O Estado de S.Paulo - 23/04
O Estado democrático só pode intervir na economia para aumentar a competição
Não acabou tão mal a semana que começou com o decreto que mandava saber a quem interessar pudesse que “fake news” passava a ser uma condição que podia ser monocraticamente atribuída a qualquer fato que dissesse respeito aos membros do STF, o que não apenas restabeleceria a censura e a pena de morte por garrote vil financeiro contra jornalistas e empresas jornalísticas que não respeitassem as “Ordenações Toffolinas”, como, pior ainda, poria o STF acima de deus, como os reis da Antiguidade. Ainda bem que o resto do Brasil, inclusive o Oficial, que não anda lá com os pés tão firmemente plantados no chão ultimamente, ainda está voando bem mais baixo que o sr. Toffoli e seu menino de recados. Outra vez “under god”, agora só falta pôr o STF “under the law” para que o País volte a encontrar o seu limite e, a partir dele, reorganizar-se para seguir em direção ao menos da revolução democrática modelo século 18 que a minoria pragmática do governo Bolsonaro vem perseguindo.
Voltamos ao ponto de partida: a reforma da Previdência vai porque tem de ir, resta saber se reduzida a um par de gambiarras para comprimir os efeitos do passivo acumulado de “erros” (na verdade “acertos” dos bandidos contra os mocinhos), o que seria desperdiçar a longa caminhada desde 2013 que levou a dinastia lulista ao fim, ou se vai endereçar o futuro do Brasil confirmando o sistema de capitalização – o fim final da privilegiatura – como porto de chegada. A esperança de que o Brasil possa considerar a hipótese de vir a ser mais que um quase continente em fainas para pagar os proventos da nobreza estatal ainda não morreu, portanto. Podemos voltar a pensar nos fundamentos, sem a alteração dos quais não iremos a lugar nenhum.
Com o presidente da República sempre fiel à sua disposição de fazer mais concessões às reivindicações de China e Dedeco, dos caminhoneiros, que às de Paulo Guedes, do Brasil, a Petrobrás, outra vez cheia de si, ensaia a reação contra o fim do monopólio do gás e os ministérios da Ciência e Tecnologia, da Agricultura, das Minas e Energia, da Infraestrutura e todos os outros rabos do governo com uma estatal para chamar de sua organizam abertamente a resistência contra as privatizações. Com o mercado a ponto de abandonar de vez a esperança de que o sonho de Paulo Guedes seja aqui, uma trégua foi estabelecida em torno do velho padrão “o que é que dá para fazer com a febre, excluída a única solução que cura a doença”.
A democracia 4.0, da virada do século 19 para o 20, uma etapa com repercussões revolucionárias muito mais profundas que as desencadeadas pela muito mais festejada democracia 3.0, cujo marco inicial foi o “We the People” da Constituição americana de 1788, entrou em cena como uma revolta popular contra o poder dos monopólios estruturados pelos “robber barons”, os Odebrechts e “ésleys” lá deles, em torno da novidade da “ferroviarização” da economia norte-americana. É claro que lá jamais se cogitou da hipótese suicida de entregar a quem já controla as Forças Armadas monopólio algum, muito menos sobre insumos básicos de toda a economia. Mas em menos de cem anos em vigor, a Constituição, com a divisão dos Poderes do Estado e toda a parafernália dos “checks and balances”, se tinha provado impotente para lidar com a súbita transformação de uma sociedade agrária numa sociedade industrial urbana totalmente desprotegida, do ponto de vista institucional, contra a mistura explosiva dos efeitos da descoberta dos ganhos de escala resultantes das fusões e aquisições de empresas que confirmavam a concentração da propriedade como uma tendência inevitável da economia moderna e a blindagem de políticos corruptos no mínimo durante os quatro anos de duração dos seus mandatos.
No duro debate que se seguiu, com todas as partes alegando a “defesa de princípios” para não alterar o status quo, Theodore Roosevelt chegou à síntese estruturada em cima da consideração de que o direito à propriedade privada não foi instituído para recompensar o amor às riquezas naturais ou ao capital, mas como um instrumento para o progresso da civilização e o engrandecimento do homem ao promover a igualdade de oportunidade pela garantia dada a todos de acesso ao produto do seu esforço individual. A partir dela ficou liberado o raciocínio de que, quando estiver claro o conflito entre o direito de propriedade e os direitos humanos, estes devem ter a primazia, desde que se não perdesse de vista a constatação pragmática de que, para além do blá-blá-blá, os homens exercem a sua liberdade é na sua condição de produtores e consumidores que podem escolher seus patrões e seus fornecedores, sem a qual nenhum outro “direito” pode ser garantido, do que decorre que o Estado democrático só pode intervir na economia para aumentar, jamais para reduzir a competição.
Era preciso, portanto, estabelecer firmemente a soberania do consumidor. Como o gigantismo dos monopólios dos “robber barons” não era só resultado de competência, mas também da corrupção e da compra de proteção e vantagens indevidas a políticos corruptos, a bandeira geral do movimento foi a da guerra contra o privilégio. Dada a diretriz moral, restava o problema de como transformá-la em ação. O instrumento encontrado foi a instituição, por cima de todas as outras forças atuando sobre a ordem institucional, da soberania absoluta do eleitor. O alvo inicial de Theodore Roosevelt, o vice que a sorte pôs no poder nos primeiros dias do mandato de William McKinley, assassinado, era o direito ao referendo popular de sentenças judiciais que revogassem reformas aprovadas pelos legisladores eleitos pelo povo. Mas para conseguir a adesão do Partido Progressista, ele aderiu às bandeiras da retomada de mandatos (recall), das leis de iniciativa popular e do referendo das leis de iniciativa dos legislativos, e acertou redondamente no “errado”. Roubou a bandeira dos socialistas americanos, pôs o povo de fato no poder pela primeira vez na história do mundo, e mudou para sempre a humanidade inteira de prateleira.
JORNALISTA, ESCREVE EM WWW.VESPEIRO.COM
terça-feira, abril 23, 2019
A estagnação nas fábricas - EDITORIAL O ESTADÃO
ESTADÃO - 23/04
Passados quase seis meses da apuração do segundo turno, empresários da indústria continuam à espera de um sinal de Brasília para pisar no acelerador
Com fábricas produzindo muito abaixo da capacidade e pessoal muito reduzido, empresários da indústria continuam à espera de um sinal de Brasília para pisar no acelerador e entrar em recuperação mais firme. Passados quase seis meses da apuração do segundo turno, a economia continua travada e a maior parte da indústria de transformação opera em nível inferior ao de antes da crise. Que os negócios continuam muito fracos é um fato bem conhecido, mas o quadro pode ser bem mais feio quando se examinam os detalhes. Exemplo: só três de quinze segmentos da indústria de transformação avaliados pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) funcionam em nível pelo menos igual à média histórica do período de 2001 a 2018. O levantamento foi feito por solicitação do Estado.
Já no terceiro ano depois de encerrada a recessão, a maior parte das fábricas mantém um baixo grau de utilização das máquinas, equipamentos e instalações. Na média dos 15 segmentos analisados, só houve uso de 74,6% da capacidade instalada no primeiro trimestre deste ano. Na série histórica examinada no estudo da FGV, houve uso médio de 81,1% da capacidade produtiva. Entre janeiro e março deste ano, só os segmentos farmacêutico e de papel e celulose superaram sua média histórica. Um terceiro, o de vestuário, funcionou dentro de seu padrão normal. Todos os demais continuaram com ociosidade maior que a observada antes da crise.
