GAZETA DO POVO - PR - 02/04
"Paulo Freire nasceu em 1921 e morreu em 1997. Teve tempo de sobra para destruir a educação brasileira; com a educação, a política.
Sua nefasta influência corroeu o ensino de duas, três gerações. Não aprendemos português ou matemática, geografia ou história, biologia ou química. Tudo culpa dele.
Aprendemos ideologia, ideologia, ideologia.
É preciso exorcizar Paulo Freire de uma vez por todas, jogá-lo ao mar, cravar nele uma estaca, atirar nele com uma bala de prata, antes que percamos de vez a capacidade de compreender conceitos básicos e de fazer distinções fundamentais, como ditadura e democracia, autoritarismo e liberdade, civilização e barbárie, imprensa e censura.
Vejam o Eduardo Bolsonaro, é um eloquente exemplo.
Eduardo Bolsonaro só pode mesmo ser resultado de uma calamidade educacional sem precedentes. Ele é vítima do contexto que tanto denuncia. Eduardo merece cota para participar da polis, porque o cursinho express de liberalismo parece não ter funcionado. Só isso explica sua incapacidade de entender o bê-á-bá da vida civilizada: ditadura é ditadura, democracia é democracia. Ditadura não se justifica enquanto tal; é um fenômeno que pode ser estudado e compreendido contextualmente, mas nunca aplaudido ou justificado em si mesmo.
Quais são as confiáveis fontes do excelentíssimo para dizer que “naquele tempo era bom”? Os avós e os pais da gente.
Nessa versão esquisita de resgate da alta cultura de um país, a ignorância dos nossos avós e pais se transformou em referência bibliográfica incontornável. Não importa se o seu avô estava distraído vendo a seleção de 70, ou se seu pai queria mesmo era emprego de funcionário do Banco do Brasil. Na nova era, todo vovô é um retroativo Simon Schama, todo papai é um George Steiner avant la lettre.
Os mesmos vovôs e papais que depois votaram no Maluf, no Collor, no Lula, na Dilma.
No Bolsonaro.
Qualquer revisionismo histórico pode ser feito, não deve ser impedido, desde que algumas premissas sejam aceitas. Você pode considerar que tal acontecimento político (por exemplo, o golpe de 64) era inevitável. Você pode avançar mais um pouco e ponderar que, mais do que inevitável, talvez fosse mesmo necessário (por exemplo, por causa do comunismo). No entanto, não pode redefinir o sentido das palavras e do que elas representam. O que se passou nos vinte e um anos depois daquele 31 de março não é motivo de louvor nem saudade, ponto.
Ponto não, dois pontos: pelo jeito, para o Bolsonaro é.
O presidente confirmou a autorização para que quarteis comemorassem a data e soprassem as velinhas e cantassem o hino nacional. Não duvido nada que muito militar de hoje tenha torcido o nariz para o despautério de ontem, mas ordens são ordens.
Que a esquerda usa o golpe como chantagem política ninguém pode negar. A tática é a seguinte: tudo o que lembra vagamente a direita, a esquerda acusa de fascismo. O problema é que a direita gostou do personagem e quer mesmo vestir a roupinha de Mussolini.
O resultado é que ambos, autoritários de direita e esquerda, retrógrados de direita e esquerda, ignorantes de direita e esquerda, preferem olhar no retrovisor e não na pista. Um acusa o outro de ser aquilo de que o outro se orgulha de ser, e todos ficam satisfeitos com os respectivos papéis. Clássico é clássico e vice-versa.
E quem luta de verdade por um país mais livre e menos rançoso? Entre os que mandam, quase ninguém.
A continuar assim, “o Brasil terá um longo passado pela frente”, como dizia o Millôr Fernandes.
Os comunistas são culpa do Paulo Freire. Os anticomunistas também."
terça-feira, abril 02, 2019
Riscos e erros da política externa - MIRIAM LEITÃO
O Globo - 02/04
Bolsonaro improvisa na política externa, área em que todos os passos precisam ser muito bem calculados
O governo Bolsonaro não tem uma política externa. Não a formulou ainda. O filho do presidente faz sombra ao chanceler, que se ocupa com revisões delirantes da História. Nesse contexto, Bolsonaro vai viajando e improvisando pelo caminho numa área sensível e com ligação direta com a economia. Os militares e a ministra da Agricultura têm atuado como moderadores para evitar o pior, enquanto o ministro das Relações Exteriores se comporta como se estivesse numa cruzada mística na luta entre o bem e o mal.
Tomar decisões de política externa com base em ideologia, qualquer que ela seja, é o caminho mais curto para errar. Fiz esse mesmo tipo de crítica ao governo Lula em inúmeras colunas. Quando ele foi a Trípoli, em 2003, visitar o ditador Muamar Kadafi, eu escrevi neste espaço que era uma viagem sem propósito, pé e cabeça. O tempo provou que foi um equívoco. Os erros foram vários e aqui sempre criticados. Em alguns casos, deixaram contas para serem pagas pelo país. Agora o que se vê no governo Bolsonaro é a mesma insistência em fazer uma diplomacia ideológica.
No caso da viagem a Israel, Bolsonaro está conseguindo desagradar todos os lados e ainda entrar na disputa eleitoral, sendo usado pelo primeiro-ministro Bibi Netanyahu. Qual o sentido de uma viagem nove dias antes de uma disputa eleitoral? Se o premier israelense vencer, teria sido melhor ir depois. Se perder, Bolsonaro terá feito o mesmo que fez nos Estados Unidos, escolher um lado na política interna do país visitado. No caso dos Estados Unidos, é um erro com graves repercussões no cenário de um governo democrata em 2020.
Bolsonaro não abriu a embaixada em Jerusalém, como prometeu. Apenas um escritório, e assim decepcionou o anfitrião, que queria isso como trunfo eleitoral. O Brasil é um país grande. Até agora só a Guatemala seguiu a política americana de trocar a cidade da embaixada. Os palestinos reagiram a Bolsonaro, mas como houve decepção do seu anfitrião, ele voltou a prometer que a mudança virá no futuro. O que pode afetar o comércio com os árabes. O presidente improvisa em política externa, questão em que todos os passos têm que ser bem pensados.
