domingo, abril 21, 2019

Na Corte de Dias Toffoli - RUY FABIANO

BLOG DO NOBLAT - REVISTA VEJA 
20/04

Lula em cena



Na sequência imediata da bagunça institucional que promoveu, restabelecendo por uma semana a censura no país, o presidente do STF, Dias Toffoli, não se deu por vencido: concedeu a Lula, preso e condenado em segunda instância, o direito de dar uma entrevista.

Com isso, revalidou liminar concedida em setembro do ano passado, em pleno período eleitoral, por seu colega Ricardo Lewandowski, revogada a seguir pelo ministro Luís Fux.

No vaivém das decisões da Suprema Corte, fortalece-se a segurança jurídica do país. Nunca antes.

A decisão prepara o ambiente para o julgamento, pela quarta vez em pouco mais de dois anos, da prisão em segundo grau.

A atual composição do STF deixará para a história uma novidade: a jurisprudência de alta rotatividade, revisada a cada seis meses. E tudo em função de um único personagem: Lula.

É provável (senão seguro) que nenhum outro prisioneiro, em todo o planeta, e em qualquer época, tenha mobilizado tantas vezes a Corte Suprema de seu país como o ex-presidente.

Sabendo-se que cada pleito ao STF envolve honorários de sete dígitos, ignora-se como são providos, na medida em que o cliente, ao que se saiba, vive dos proventos de aposentado; proventos robustos, é verdade, mas insuficientes para tais demandas.

A revogação da jurisprudência da prisão em segundo grau recolocará Lula em circulação na cena política, devolvendo à esquerda, desarticulada pela derrota acachapante nas eleições, o seu símbolo e motivação. O benefício não será extensivo a todos; apenas a ele e a mais alguns, como provavelmente José Dirceu, ainda solto.

Abrirá seguramente espaço para que uma fila de meliantes políticos postule isonomia, para gáudio (e renda) dos criminalistas.

A OAB, patrona do pleito, que seria julgado este mês, pediu seu adiamento ao STF por razões estratégicas. Não convinha julgá-lo no momento em que o Senado examinava uma CPI sobre o Judiciário.

Agora, com o recuo no caso da censura à revista Crusoé e aos sites da internet – em que o ministro e professor de direito constitucional, Alexandre de Moraes, pagou o maior mico técnico de sua carreira -, a data do julgamento já pode ser remarcada.

Sabe-se que a entrevista, a ser concedida à Folha de S. Paulo, será a peça de resistência do filme – “Lula, o preso político” – que o PT está produzindo para restaurar a imagem do ex-presidente.

Preso político ou político preso? – eis aí um dos casos em que a ordem dos fatores altera substancialmente o produto.

Que o PT empreenda essas iniciativas, ainda que ao arrepio da ética e mesmo da lei, é compreensível; trabalha por seus interesses e para impor sua narrativa. O que é estranho, para dizer o mínimo, é encontrar simpatia onde deveria haver limites.

Ruy Fabiano é jornalista

O MST de Bolsonaro - PEDRO HENRIQUE ALVES

INSTITUTO LIBERAL

20 ABR '19

Bolsonaro está em vias de adotar os sindicatos dos caminhoneiros como o seu MST pessoal. Após congelar o aumento do diesel na Petrobras durante alguns dias, e agora ativar empréstimos via BNDES aos caminhoneiros, além de adotar um tom quase que paternal frente aos condutores de boleias, Bolsonaro se esquece que ter governabilidade não passa pelo ato de se acovardar frente a grupos politicamente conduzidos.

O que alguém precisa explicar ao Presidente é que, proteger uma classe em detrimento de toda a economia nacional é coisa de petista; e se não há “articulação política” com deputados do centrão, muito menos haveria de existir com os sindicatos. Segurar preços a todo custo, dar vantagens políticas, e afagar grupos com discursos e empréstimos, são os exatos métodos populistas e burros nos quais os governos vermelhos se apoiaram e pelos quais afundaram o país no maior recesso que essas terras já viram.

Se tornar refém de um grupo que age através de ameaças de paralisações, que pedem benefícios especiais, sem, todavia, se importar minimamente com a seguridade econômica do país inteiro, é o mesmo que adotar um novo “MST” para chamar de seu. Afinal, é “Brasil acima de tudo”, não é mesmo?

Simplesmente não é hora de recuos. Colocar uma haste segura entre o palácio do planalto e os grupos que se acham dignos de vantagens, é o mesmo que garantir independência e poder de ação ao executivo. Fazer isso é o mesmo que finalmente expurgar esta ressaca protecionista com qual o Presidente veementemente concordou no passado, mas jurou rechaçar no presente; ou abre mão desse fraco verniz de liberalismo que tenta recobrir as suas ações econômicas até o momento, ou assume de vez os métodos do livre mercado e deixa a sua capacitada equipe econômica agir. Ser um estadista fraco e modelável não é uma opção quando estamos tratando com grupos de pressões que não se importam com a estabilidade monetária de um país inteiro, quando esses são especialistas em dobrar políticos às suas causas, sob todo custo.

Mostre de vez, Presidente, que o seu “namoro” com o livre mercado não é somente luxúria e paixão de uma eleição de verão; não podemos afagar castas e grupos de pressão com intervencionismos e, ao mesmo tempo, nos dizermos “liberais na economia”.

Não é possível que após mais de 100 anos de intervencionismos que nos deixaram na lata de lixo da história, com desenvolvimentos científicos e educacionais patéticos, com a vergonhosa tatuagem de “terceiros mundistas”, com um desenvolvimento econômico beirando ao de países africanos que estão em guerra há mais de 200 anos. Não é possível que vamos continuar tentando as mesmas estratégias que nos trouxeram cambaleantes e feridos até aqui.

Basta ler um “tiquinho” de história para perceber que o Estado intervindo na economia não deu certo nunca, em lugar nenhum desse Planeta, seja por um dia, seja por “mil anos”. Veja, me diga apenas um benefício que tal intervencionismo estatal brasileiro nos legou. Por que insistimos em errar tantas vezes repetindo as mesmas fórmulas?