A estagnação da indústria de transformação é atribuível, em primeiro lugar, ao baixo consumo das famílias. A moderação nas compras está claramente associada à insegurança, num ambiente de alto desemprego. Nem todas as famílias perderam renda, mas a maioria tem excelentes motivos para ser muito cautelosa nas despesas.
Diante do consumo retraído, os dirigentes de indústrias são levados a limitar severamente a formação de estoques. Nem acumulam estoques de produtos prontos, porque as vendas são incertas, nem compram matérias-primas e bens intermediários além do volume necessário numa situação de negócios fracos. Ao restringir as compras de matérias-primas e bens intermediários, transmitem a crise aos elos anteriores da cadeia de produção.
Com baixo uso de máquinas, equipamentos e instalações, há pouco ou nenhum motivo para investir na capacidade produtiva. Não teria sentido acumular bens de capital ou ampliar galpões, quando o parque produtivo ainda está largamente subutilizado.
Tem havido, apesar disso, algum investimento, porque parte das empresas deve estar sendo forçada a substituir máquinas e equipamentos muito velhos. Em algumas, pode estar ocorrendo uma substituição de bens de capital por outros mais modernos, mas, de modo geral, faltam estímulos para investir. Isso se reflete na indústria de máquinas. No primeiro trimestre, o segmento usou 69,9% da capacidade instalada, ficando muito abaixo da média histórica de 80,3%. A diferença entre o uso atual da capacidade e a média de utilização nesse segmento é a maior encontrada em todo o levantamento.
A eleição e a posse de um novo presidente da República poderiam ter clareado o horizonte e contribuído para a intensificação da atividade, mas quem acreditou nisso acabou frustrado. Superada a incerteza eleitoral e instalado o novo governo, permaneceu a insegurança em relação à política e às perspectivas da economia. O escasso envolvimento do presidente na condução dos assuntos mais urgentes, como a reforma da Previdência, foi certamente um dos fatores negativos. A desorientação evidente e as trapalhadas mais ostensivas do governo, com muitas trombadas no primeiro escalão e enorme dificuldade na relação com o Legislativo, dificilmente poderiam ter melhorado as expectativas de quem olha os fatos a partir da planície do dia a dia dos negócios.
O exame dos 15 segmentos industriais enriquece, enfim, o quadro geral já apontado pela FGV: entre o trimestre móvel encerrado em novembro e aquele terminado em fevereiro o aumento do Produto Interno Bruto (PIB) foi zero. Nulos são ainda os sinais de melhora.
Passados quase seis meses da apuração do segundo turno, empresários da indústria continuam à espera de um sinal de Brasília para pisar no acelerador
Com fábricas produzindo muito abaixo da capacidade e pessoal muito reduzido, empresários da indústria continuam à espera de um sinal de Brasília para pisar no acelerador e entrar em recuperação mais firme. Passados quase seis meses da apuração do segundo turno, a economia continua travada e a maior parte da indústria de transformação opera em nível inferior ao de antes da crise. Que os negócios continuam muito fracos é um fato bem conhecido, mas o quadro pode ser bem mais feio quando se examinam os detalhes. Exemplo: só três de quinze segmentos da indústria de transformação avaliados pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) funcionam em nível pelo menos igual à média histórica do período de 2001 a 2018. O levantamento foi feito por solicitação do Estado.
Já no terceiro ano depois de encerrada a recessão, a maior parte das fábricas mantém um baixo grau de utilização das máquinas, equipamentos e instalações. Na média dos 15 segmentos analisados, só houve uso de 74,6% da capacidade instalada no primeiro trimestre deste ano. Na série histórica examinada no estudo da FGV, houve uso médio de 81,1% da capacidade produtiva. Entre janeiro e março deste ano, só os segmentos farmacêutico e de papel e celulose superaram sua média histórica. Um terceiro, o de vestuário, funcionou dentro de seu padrão normal. Todos os demais continuaram com ociosidade maior que a observada antes da crise.
A estagnação da indústria de transformação é atribuível, em primeiro lugar, ao baixo consumo das famílias. A moderação nas compras está claramente associada à insegurança, num ambiente de alto desemprego. Nem todas as famílias perderam renda, mas a maioria tem excelentes motivos para ser muito cautelosa nas despesas.
Diante do consumo retraído, os dirigentes de indústrias são levados a limitar severamente a formação de estoques. Nem acumulam estoques de produtos prontos, porque as vendas são incertas, nem compram matérias-primas e bens intermediários além do volume necessário numa situação de negócios fracos. Ao restringir as compras de matérias-primas e bens intermediários, transmitem a crise aos elos anteriores da cadeia de produção.
Com baixo uso de máquinas, equipamentos e instalações, há pouco ou nenhum motivo para investir na capacidade produtiva. Não teria sentido acumular bens de capital ou ampliar galpões, quando o parque produtivo ainda está largamente subutilizado.
Tem havido, apesar disso, algum investimento, porque parte das empresas deve estar sendo forçada a substituir máquinas e equipamentos muito velhos. Em algumas, pode estar ocorrendo uma substituição de bens de capital por outros mais modernos, mas, de modo geral, faltam estímulos para investir. Isso se reflete na indústria de máquinas. No primeiro trimestre, o segmento usou 69,9% da capacidade instalada, ficando muito abaixo da média histórica de 80,3%. A diferença entre o uso atual da capacidade e a média de utilização nesse segmento é a maior encontrada em todo o levantamento.
A eleição e a posse de um novo presidente da República poderiam ter clareado o horizonte e contribuído para a intensificação da atividade, mas quem acreditou nisso acabou frustrado. Superada a incerteza eleitoral e instalado o novo governo, permaneceu a insegurança em relação à política e às perspectivas da economia. O escasso envolvimento do presidente na condução dos assuntos mais urgentes, como a reforma da Previdência, foi certamente um dos fatores negativos. A desorientação evidente e as trapalhadas mais ostensivas do governo, com muitas trombadas no primeiro escalão e enorme dificuldade na relação com o Legislativo, dificilmente poderiam ter melhorado as expectativas de quem olha os fatos a partir da planície do dia a dia dos negócios.
O exame dos 15 segmentos industriais enriquece, enfim, o quadro geral já apontado pela FGV: entre o trimestre móvel encerrado em novembro e aquele terminado em fevereiro o aumento do Produto Interno Bruto (PIB) foi zero. Nulos são ainda os sinais de melhora.
A liberdade de Camille Paglia - JOÃO PEREIRA COUTINHO
FOLHA DE SP - 23/04
Muitos estudantes não aguentam a exuberância do pensamento livre
Camille Paglia, a decana das feministas americanas, enfrenta contestação séria na universidade de Filadélfia, onde é professora há 35 anos. Informa a revista Spiked que os alunos organizaram uma petição na qual exigem a remoção de Paglia —ou a sua substituição por uma "pessoa queer de cor". Motivo?
Paglia concedeu uma entrevista à própria Spiked que, segundo os alunos, não respeita nem os estudantes transgênero nem as vítimas de crimes sexuais.
Não tinha visto a entrevista. Vi agora. Aplaudi de pé a inteligência ferina de Paglia. Não, não concordo com tudo. Mas Paglia, como qualquer pensadora independente, tem um talento único para formular hipóteses que rasgam ideias feitas.