As declarações pouco amistosas feitas em relação à China podem ter efeitos no comércio exterior. Os chineses falam pouco e mostram seu desagrado em ações concretas. O problema é que eles são grandes para nós. A China comprou 86% da soja que o Brasil exportou no ano passado e 50% de todas as vendas da Vale.
Na cruzada mística do chanceler, o Brasil tem que se unir aos Estados Unidos para “salvar a civilização cristã” de ameaças como a China. No mundo real, onde as coisas acontecem e negócios são feitos, a China é o maior parceiro dos Estados Unidos e nosso competidor em vários produtos.
— A gente pode ser surpreendido com impactos econômicos em relação à China. As declarações feitas pelo governo são meio gratuitas, e nelas não se consegue ver qual é o nosso interesse — disse um diplomata.
Na ida a Washington, o amadorismo fez o Brasil exagerar na retórica adesista e isso já provocou um episódio estranho. O secretário de Estado, Mike Pompeo, ao condenar a presença russa na Venezuela, na semana passada, disse que falava em nome dos aliados da América Latina. Um experiente diplomata, ainda na ativa, explicou o problema:
— A presença russa merecia ser criticada, mas nós não precisamos de que os Estados Unidos sejam o nosso porta-voz para tratar de questões na América Latina.
Não há até agora qualquer ideia do que seja a política externa em relação à região. Sabe-se que mudanças serão feitas no Mercosul, mas quais serão essas alterações não se sabe. Tudo o que o presidente fez até agora, que foi notado, foi a constrangedora defesa dos ditadores Alfredo Stroessner, no Paraguai, e Augusto Pinochet, no Chile.
Nos órgãos internacionais, o Brasil se isola e toma posições exóticas. No dia 22, em Nova York, na conferência sobre a mulher da ONU, o representante brasileiro fez ressalva a vários trechos do texto. O Brasil criticou, por exemplo, o ponto que dizia ser preciso “garantir à mulher acesso universal a serviços de saúde sexual e reprodutivos”, porque considerou que isso era uma alusão ao aborto. São ridículas as posições que o Brasil vem adotando em órgãos multilaterais. E isso sem falar nos delírios do ministro Ernesto Araújo com o tal “esquerdismo” de Hitler.
Bolsonaro improvisa na política externa, área em que todos os passos precisam ser muito bem calculados
O governo Bolsonaro não tem uma política externa. Não a formulou ainda. O filho do presidente faz sombra ao chanceler, que se ocupa com revisões delirantes da História. Nesse contexto, Bolsonaro vai viajando e improvisando pelo caminho numa área sensível e com ligação direta com a economia. Os militares e a ministra da Agricultura têm atuado como moderadores para evitar o pior, enquanto o ministro das Relações Exteriores se comporta como se estivesse numa cruzada mística na luta entre o bem e o mal.
Tomar decisões de política externa com base em ideologia, qualquer que ela seja, é o caminho mais curto para errar. Fiz esse mesmo tipo de crítica ao governo Lula em inúmeras colunas. Quando ele foi a Trípoli, em 2003, visitar o ditador Muamar Kadafi, eu escrevi neste espaço que era uma viagem sem propósito, pé e cabeça. O tempo provou que foi um equívoco. Os erros foram vários e aqui sempre criticados. Em alguns casos, deixaram contas para serem pagas pelo país. Agora o que se vê no governo Bolsonaro é a mesma insistência em fazer uma diplomacia ideológica.
No caso da viagem a Israel, Bolsonaro está conseguindo desagradar todos os lados e ainda entrar na disputa eleitoral, sendo usado pelo primeiro-ministro Bibi Netanyahu. Qual o sentido de uma viagem nove dias antes de uma disputa eleitoral? Se o premier israelense vencer, teria sido melhor ir depois. Se perder, Bolsonaro terá feito o mesmo que fez nos Estados Unidos, escolher um lado na política interna do país visitado. No caso dos Estados Unidos, é um erro com graves repercussões no cenário de um governo democrata em 2020.
Bolsonaro não abriu a embaixada em Jerusalém, como prometeu. Apenas um escritório, e assim decepcionou o anfitrião, que queria isso como trunfo eleitoral. O Brasil é um país grande. Até agora só a Guatemala seguiu a política americana de trocar a cidade da embaixada. Os palestinos reagiram a Bolsonaro, mas como houve decepção do seu anfitrião, ele voltou a prometer que a mudança virá no futuro. O que pode afetar o comércio com os árabes. O presidente improvisa em política externa, questão em que todos os passos têm que ser bem pensados.
As declarações pouco amistosas feitas em relação à China podem ter efeitos no comércio exterior. Os chineses falam pouco e mostram seu desagrado em ações concretas. O problema é que eles são grandes para nós. A China comprou 86% da soja que o Brasil exportou no ano passado e 50% de todas as vendas da Vale.
Na cruzada mística do chanceler, o Brasil tem que se unir aos Estados Unidos para “salvar a civilização cristã” de ameaças como a China. No mundo real, onde as coisas acontecem e negócios são feitos, a China é o maior parceiro dos Estados Unidos e nosso competidor em vários produtos.
— A gente pode ser surpreendido com impactos econômicos em relação à China. As declarações feitas pelo governo são meio gratuitas, e nelas não se consegue ver qual é o nosso interesse — disse um diplomata.
Na ida a Washington, o amadorismo fez o Brasil exagerar na retórica adesista e isso já provocou um episódio estranho. O secretário de Estado, Mike Pompeo, ao condenar a presença russa na Venezuela, na semana passada, disse que falava em nome dos aliados da América Latina. Um experiente diplomata, ainda na ativa, explicou o problema:
— A presença russa merecia ser criticada, mas nós não precisamos de que os Estados Unidos sejam o nosso porta-voz para tratar de questões na América Latina.
Não há até agora qualquer ideia do que seja a política externa em relação à região. Sabe-se que mudanças serão feitas no Mercosul, mas quais serão essas alterações não se sabe. Tudo o que o presidente fez até agora, que foi notado, foi a constrangedora defesa dos ditadores Alfredo Stroessner, no Paraguai, e Augusto Pinochet, no Chile.
Nos órgãos internacionais, o Brasil se isola e toma posições exóticas. No dia 22, em Nova York, na conferência sobre a mulher da ONU, o representante brasileiro fez ressalva a vários trechos do texto. O Brasil criticou, por exemplo, o ponto que dizia ser preciso “garantir à mulher acesso universal a serviços de saúde sexual e reprodutivos”, porque considerou que isso era uma alusão ao aborto. São ridículas as posições que o Brasil vem adotando em órgãos multilaterais. E isso sem falar nos delírios do ministro Ernesto Araújo com o tal “esquerdismo” de Hitler.