Série Heróis da Liberdade: Roberto Campos - JOÃO LUIZ MAUAD

INSTITUTO LIBERAL



17 ABR '19

Nosso homenageado de hoje na série ‘Heróis da Liberdade’ é Roberto de Oliveira Campos (17/04/1917 – 09/10/2001), um brasileiro que dispensa apresentações, ou pelo menos deveria dispensar. Economista, diplomata e político, Roberto Campos é um dos ícones do liberalismo brasileiro, apesar de, na juventude, ter-se enamorado pelo intervencionismo keynesiano, que o levou a estar entre os idealizadores dos malfadados BNDES e do FGTS. Sua conversão ao liberalismo deu-se após o contato com os liberais austríacos. Seguem algumas de suas lições:

“O governo não passa de um aglomerado de burocratas e políticos, que almoçam poder, promoção e privilégios. Somente na sobremesa pensam no ‘bem comum’.”

“Os dois monstros gêmeos, o comunismo e o nazismo, têm vocação genocida. Naquele, o genocídio de classe; neste, o genocídio de raça.”

“A violência comunista não foi mera aberração da psique eslava, mas sim algo diabolicamente inerente à engenharia social marxista, que, querendo reformar o homem pela força, transforma os dissidentes primeiro em inimigos, e depois em vítimas.”

“Por muito tempo, por defender o liberalismo econômico, fui considerado um herege imprudente. Os acontecimentos mundiais me promoveram a profeta responsável.”

“Tributar pesadamente, tirando do mais capaz e do mais motivado para dar ao menos capaz ou menos disposto, em geral redunda em punir aqueles, sem corrigir estes.”

“A primeira coisa a fazer no Brasil é abandonarmos a chupeta das utopias em favor da bigorna do realismo.”

“O doce exercício de xingar os americanos em nome do nacionalismo nos exime de pesquisar as causas do subdesenvolvimento e permite a qualquer imbecil arrancar aplausos em comícios.”

“Tudo o que se pode fazer é administrar as desigualdades, buscando igualar as oportunidades, sem impor resultados.”

“Segundo Marx, para acabar com os males do mundo, bastava distribuir. Foi fatal. Os socialistas nunca mais entenderam a escassez.”

“A brutalidade confiscatória do fisco é um fator sério de retardamento econômico. É francamente de causar indignação ver médios representantes da burocracia oficial declamando que pagar impostos é ‘cidadania’. Cidadania é exatamente o contrário: é controlar os gastos do governo.”

“Eu acreditava muito nos mecanismos governamentais, mas eles têm células cancerígenas que crescem incontrolavelmente. Há algo de doentio na máquina estatal. A experiência de jovem me tornou cético para as reais possibilidades do Estado.”

“Os comunistas brasileiros têm razão ao dizer que não é verdade que comam criancinhas. No “socialismo real”, a preferência é por matar adultos.”

“É pela automaticidade do castigo, e não por inspiração divina, que os empresários privados não param de pensar em custos.”

“A vantagem do capitalismo é que, por ter exemplos de sucesso, admite fracassos e tem mecanismos de correção. Para os socialistas, ao invés, o fracasso é apenas um sucesso mal explicado.”

“Mais importante que as riquezas naturais são as riquezas artificiais da educação e tecnologia.”

“Temos de ter normas objetivas e claras, e cumpri-las para valer. Feito as regras do trânsito. Não se indaga qual a idade ou o grau de culpa de quem furou o sinal vermelho, mas apenas o fato. Com a nossa capacidade de fazer maluquices em nome de boas intenções, criamos uma legislação de menores que é um tremendo estímulo à perversão e ao crime…”

“A inveja é o mau hálito da alma.”

“A inflação é um monstro brutal e cruel que tortura particularmente os assalariados. Infelizmente, é impossível controlá-la por simples tabelamento de preços e punição dos especuladores.”

“Seria uma ressurreição satânica retirarmos Lula e Brizola – esse casamento do analfabetismo econômico com o obsoletismo ideológico – do lixo da história para o palco do poder.”

“Sempre achei que um dos mais graves problemas dos países subdesenvolvidos é sua incompetência na descoberta dos seus verdadeiros inimigos. Assim, por exemplo, os responsáveis pela nossa verdadeira pobreza não são o liberalismo nem o capitalismo, em que somos noviços destreinados, e sim a inflação, a falta de educação básica e um assistencialismo governamental incompetente, que faz com que os assistentes passem melhor do que os assistidos.”

“A política industrial que nos convém se reduz a umas poucas regras de bom senso. A primeira é que o mais importante incentivo ao progresso é assegurar-se liberdade empresarial, pela abolição de monopólios estatais e reservas de mercado. A segunda é aumentar a previsibilidade econômica, pela estabilização de preços. A terceira é que, antes da concessão de incentivos, é necessário remover obstáculos, pois que, isso feito, na maioria das vezes o mercado cuidará de si mesmo.”

“Quem se preocupa sinceramente com os pobres deve buscar, obsessivamente, elevar a demanda de mão-de-obra através de medidas como: 1) A privatização de empresas estatais, pois o governo falido perdeu a capacidade de investir; 2) A eliminação de restrições ao capital estrangeiro, que geraria empregos e traria tecnologia; 3) A diminuição dos encargos sociais e burocráticos, que oneram o custo da contratação.”

“As pessoas têm interesses distintos, talvez egoísticos, e de qualquer forma freqüentemente conflitantes pela simples razão de que as demandas possíveis são sempre muito maiores do que os meios de satisfazê-las. A sociedade democrática dá aos seus membros o direito de expressarem as suas divergências. Não tenta obrigar ninguém a amar o seu próximo como a si mesmo.”

“No Brasil, a res publica é cosa nostra.”

“Nossa Constituição é uma mistura de dicionário de utopias e regulamentação minuciosa do efêmero.”

“Sou chamado a responder rotineiramente a duas perguntas. A primeira é ‘haverá saída para o Brasil?’. A segunda é ‘que fazer?’. Respondo àquela dizendo que há três saídas: o aeroporto do Galeão, o de Cumbica e o liberalismo. A resposta à segunda pergunta é aprendermos de recentes experiências alheias.”

“O governo não consegue segurar a criminalidade? Pouco importa, basta desarmar o cidadão comum, de bem, esse que não comete crimes, e diante da insegurança oficializada, pediria pelo menos a ilusão de uma chance de se defender, por pequena que fosse.”

“O que tem sido a esquerda do terceiro mundo senão a distribuição efetiva da pobreza, pela incompetência na criação de riquezas?”

“No Brasil, empresa privada é aquela que é controlada pelo governo, e empresa pública é aquela que ninguém controla.”