Para começar, o feminismo de hoje é uma caricatura do feminismo que abanou consciências nas décadas de 1960 e 1970. E, a propósito disso, Paglia conta uma história pessoal: quando chegou à universidade em 1969, os dormitórios femininos fechavam as portas às 23h. (Os masculinos não tinham horários.)
Feministas como Paglia contestavam esse paternalismo dos machos (e de muitas fêmeas) que, em nome da castidade alheia, tratavam as mulheres como "walking victims" ("vítimas andantes").
Liberdade significava libertação: de todas as estruturas repressivas que impediam as mulheres de enfrentar o mundo com a cabeça erguida.
Hoje, Paglia contesta o "feminismo vitimário" que, paradoxalmente, reproduz os clichês do machismo paternalista: as mulheres são seres frágeis, vulneráveis, ingênuos, que um mundo predatório quer atacar e destruir. Como explicar essa regressão?
Hipótese: o novo feminismo é o típico produto de uma educação burguesa, protegida, fechada, que olha para a realidade em volta com desconfiança, temor, até histeria.
Atenção: Paglia não fala de crimes —para isso há polícia, tribunais, cadeia. Fala de algo mais sutil: a tentativa de transformar a universidade, o trabalho, o espaço público numa espécie de sala de estar familiar onde existem todos os confortos, todas as seguranças, todas as certezas da infância —e nenhuma das ambiguidades da vida adulta.
A esse respeito, a autora estabelece uma diferença notável entre a forma como as mulheres das classes trabalhadoras respondem às cantadas dos homens na rua e a paralisia que assalta as mulheres burguesas na mesma situação. Até o tom de voz é diferente —temerário, nas primeiras; temeroso, nas segundas.
O mesmo vale para os dramas da "identidade de gênero". Uma vez mais, Paglia não nega que existem transtornos de gênero com forte caução genética que merecem respeito e respostas.
O que Paglia questiona é se muitos desses dramas não têm causas mais vastas (psicológicas, culturais etc.) que revelam, sobretudo, uma "hiper-autoconsciência" —quem sou eu? O que sou eu?— que se transforma numa forma neurótica de autoabsorção.
Ponto de ordem: não tenho a sabedoria necessária para responder às interrogações de Paglia. Talvez por não perder demasiado tempo com nenhum dos temas.
Sobre o "novo feminismo", admito que exista essa regressão moral que transforma todas as mulheres em vítimas potenciais —e todos os homens em criminosos potenciais. Abomino esse clima inquisitorial e paranoico.
Mas também admito que, sem esse "novo feminismo", alguns temas de justiça básica —igualdade salarial entre os sexos, violência doméstica etc.— nunca teriam a atenção devida.
Sobre a realidade trans, a minha costela libertária segreda-me ao ouvido: "live and let live", vive e deixa viver. É-me indiferente o que as pessoas são, pensam que são ou desejam ser.
Mas não me é indiferente que algumas pessoas queiram impor aos outros o que eles devem dizer, pensar ou escrever. Viver e deixar viver funciona para ambos os lados.
A petição dos estudantes não é um documento a favor da tolerância ou em defesa das minorias. É uma atitude censória que, ironicamente, comprova algumas das ideias de Paglia.
Protegidos desde o berço por uma parentalidade asfixiante e provinciana, muitos estudantes universitários não aguentam a exuberância do pensamento livre. E transformam em ameaça épica o que é apenas um ponto de vista.
Será isso um sintoma de decadência civilizacional? A forma como problemas inexistentes se convertem em catástrofes, ao mesmo tempo que ignoramos os bárbaros reais que conspiram para nos destruir?
Bato essas linhas com as imagens do Sri Lanka na TV. A resposta é evidente.
João Pereira Coutinho
Escritor, doutor em ciência política pela Universidade Católica Portuguesa.
Muitos estudantes não aguentam a exuberância do pensamento livre
Camille Paglia, a decana das feministas americanas, enfrenta contestação séria na universidade de Filadélfia, onde é professora há 35 anos. Informa a revista Spiked que os alunos organizaram uma petição na qual exigem a remoção de Paglia —ou a sua substituição por uma "pessoa queer de cor". Motivo?
Paglia concedeu uma entrevista à própria Spiked que, segundo os alunos, não respeita nem os estudantes transgênero nem as vítimas de crimes sexuais.
Não tinha visto a entrevista. Vi agora. Aplaudi de pé a inteligência ferina de Paglia. Não, não concordo com tudo. Mas Paglia, como qualquer pensadora independente, tem um talento único para formular hipóteses que rasgam ideias feitas.
Para começar, o feminismo de hoje é uma caricatura do feminismo que abanou consciências nas décadas de 1960 e 1970. E, a propósito disso, Paglia conta uma história pessoal: quando chegou à universidade em 1969, os dormitórios femininos fechavam as portas às 23h. (Os masculinos não tinham horários.)
Feministas como Paglia contestavam esse paternalismo dos machos (e de muitas fêmeas) que, em nome da castidade alheia, tratavam as mulheres como "walking victims" ("vítimas andantes").
Liberdade significava libertação: de todas as estruturas repressivas que impediam as mulheres de enfrentar o mundo com a cabeça erguida.
Hoje, Paglia contesta o "feminismo vitimário" que, paradoxalmente, reproduz os clichês do machismo paternalista: as mulheres são seres frágeis, vulneráveis, ingênuos, que um mundo predatório quer atacar e destruir. Como explicar essa regressão?
Hipótese: o novo feminismo é o típico produto de uma educação burguesa, protegida, fechada, que olha para a realidade em volta com desconfiança, temor, até histeria.
Atenção: Paglia não fala de crimes —para isso há polícia, tribunais, cadeia. Fala de algo mais sutil: a tentativa de transformar a universidade, o trabalho, o espaço público numa espécie de sala de estar familiar onde existem todos os confortos, todas as seguranças, todas as certezas da infância —e nenhuma das ambiguidades da vida adulta.
A esse respeito, a autora estabelece uma diferença notável entre a forma como as mulheres das classes trabalhadoras respondem às cantadas dos homens na rua e a paralisia que assalta as mulheres burguesas na mesma situação. Até o tom de voz é diferente —temerário, nas primeiras; temeroso, nas segundas.
O mesmo vale para os dramas da "identidade de gênero". Uma vez mais, Paglia não nega que existem transtornos de gênero com forte caução genética que merecem respeito e respostas.
O que Paglia questiona é se muitos desses dramas não têm causas mais vastas (psicológicas, culturais etc.) que revelam, sobretudo, uma "hiper-autoconsciência" —quem sou eu? O que sou eu?— que se transforma numa forma neurótica de autoabsorção.
Ponto de ordem: não tenho a sabedoria necessária para responder às interrogações de Paglia. Talvez por não perder demasiado tempo com nenhum dos temas.
Sobre o "novo feminismo", admito que exista essa regressão moral que transforma todas as mulheres em vítimas potenciais —e todos os homens em criminosos potenciais. Abomino esse clima inquisitorial e paranoico.
Mas também admito que, sem esse "novo feminismo", alguns temas de justiça básica —igualdade salarial entre os sexos, violência doméstica etc.— nunca teriam a atenção devida.
Sobre a realidade trans, a minha costela libertária segreda-me ao ouvido: "live and let live", vive e deixa viver. É-me indiferente o que as pessoas são, pensam que são ou desejam ser.