São decisões dele... - ELIANE CANTANHÊDE
O Estado de S.Paulo - 02/04
O Brasil assiste à guerra entre “olavetes” e militares sem que o presidente arbitre.
Depois de apoiar a reeleição de Donald Trump, o presidente Jair Bolsonaro agora apoia, com gestos, mais do que palavras, a reeleição de Binyamin Netanyahu, com quem rezou ontem no Muro das Lamentações, em Israel. Nada disso é trivial em diplomacia e política externa. Bolsonaro, porém, é Bolsonaro.
Ele toma decisões e age porque dá na telha, não exatamente por embasamento teórico, científico, histórico. Para ele, Trump e os EUA são o máximo, dane-se o resto. Netanyahu e Israel são fantásticos, os palestinos e o mundo árabe a gente vê depois.
Com esse voluntarismo, o mesmo presidente que mandou desconvidar Ilona Szabó de uma mera suplência de um mero conselho não consegue demitir o ministro que transformou o MEC num vexame. A ideologia derrubou Szabó. A ideologia mantém Vélez.
É assim também que Bolsonaro assiste impassível à avalanche de impropérios e palavrões proferidos pelo guru dos seus filhos, de Vélez e do chanceler Ernesto Araújo contra os generais que ocupam os principais cargos e têm sido um contraponto de bom senso aos excessos e aos erros do governo e do próprio presidente.
Premiado com um lugar de honra à mesa de um jantar para Bolsonaro nos EUA, Olavo de Carvalho já disse que os militares são uns... Desculpem, mas não consigo repetir. E ele chamou o vice-presidente Hamilton Mourão, general da reserva, de “idiota”, “imbecil”, “vergonha para as Forças Armadas” e “charlatão desprezível”.
Ele, o guru, também já provocou o chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno, pelo fato de ele dar entrevistas para a mídia e conversar com jornalistas: “Você não tem vergonha, Heleno?”
A metralhadora giratória desviou-se agora para o ministro Santos Cruz, da Secretaria de Governo. Aquele que faz a cabeça dos filhos de Bolsonaro escreve para quem quiser ler que o general “não presta”, é um “monstro de autoadoração e empáfia” e dono de “uma mediocridade invejosa”.
Na coleção de ataques, há até um de puro sarcasmo, dizendo que, a partir de agora, quando se irritar, vai reagir gritando: “Santos Cruzes!”. Um achincalhe com um ministro, um general, uma pessoa séria, que tem gabinete no Palácio do Planalto, a poucos passos do presidente da República. E Bolsonaro não diz nada? Não acha nada?
Se não se mete com Olavo de Carvalho e não toma uma providência para salvar o MEC do desastre, Bolsonaro é corajoso ao reverenciar Trump e Netanyahu, ao atacar o presidente da Câmara e ao demitir o leal amigo Gustavo Bebianno, depois de agredi-lo pelas redes sociais, com ajuda do filho.
A guerra entre “olavetes”, militares e técnicos não é exclusiva do MEC, mas sim uma realidade no governo, com algumas exceções, como Economia e Justiça. O Brasil está assistindo a essa guerra intestina a céu aberto, à luz do dia, sem que o presidente da República arbitre.
O vice Mourão já me disse que não iria rebater mais Olavo de Carvalho e explicou: “Não se polemiza com maluco”. Mas Santos Cruz cansou de ouvir calado e revidou. O guru não saiu mais do Twitter e não parou mais de xingar. Será que é isso o que ele quer? Propaganda gratuita?
Aliás, ao insistir na comemoração do 31 de Março, que virou “rememoração”, o presidente provocou um tsunami de depoimentos dolorosos contra a ditadura militar. Não satisfeito, surgiu na lista do WhatsApp do Planalto, domingo à noite, um vídeo quase anônimo enaltecendo o golpe. Sem explicação, Mourão deu de ombros: “É decisão dele”...
Quem, afinal, vai reagir aos ataques do guru do bolsonarismo aos generais?
O Brasil assiste à guerra entre “olavetes” e militares sem que o presidente arbitre.
Depois de apoiar a reeleição de Donald Trump, o presidente Jair Bolsonaro agora apoia, com gestos, mais do que palavras, a reeleição de Binyamin Netanyahu, com quem rezou ontem no Muro das Lamentações, em Israel. Nada disso é trivial em diplomacia e política externa. Bolsonaro, porém, é Bolsonaro.
Ele toma decisões e age porque dá na telha, não exatamente por embasamento teórico, científico, histórico. Para ele, Trump e os EUA são o máximo, dane-se o resto. Netanyahu e Israel são fantásticos, os palestinos e o mundo árabe a gente vê depois.
Com esse voluntarismo, o mesmo presidente que mandou desconvidar Ilona Szabó de uma mera suplência de um mero conselho não consegue demitir o ministro que transformou o MEC num vexame. A ideologia derrubou Szabó. A ideologia mantém Vélez.
É assim também que Bolsonaro assiste impassível à avalanche de impropérios e palavrões proferidos pelo guru dos seus filhos, de Vélez e do chanceler Ernesto Araújo contra os generais que ocupam os principais cargos e têm sido um contraponto de bom senso aos excessos e aos erros do governo e do próprio presidente.
Premiado com um lugar de honra à mesa de um jantar para Bolsonaro nos EUA, Olavo de Carvalho já disse que os militares são uns... Desculpem, mas não consigo repetir. E ele chamou o vice-presidente Hamilton Mourão, general da reserva, de “idiota”, “imbecil”, “vergonha para as Forças Armadas” e “charlatão desprezível”.
Ele, o guru, também já provocou o chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno, pelo fato de ele dar entrevistas para a mídia e conversar com jornalistas: “Você não tem vergonha, Heleno?”
A metralhadora giratória desviou-se agora para o ministro Santos Cruz, da Secretaria de Governo. Aquele que faz a cabeça dos filhos de Bolsonaro escreve para quem quiser ler que o general “não presta”, é um “monstro de autoadoração e empáfia” e dono de “uma mediocridade invejosa”.