“No socialismo, as intenções são melhores que os resultados. No capitalismo, os resultados são melhores que as intenções.”

“Não me iludi com o totalitarismo de esquerda por um raciocínio muito simples: Deus não é socialista, criou os homens profundamente desiguais.”

“Quando cheguei aqui ao Congresso, queria fazer o bem. Hoje, acho que dá o que dá para fazer é evitar o mal.”

“Continuamos a ser a colônia, um país não de cidadãos, mas de súditos, passivamente submetidos às ‘autoridades’ – a grande diferença, no fundo, é que antigamente a ‘autoridade’ era Lisboa. Hoje é Brasília.”

“Os socialistas, que tanto falam nas massas, não foram criadores nem do consumo de massa e nem da cultura de massa. Essas massificações equalizantes foram produzidas pela cultura individualista americana.”

“A burrice no Brasil tem um passado glorioso e um futuro promissor.”

“Estatização no Brasil é como mamilo de homem: não é útil nem ornamental.”

“Os esquerdistas, contumazes idólatras do fracasso, recusam-se a admitir que as riquezas são criadas pela diligência dos indivíduos e não pela clarividência do Estado.”

“Foi precisamente o capitalismo ‘selvagem’ dos americanos, que fala mais em individualismo que em solidariedade, mais em competição que em compaixão, que se provou o mais ‘includente’, criando empregos não só para os nativos mas para milhões de ‘excluídos’ de outros continentes.”

“A independência do juiz não é uma faculdade absoluta, poder fazer o que queira sem dar satisfações. O juiz não tem, nem pode pleitear, moral ou profissionalmente, nenhuma independência diante da lei. Ele é, tem de ser, pelo contrário, um servidor incondicional da lei.”

“O bem que o Estado pode fazer é limitado; o mal, infinito. O que ele nos pode dar é sempre menos do que nos pode tirar.”

“Como diz Hayek, o poder sindical é essencialmente o poder de privar alguém de trabalhar aos salários que estaria disposto a aceitar.”

“Os socialistas, e em especial os marxistas, sempre pensaram que existia um estado natural de abundância. Nada mais simples, portanto, que a economia de Robin Hood: tirar dos ricos para dar aos pobres.”

“O mundo não será salvo pelos caridosos, mas pelos eficientes.”

“A cultura católica tem preconceito contra o lucro. Nisso, aliás, coincidem militares e sacerdotes.”

“A universidade brasileira apresenta um superávit ideológico e um déficit pragmático.”

“O subdesenvolvimento não resulta da espoliação internacional ou falta de recursos naturais. É sempre um fenômeno natural, misto de idiotice e mau-caratismo. Infelizmente, ambas as coisas são abundantes nesse sub-continente.”

“Monopólio não é outra coisa senão a cassação dos direitos econômicos, com efeitos sociais perversos, porque tende a criar uma burguesia estatal.”

“Os que creem que a culpa de nossos males está em nossas estrelas e não em nós mesmos ficam perdidos quando as nuvens encobrem o céu.”

“O que certamente nunca houve no Brasil foi um choque liberal. O liberalismo econômico assim como o capitalismo não fracassaram na América Latina. Apenas não deram o ar de sua graça.”

“O colapso do socialismo não foi mero acidente histórico, resultante da barbárie da União Soviética ou da perversão de carniceiros como Stalin e Mao Tsé-Tung. Era algo cientificamente previsível. Os aludidos cientistas sociais teriam certamente chegado a essa conclusão se, ao invés de treslerem a história, tivessem lido os grandes liberais austríacos.”

Mediocridade a perder de vista - SAMUEL PESSÔA

FOLHA DE SP - 21/04

Sem a liderança da Presidência, a reforma será magra; lenta recuperação sem rupturas à frente


Parece que Bolsonaro foi bem-sucedido em seu objetivo. Conseguiu responsabilizar o Congresso Nacional pela necessidade de aprovação da reforma da Previdência.

Apesar de o Congresso responder aos interesses dos grupos e corporações lá representados e de ter dificuldade de ecoar o interesse difuso, a percepção de que não encaminhar nosso problema fiscal nos condena à recessão econômica é suficiente para movimentá-lo.

Ou seja, aparentemente a reforma será aprovada sem que Bolsonaro tenha que liderar o processo ou sem que ele tenha que operar nosso sistema político na chave tradicional.

Sempre achei muito ruim essa escolha do presidente. Penso haver evidências de ser possível operar nosso presidencialismo de coalizão de forma saudável.

Assim, dada a recusa do presidente em empregar os instrumentos tradicionais da política, a reforma será aprovada "por gravidade". Por esse motivo iniciei a coluna afirmando que há sinais de que Bolsonaro foi bem-sucedido. Há custos, no entanto. Ao operar a política dessa forma, o que será aprovado será muito pouco e muito tarde. Essa é minha expectativa.

Temos que avaliar, portanto, qual será a reação da economia a esse desfecho medíocre da reforma.

Na minha avaliação, não haverá rupturas. Há quatro amortecedores aos impactos do desequilíbrio de nosso contrato social --que estabelece uma estrutura de gasto do setor público incompatível com a receita-- sobre a economia.

Primeiro, a sólida posição de reservas: a desvalorização do câmbio reduz a dívida pública líquida.

Segundo, a emenda constitucional 95, que estabeleceu um limite ao crescimento do gasto primário da União e prevê uma série de medidas corretivas que serão automaticamente adotadas quando o limite for ultrapassado. O limite certamente será ultrapassado. O item mais importante dessas medidas de contenção é a manutenção do valor real do salário mínimo, medida, aliás, corretamente já adotada para 2020.

Terceiro, a própria reforma da Previdência muito diluída produz algum alívio no crescimento dos gastos públicos.

Quarto, a inflação baixa com seus fundamentos em ordem --núcleos da inflação e inflação de serviços bem comportados (serviços devem fechar o ano rodando a 3,6%)-- indica que não haverá tão cedo um ciclo de alta de juros. Em razão da surpresa negativa na atividade, pode até haver um ciclo de baixa.

Essas medidas são suficientes para gerar algum grau de previsibilidade e alguma moderação na trajetória do endividamento.

A incapacidade de tratar o conflito distributivo de forma mais permanente, no entanto, dificulta mirar o longo prazo. O investimento não deve voltar.