Mas não me é indiferente que algumas pessoas queiram impor aos outros o que eles devem dizer, pensar ou escrever. Viver e deixar viver funciona para ambos os lados.
A petição dos estudantes não é um documento a favor da tolerância ou em defesa das minorias. É uma atitude censória que, ironicamente, comprova algumas das ideias de Paglia.
Protegidos desde o berço por uma parentalidade asfixiante e provinciana, muitos estudantes universitários não aguentam a exuberância do pensamento livre. E transformam em ameaça épica o que é apenas um ponto de vista.
Será isso um sintoma de decadência civilizacional? A forma como problemas inexistentes se convertem em catástrofes, ao mesmo tempo que ignoramos os bárbaros reais que conspiram para nos destruir?
Bato essas linhas com as imagens do Sri Lanka na TV. A resposta é evidente.
João Pereira Coutinho
Escritor, doutor em ciência política pela Universidade Católica Portuguesa.
Mágicas de linguagem - HÉLIO SCHWARTSMAN
FOLHA DE SP - 23/04
FGTS é mais um confisco do que um direito
A linguagem é uma ferramenta poderosa. Tão poderosa que basta insistir por alguns anos numa propaganda bem-feita para convencer pessoas inteligentes até de que algo que as prejudica é um direito inalienável.
Victor Klemperer (1881-1960), o filólogo judeu que conseguiu sobreviver durante a Segunda Guerra na Alemanha, registrando num diário a ascensão do nazismo, faz uma análise primorosa de como a manipulação da linguagem pode servir a propósitos ideológicos. Se você pensou na “novilíngua” de George Orwell, acertou, mas Klemperer escreveu suas observações antes do inglês, e elas diziam respeito ao mundo real, e não ao da ficção.
No Brasil, o FGTS é um bom exemplo dessa mágica operada pela linguagem. Quase todos, da esquerda à direita, passando pela própria Constituição, o tratam como um direito. Mais até, como cláusula pétrea da Carta, que só poderia ser extinta por revolução (essa é a posição da OAB).
Não é preciso, porém, mais do que noções elementares de economia e desprendimento em relação às “idées reçues” para constatar que o Fundo é mais bem descrito como um confisco do que como um direito.
Para início de conversa, num mercado de trabalho competitivo, se não houvesse FGTS, os vencimentos mensais recebidos pelos assalariados seriam 8% maiores. Na verdade, o que o FGTS faz é impor ao trabalhador uma poupança compulsória, da qual ele não pode dispor nem em emergências, cujos rendimentos são fixados pelo governo num valor que fica sistematicamente abaixo do da inflação. Nas contas da Econometrica, entre 1997 e 2017, o FGTS rendeu 202%, contra 465% da poupança, 756% do Ibovespa e 1.724% do CDI. O IPCA no período foi de 250%.
Basicamente, o governo tirou dinheiro do trabalhador. Num mundo não povoado por singularidades de linguagem, sindicatos e organizações que defendem direitos difusos pediriam o fim do FGTS, não sua perpetuação.
Hélio Schwartsman
Jornalista, foi editor de Opinião. É autor de "Pensando Bem…"
FGTS é mais um confisco do que um direito
A linguagem é uma ferramenta poderosa. Tão poderosa que basta insistir por alguns anos numa propaganda bem-feita para convencer pessoas inteligentes até de que algo que as prejudica é um direito inalienável.
Victor Klemperer (1881-1960), o filólogo judeu que conseguiu sobreviver durante a Segunda Guerra na Alemanha, registrando num diário a ascensão do nazismo, faz uma análise primorosa de como a manipulação da linguagem pode servir a propósitos ideológicos. Se você pensou na “novilíngua” de George Orwell, acertou, mas Klemperer escreveu suas observações antes do inglês, e elas diziam respeito ao mundo real, e não ao da ficção.
No Brasil, o FGTS é um bom exemplo dessa mágica operada pela linguagem. Quase todos, da esquerda à direita, passando pela própria Constituição, o tratam como um direito. Mais até, como cláusula pétrea da Carta, que só poderia ser extinta por revolução (essa é a posição da OAB).
Não é preciso, porém, mais do que noções elementares de economia e desprendimento em relação às “idées reçues” para constatar que o Fundo é mais bem descrito como um confisco do que como um direito.
Para início de conversa, num mercado de trabalho competitivo, se não houvesse FGTS, os vencimentos mensais recebidos pelos assalariados seriam 8% maiores. Na verdade, o que o FGTS faz é impor ao trabalhador uma poupança compulsória, da qual ele não pode dispor nem em emergências, cujos rendimentos são fixados pelo governo num valor que fica sistematicamente abaixo do da inflação. Nas contas da Econometrica, entre 1997 e 2017, o FGTS rendeu 202%, contra 465% da poupança, 756% do Ibovespa e 1.724% do CDI. O IPCA no período foi de 250%.
Basicamente, o governo tirou dinheiro do trabalhador. Num mundo não povoado por singularidades de linguagem, sindicatos e organizações que defendem direitos difusos pediriam o fim do FGTS, não sua perpetuação.
Hélio Schwartsman
Jornalista, foi editor de Opinião. É autor de "Pensando Bem…"
Inimigos cordiais - MERVAL PEREIRA
O Globo - 23/04
Mesmo traçando rotas distintas, Zizek e Peterson terminaram o debate fazendo apelos à compreensão entre adversários de ideias
As posições ideológicas estão tão extremadas em nossos dias que o que era considerado “o debate do século”, entre o filósofo e cientista social esloveno Slavoj Zizek, ícone da esquerda mundial, e o psicólogo canadense Jordan Peterson, representante da direita radical, cujos programas na internet atraem milhares de seguidores pelo mundo digital, foi considerado frustrante.
O evento, denominado “Felicidade: marxismo vs capitalismo”, foi realizado sexta-feira em Toronto, no Canadá, no Sony Centre, o maior teatro do país, o que fez o mediador festejar que um debate intelectual juntasse tanta gente.
Os ingressos foram vendidos até no câmbio negro, a preços mais caros do que os de um jogo de hóquei que acontecia na mesma noite. Mesmo traçando rotas distintas, os dois terminaram o debate fazendo apelos à compreensão entre os adversários de ideias.
Chegaram até a concordar, embora por caminhos diferentes. Zizek acha que os movimentos que defendem as minorias são superficiais, políticas moralistas que não mudam estruturalmente as sociedades. Ele está mais interessado na grande política.
Já Peterson também critica esses movimentos, mas por considerá-los a repetição da luta de classes marxista. Os dois defenderam seus pontos de vista sem radicalizações ou acusações pessoais, Zizek apontando os defeitos e limitações do capitalismo, Peterson afirmando que, mesmo com defeitos, é o melhor sistema para criar riqueza, mesmo para os mais pobres.
Peterson demorou alguns segundos para responder o que esperava que o debate entre ele e Zizek poderia trazer de proveitoso, e sua indecisão provocou gargalhadas na plateia. Mas, quando falou, disse, com solenidade, provocando aplausos maiores que as gargalhadas, que gostaria que entendessem que é possível pessoas com posições opostas se comunicarem.
Segundo ele, há uma ideia crescente de que não existe liberdade de expressão porque as pessoas são apenas avatares de seu grupo identitário. E que não há pontos de contato entre pessoas que pensam diferente. Isso é terrivelmente perigoso e pernicioso, alertou.