Na coleção de ataques, há até um de puro sarcasmo, dizendo que, a partir de agora, quando se irritar, vai reagir gritando: “Santos Cruzes!”. Um achincalhe com um ministro, um general, uma pessoa séria, que tem gabinete no Palácio do Planalto, a poucos passos do presidente da República. E Bolsonaro não diz nada? Não acha nada?
Se não se mete com Olavo de Carvalho e não toma uma providência para salvar o MEC do desastre, Bolsonaro é corajoso ao reverenciar Trump e Netanyahu, ao atacar o presidente da Câmara e ao demitir o leal amigo Gustavo Bebianno, depois de agredi-lo pelas redes sociais, com ajuda do filho.
A guerra entre “olavetes”, militares e técnicos não é exclusiva do MEC, mas sim uma realidade no governo, com algumas exceções, como Economia e Justiça. O Brasil está assistindo a essa guerra intestina a céu aberto, à luz do dia, sem que o presidente da República arbitre.
O vice Mourão já me disse que não iria rebater mais Olavo de Carvalho e explicou: “Não se polemiza com maluco”. Mas Santos Cruz cansou de ouvir calado e revidou. O guru não saiu mais do Twitter e não parou mais de xingar. Será que é isso o que ele quer? Propaganda gratuita?
Aliás, ao insistir na comemoração do 31 de Março, que virou “rememoração”, o presidente provocou um tsunami de depoimentos dolorosos contra a ditadura militar. Não satisfeito, surgiu na lista do WhatsApp do Planalto, domingo à noite, um vídeo quase anônimo enaltecendo o golpe. Sem explicação, Mourão deu de ombros: “É decisão dele”...
Quem, afinal, vai reagir aos ataques do guru do bolsonarismo aos generais?
'Negociar com o Congresso não é fazer o mensalão’ - ENTREVISTA COM FERNANDO HENRIQUE CARDOSO
O GLOBO - 02/04
Tucano diz que Bolsonaro precisa repartir o poder para governar e que, para aprovar seus projetos, terá que dialogar
Silvia Amorim e Flávio Freire
SÃO PAULO — O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso acredita que o poder de persuasão de um presidente é fundamental para a aprovação de medidas no Congresso. Por isso, o governo Jair Bolsonaro precisa entender que negociar com deputados e senadores não deve ser confundido com falcatruas.
No domingo retrasado, FH já havia mandado um recado para Bolsonaro: presidente que não entende a força do Congresso pode cair. Por isso, o tucano defende a adoção de uma política de repartição do poder. Sem isso, não há como governar.
Apesar de considerar que os militares compõem um setor mais sensato dentro do governo, FH pondera que são muitas as posições ocupadas pelos integrantes das Forças Armadas.
Na semana passada o senhor escreveu que presidente que não entende o Congresso cai. Por que decidiu entrar na polêmica entre Jair Bolsonaro e Rodrigo Maia?
Vi queda de muitos presidentes. Queria falar com o governo que do jeito que as coisas vão, (o país) está à deriva. Será que ele escutou? Não sei. O Brasil vai precisar fazer alguma reforma e o governo precisa entender que negociar com o Congresso não é fazer o mensalão. Ou tem um projeto e chama aqueles que vão decidir para participar ou fica sozinho. Não pode olhar a representação parlamentar, fechar o nariz e dizer: essa gente não tem nível.
Bolsonaro está passando essa mensagem ao resistir em fazer articulação política pela Previdência e acusar o Congresso de insistir na “velha política"?
Ao rejeitar essa gente ele está rejeitando o Brasil. Não pode. Não tem como desprezar a maioria. Chega uma hora , ela vai dizer: 'Estou aqui e você não é nada'.
Mas há muitos parlamentares envolvidos em escândalos.
Na democracia ou na ditadura você reparte o poder ou não tem como governar. Se você não tem competência para repartir o poder, você compra o poder. Isso não dá. Mas (Bolsonaro) não pode confundir dividir poder com comprá-lo.
Há quem diga que existe uma estratégia do governo para enfraquecer o Congresso. Também acha isso?
Estratégia? Não é o estilo dele ter uma estratégia. É muito elaborado. Não creio que seja essa a ideia de jogar o povo contra o Congresso. Aliás acho difícil isso acontecer no Brasil porque a fragmentação partidária é muito grande. O povo se move quando tem coisas mais objetivas em jogo.
“Ao rejeitar essa gente (Congresso) ele (Bolsonaro) está rejeitando o Brasil”
FERNANDO HENRIQUE CARDOSO
Ex-presidente
O sr. tentou aprovar uma reforma da Previdência e não conseguiu. Acredita que ela será feita agora?
Não sei. É fácil falar e difícil fazer. Eu só consegui fazer o fator previdenciário. Mas, em última análise, a reforma da Previdência agora vai dar liberdade para o governo governar. Nesse momento o governo está sob absoluta pressão e restrição orçamentária. Mas essa história de ajuste fiscal é para economista. Não é coisa de povo. É um assunto que mexe mais com as estruturas corporativas e daí é importante o poder de persuasão do presidente.
Para persuadir é preciso ter convicção e Bolsonaro já foi criticado por dar sinais trocados sobre a reforma.
Há recuos e não fica claro qual é o caminho que deseja o governo. Há um setor empenhado em ajustar as contas. Há outro empenhado em cultivar o passado onírico guiado por um guru americano (Steven Bannon). E ainda tem os militares, ao meu ver, mais sensatos. O único reparo que faço nessa participação dos militares é que estão ocupando muitas posições. Isso é ruim para eles mesmos . Se o governo for mal vão jogar a responsabilidade neles. Se for bem, vai ser do Bolsonaro. Em 1964 os militares tinham um projeto para o Brasil e havia a guerra fria, a ameaça do comunismo. Os militares não têm hoje projeto para o Brasil. Eles não querem restabelecer a ditadura.
Em suas conversas fora do país, como autoridades internacionais estão vendo esse início de novo governo?
Eles têm uma impressão equivocada de que estamos marchando para o fascismo. Pensam que há aqui um governo autoritário forte. Não é isso. Isso significaria ter um líder, organicidade, crença sobre um modo de organizar a sociedade. Aqui não tem nada disso. Tem gente com pulso autoritário? Tem. Mas é muito diferente de 1964.
O que achou da decisão do governo de criar um escritório de representação comercial em Jerusalém como alternativa à transferência da embaixada em Tel Aviv?