A economia ficará apática, rodando em torno de 2% ao ano --ou um pouco menos-- à espera de tempos melhores. O desemprego não cairá.

O câmbio deve se desvalorizar lentamente, em algum momento a inflação começará a apertar, o risco-país deve subir lentamente, e o prêmio de risco cobrado pelo alongamento da dívida pública aumentará.

O maior custo do alongamento do prazo da dívida pública produzirá processo natural de encurtamento do seu prazo de vencimento. A elevação da dívida e o encurtamento de seu prazo reduzirão a potência da política monetária.

Lentamente observaremos a deterioração dos fundamentos.

Se nada mais drástico no campo fiscal for feito, lentamente caminharemos em direção à Argentina. A inflação por lá já bate 55% ao ano, pois Macri não conseguiu renegociar o pacto social. Caminhamos para lá. Mas levará tempo.

Samuel Pessôa
Pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e sócio da consultoria Reliance. É doutor em economia pela USP

A cidade e os bárbaros - LUIZ SÉRGIO HENRIQUES

O Estado de S.Paulo - 21/04

É preciso tornar à ideia da grande aliança contra os que corroem as bases da democracia liberal


No ato final do comunismo histórico, a partir de 1989, um breve e conhecido texto de Norberto Bobbio, O reverso da utopia, conseguiu dar forma e sentido ao espantoso espetáculo que então se encenava. O mais radical dos sonhos políticos da História – dizia Bobbio – havia se transformado em distopia à moda do pesadelo imaginado por Orwell. Mesmo distantes dos grandes crimes do stalinismo, os regimes inspirados na revolução bolchevique, a URSS em primeiro lugar, arrastavam-se penosamente num quadro de ineficiência econômica, pasmaceira social e autoritarismo político, no qual se abria um fosso insuperável entre ideia e realidade, palavras e fatos, grandes ideais e realidades prosaicas da vida.

As populações submetidas sublevaram-se, em geral pacificamente, em torno das mais elementares – e insubstituíveis – consignas democráticas, como a liberdade de pensamento ou de reunião. As tentativas de autorreforma, como a glasnost (transparência) e a perestroika (reestruturação), mostraram-se afinal incapazes de dar um sopro de vida a regimes esclerosados, ainda que possivelmente tenham contribuído para a saída relativamente indolor de uma situação histórica difícil. Vivia-se o momento inaugural de um mundo que os mais otimistas, ou os mais ingênuos, julgavam livre dos conflitos abertos por uma restrita e quase inapelável visão bipolar. Como sabemos, ser adepto do comunismo ou do capitalismo era mais do que ter um credo político: implicava escolhas de vida, definia destinos individuais, de um lado ou de outro da “cortina de ferro”.

A sabedoria do velho Bobbio, contudo, não descartava pura e simplesmente o comunismo e os comunistas. Estes seriam, como no extraordinário poema de Kaváfis, os bárbaros cuja presença ameaçadora, às portas da cidade, condicionava a rotina de todos, paralisava as ações, congelava tudo numa atmosfera de ansiedade e medo. E, agora, a ausência dos bárbaros – pois subitamente a notícia é que não mais viriam – implicava um chamamento brutal à realidade. Não havia mais inimigos e a vida, como requer outro verso notável, devia ser vivida como uma ordem, sem mistificação.

Num plano mais geral – perguntava-se ainda o filósofo –, as democracias saberiam dali por diante responder aos imensos problemas que tinham gerado a utopia que, no curso do tempo, se transformara no seu exato contrário e fora vencida? Conseguiriam por si sós, sem o medo incutido pelo adversário temível, ampliar as liberdades, enfrentar novas e velhas desigualdades que dividiam norte e sul do planeta e, ao mesmo tempo, voltavam a se ampliar no interior de cada sociedade, mesmo as do Ocidente desenvolvido?

Bárbaros e habitantes da cidade, para seguirmos a sugestão do sábio e a metáfora do poeta, não haviam sido jamais seres indiferentes uns aos outros. Os bárbaros de 1917, ao assaltarem os céus, invocavam frequentemente o extremismo jacobino da revolução burguesa de 1789. Distinguiam-se com veemência dos girondinos do próprio campo. A velha social-democracia, afinal, era o tronco comum de que agora se afastavam ruidosamente os bolcheviques, para quem todos os outros passavam a ser “renegados” da causa proletária. E sobre esses traidores deveria recair um anátema ainda mais virulento do que o dedicado aos inimigos de classe. Uma esquerda afeita ao confronto nascia aí, motivando seus gestos extremados com a expectativa messiânica da revolução mundial.

Nos anos 1930, em textos até mesmo de comunistas heréticos, impressiona o uso mais ou menos corrente de palavras como “total” ou “totalitário”. O seu marxismo, ainda que se desviasse da ortodoxia, também se pretendia a matriz integral de uma nova civilização. Ele bastava a si mesmo, recusava acréscimos externos. O Estado soviético, que parecia imune a crises como a de 1929, podia ter uma forma política tosca, primitiva. Não importava: havia quem dissesse, pragmaticamente, que a pior ditadura do proletariado era sempre preferível à melhor democracia burguesa...

A similitude com o Estado hitlerista era patente. O partido único, a arregimentação militarista das massas, o culto irracional ao líder carismático, entre outros elementos aterradores, confirmavam a semelhança e pretendiam atestar a obsolescência das formas democráticas. A superioridade racial apregoada de um lado parecia corresponder, grosso modo, à situação do lado adversário, em que uma classe supostamente universal construía seu próprio Estado e se arrogava o direito de submeter – ou liquidar, como no caso dos camponeses – grupos sociais inteiros.

No entanto, a esquerda jacobina convertida em Estado, que dividia o mundo em campos inconciliáveis e, por isso, era bárbara, tinha elementos que a levavam além do confronto e do desafio sectário. Às vezes, como no caso das frentes populares antifascistas, aproximava-se dos socialistas e dos “democratas burgueses” e via-se obrigada a questionar seus próprios dogmas, a imaginar caminhos diferentes do que tomara em 1917 e a levara a condescender com formas “totais” de poder. Apesar de si mesma – isto é, apesar dos traços odiosos da sua rudimentar construção estatal –, esteve maciçamente ao lado do Ocidente democrático e contribuiu de modo inestimável para vencer o mal absoluto. Stalin à parte, todo democrata em algum momento se sentiu drummondianamente irmanado “com o russo em Berlim”.

