quinta-feira, abril 18, 2019

A crise ignorada por Bolsonaro - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 18/04

É preciso ser generoso para classificar apenas como medíocre o desempenho econômico do Brasil. E nem a equipe econômica projeta algo além da mediocridade

Travada pela insegurança de empresários e consumidores, a economia cresceu apenas 1,1% nos 12 meses terminados em fevereiro, segundo a Fundação Getúlio Vargas (FGV). Inicialmente medíocre, esse foi o ritmo de expansão registrado em 2017 e repetido em 2018, os dois primeiros anos depois da recessão. Ainda sem sinal de melhora a curto prazo, o ritmo se manteve no primeiro bimestre, com resultados muito ruins na maior parte das atividades. Nesta altura, no entanto, é preciso ser muito generoso para ainda classificar apenas como medíocre o desempenho econômico do Brasil. Se o presidente Jair Bolsonaro pelo menos mostrasse alguma preocupação diante desse quadro, seria mais fácil acreditar numa rápida mudança. Mas deve sobrar pouco tempo para isso, quando o presidente da República se dedica a intervir na gestão da Petrobrás e a mimar os líderes de uma categoria descontente com as condições de mercado – a dos caminhoneiros (ver o editorial O presidente ‘entendeu’). Quem estará contente?

Mais atenta que seu chefe às precárias condições do País, a equipe econômica estima em apenas 2,2% o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) neste ano. Essa estimativa é pouco melhor que a do mercado, inferior a 2%. Os números conhecidos ou estimados até agora tornam muito difícil projetar um resultado muito melhor que o do ano passado.

Em fevereiro a atividade foi 0,4% inferior à de janeiro, segundo o Monitor do PIBelaborado pela FGV. Construído mensalmente e bastante detalhado, esse indicador tem antecipado com notável aproximação as contas nacionais divulgadas a cada trimestre pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

A queda do PIB em fevereiro reflete o mau desempenho dos três grandes setores produtivos – indústria, agropecuária e serviços. De acordo com as séries do Monitor, houve recuos de 0,4% na agropecuária e de 0,1% na indústria e estabilidade nos serviços, na passagem de janeiro para o mês seguinte. Quando se decompõe o setor industrial, encontram-se um pequeno crescimento (de apenas 0,1%) na indústria de transformação e uma queda de 10,6% na de extração mineral. Este último dado é claramente explicável pelo desastre da Vale em Brumadinho.

Mesmo com um desempenho normal no segmento extrativo, no entanto, o conjunto ainda seria ruim, com números abaixo de medíocres na indústria de transformação e pouca ou nenhuma melhora no emprego e no consumo.

O quadro continua pouco animador quando se consideram períodos mais longos. O resultado é nulo quando se compara o trimestre móvel terminado em fevereiro com o de setembro-outubro-novembro. O confronto com igual trimestre de um ano antes mostra um PIB apenas 1% maior, com aumento de 1,2% na agropecuária e de 1,5% nos serviços e recuo de 0,5% na indústria.

A fraqueza da indústria de transformação, com recuo de 1,1% nesse confronto, é especialmente preocupante. As fábricas são muito importantes para a geração de empregos de qualidade e para a transmissão de estímulos e de tecnologia a outros setores e segmentos de atividade. O presidente, no entanto, tem mostrado pouca sensibilidade a considerações desse tipo e a preocupações com a qualidade do crescimento econômico e do emprego gerado.

Se fosse mais sensível a esse tipo de problema, talvez se dedicasse mais às tarefas necessárias para destravar o consumo, a produção, o investimento e a contratação de mão de obra. Cuidar mais seriamente da aprovação da reforma da Previdência seria uma dessas tarefas. Isso envolveria um interesse maior pela consolidação e pela coordenação de uma base de apoio no Parlamento.

Enquanto o projeto mais urgente do governo continua quase travado na Comissão de Constituição e Justiça, por falta de ação de uma base sólida e minimamente coordenada, pioram as expectativas em relação à economia. Nem a equipe econômica projeta algo além da mediocridade até 2022, fim deste mandato presidencial, como evidenciou o projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). Alguém terá falado sobre esse projeto ao presidente Bolsonaro?