Vamos ver o que os árabes vão dizer. Eles aceitaram? A falta de aderência de projeto política da realidade dá nisso: recuos.
Como avalia a postura da oposição nesse início de governo. Também está sem rumo, inclusive o PSDB?
Está tudo esgarçado. Não estou vendo ninguém se opor a nada. Cadê os candidatos que disputaram com Bolsonaro, o que estão dizendo? Por que não falam? Porque não há projeto. Não é por acaso. O momento é difícil mesmo.
Seu partido, PSDB, vai passar por troca de direção em maio. Se João Doria assumir o comando da legenda, o sr deixa o partido?
Você quer falar do meu partido? Vou ter que pensar depois (risos).
Tucano diz que Bolsonaro precisa repartir o poder para governar e que, para aprovar seus projetos, terá que dialogar
Silvia Amorim e Flávio Freire
SÃO PAULO — O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso acredita que o poder de persuasão de um presidente é fundamental para a aprovação de medidas no Congresso. Por isso, o governo Jair Bolsonaro precisa entender que negociar com deputados e senadores não deve ser confundido com falcatruas.
No domingo retrasado, FH já havia mandado um recado para Bolsonaro: presidente que não entende a força do Congresso pode cair. Por isso, o tucano defende a adoção de uma política de repartição do poder. Sem isso, não há como governar.
Apesar de considerar que os militares compõem um setor mais sensato dentro do governo, FH pondera que são muitas as posições ocupadas pelos integrantes das Forças Armadas.
Na semana passada o senhor escreveu que presidente que não entende o Congresso cai. Por que decidiu entrar na polêmica entre Jair Bolsonaro e Rodrigo Maia?
Vi queda de muitos presidentes. Queria falar com o governo que do jeito que as coisas vão, (o país) está à deriva. Será que ele escutou? Não sei. O Brasil vai precisar fazer alguma reforma e o governo precisa entender que negociar com o Congresso não é fazer o mensalão. Ou tem um projeto e chama aqueles que vão decidir para participar ou fica sozinho. Não pode olhar a representação parlamentar, fechar o nariz e dizer: essa gente não tem nível.
Bolsonaro está passando essa mensagem ao resistir em fazer articulação política pela Previdência e acusar o Congresso de insistir na “velha política"?
Ao rejeitar essa gente ele está rejeitando o Brasil. Não pode. Não tem como desprezar a maioria. Chega uma hora , ela vai dizer: 'Estou aqui e você não é nada'.
Mas há muitos parlamentares envolvidos em escândalos.
Na democracia ou na ditadura você reparte o poder ou não tem como governar. Se você não tem competência para repartir o poder, você compra o poder. Isso não dá. Mas (Bolsonaro) não pode confundir dividir poder com comprá-lo.
Há quem diga que existe uma estratégia do governo para enfraquecer o Congresso. Também acha isso?
Estratégia? Não é o estilo dele ter uma estratégia. É muito elaborado. Não creio que seja essa a ideia de jogar o povo contra o Congresso. Aliás acho difícil isso acontecer no Brasil porque a fragmentação partidária é muito grande. O povo se move quando tem coisas mais objetivas em jogo.
“Ao rejeitar essa gente (Congresso) ele (Bolsonaro) está rejeitando o Brasil”
FERNANDO HENRIQUE CARDOSO
Ex-presidente
O sr. tentou aprovar uma reforma da Previdência e não conseguiu. Acredita que ela será feita agora?
Não sei. É fácil falar e difícil fazer. Eu só consegui fazer o fator previdenciário. Mas, em última análise, a reforma da Previdência agora vai dar liberdade para o governo governar. Nesse momento o governo está sob absoluta pressão e restrição orçamentária. Mas essa história de ajuste fiscal é para economista. Não é coisa de povo. É um assunto que mexe mais com as estruturas corporativas e daí é importante o poder de persuasão do presidente.
Para persuadir é preciso ter convicção e Bolsonaro já foi criticado por dar sinais trocados sobre a reforma.
Há recuos e não fica claro qual é o caminho que deseja o governo. Há um setor empenhado em ajustar as contas. Há outro empenhado em cultivar o passado onírico guiado por um guru americano (Steven Bannon). E ainda tem os militares, ao meu ver, mais sensatos. O único reparo que faço nessa participação dos militares é que estão ocupando muitas posições. Isso é ruim para eles mesmos . Se o governo for mal vão jogar a responsabilidade neles. Se for bem, vai ser do Bolsonaro. Em 1964 os militares tinham um projeto para o Brasil e havia a guerra fria, a ameaça do comunismo. Os militares não têm hoje projeto para o Brasil. Eles não querem restabelecer a ditadura.
Em suas conversas fora do país, como autoridades internacionais estão vendo esse início de novo governo?
Eles têm uma impressão equivocada de que estamos marchando para o fascismo. Pensam que há aqui um governo autoritário forte. Não é isso. Isso significaria ter um líder, organicidade, crença sobre um modo de organizar a sociedade. Aqui não tem nada disso. Tem gente com pulso autoritário? Tem. Mas é muito diferente de 1964.
O que achou da decisão do governo de criar um escritório de representação comercial em Jerusalém como alternativa à transferência da embaixada em Tel Aviv?
Vamos ver o que os árabes vão dizer. Eles aceitaram? A falta de aderência de projeto política da realidade dá nisso: recuos.
Como avalia a postura da oposição nesse início de governo. Também está sem rumo, inclusive o PSDB?
Está tudo esgarçado. Não estou vendo ninguém se opor a nada. Cadê os candidatos que disputaram com Bolsonaro, o que estão dizendo? Por que não falam? Porque não há projeto. Não é por acaso. O momento é difícil mesmo.
Seu partido, PSDB, vai passar por troca de direção em maio. Se João Doria assumir o comando da legenda, o sr deixa o partido?
Você quer falar do meu partido? Vou ter que pensar depois (risos).
Devastação da confiança - EDITORIAL O ESTADÃO
ESTADÃO - 02/04
A confiança derrete e caem as expectativas de crescimento, enquanto o governo tropeça e o presidente se distancia das negociações com o Congresso. O Índice de Confiança Empresarial da Fundação Getúlio Vargas (FGV) caiu em março de 96,7 para 94 pontos, o nível mais baixo desde outubro, mês das eleições.