Zizek, que evitou defender o Manifesto Comunista, e é crítico do que chama de esquerda liberal, disse que esperava que as pessoas não tivessem medo de pensar. Se você é de esquerda, não se sinta obrigado a seguir o politicamente correto, aconselhou.
Se alguém pensa diferente de você, imediatamente essa pessoa é rotulada como fascista. As coisas não são tão simples assim, advertiu Zizek, para dar um exemplo polêmico, mas que mostra a amplitude de seu pensamento: Trump é uma catástrofe a longo prazo, mas não é um fascista.
Nada parecido com outro “debate do século”, acontecido em 1968, nos Estados Unidos, num momento conturbado depois dos assassinatos de Martin Luther King, líder dos direitos civis dos negros, e do candidato democrata à presidência Bob Kennedy, e manifestações contra a Guerra do Vietnã em todo o país. A eleição daquele ano acabou vencida por Richard Nixon, que derrotou o democrata Hubert Humphrey.
A rede de televisão ABC resolveu inovar a cobertura das eleições e convidou dois grandes intelectuais para debaterem por uma semana, durante quinze minutos, um pela direita republicana, William F. Buckley, considerado o intelectual público mais importante do movimento conservador americano e editor da revista “National Review”.
Crítico do “establishment” universitário, enfrentou pelos democratas o escritor Gore Vidal (19252012), amigo dos Kennedys, ativista político e homossexual. O debate rendeu um documentário chamado “The Best of Enemies” (O melhor dos inimigos), filme de Morgan Neville e Robert Gordon, que demonstra que esses debates são o ponto inicial de uma disputa cultural entre liberais e conservadores nos Estados Unidos.
Para se ter uma ideia da agressividade dos dois, que tinham a língua afiada, a certa altura Gore Vidal manda Buckley calar a boca, e o chama de “criptonazista”. A resposta foi violenta. Irado, Buckley chama Vidal de “bicha” e ameaça “socar essa sua maldita cara”. O debate de Zizek com Peterson pode ser visto no YouTube. O documentário “Best of Enemies” está na Apple TV e na Netflix.
Mesmo traçando rotas distintas, Zizek e Peterson terminaram o debate fazendo apelos à compreensão entre adversários de ideias
As posições ideológicas estão tão extremadas em nossos dias que o que era considerado “o debate do século”, entre o filósofo e cientista social esloveno Slavoj Zizek, ícone da esquerda mundial, e o psicólogo canadense Jordan Peterson, representante da direita radical, cujos programas na internet atraem milhares de seguidores pelo mundo digital, foi considerado frustrante.
O evento, denominado “Felicidade: marxismo vs capitalismo”, foi realizado sexta-feira em Toronto, no Canadá, no Sony Centre, o maior teatro do país, o que fez o mediador festejar que um debate intelectual juntasse tanta gente.
Os ingressos foram vendidos até no câmbio negro, a preços mais caros do que os de um jogo de hóquei que acontecia na mesma noite. Mesmo traçando rotas distintas, os dois terminaram o debate fazendo apelos à compreensão entre os adversários de ideias.
Chegaram até a concordar, embora por caminhos diferentes. Zizek acha que os movimentos que defendem as minorias são superficiais, políticas moralistas que não mudam estruturalmente as sociedades. Ele está mais interessado na grande política.
Já Peterson também critica esses movimentos, mas por considerá-los a repetição da luta de classes marxista. Os dois defenderam seus pontos de vista sem radicalizações ou acusações pessoais, Zizek apontando os defeitos e limitações do capitalismo, Peterson afirmando que, mesmo com defeitos, é o melhor sistema para criar riqueza, mesmo para os mais pobres.
Peterson demorou alguns segundos para responder o que esperava que o debate entre ele e Zizek poderia trazer de proveitoso, e sua indecisão provocou gargalhadas na plateia. Mas, quando falou, disse, com solenidade, provocando aplausos maiores que as gargalhadas, que gostaria que entendessem que é possível pessoas com posições opostas se comunicarem.
Segundo ele, há uma ideia crescente de que não existe liberdade de expressão porque as pessoas são apenas avatares de seu grupo identitário. E que não há pontos de contato entre pessoas que pensam diferente. Isso é terrivelmente perigoso e pernicioso, alertou.
Zizek, que evitou defender o Manifesto Comunista, e é crítico do que chama de esquerda liberal, disse que esperava que as pessoas não tivessem medo de pensar. Se você é de esquerda, não se sinta obrigado a seguir o politicamente correto, aconselhou.
Se alguém pensa diferente de você, imediatamente essa pessoa é rotulada como fascista. As coisas não são tão simples assim, advertiu Zizek, para dar um exemplo polêmico, mas que mostra a amplitude de seu pensamento: Trump é uma catástrofe a longo prazo, mas não é um fascista.
Nada parecido com outro “debate do século”, acontecido em 1968, nos Estados Unidos, num momento conturbado depois dos assassinatos de Martin Luther King, líder dos direitos civis dos negros, e do candidato democrata à presidência Bob Kennedy, e manifestações contra a Guerra do Vietnã em todo o país. A eleição daquele ano acabou vencida por Richard Nixon, que derrotou o democrata Hubert Humphrey.
A rede de televisão ABC resolveu inovar a cobertura das eleições e convidou dois grandes intelectuais para debaterem por uma semana, durante quinze minutos, um pela direita republicana, William F. Buckley, considerado o intelectual público mais importante do movimento conservador americano e editor da revista “National Review”.
Crítico do “establishment” universitário, enfrentou pelos democratas o escritor Gore Vidal (19252012), amigo dos Kennedys, ativista político e homossexual. O debate rendeu um documentário chamado “The Best of Enemies” (O melhor dos inimigos), filme de Morgan Neville e Robert Gordon, que demonstra que esses debates são o ponto inicial de uma disputa cultural entre liberais e conservadores nos Estados Unidos.
Para se ter uma ideia da agressividade dos dois, que tinham a língua afiada, a certa altura Gore Vidal manda Buckley calar a boca, e o chama de “criptonazista”. A resposta foi violenta. Irado, Buckley chama Vidal de “bicha” e ameaça “socar essa sua maldita cara”. O debate de Zizek com Peterson pode ser visto no YouTube. O documentário “Best of Enemies” está na Apple TV e na Netflix.
O culpado número 2 - ELIANE CANTANHÊDE
O Estado de S.Paulo - 23/04
Com o culpado n.º 1 blindado pela reverência, a culpa sobra para o n.º 2: Onyx Lorenzoni
Na sua última conversa olho no olho com o deputado Rodrigo Maia, em 9 de março, no Palácio da Alvorada, o presidente Jair Bolsonaro lhe perguntou sobre as perspectivas da reforma da Previdência na CCJ da Câmara. Maia foi otimista: tudo tranquilo, a votação na CCJ seria rápida e fácil. O problema seria depois, na Comissão Especial.
Não foi isso que aconteceu. A CCJ, que é meramente formal, impõe uma derrota atrás da outra ao governo, a reforma está atrasada e paira a ameaça de mudanças na proposta antes mesmo da Comissão Especial, que é a arena adequada para isso. O resultado é natural: procuram-se culpados.
Obviamente, o culpado número um é Bolsonaro, que, em não ajudando, só atrapalha. Passou obscuros 28 anos no Congresso Nacional, não aprendeu nada e ainda por cima permite que o “louco”, “mágico”, “guru de seita”, “futurólogo”, “astrólogo” e “adivinho” Olavo de Carvalho (os adjetivos são do líder do PSL, Delegado Waldir) acabe minando o seu governo.