Esta breve memória talvez ajude a entender por que, depois do comunismo, há múltiplas razões para uma esquerda agora sem a menor complacência com as sociedades “totais”, sem excluir as que resistem anacronicamente. Nos países democráticos, as fúrias voltam a se desatar, os moedeiros falsos retomam o labor de sempre e os demagogos desempoeiram velhos figurinos. Por isso é preciso tornar à ideia da grande aliança contra todos os que se mobilizam para corroer as bases da democracia liberal.

*Tradutor e ensaísta, é autor de ‘Reformismo de esquerda e democracia política’ (Fundação Astrojildo Pereira, 2018)

Os seis pontos de uma agenda para o centro democrático - MARCUS PESTANA

O Tempo (MG) - 21/04

Entre o populismo de direita e a esquerda regressiva


“Alguma coisa está fora da ordem, da nova ordem mundial”, assim cantou o poeta baiano diante do conturbado mundo contemporâneo. Efetivamente, as duas grandes ideias vitoriosas no desfecho do século XX – a liberdade e a democracia – se encontram ameaçadas. Na Turquia, na Hungria, na Venezuela, nos Estados Unidos e até aqui mesmo nestas terras tropicais. Há claramente uma mudança de humor na sociedade. O cidadão médio, pelo padrão tradicional, não é muito afeito a radicalismos e pouco disposto a riscos elevados. Em geral, gosta de estabilidade.

Mas vivemos tempos cinzentos. As coisas parecem de perna para o ar. Diante de um mundo onde o avanço tecnológico não necessariamente incorpora as pessoas; onde mercadorias e capitais podem transitar livremente mundo afora, mas as pessoas não; onde a globalização não consegue produzir respostas suficientes à miséria; e a intolerância emerge como resposta à diversidade cultural, étnica, política e religiosa, o radicalismo abastece a insatisfação das multidões.

Hoje, no mundo inteiro, crescem o apoio a segmentos e líderes populistas, radicais e sectários, diante da incapacidade do sistema político tradicional de produzir soluções para as angústias e as demandas da maioria da população.

No Brasil, temos uma Constituição democrática e vivenciamos nos últimos 34 anos o maior ciclo de liberdade de nossa história. Mas as eleições de 2018 se deram num clima de radicalismo inédito. E essa chama não se apagou. Ao contrário, as pontes de diálogo se estreitam, e os monólogos nas bolhas das redes sociais substituem o exercício da boa política que deveria buscar sempre consensos progressivos.

As instituições republicanas e democráticas precisam ser preservadas. É necessário dar um basta na atual marcha de insensatez. O presidente deprecia o Congresso Nacional, o Congresso quer uma CPI Lava Toga, o STF censura a imprensa, o Ministério Público age às vezes como se não houvesse ordenamento jurídico vigente, e a sociedade começa a se decepcionar precocemente com a chamada “nova política”. Essa trajetória é nitroglicerina pura. Não há a menor chance de dar certo.

No mundo inteiro, os conceitos de direita, esquerda e centro estão problematizados. Os velhos paradigmas ideológicos não nos servem mais. O centro político brasileiro, que deve ser a tradução de equilíbrio, diálogo, espírito democrático, antirradicalismo, foi vigorosamente derrotado em 2018. Mas, mais dia, menos dia, será chamado a restabelecer o equilíbrio, o bom senso, o distencionamento e a boa política.

As forças do centro político têm que se reaglutinar. Qual seria a agenda que poderia nos unificar nas ideias e na ação, nos diferenciando do populismo de direita e da esquerda regressiva? Arrisco uma agenda de seis pontos:

1) radical compromisso com a liberdade e a democracia;

2) defesa da economia de mercado, sendo o papel do Estado o estrita e socialmente necessário;

3) forte posicionamento contra as desigualdades por meio de políticas públicas eficientes;

4) defesa da sustentabilidade;

5) compromisso com a administração pública profissionalizada e com foco em resultados; e,

6) defesa intransigente da ética na política e na gestão pública.

As ideias podem ser outras. Mas o que não podemos é assistir inertes ao crescimento da intolerância e do radicalismo e a marcha insensata rumo ao impasse.

*Marcus Pestana é secretário geral do PSDB

VAR bem-vindo e chegou para ficar, mas falta experiência aos árbitros - TOSTÃO

FOLHA DE SP - 21/04

Uso da tecnologia ainda causa reação no futebol


​Nesta semana, o VAR foi um dos principais destaques, no Brasil e na Europa. Isso é preocupante. Ele é bem-vindo, chegou para ficar e para ajudar os árbitros a errarem menos, mas faltam experiência, conhecimento e sabedoria aos árbitros de vídeo e de campo, aos auxiliares e aos analistas, que amam ou odeiam o VAR. É mais um Fla-Flu.

Além disso, existem, entre muitos que detestam o VAR, um sentimento pessimista, trágico, de que o ser humano e o futebol são injustos, antiéticos, que a maioria pensa só em levar vantagem e que não seria o VAR que corrigiria a injustiça e o mundo.

Tratam o VAR como um justiceiro, como são criticados e rotulados os que tentam fazer justiça a todo custo.

Depois da eliminação do Manchester City para o Tottenham, com duas decisões corretas do VAR, a favor do Tottenham, uma no último minuto de jogo, Guardiola disse que gosta do VAR e que não gostaria de se classificar com um gol em impedimento. Enquanto isso, os dois técnicos, D’Alessandro e outros jogadores se digladiavam no Gre-Nal, por causa do VAR e de outros motivos.

Houve duras críticas ao VAR e a Guardiola, por não ser capaz de ganhar a Liga dos Campeões, a não ser pelo Barcelona, com Messi, como se um grande técnico tivesse o poder de vencer quando quisesse e como se enfrentasse um fraco adversário. No sábado (20), sem VAR, no Campeonato Inglês, o City venceu novamente o Tottenham, por 1 a 0.

A partida entre City e Tottenham foi excelente, com duas viradas e sete gols. Lembrei do texto do artista plástico e escritor Nuno Ramos: “Tudo parece fácil e concatenado quando ganhamos; tudo parece disperso e difícil quando perdemos. No entanto, é por tão pouco que se ganha e se perde. O apito final estabiliza violentamente aquilo que, no transcorrer do jogo, parece um rio catastrófico de mil possibilidades, a nos arrastar com ele”.