Perdendo a confiança- CARLOS ALBERTO SARDENBERG

O GLOBO - 18/04

Sequência de problemas reduz a crença na capacidade do governo (e de Guedes) de entregar política econômica tão apoiada


Não está errado dizer que a Petrobras perdeu R$ 32,4 bilhões quando o presidente Bolsonaro suspendeu o reajuste de 5,7% que a estatal anunciara para o preço do diesel.

Mais correto, porém, é dizer que os acionistas da Petrobras perderam todo aquele dinheiro. E não foi apenas por causa dos 5,7%.

Ações caem quando há mais investidores vendendo do que comprando os papéis. E quem vende é porque perdeu confiança. Em geral, só os grandes investidores fazem esses movimentos rápidos. Os outros, entre os quais se incluem quase todos os brasileiros que têm alguma poupança, só podem reclamar ou lamentar. Todos, portanto, perdem dinheiro e confiança.

E quem são os acionistas?

O próprio governo federal, por exemplo. O BNDES tem em sua carteira algo como R$ 40 bilhões em papéis da Petrobras. A Caixa, uns R$ 10 bi. Só aí, portanto, o governo perdeu R$ 4,5 bilhões naquele dia (desvalorização dos papéis de uns 9%).

É dinheiro. Ainda nesta semana, o governo disse que o BNDES vai emprestar R$ 500 milhões para os caminhoneiros comprarem pneus. E que vai procurar no orçamento uns R$ 2 bilhões para arrumar rodovias. Acharia ali na carteira de ações.

Claro que as ações podem recuperar valor — se a Petrobras conseguir reaplicar o aumento do diesel ou se descobrir um baita campo de petróleo ou se o preço internacional do óleo subir — mas a desconfiança permanece.

A versão oficial diz que o presidente Bolsonaro não mandou cancelar o reajuste do diesel. Apenas pediu para suspendê-lo porque estava confuso e queria entender melhor o sistema de preços da Petrobras.

Com todos esses anos de jornalismo, a gente sabe desconfiar de uma versão oficial. E também sabe apurar nos bastidores.

Assim, com boa vontade, podemos fazer duas hipóteses. Primeira, o presidente de fato não entendia o sistema de preços da Petrobras e ficou confuso com o aumento. Segunda, entendia perfeitamente e mandou suspender o aumento porque ficou sabendo da bronca dos caminhoneiros.

Em qualquer caso, é complicado, digamos. Esse assunto dos reajustes da Petrobras não é de hoje. Vem de mais de ano, foi discutido na greve dos caminhoneiros (aliás, apoiada por Bolsonaro) e debatido na campanha eleitoral. Como o presidente poderia não saber?

E se sabia, mandou cancelar o reajuste para, ouvindo as ruas, como disse Paulo Guedes, atender à reivindicação dos caminhoneiros. O que significa que a política econômica liberal tem limites. Até onde?

Tem uma terceira questão: será que o presidente nem desconfiava das consequências de seu ato, a enorme perda de valor da Petrobras?

Acrescente-se ao cenário a confusão na tramitação da reforma da Previdência. Claro que não é um problema grave que a votação na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara tenha sido adiada para a próxima terça-feira. Mas, caramba, como os líderes governistas não conseguem administrar uma votação que não é das mais difíceis?

Tudo considerado, as expectativas estão piorando. Estavam bastante elevadas logo após a eleição de Bolsonaro e subiram ainda mais quando se formou a equipe de Paulo Guedes. Mais ainda com as juras de reformas macro e micro e privatizações em massa, além de autonomia das estatais e agências.

Aí surgem os “pequenos” problemas. Algumas péssimas escolhas ministeriais, brigalhada dentro do governo, lideranças ineficientes no Congresso, caneladas nos políticos, os da velha e da nova, ataques a Rodrigo Maia, o grande defensor das reformas econômicas, o caso Petrobras, as derrotas na Câmara.

Tudo coisa que pode ser consertada, mas a sequência certamente reduz a crença na capacidade do governo (e de Guedes) de entregar a política econômica tão apoiada.

Não é por acaso que as expectativas de crescimento para este ano são cada vez menores.