Como é possível divulgar na página do presidente da República um vídeo desse senhor, que mora há 14 anos nos EUA, xingando aos palavrões os militares do governo, jogando desconfiança sobre o partido do governo e multiplicando intrigas e desavenças do governo?
Apesar do absurdo, o vídeo foi divulgado também pelo filho do presidente e, ontem, o porta-voz do Planalto, depois de tentar criticar o guru, encerrou dizendo que “o presidente tem convicção de que ‘o professor’, pelo seu espírito patriótico, está tentando contribuir com a mudança e o futuro do Brasil”. Logo, a família toma partido do “louco” contra os generais e os políticos que mergulharam fundo no projeto Bolsonaro.
Com uma sinalização dessa grandeza – de que o governo está dividido, sem rumo, é uma bagunça, vive uma guerra –, o PSL se sente desobrigado de lealdade, de unidade, de discrição. E de votar a reforma da Previdência, o projeto dos projetos para tirar o País do atoleiro. Um entra com pedido de impeachment do vice-presidente da República, outro lidera uma debandada em massa do partido, o líder diz que, se os militares tiram casquinha da reforma, os delegados, como ele próprio, também têm direito.
Como o presidente reage à balbúrdia? Muda o “estilo”. Com ares de gente como a gente, visita escolinhas, abraça crianças, elogia a imprensa, distribui sorrisos, seguindo o manual mais primário do velho populismo nacional e latinoamericano. Há controvérsias se tal remédio é eficaz para os males do governo.
Mas, como o presidencialismo é forte e a oposição está fraca, o culpado número 1 tem aquela blindagem forjada no constrangimento, na reverência, na psicologia pró-poder. E é aí que entra o culpado número 2, desprovido de todas essas armaduras e dando bons motivos para os adversários. Quem vem a ser? Onyx Lorenzoni, o chefe da Casa Civil e articulador político oficial do Planalto.
Com elegância e jeito, a turma do ministro Paulo Guedes já começa a se perguntar se Onyx não está “sobrecarregado” com tantas tarefas e tantas frentes no Executivo e no Congresso. Sem nenhuma elegância e jeito, o líder e delegado Waldir já também aponta o dedo e cobra resultados. Quanto a Rodrigo Maia? Bem... esse não tem muito a dizer de Onyx. Os dois já não se davam bem mesmo.
O fato é que Bolsonaro não preside, seu articulador não articula, seus líderes não lideram e seus correligionários batem cabeça. Enquanto isso, Maia tem uma tropa de 300 deputados – o Centrão –, e Guedes extrapola a trincheira técnica para atacar na seara política. A reforma da Previdência depende deles, mas com um dado cruel. Se der errado, os canhões se voltam contra eles. Se der certo, os louros e insígnias vão para os ombros de Bolsonaro.
Na sua última conversa olho no olho com o deputado Rodrigo Maia, em 9 de março, no Palácio da Alvorada, o presidente Jair Bolsonaro lhe perguntou sobre as perspectivas da reforma da Previdência na CCJ da Câmara. Maia foi otimista: tudo tranquilo, a votação na CCJ seria rápida e fácil. O problema seria depois, na Comissão Especial.
Não foi isso que aconteceu. A CCJ, que é meramente formal, impõe uma derrota atrás da outra ao governo, a reforma está atrasada e paira a ameaça de mudanças na proposta antes mesmo da Comissão Especial, que é a arena adequada para isso. O resultado é natural: procuram-se culpados.
Obviamente, o culpado número um é Bolsonaro, que, em não ajudando, só atrapalha. Passou obscuros 28 anos no Congresso Nacional, não aprendeu nada e ainda por cima permite que o “louco”, “mágico”, “guru de seita”, “futurólogo”, “astrólogo” e “adivinho” Olavo de Carvalho (os adjetivos são do líder do PSL, Delegado Waldir) acabe minando o seu governo.
Como é possível divulgar na página do presidente da República um vídeo desse senhor, que mora há 14 anos nos EUA, xingando aos palavrões os militares do governo, jogando desconfiança sobre o partido do governo e multiplicando intrigas e desavenças do governo?
Apesar do absurdo, o vídeo foi divulgado também pelo filho do presidente e, ontem, o porta-voz do Planalto, depois de tentar criticar o guru, encerrou dizendo que “o presidente tem convicção de que ‘o professor’, pelo seu espírito patriótico, está tentando contribuir com a mudança e o futuro do Brasil”. Logo, a família toma partido do “louco” contra os generais e os políticos que mergulharam fundo no projeto Bolsonaro.
Com uma sinalização dessa grandeza – de que o governo está dividido, sem rumo, é uma bagunça, vive uma guerra –, o PSL se sente desobrigado de lealdade, de unidade, de discrição. E de votar a reforma da Previdência, o projeto dos projetos para tirar o País do atoleiro. Um entra com pedido de impeachment do vice-presidente da República, outro lidera uma debandada em massa do partido, o líder diz que, se os militares tiram casquinha da reforma, os delegados, como ele próprio, também têm direito.
Como o presidente reage à balbúrdia? Muda o “estilo”. Com ares de gente como a gente, visita escolinhas, abraça crianças, elogia a imprensa, distribui sorrisos, seguindo o manual mais primário do velho populismo nacional e latinoamericano. Há controvérsias se tal remédio é eficaz para os males do governo.
Mas, como o presidencialismo é forte e a oposição está fraca, o culpado número 1 tem aquela blindagem forjada no constrangimento, na reverência, na psicologia pró-poder. E é aí que entra o culpado número 2, desprovido de todas essas armaduras e dando bons motivos para os adversários. Quem vem a ser? Onyx Lorenzoni, o chefe da Casa Civil e articulador político oficial do Planalto.
Com elegância e jeito, a turma do ministro Paulo Guedes já começa a se perguntar se Onyx não está “sobrecarregado” com tantas tarefas e tantas frentes no Executivo e no Congresso. Sem nenhuma elegância e jeito, o líder e delegado Waldir já também aponta o dedo e cobra resultados. Quanto a Rodrigo Maia? Bem... esse não tem muito a dizer de Onyx. Os dois já não se davam bem mesmo.
O fato é que Bolsonaro não preside, seu articulador não articula, seus líderes não lideram e seus correligionários batem cabeça. Enquanto isso, Maia tem uma tropa de 300 deputados – o Centrão –, e Guedes extrapola a trincheira técnica para atacar na seara política. A reforma da Previdência depende deles, mas com um dado cruel. Se der errado, os canhões se voltam contra eles. Se der certo, os louros e insígnias vão para os ombros de Bolsonaro.
A irracionalidade anda a galope - ROBERTO FREIRE
Poder 360 – 22/04
Governo Bolsonaro está à deriva
Temos um ex-presidente preso
Tenta-se rebaixar o Judiciário
A República está desalinhada
Um espectro ronda o Brasil, o espectro da irresponsabilidade.
Desde o processo eleitoral do ano passado, em virtude da disseminação de novas tecnologias da informação e de certa falência do modelo político brasileiro, o debate sobre o futuro do país vem se dando sobre trilhas tortas, no qual ideias e propostas altruístas e legítimas convivem com mitos, mentiras, todo tipo de manipulação e enganos. E em uma escala monumental, envolvendo em tempo real milhões de brasileiros, eleitores, cidadãos.