O Tottenham não eliminou o City porque ficou todo atrás, para contra-atacar. Foi ousado, sofreu quatro gols, mas fez três.

Espero que neste domingo (21), nas decisões dos estaduais, haja bom futebol, sem violência e com pouca influência negativa do VAR, principalmente sem o longo tempo à espera de uma decisão. Isso é muito chato.

A frequente discussão sobre o que é melhor e mais eficiente, pressionar e ter o domínio da bola e do jogo ou recuar e fechar os espaços para contra-atacar, é um papo furado e ultrapassado.

Todos os técnicos do mundo querem vencer. Todos são pragmáticos. A diferença é que alguns, como Guardiola, Sampaoli e outros, acham que a melhor maneira de ganhar é a ousadia, buscar o gol, com troca de passes e futebol bem jogado, bonito.

Assim jogam Ajax, Tottenham, Liverpool e Barcelona, os quatro semifinalistas da Liga dos Campeões, além do Manchester City.

‘NETOS DE CRUYFF’
Adorei a manchete do jornal A Bola, de Portugal: “Os netos de Cruyff”. Cruyff não foi o melhor jogador da história —foi um dos maiores—, mas foi, entre os grandes jogadores, o que mais se destacou como treinador, por ter sido o mestre de Guardiola na formação do revolucionário Barcelona.

Tenho em meu escritório uma coleção de miniaturas de personagens, meus ídolos, de variadas atividades humanas. Falta a de Cruyff. Cruzei com ele em um shopping, na África do Sul, durante a Copa de 2010. Alguém disse a ele que eu era o Tostão, campeão do mundo de 1970.

Ele parou, enalteceu a seleção brasileira, enquanto eu tentava exaltar a seleção holandesa de 1974, dois times que encantaram o mundo, para sempre.

Tostão
Cronista esportivo, participou como jogador das Copas de 1966 e 1970. É formado em medicina

Bolsonarinho paz e amor - ELIANE CANTANHÊDE

O Estado de S.Paulo - 21/04

Presidente tenta governar para seus eleitores, mas Guedes não está nem aí para votos e gurus


O fatídico telefonema do presidente Jair Bolsonaro suspendendo o reajuste do diesel (na versão oficial, só “pedindo explicações”) pode ter chocado o mercado e surpreendido muita gente, mas não os ministros e assessores, já habituados com um argumento recorrente do presidente a favor ou contra alguma medida: “mas o meu eleitor...”, “e o meu eleitor?”

Ocorre que os eleitores já votaram e já elegeram Bolsonaro, embolados no mesmo repúdio à esquerda, ao PT e a Lula, no mesmo conservadorismo de costumes e no mesmo liberalismo tardiamente adquirido do candidato. Agora, o jogo é outro e quem estava no mesmo time na campanha pode estar em lados opostos no governo.

Exemplos mais evidentes: ambientalistas e agricultores, agricultores e caminhoneiros, evangélicos e bolsonaristas LGBT, servidores e liberais reformistas... Aliás, dois times aguerridos a favor do Bolsonaro na campanha disputam hoje o Fla-Flu do governo: os sóbrios militares e os desenvoltos “olavetes”, da seita de Olavo de Carvalho.

Incapaz de arbitrar, Bolsonaro assistiu de camarote a Vélez Rodríguez ser tragado pela própria incompetência e pela guerra dos dois grupos e, agora, vê seu sucessor, Abraham Weintraub, demitindo o brigadeiro Ricardo Machado Vieira do segundo posto do MEC. Demiti-lo significa tomar partido do time dos “olavetes”.

Petulância do novo ministro? Ou ele está simplesmente em linha com os filhos do presidente, o 01, o 02 e o 03, a maior fonte de poder do tal guru que, como todo guru, não passa de um guru.

Enquanto Bolsonaro continua atrás dos eleitores perdidos e seu governo se enrola em ideologias, numa guerra direita versus esquerda, o mercado continua iludido, querendo acreditar que o presidente é Paulo Guedes.

Alguém precisa dizer aos grandes empresários, investidores, banqueiros e economistas que o presidente se chama Jair Messias Bolsonaro. Que é como é. Sempre foi. E é quem tem a faca e o queijo, a caneta e o Diário Oficial na mão.

Enquanto Bolsonaro toma decisões tentando agradar a fantasmas desiguais do passado – “meu eleitor, meu eleitor” –, Guedes está imbuído de uma missão quase santa: a de fazer o Brasil dar certo. Mas ele não vai conseguir sozinho. Nem sem a convicção, o compromisso e a ação de Bolsonaro.

Guedes parece passional, tem lá seus entreveros, mas é determinado e frio no cumprimento de suas metas. Ainda bem, porque não está fácil atuar em tantas frentes e levar tantas bordoadas. Ou sustos.

Bolsonaro derrubar as Bolsas e derreter R$ 32 bilhões da Petrobrás num único dia, sem sequer informar a seu ministro da Economia?Para acalmar os ânimos dos caminhoneiros atiçando o dos investidores? O governo sofrer derrota em cima de derrota na CCJ da Câmara? Por incompetência do Planalto e inapetência política do presidente?

Guedes vive dizendo que não é político, não entende nada disso, mas arregaçou as mangas, aliou-se a Rodrigo Maia, assimilou Davi Alcolumbre, convocou Rogério Marinho, vai ao Congresso, abre as portas do gabinete aos políticos. Faz o que pode. Mas não pode tudo.

Enquanto Bolsonaro argumenta com “meus eleitores”, sem perceber os conflitos de interesse entre eles, Guedes, com seus erros e acertos, pensa nos 200 milhões de brasileiros, no ajuste fiscal, no futuro. Não está nem aí para votos, gurus, “olavetes”, guerras com militares. E, se alguém não pode cair, é ele. Guedes é o pilar do governo.

Nova versão

O presidente estava nos seus melhores dias na quinta-feira, em São Paulo, reconhecendo o papel da imprensa, abraçando jornalista e distribuindo simpatia. Encarnou muito bem o “Bolsonarinho paz e amor”.

