os radicais estarão com Bolsonaro independentemente de qualquer novo gesto, mas ele já vem perdendo o apoio dos eleitores de centro, que temiam a volta do PT. Em uma campanha sem radicalismo, Bolsonaro disputaria com Cabo Daciolo a rabeira da eleição.

Os adversários que podem fazer frente a ele de verdade, como o governador de São Paulo, Joao Dória, o próprio Rodrigo Maia, especialmente se juntos em um novo partido de centro-direita que unisse o PSDB ao DEM, ainda estão perdidos, entre apoiá-lo, atrás dos cliques da internet, ou abrir novos caminhos.

Bolsonaro precisa de um PT forte, com discurso radicalizado, para construir o seu projeto de poder. Só com a esquerda forte se manterá como a opção dos não radicais de direita ou de centro. Por isso vive falando sobre “a volta do PT”.
Bolsonaro está em seu ambiente quando se digladia com o PT. Assim como na campanha o centro foi esmagado pelo radicalismo, também hoje não há uma liderança de centro, vigorosa, respeitada, que apresente uma saída fora dessa radicalização.

O país é de centro, circunstancialmente a radicalização politica está dominando o debate. Lula só chegou à presidência porque se aproximou do centro, e assim governou durante seu primeiro mandato. Fernando Henrique levou o PSDB para o centro, chamou o PFL para governar.

A característica do centro é a moderação, mas os extremos continuam em combate, o ambiente político pede radicalização. O que agrada a ambos os lados. Há um espaço politico importante a ser ocupado por uma liderança de centro que galvanize as ideias sensatas, um centro liberal, democrático.

Hostilidade como método - EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de S. Paulo - 17/05


Jair Bolsonaro tem agido cada vez mais como líder de facção, e não como presidente da República. Tem contribuído para transformar debates importantes em briga de rua.



Jair Bolsonaro tem agido cada vez mais como líder de facção, e não como presidente da República. Invocando sempre a necessidade de satisfazer seus eleitores, malgrado o fato de que foi eleito para governar para todos, Bolsonaro tem contribuído para transformar debates importantes em briga de rua. É a reedição do ominoso “nós” contra “eles” que tanto mal fez ao País durante os desastrosos anos do lulopetismo.

Nesse ambiente crispado, temas cruciais para o futuro, como a reforma da Previdência, ou mesmo questões mais imediatas, como a necessidade de contingenciamento orçamentário, são desvirtuados pelo alarido dos radicais, o que nada tem a ver com um saudável debate democrático. E o presidente, que deveria, pelo cargo que ocupa, ser o condutor político desse debate, parece mais empenhado em hostilizar todos os que não lhe prestam obsequiosa vassalagem – e isso inclui não apenas seus adversários naturais, mas também, por absurdo, aqueles que desejam colaborar com o governo.

Com isso, Bolsonaro isola-se, num momento em que o País precisa de liderança e inteligência política para construir as soluções para a gravíssima crise ora em curso. São cada vez mais preocupantes os sinais de que o presidente não tem os votos necessários para aprovar no Congresso nem mesmo projetos de lei banais. As derrotas na Câmara se sucedem em quantidade inusitada para um presidente que teve 57,8 milhões de votos, elegeu-se como a grande estrela de uma formidável onda de renovação da política e deveria estar gozando a tradicional lua de mel com o Congresso e com os eleitores, reservada a todo governante em início de mandato.

Ao contrário, Bolsonaro viu despencar sua popularidade em um par de meses, resultado da paralisia de seu governo ante a aceleração da crise econômica, traduzida pelo aumento do desemprego e pela perspectiva cada vez mais concreta de uma nova recessão. Cresce a sensação – a esta altura quase uma certeza – de que o presidente não sabe o que fazer para reverter o quadro. Pior: as palavras e os atos do presidente e de alguns de seus ministros, quase sempre destinados apenas a excitar a militância bolsonarista nas redes sociais, contribuem para dificultar ainda mais qualquer entendimento político em torno de soluções viáveis para o País.

“São uns idiotas úteis”, disse o presidente ao se referir aos manifestantes que foram às ruas na quarta-feira para protestar contra o contingenciamento de verbas na área de educação. No mesmo dia, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, destratou deputados que o haviam convocado para uma sabatina na Câmara, preferindo a pesporrência ao diálogo. Tudo isso pode ter feito a alegria da seita bolsonarista no Twitter, mas o fato é que o governo começa a encarar nas ruas, precocemente, as mesmas dificuldades que já enfrenta há algum tempo no Congresso – situação que, como mostra a história recente do País, ninguém sabe como começa, mas todos sabem como termina.

A prudência recomenda, portanto, que Bolsonaro reveja urgentemente seu método de governo. O problema é que o presidente não tem demonstrado a necessária sensatez para a difícil missão que as urnas lhe conferiram. Ao contrário: sempre que pode, Bolsonaro acentua sua antipatia pelos parlamentares, tratando as adversidades da vida política – que ele agrava ao invés de amenizar – como sabotagem a seu governo. E ontem ele dobrou a aposta: disse que não vai ceder “a pressão nenhuma” em nome da “tal governabilidade”, mesmo que isso lhe custe o cargo. “É isso que querem? Um presidente vaselina para agradar todo mundo? Não vai (sic) ser eu. O que vai acontecer comigo? O povo que decida, pô, o Parlamento decida, eu vou fazer minha parte. Eu não vou sucumbir”, desafiou.

É nesse clima de antagonismo que o governo pretende encaminhar a reforma da Previdência e outras mudanças importantes para o País – e a desculpa bolsonarista para um eventual fracasso em qualquer dessas etapas cairá na conta daquilo que o presidente e seus seguidores chamam de “velha política”.

Diante disso, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, disse ontem que o Congresso vai “fazer a reforma da Previdência, com o governo ajudando ou atrapalhando”. Seria melhor se, pelo menos, não atrapalhasse.