O próprio resultado das eleições, inquestionável, pode ser analisado por esse prisma. Em um movimento de repúdio a gestões hegemonizadas pelo PT e apoiada em amplos segmentos do conservadorismo e da direita, a maioria dos eleitores que foram às urnas optou por um conjunto de ideias soltas, meramente ideológicas, e não por um projeto de desenvolvimento com rosto, linha, com um porto a ser alcançado.
Passado o processo eleitoral, veio a política real. Um governo à deriva, um presidente que diz não entender nada de economia e que nasceu para ser militar e não para ser líder maior do País, um ministro da Justiça que alçou o combate à corrupção à instância de ideologia, um ministro da Fazenda que acredita ser o presidente, um chanceler que busca revisar a história de maneira tosca e abusiva, um guru ao estilo Rasputin com um imaginário séquito de alunos convertidos a uma religião do atraso, um ministro do meio ambiente avesso e cético em relação às mudanças climáticas, um vice que surpreende e vivifica ideias realmente republicanas, um governo com base parlamentar em crise e seu próprio partido virando mais amontoado que ajuntamento e se dividindo publicamente.
É impressionante como tudo na República está desalinhado. À esquerda e à direita, cada um tentando se salvar em seu quadrado político, ou de interesse pessoal. O outrora partido no poder, que teve tudo para deixar ao país uma boa herança pela esquerda, ficou preso ao seu líder maior hoje na prisão e não vem a público trazer nada de novo.
Outrora grandes partidos de centro e social democrata também caíram na inação em virtude de a Justiça ter lançado redes sobre seus principais expoentes políticos. Partidos fisiológicos, principalmente ao centro e à direita, continuam esperando pela fisiologia. A contra-política, ou melhor, a “nova política” imperando e a economia afundando.
Uma democracia convive com ex-presidente da República e líderes outrora proeminentes presos, com empresários intocáveis recolhidos a celas, com impeachment, com o rigor da Justiça –que sempre deve ser rigorosa, amparada na Constituição e no arcabouço legal. Todavia, pode fenecer, se conviver com movimentos que visam desacreditar a política, os políticos e, principal e especialmente, as instituições democráticas e republicanas.
Estamos a ver nas últimas semanas uma escalada perigosa para desmoralizar o Judiciário, com foco maior no seu vértice, o STF (Supremo Tribunal Federal). Colaboraram para essa situação controversas decisões e posicionamentos do STF e de alguns dos seus ministros, ressaltando-se a recente e equivocada imposição de censura a alguns veículos de imprensa no país.
A história passada e recente nos oferece exemplos de que tal escalada resulta em colapso democrático nos países que a experimentaram. À esquerda, a Venezuela de Chávez/Maduro. À direita a Hungria e a Turquia, dentre outros.
Hoje vivemos uma corrida no Congresso Nacional para ver quem consegue atingir mais rapidamente os clássicos 15 minutos de fama, daí a multiplicidade de discursos, solicitações de comissões parlamentares de inquérito, pedidos de impeachment e outras iniciativas ligeiras, apressadas.
Tudo sendo replicado nas redes sociais por milhões de mensagens, avivando não o espírito democrático dos cidadãos críticos, mas a sanha autoritária e golpista que sempre esteve presente em movimentos de direita, em alguns partidos de esquerda antidemocráticos e, claramente, em grupos da campanha e que agora formam alas dentro do governo Bolsonaro.
Na democracia e dentro da lei a crítica deve ser livre e destemida. Nenhum Poder da República e suas instituições estão livres do crivo da cidadania, mas a liberdade corre risco se houver a desmoralização de qualquer uma delas. Se há de fato denúncia de crime de responsabilidade contra o presidente ou ministro do Judiciário então se façam articulações políticas sólidas no Congresso e se decidam em relação ao caso, porém sem o fogo-fátuo e as luzes da ribalta que se apagam.
Levar um ministro ao impeachment por um processo maduro não agride a democracia, porém abrir a caixa de pandora aos 7 cantos é irresponsabilidade. Até a esperança se solta.
*Roberto Freire é presidente do Cidadania
Governo Bolsonaro está à deriva
Temos um ex-presidente preso
Tenta-se rebaixar o Judiciário
A República está desalinhada
Um espectro ronda o Brasil, o espectro da irresponsabilidade.
Desde o processo eleitoral do ano passado, em virtude da disseminação de novas tecnologias da informação e de certa falência do modelo político brasileiro, o debate sobre o futuro do país vem se dando sobre trilhas tortas, no qual ideias e propostas altruístas e legítimas convivem com mitos, mentiras, todo tipo de manipulação e enganos. E em uma escala monumental, envolvendo em tempo real milhões de brasileiros, eleitores, cidadãos.
O próprio resultado das eleições, inquestionável, pode ser analisado por esse prisma. Em um movimento de repúdio a gestões hegemonizadas pelo PT e apoiada em amplos segmentos do conservadorismo e da direita, a maioria dos eleitores que foram às urnas optou por um conjunto de ideias soltas, meramente ideológicas, e não por um projeto de desenvolvimento com rosto, linha, com um porto a ser alcançado.
Passado o processo eleitoral, veio a política real. Um governo à deriva, um presidente que diz não entender nada de economia e que nasceu para ser militar e não para ser líder maior do País, um ministro da Justiça que alçou o combate à corrupção à instância de ideologia, um ministro da Fazenda que acredita ser o presidente, um chanceler que busca revisar a história de maneira tosca e abusiva, um guru ao estilo Rasputin com um imaginário séquito de alunos convertidos a uma religião do atraso, um ministro do meio ambiente avesso e cético em relação às mudanças climáticas, um vice que surpreende e vivifica ideias realmente republicanas, um governo com base parlamentar em crise e seu próprio partido virando mais amontoado que ajuntamento e se dividindo publicamente.
É impressionante como tudo na República está desalinhado. À esquerda e à direita, cada um tentando se salvar em seu quadrado político, ou de interesse pessoal. O outrora partido no poder, que teve tudo para deixar ao país uma boa herança pela esquerda, ficou preso ao seu líder maior hoje na prisão e não vem a público trazer nada de novo.
Outrora grandes partidos de centro e social democrata também caíram na inação em virtude de a Justiça ter lançado redes sobre seus principais expoentes políticos. Partidos fisiológicos, principalmente ao centro e à direita, continuam esperando pela fisiologia. A contra-política, ou melhor, a “nova política” imperando e a economia afundando.
Uma democracia convive com ex-presidente da República e líderes outrora proeminentes presos, com empresários intocáveis recolhidos a celas, com impeachment, com o rigor da Justiça –que sempre deve ser rigorosa, amparada na Constituição e no arcabouço legal. Todavia, pode fenecer, se conviver com movimentos que visam desacreditar a política, os políticos e, principal e especialmente, as instituições democráticas e republicanas.
Estamos a ver nas últimas semanas uma escalada perigosa para desmoralizar o Judiciário, com foco maior no seu vértice, o STF (Supremo Tribunal Federal). Colaboraram para essa situação controversas decisões e posicionamentos do STF e de alguns dos seus ministros, ressaltando-se a recente e equivocada imposição de censura a alguns veículos de imprensa no país.
A história passada e recente nos oferece exemplos de que tal escalada resulta em colapso democrático nos países que a experimentaram. À esquerda, a Venezuela de Chávez/Maduro. À direita a Hungria e a Turquia, dentre outros.