O peso da imagem - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 21/04

Os ecos de um passado polêmico, não poucas vezes ultrajante, que ainda se fez presente na campanha eleitoral de Bolsonaro e marcou diversos momentos dos primeiros cem dias de seu governo, promoveram desgastes na imagem do Brasil no exterior.Desde que foi eleito, o presidente sofre com essa péssima imagem, o que ficou evidenciado na recusa do Museu de História Natural de Nova York de servir de palco para a homenagem que lhe será feita pela Câmara de Comércio Brasil-Estados Unidos como a Pessoa do Ano.

Esse retrocesso deve-se muito também à campanha petista de acusar as eleições de 2018 de terem sido fraudadas, pelo fato de o ex-presidente Lula, condenado em segunda instância pela Justiça brasileira, ter sido impedido de se candidatar.

Está preso há um ano, condenado a mais de 12 anos, mas os petistas tentam vender ao mundo, às vezes com sucesso, a ideia de que é um preso político, e não mais um político latino-americano preso por corrupção.

A festa da Pessoa do Ano é um evento tradicional que escolhe um brasileiro e um americano para homenagear, com o objetivo de incrementar a relação comercial entre os dois países. Ex-presidentes como Fernando Henrique e Bill Clinton já foram homenageados, assim como figuras como o ex-prefeito de Nova York Michael Bloomberg e o então Juiz Sérgio Moro, hoje ministro da Justiça.

Bloomberg, por sinal, protagonizou anteriormente uma situação inusitada, pois alegou falta de agenda para não aceitar o prêmio junto com o atual governador de São Paulo, João Doria. Quem foi homenageado na ocasião foi o ex-embaixador dos Estados Unidos no Brasil, Thomas Shannon.

Mas o prefeito de Nova York aparentemente arrependeu-se, pois, além de ter aceitado receber o prêmio no ano seguinte, mandou uma mensagem de congratulações a Doria, e passou a elogia-lo em público, tendo vindo a São Paulo para visita-lo.

Este ano, quem vai receber o prêmio do lado americano será o Secretário de Estado Mike Pompeo, o que reforça o lado político da disputa atual, devido à proximidade de Bolsonaro com o presidente Trump. O prefeito de Nova York Bill de Blasio, da ala esquerda dos Democratas, considera Bolsonaro “um homem perigoso”, e pode ser creditado a ele uma pressão política para que o Museu de História Natural não sediasse a festa, como fez nos últimos anos.

Houve também manifestação de ambientalistas, que acusam Bolsonaro de ser contrário às políticas de preservação do meio-ambiente. Essa posição, aliás, também é destacada negativamente pela revista Time, que colocou Bolsonaro entre as 100 pessoas mais influentes do mundo, sem dúvida uma compensação para as críticas que vem recebendo no exterior.

Poucos brasileiros entraram na lista antes: o ex-presidente Lula apareceu apenas em 2010, seu último ano de governo. Dilma Rousseff ficou dois anos na lista. Moro, Jorge Paulo Lehman e Gabriel Medina foram outros agraciados.

Bolsonaro é o único brasileiro desta vez, está na categoria “líderes” ao lado do presidente americano, Donald Trump, do líder da oposição e autodeclarado presidente da Venezuela, Juan Guaidó, e dos premiês Matteo Salvini (Itália), Jacinda Ardern (Nova Zelândia) e Benjamin Netanyahu (Israel).

Ele representa para a Time “uma ruptura brusca com uma década de corrupção de alto nível e a melhor chance do Brasil de implementar reformas econômicas que possam domar a dívida crescente”.

Mas a revista o caracteriza também como “um garoto-propaganda da masculinidade tóxica, um homofóbico ultraconservador que pretende travar uma guerra cultural e, talvez, reverter o progresso do Brasil no combate às mudanças climáticas”.

A Câmara de Comércio Brasil-Estados Unidos já tem outro lugar em Manhattan para a festa, como anunciou o ministro Paulo Guedes na entrevista à Globonews. Vários hotéis e locais de eventos se ofereceram para sedia-la, como o Hilton New York; Sheraton New York & Towers Hotel; Former City Opera House e o Jacob K. Javits Convention Center, entre outros. A escolha está sendo feita pelo tamanho dos salões, pois já estão vendidos mais de mil convites e há uma lista de espera grande.

Bolsonaro já havia anunciado a troca de vários embaixadores, nas principais capitais do mundo, alegando que não ajudavam a melhorar sua imagem. Como se fosse esse o problema. Terá mais uma chance no discurso de aceitação do prêmio Pessoa do Ano. O que fez em Davos foi um desperdício.

"A ameaça do politicamente correto à cultura" - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR

GAZETA DO POVO - PR - 21/04

"Nessa semana, mais uma polêmica envolvendo o politicamente correto veio à tona. Uma escola pública de Barcelona, seguindo as recomendações da Associação Espaço e Leitura da mesma cidade, resolveu retirar da biblioteca 200 livros para crianças de até seis anos de idade. Entre os livros se encontravam vários clássicos da literatura infantil como Chapeuzinho Vermelho, A Bela Adormecida e Cinderela.

De acordo com a associação, os livros vetados teriam representações “fortemente estereotipadas” de relacionamentos e comportamentos, o que faria com que as crianças os considerassem normais.

Por que contos consagrados, de longevidade centenária, estariam agora sendo um problema para educação infantil? Seriam eles realmente um problema para a formação das crianças?

Antes de entrar no mérito da questão, é preciso salientar que a arte versa sobre o possível e, portanto, é justamente nessa atividade que hipérboles, metáforas e outras figuras de linguagem são empregadas para atingir determinados efeitos sobre quem a está apreciando.

É também por isso que muitas vezes histórias são utilizadas para exemplificar dramas morais e podem adquirir um caráter verdadeiramente pedagógico. Esse é um expediente usado desde Antiguidade. É só o leitor lembrar, por exemplo, das fábulas de Esopo.

Os contos de fadas são excelentes meios de explicar temas morais às crianças justamente por serem histórias “estereotipadas” em que o mal e o bem são facilmente distinguidos. Ou, como uma vez disse o famoso escritor britânico G. K. Chesterton, com muito humor: “os contos de fadas não servem para informar que dragões existem, mas para mostrar que podem ser derrotados”.

Em particular, as histórias que foram vetadas imortalizaram formas de expressar valores fundamentais para a humanidade. Como em Cinderela, que ressalta que devemos dar mais importância à bondade do que à beleza física, ou em A Bela Adormecida que mostra a importância do amor na superação das dificuldades, ou ainda em Chapeuzinho Vermelho, que indica como o mal pode estar presente em situação fortuitas; e mesmo em questões mais práticas como a atenção que devemos aos pais etc. Exemplos como esses ajudam em muito a formação dos valores morais. Por mais que eventuais imperfeições apareçam em questões secundárias – em relação ao enredo da obra –, estas não tiram o mérito central das lições valiosas que os contos dão, tanto para as crianças como para os adultos.