No mercado já se fala em expansão econômica abaixo de 2% neste ano, e a tendência das projeções é convergir para 1,5%, segundo o consultor e ex-presidente do Banco Central (BC) Affonso Celso Pastore. Na batalha pela reforma da Previdência, o objetivo mais urgente, o governo é representado principalmente pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. O PSL, partido do presidente Jair Bolsonaro, fechou questão a favor do projeto de mudança previdenciária, mas o grande aliado de Guedes no Parlamento, por enquanto, é o presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia, filiado ao DEM.
Enquanto o chefe de governo dava prioridade a uma visita a Israel, sua terceira viagem ao exterior em três meses de mandato, empresários e analistas baixavam suas apostas em relação ao desempenho dos negócios.
Depois de “uma onda de otimismo com o novo governo”, o recuo de agora parece estar ligado “ao desapontamento com o ritmo lento da economia e com a manutenção de níveis elevados de incerteza econômica”, disse Aloísio Campelo Jr., superintendente de Estatísticas Públicas da instituição.
O Índice de Confiança Empresarial da FGV sintetiza avaliações do quadro presente e expectativas em relação aos três meses seguintes. O indicador de situação atual caiu para 89,9 pontos, com redução de 1,5, e retornou ao nível de novembro. Já o índice de expectativas, com recuo de 2,9 pontos, escorregou para 98,1, o menor patamar desde outubro.
Em março, os índices de confiança de todos os setores foram menores que no mês anterior. No trimestre, o da indústria avançou 0,5 ponto, enquanto os de serviços, comércio e construção recuaram. Todos continuaram abaixo de 100, linha divisória entre expectativas positivas e negativas. O “otimismo” abaixo de 100 corresponde a uma avaliação menos negativa de uma situação presente ou esperada.
A piora das expectativas em relação ao desempenho da economia vem sendo mostrada há semanas pelo boletim Focus, atualizado semanalmente pelo BC e baseado em consultas a cerca de cem instituições financeiras e consultorias. Em um mês caiu de 2,30% para 1,98% a mediana das projeções de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) em 2019, segundo os números divulgados nesta segunda-feira. Na segunda-feira anterior, o número apresentado foi 2,01%.
Na semana passada o BC e o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) também divulgaram suas novas projeções para este ano. Nos dois casos o crescimento estimado para a expansão do PIB caiu para 2%.
Os números frustrantes do trimestre final de 2018 já indicaram um avanço próximo de 2% em 2019, observou o economista Affonso Celso Pastore num evento promovido pelo Estado. Depois de um primeiro trimestre muito ruim, “com cheiro de crescimento nulo”, as projeções do mercado tendem a convergir para 1,5%, acrescentou. Qualquer otimismo gerado pela aprovação da reforma da Previdência, segundo sua avaliação, só produzirá efeitos em 2020. “Para 2019, com ou sem reforma, o quadro é de crescimento muito baixo”, concluiu.
Os economistas consultados na pesquisa Focus também voltaram a diminuir suas projeções para o crescimento industrial. A mediana das estimativas caiu de 2,57% na semana anterior para 2,50%. Um mês antes estava em 2,90%. Baixo crescimento industrial significa expansão econômica de baixa qualidade, com menor criação de empregos formais e menor difusão de tecnologia.
Ganhos de produtividade podem ocorrer na agropecuária, mas neste ano as perspectivas do setor também são de crescimento modesto. Concessões na área de infraestrutura poderão animar segmentos da indústria, mas a transmissão do estímulo tomará algum tempo. Se a confiança continuar escassa, nem a retomada no próximo ano estará garantida.
A confiança derrete e caem as expectativas de crescimento, enquanto o governo tropeça e o presidente se distancia das negociações com o Congresso. O Índice de Confiança Empresarial da Fundação Getúlio Vargas (FGV) caiu em março de 96,7 para 94 pontos, o nível mais baixo desde outubro, mês das eleições.
No mercado já se fala em expansão econômica abaixo de 2% neste ano, e a tendência das projeções é convergir para 1,5%, segundo o consultor e ex-presidente do Banco Central (BC) Affonso Celso Pastore. Na batalha pela reforma da Previdência, o objetivo mais urgente, o governo é representado principalmente pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. O PSL, partido do presidente Jair Bolsonaro, fechou questão a favor do projeto de mudança previdenciária, mas o grande aliado de Guedes no Parlamento, por enquanto, é o presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia, filiado ao DEM.
Enquanto o chefe de governo dava prioridade a uma visita a Israel, sua terceira viagem ao exterior em três meses de mandato, empresários e analistas baixavam suas apostas em relação ao desempenho dos negócios.
Depois de “uma onda de otimismo com o novo governo”, o recuo de agora parece estar ligado “ao desapontamento com o ritmo lento da economia e com a manutenção de níveis elevados de incerteza econômica”, disse Aloísio Campelo Jr., superintendente de Estatísticas Públicas da instituição.
O Índice de Confiança Empresarial da FGV sintetiza avaliações do quadro presente e expectativas em relação aos três meses seguintes. O indicador de situação atual caiu para 89,9 pontos, com redução de 1,5, e retornou ao nível de novembro. Já o índice de expectativas, com recuo de 2,9 pontos, escorregou para 98,1, o menor patamar desde outubro.
Em março, os índices de confiança de todos os setores foram menores que no mês anterior. No trimestre, o da indústria avançou 0,5 ponto, enquanto os de serviços, comércio e construção recuaram. Todos continuaram abaixo de 100, linha divisória entre expectativas positivas e negativas. O “otimismo” abaixo de 100 corresponde a uma avaliação menos negativa de uma situação presente ou esperada.
A piora das expectativas em relação ao desempenho da economia vem sendo mostrada há semanas pelo boletim Focus, atualizado semanalmente pelo BC e baseado em consultas a cerca de cem instituições financeiras e consultorias. Em um mês caiu de 2,30% para 1,98% a mediana das projeções de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) em 2019, segundo os números divulgados nesta segunda-feira. Na segunda-feira anterior, o número apresentado foi 2,01%.
Na semana passada o BC e o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) também divulgaram suas novas projeções para este ano. Nos dois casos o crescimento estimado para a expansão do PIB caiu para 2%.