Hoje vivemos uma corrida no Congresso Nacional para ver quem consegue atingir mais rapidamente os clássicos 15 minutos de fama, daí a multiplicidade de discursos, solicitações de comissões parlamentares de inquérito, pedidos de impeachment e outras iniciativas ligeiras, apressadas.
Tudo sendo replicado nas redes sociais por milhões de mensagens, avivando não o espírito democrático dos cidadãos críticos, mas a sanha autoritária e golpista que sempre esteve presente em movimentos de direita, em alguns partidos de esquerda antidemocráticos e, claramente, em grupos da campanha e que agora formam alas dentro do governo Bolsonaro.
Na democracia e dentro da lei a crítica deve ser livre e destemida. Nenhum Poder da República e suas instituições estão livres do crivo da cidadania, mas a liberdade corre risco se houver a desmoralização de qualquer uma delas. Se há de fato denúncia de crime de responsabilidade contra o presidente ou ministro do Judiciário então se façam articulações políticas sólidas no Congresso e se decidam em relação ao caso, porém sem o fogo-fátuo e as luzes da ribalta que se apagam.
Levar um ministro ao impeachment por um processo maduro não agride a democracia, porém abrir a caixa de pandora aos 7 cantos é irresponsabilidade. Até a esperança se solta.
*Roberto Freire é presidente do Cidadania
Reforma da Previdência pede urgência - EDITORIAL O GLOBO
O GLOBO - 23/04
Economia não cresce, e desemprego aumenta ao mesmo tempo em que projeto não avança no Congresso
Enquanto a tramitação do projeto de reforma da Previdência se atrasa, a economia demonstra que a recuperação ensaiada há pouco é mesmo de fôlego curto, algo como um “voo de galinha”, se tanto.
Os políticos próximos ao governo — ainda parece um exagero chamá-los de “base parlamentar”— demoram a se articular, e a oposição, sem qualquer proposta alternativa, vê facilitado o trabalho a que se propôs, o de obstruir.
Espera-se que hoje, afinal, a Comissão de Constituição e Justiça aprove na Câmara o parecer positivo sobre o projeto, para que se possa formar a comissão especial em que as discussões e negociações se aprofundarão.
Deputados e senadores não devem esquecer que o desemprego voltou a subir. No trimestre encerrado em fevereiro, a taxa, calculada pelo IBGE, subiu de 11,6%, no mesmo período imediatamente anterior, para 12,4%, o que não pode ser explicado apenas por sazonalidade do período — passagem das festas de fim de ano, por exemplo. É possível que a situação não tenha melhorado em março.
O que há mesmo é um PIB que rasteja — o indicador antecedente do Banco Central, IBC-Br, sinaliza que o país pode estar enfrentando novamente uma recessão neste início de 2019. E os políticos têm responsabilidade direta por ela, devido à lentidão no início da tramitação propriamente dita da reforma, azedando o humor dos agentes econômicos, que tomam decisões com base nas expectativas. Como elas têm se degradado — e nisso gente do Planalto também tem culpa —, investimentos não são feitos, e as engrenagens da economia não se movem como é preciso.
Daí os 13,1 milhões de desempregados, havendo ainda outros 14,8 milhões com trabalho informal de menos de 40 horas semanais e que tentam, mas não conseguem, voltar ao mercado formal. E há também 4,9 milhões de desalentados. Já não procuram emprego.
As estatísticas são preocupantes e deveriam sensibilizar parlamentares. Reportagem do GLOBO trouxe no domingo um outro indicador da debacle previdenciária: segundo levantamento feito a pedido do jornal pela Confederação Nacional do Comércio (CNC), existia, no fim de 2017, um total de 1.874 cidades em que havia mais aposentados do que trabalhadores com carteira assinada, contribuintes, portanto, do INSS. Estavam nesta condição 33% dos 5.570 municípios.
É um quadro aritmeticamente insustentável, até para as próprias cidades, porque não será a renda de aposentados e pensionistas que gerará empregos nos municípios, já em processo de esvaziamento demográfico.
Esta realidade reflete o desbalanceamento provocado pelo regime de repartição da Previdência e o fenômeno demográfico do envelhecimento da população, concomitante a uma da taxa de natalidade em queda: cada vez há menos jovens para com sua contribuição pagar os benefícios previdenciários dos mais velhos. Daí a crise estrutural colocada à frente dos parlamentares, a começar pelos da CCJ.
Economia não cresce, e desemprego aumenta ao mesmo tempo em que projeto não avança no Congresso
Enquanto a tramitação do projeto de reforma da Previdência se atrasa, a economia demonstra que a recuperação ensaiada há pouco é mesmo de fôlego curto, algo como um “voo de galinha”, se tanto.
Os políticos próximos ao governo — ainda parece um exagero chamá-los de “base parlamentar”— demoram a se articular, e a oposição, sem qualquer proposta alternativa, vê facilitado o trabalho a que se propôs, o de obstruir.
Espera-se que hoje, afinal, a Comissão de Constituição e Justiça aprove na Câmara o parecer positivo sobre o projeto, para que se possa formar a comissão especial em que as discussões e negociações se aprofundarão.
Deputados e senadores não devem esquecer que o desemprego voltou a subir. No trimestre encerrado em fevereiro, a taxa, calculada pelo IBGE, subiu de 11,6%, no mesmo período imediatamente anterior, para 12,4%, o que não pode ser explicado apenas por sazonalidade do período — passagem das festas de fim de ano, por exemplo. É possível que a situação não tenha melhorado em março.
O que há mesmo é um PIB que rasteja — o indicador antecedente do Banco Central, IBC-Br, sinaliza que o país pode estar enfrentando novamente uma recessão neste início de 2019. E os políticos têm responsabilidade direta por ela, devido à lentidão no início da tramitação propriamente dita da reforma, azedando o humor dos agentes econômicos, que tomam decisões com base nas expectativas. Como elas têm se degradado — e nisso gente do Planalto também tem culpa —, investimentos não são feitos, e as engrenagens da economia não se movem como é preciso.
Daí os 13,1 milhões de desempregados, havendo ainda outros 14,8 milhões com trabalho informal de menos de 40 horas semanais e que tentam, mas não conseguem, voltar ao mercado formal. E há também 4,9 milhões de desalentados. Já não procuram emprego.
As estatísticas são preocupantes e deveriam sensibilizar parlamentares. Reportagem do GLOBO trouxe no domingo um outro indicador da debacle previdenciária: segundo levantamento feito a pedido do jornal pela Confederação Nacional do Comércio (CNC), existia, no fim de 2017, um total de 1.874 cidades em que havia mais aposentados do que trabalhadores com carteira assinada, contribuintes, portanto, do INSS. Estavam nesta condição 33% dos 5.570 municípios.
É um quadro aritmeticamente insustentável, até para as próprias cidades, porque não será a renda de aposentados e pensionistas que gerará empregos nos municípios, já em processo de esvaziamento demográfico.
Esta realidade reflete o desbalanceamento provocado pelo regime de repartição da Previdência e o fenômeno demográfico do envelhecimento da população, concomitante a uma da taxa de natalidade em queda: cada vez há menos jovens para com sua contribuição pagar os benefícios previdenciários dos mais velhos. Daí a crise estrutural colocada à frente dos parlamentares, a começar pelos da CCJ.