Mas essa não é a primeira vez que obras de literatura e ficção entram na mira do politicamente correto. O seriado Os Simpsons já foi considerado xenófobo pela forma como retrata o personagem Apu; Shakespeare, machista pela peça A megera domada; e até Monteiro Lobato, racista por conta de algumas cenas envolvendo a Tia Anastácia no Sítio do Pica-Pau Amarelo.

Todas essas obras podem conter algum detalhe que expresse preconceitos de época ou de lugar, mas nem por isso deveriam deixar de serem apreciadas. Nelas são retratados os mais variados aspectos da vida humana, e certamente o mundo seria menor sem elas. Até mesmo em relação ao humor por vezes ácido de Os Simpsons.

Desde que uma opinião, ou obra, não seja meramente uma injúria a determinada pessoa ou grupo, não haveria por que querer eliminá-la.

A tolerância em relação a opiniões desagradáveis ou incômodas é um dos grandes avanços de nossa sociedade. E é isso que o politicamento correto acaba por destruir, com sua exacerbação doentia de questões que têm sua importância e precisam ser discutidas – porém, em seu devido contexto.

Portanto, não é possível que o legado centenário da educação infantil através de contos e fábulas seja abandonado porque as personagens das histórias não se comportam como alguns grupos minoritários gostariam.

É compreensível que alguns grupos queiram, por exemplo, reduzir a discussão de um ícone da literatura como Shakespeare a questões de agenda esquerdista, mas seria inaceitável a ideia de suprimi-lo, ou alterá-lo para que ficasse mais palatável a ideias politicamente corretas.

A privação das formas de expressão consagradas em literatura seria uma perda lastimável para a nossa civilização. É preciso um empenho constante de todos para preservar o legado universal da arte das investidas de ideologias autoritárias. Senão, corremos o risco de não ter uma cultura para passar para as próximas gerações."

Nova política, velha e inepta - EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de S. Paulo - 21/04


Desorganizado, acuado e forçado a negociar antes da hora detalhes da reforma da Previdência, o governo do presidente Jair Bolsonaro falhou até hoje na execução de novas políticas de alguma relevância. O ministro da Economia, Paulo Guedes, já admitiu antecipar a Estados até R$ 6 bilhões do leilão do pré-sal previsto para outubro. Objetivo: garantir apoio de governadores à mudança das aposentadorias. Seu chefe, encastelado no Palácio do Planalto, interveio na gestão da Petrobrás, forçou o adiamento de um reajuste do diesel e acabou conseguindo um aumento menor. Resumindo: 1) votos continuam sendo comprados, sem escândalos como o do mensalão, mas o troca-troca inegavelmente permanece em vigor; 2) ao mesmo tempo, o intervencionismo é reeditado e, pior que isso, praticado de forma voluntarista, numa ação de varejo, sem ser sequer disfarçado como parte de um projeto econômico. É isso a nova política?

As figuras mais sérias do Executivo nem mesmo tentam negar a confusão dominante no governo por mais de três meses. Tentam, no entanto, dar boas notícias. Apesar de ruídos políticos, tem melhorado o diálogo dentro do Executivo e entre o Executivo e o Legislativo, disse em São Paulo, num evento da Câmara de Comércio França-Brasil, o secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida. O secretário, remanescente da gestão do presidente Michel Temer, é, dentro da equipe, uma rara figura com experiência de governo.

Seu chefe, o ministro da Economia, com reputação formada como economista e como empresário do setor financeiro, foi chamado para comandar, com sua experiência acadêmica e profissional, uma área crucial para o sucesso do governo. Mas acabou forçado a entrar em negociações políticas, porque figuras do Executivo escaladas para a função falharam de forma indisfarçável.

Sem coordenação, o grupo apontado como base parlamentar fracassou desde os primeiros dias e foi incapaz de garantir sucesso na primeira e mais simples etapa de tramitação da reforma da Previdência, a passagem pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados. Não se conseguiu levar a voto o texto do relator antes da Páscoa nem evitar a discussão, nessa fase, de questões de mérito, próprias da etapa seguinte. O ministro da Economia atribuiu esses tropeços à inexperiência de parte da base. O distinto público deve aceitar essa explicação e achar tudo certo?

Mas a equipe do Executivo também falhou mais de uma vez, sem coordenação e sem clara definição de prioridades. O ministro Paulo Guedes poderia ter-se concentrado no encaminhamento e na defesa da reforma da Previdência, mas embaralhou o debate falando antes da hora sobre o projeto de um regime de capitalização. Ao mesmo tempo, a equipe abriu a discussão sobre a reforma tributária, sem explicar com clareza os objetivos e o significado econômico da proposta. A mudança, supõe-se, deve ter fins mais amplos que a simplificação, mas pouco se informou além desse ponto.

Enquanto o governo tomava um baile da oposição e do “Centrão” na Comissão de Constituição e Justiça, o presidente da República assustava o mercado forçando a suspensão de um reajuste de preço do diesel. Depois de anunciada, a mudança ficou suspensa por vários dias, enquanto o presidente discutia o assunto com ministros e dirigentes da estatal. Anunciado uma semana depois, o aumento foi revisto de 5,7% para 4,8%.

O presidente da Petrobrás, Roberto Castello Branco, tentou explicar tecnicamente a decisão recauchutada e reafirmar a independência administrativa da empresa. Mas o recuo era um fato escancarado e, além disso, ele foi incapaz de dizer com clareza como ficaria a política de preços da empresa. Pessoas de muito boa vontade podem ter acreditado nas explicações – e ninguém mais.

Ao cuidar do diesel, o presidente Bolsonaro mostrou-se receptivo às pressões de caminhoneiros e à manutenção do cartel do frete, motivo de reclamações bem fundadas da ministra da Agricultura. Viva o cartel, dane-se a agricultura?

Passados quase quatro meses de governo, o quadro da nova política teria de incluir também os bem conhecidos desastres na educação e na diplomacia. Terá o presidente percebido esses fatos? Essa é a pergunta mais inquietante.