Os números frustrantes do trimestre final de 2018 já indicaram um avanço próximo de 2% em 2019, observou o economista Affonso Celso Pastore num evento promovido pelo Estado. Depois de um primeiro trimestre muito ruim, “com cheiro de crescimento nulo”, as projeções do mercado tendem a convergir para 1,5%, acrescentou. Qualquer otimismo gerado pela aprovação da reforma da Previdência, segundo sua avaliação, só produzirá efeitos em 2020. “Para 2019, com ou sem reforma, o quadro é de crescimento muito baixo”, concluiu.
Os economistas consultados na pesquisa Focus também voltaram a diminuir suas projeções para o crescimento industrial. A mediana das estimativas caiu de 2,57% na semana anterior para 2,50%. Um mês antes estava em 2,90%. Baixo crescimento industrial significa expansão econômica de baixa qualidade, com menor criação de empregos formais e menor difusão de tecnologia.
Ganhos de produtividade podem ocorrer na agropecuária, mas neste ano as perspectivas do setor também são de crescimento modesto. Concessões na área de infraestrutura poderão animar segmentos da indústria, mas a transmissão do estímulo tomará algum tempo. Se a confiança continuar escassa, nem a retomada no próximo ano estará garantida.
A política vai decidir - ROMERO JUCÁ
FOLHA DE SP - 02/04
Escantear partidos exclui a própria democracia
Passados três meses da atual gestão, o futuro da economia brasileira e do governo do presidente Jair Bolsonaro (PSL) vão depender, ironicamente, da política.
Tão atacada, foco de protestos da população e alvo preferencial dos candidatados considerados “outsiders” durante o processo eleitoral de 2018, a política volta a ser decisiva para que o governo atinja o sucesso de construir mais uma etapa de fortalecimento da economia brasileira.
As novas votações, que precisam ser viabilizadas no campo da política, darão o escopo e demonstrarão, na prática, qual rumo tomará a economia brasileira, pois, entre a apresentação da proposta e o texto a ser sancionado, há uma longa diferença e caminhos que serão determinados da forma como se dará a condução política.
Durante a campanha, esta mesma política foi demonizada e tachada de velha política. Com base nisso, novos paradigmas surgiram e, portanto, houve uma nova pauta calcada sobretudo nas redes sociais, que fluem como uma mídia social individual e não institucional.
Os partidos tradicionais pagaram um preço, é verdade; mas, passada a tormenta, o que se observa é que, para dar o passo decisivo na evolução do governo Bolsonaro, mais do que nunca se precisa da política.
É a boa política —não estou aqui falando de fisiologismo, negociação de cargos nem liberação de recursos— que vai aprovar a reforma da Previdência sem ter a desidratação que desfigure o avanço do equilíbrio fiscal e, consequentemente, desfaça a sinalização necessária para os preceitos do bom investimento e da segurança jurídica.
A capacidade de pagamento do Brasil e o endividamento público são hoje óbices para uma leitura animadora sobre o futuro do país. A reforma da Previdência, ou a nova Previdência (como quis denominar o governo atual na tentativa de estabelecer uma outra comunicação), por si só não resolve os problemas do governo. Tem o condão, contudo, de avançar a economia e talvez descolar a atividade econômica da própria ação do governo.
Se, durante a campanha, espancar a política serviu como alavanca para catapultar candidaturas e conseguir votos (e realmente aconteceu), na gestão e no dia a dia da governabilidade a política ganha traços de ação prioritária, decisiva e nobre na ótica de quem quer governar com responsabilidade e sem sustos.
Articular uma base sem tratar com os partidos políticos e os líderes partidários —que se sentam à mesa do presidente da Câmara dos Deputados e do Senado Federal para definir a pauta e dar urgência às matérias— é construir uma casa sem alicerces, que ruirá em momentos de tumultos.
Tentar pôr de lado os partidos políticos é uma medida que exclui, na prática, a própria democracia. Isso porque a eleição para o Executivo e para o Legislativo se configura por meio dos próprios partidos políticos, mesmo que muitos precisem ser reformulados —um fato determinante e necessário. Em ambos os casos, a vida partidária precisa ser regada com boas práticas políticas, verdade e respeito.
O governo atual encontra-se em um dilema: continuar no palanque fustigando os partidos e a política ou cair na realidade de que a construção política é algo fundamental e que precisa ser feita com qualidade para que os objetivos se confirmem e sejam atingidos.
O governo Bolsonaro tem um longo caminho a percorrer no sentido de que, ao fazer ajustes aos novos tempos, dependerá também da política como aliada na construção de um país melhor. No final das contas, a política é quem vai decidir.
Romero Jucá
Presidente nacional do MDB, economista e ex-senador pelo Amapá (1995-2019)
Escantear partidos exclui a própria democracia
Passados três meses da atual gestão, o futuro da economia brasileira e do governo do presidente Jair Bolsonaro (PSL) vão depender, ironicamente, da política.
Tão atacada, foco de protestos da população e alvo preferencial dos candidatados considerados “outsiders” durante o processo eleitoral de 2018, a política volta a ser decisiva para que o governo atinja o sucesso de construir mais uma etapa de fortalecimento da economia brasileira.
As novas votações, que precisam ser viabilizadas no campo da política, darão o escopo e demonstrarão, na prática, qual rumo tomará a economia brasileira, pois, entre a apresentação da proposta e o texto a ser sancionado, há uma longa diferença e caminhos que serão determinados da forma como se dará a condução política.
Durante a campanha, esta mesma política foi demonizada e tachada de velha política. Com base nisso, novos paradigmas surgiram e, portanto, houve uma nova pauta calcada sobretudo nas redes sociais, que fluem como uma mídia social individual e não institucional.
Os partidos tradicionais pagaram um preço, é verdade; mas, passada a tormenta, o que se observa é que, para dar o passo decisivo na evolução do governo Bolsonaro, mais do que nunca se precisa da política.
É a boa política —não estou aqui falando de fisiologismo, negociação de cargos nem liberação de recursos— que vai aprovar a reforma da Previdência sem ter a desidratação que desfigure o avanço do equilíbrio fiscal e, consequentemente, desfaça a sinalização necessária para os preceitos do bom investimento e da segurança jurídica.
A capacidade de pagamento do Brasil e o endividamento público são hoje óbices para uma leitura animadora sobre o futuro do país. A reforma da Previdência, ou a nova Previdência (como quis denominar o governo atual na tentativa de estabelecer uma outra comunicação), por si só não resolve os problemas do governo. Tem o condão, contudo, de avançar a economia e talvez descolar a atividade econômica da própria ação do governo.
Se, durante a campanha, espancar a política serviu como alavanca para catapultar candidaturas e conseguir votos (e realmente aconteceu), na gestão e no dia a dia da governabilidade a política ganha traços de ação prioritária, decisiva e nobre na ótica de quem quer governar com responsabilidade e sem sustos.
Articular uma base sem tratar com os partidos políticos e os líderes partidários —que se sentam à mesa do presidente da Câmara dos Deputados e do Senado Federal para definir a pauta e dar urgência às matérias— é construir uma casa sem alicerces, que ruirá em momentos de tumultos.
Tentar pôr de lado os partidos políticos é uma medida que exclui, na prática, a própria democracia. Isso porque a eleição para o Executivo e para o Legislativo se configura por meio dos próprios partidos políticos, mesmo que muitos precisem ser reformulados —um fato determinante e necessário. Em ambos os casos, a vida partidária precisa ser regada com boas práticas políticas, verdade e respeito.
O governo atual encontra-se em um dilema: continuar no palanque fustigando os partidos e a política ou cair na realidade de que a construção política é algo fundamental e que precisa ser feita com qualidade para que os objetivos se confirmem e sejam atingidos.
O governo Bolsonaro tem um longo caminho a percorrer no sentido de que, ao fazer ajustes aos novos tempos, dependerá também da política como aliada na construção de um país melhor. No final das contas, a política é quem vai decidir.
Romero Jucá
Presidente nacional do MDB, economista e ex-senador pelo Amapá (1995-2019)
A mentalidade bolsonarista - CARLOS ANDREAZZA
O GLOBO - 02/04
É a mentalidade revolucionária a que dirige Bolsonaro
Que Paulo Guedes se acautele sobre a viabilidade de um ambicioso programa de reformas liberais sob um governo que, dirigido pela lógica da ruptura, age como oposição — afluente do conflito — e opera em campanha permanente, elegendo e cevando inimigos para manter excitada a tropa.
A discussão sobre 1964 — sobre se terá sido golpe etc. — é a mais recente expressão narrativa do processo revolucionário bolsonarista; e deve ser compreendida sobretudo à luz da circunstância em que o bolsonarismo — chancelado por Jair Bolsonaro — tenta emparedar o Parlamento, aquele outrora fechado pela ditadura. Tudo calculado. Um debate anacrônico, artificial, forjado desde dentro do Planalto também para, apostando no confronto, desviar atenções, fatigar o olhar crítico e mitigar a constatação dos verdadeiros problemas brasileiros em 2019: aqueles derivados da incompetência do presidente para liderar uma agenda prática a partir da qual, reforma da Previdência como gatilho, a economia volte a crescer.
Os anestesiados que saem no braço nas ruas — engalfinhando-se acerca de versões sobre um passado que não viveram — são os mesmos que ora estão desempregados. Uma conta que não fecha; que explodirá.
Convém a Guedes, homem brilhante, folhear a história e avaliar a compatibilidade entre o projeto liberal que encarna e a dinâmica de um governo reacionário como o que integra. O ministro fala, com gosto e frequência, em “sociedade aberta”, aquela, antidogmática, cujo principal valor talvez seja o questionamento permanente e pouco mediado; mas deve atentar para como a sociedade se comprime quando, aterrada a importância da mediação, instrumentaliza-se a mobilização popular — o povo como ferramenta de pressão — em prol de um projeto de poder.
O apoio constante das massas é um fetiche do bolsonarismo, ilusão cultivada pela capacidade de mobilização bolsonarista nas redes. Tem lastro, porém, em desastres pretéritos, na trajetória das revoluções ditas populares. E sempre se materializa na necessidade elitista de ser liderado por alguém. Mas: por quem? Quem poderia assegurar a mobilização popular capaz de impulsionar a agenda rompedora da “nova era”?
Antes de responder, é preciso reconsiderar a influência do núcleo militar sobre o presidente. Estará equivocado aquele que a avaliar como grande. Não é. Ou seremos obrigados a julgar os generais governistas ou como incompetentes ou como corresponsáveis pela depauperação institucional promovida — com método — pelo governo.
Que não nos iludamos. É a mentalidade revolucionária a que dirige Bolsonaro; aquela apregoada pela ala que se nomeia antiestablishment, o grupo dos filhos Carlos e Eduardo, e que tem Filipe Martins, o intelectual do novo regime, dentro do Planalto. Segundo o próprio Martins, seria essa a única ala capaz de garantir e nortear a pressão popular sem a qual agenda alguma do governo prosperará. Inclusive a de Guedes. A reforma liberal, portanto, dependente da revolução reacionária.
Trato aqui de um processo revolucionário que se quer plantar como permanente — e cuja estratégia de enraizamento obedece ao seguinte infinito: depois de haver vencido o establishment na eleição, o bolsonarismo ora enfrenta, desde dentro do governo, a batalha por novamente vencer o mesmo establishment, desta vez em sua facção aparelhada na máquina pública, guerra de guerrilha cujo êxito dependerá de aplicação ininterrupta.
Já escrevi algumas vezes que um dos mais sólidos agentes do bolsonarismo é a criminalização da atividade política; ação que alcançou o estado da arte a partir do momento em que Bolsonaro, uma vez presidente, incorporou a Lava-Jato — na figura de Sergio Moro — ao governo, e que, na prática, manifesta-se em investimento sistemático contra a democracia representativa. A conflagração recente entre Executivo e Legislativo é simbólica desse movimento.
Foi a ala antiestablishment o centro difusor dos ataques à necessidade de o governo dialogar com o Parlamento e articular politicamente em benefício da reforma da Previdência. O conceito é objetivo — está na convenção da fábrica de algozes: não se conversa com bandido, o qual deve ser submetido. Ou o Congresso, espécie de sindicato do crime, casa de traidores da pátria, poder intermediário a ser esmagado, aprova o que deseja Bolsonaro ou se acertará com a única força legítima para além do presidente: a pressão popular.
Crer que desse modus operandi estabelecido se possa extrair alguma paz institucional duradoura será negar a natureza da mentalidade que preside o país. A regra é o choque. Que estimemos, pois, as possibilidades de um pacote reformista estrutural numa estrada cuja pavimentação é a rachadura.