FOLHA DE SP - 01/04
Só iniciantes acham que conhecer Deus diretamente é ficar babando em cima Dele
A busca do conhecimento de Deus é um clássico. Muita gente de peso já escreveu sobre isso. As críticas que gente como Marx, Freud, Nietzsche, Feuerbach e Spinoza fizeram à religião são coisa séria, tanto que a grande teologia as assimilou e tenta reagir a elas até hoje.
Nem os darwinistas podem provar que Deus não existe. Nem os religiosos podem provar, tampouco, que Ele exista. Deus é uma variável sem controle experimental. Você até pode entender que há motivos racionais para crer em Deus, mas, creio eu, tendo para a posição protestante que considera a fé como o caminho mais reto para Deus. Esse "erro" protestante é chamado de "fideísmo" pelos católicos cultos. Céticos como Montaigne, no século 16, incorreram nesse "erro", apesar de católico.
Hoje quero falar de mística: o conhecimento direto de Deus. Esse tema também tem um vasto campo na fortuna crítica especializada.
O próprio termo "mística", segundo o maior historiador da mística cristã vivo, Bernard McGinn, nem sempre significou pessoas que conhecem Deus diretamente. O sentido, originalmente grego (escondido, misterioso), já serviu para descrever camadas ocultas do texto bíblico e as transformações que o conhecimento dessas camadas causam em quem as conhece a fundo, enfim, um longo trajeto. No cristianismo, só cerca de 1.500 anos atrás, grosso modo, chegamos ao sentido de pessoas que conhecem Deus diretamente.
Ainda que o termo só se estabilize como pessoas que conhecem Deus diretamente ao redor do século 16 espanhol e 17 francês, já na idade média (entre os séculos 12 e 15) temos relatos de muitas mulheres e homens que descreviam essa espécie de conhecimento —alguns deles e delas arderam na fogueira por isso.
Um desses homens foi o filósofo Meister Eckhart (Mestre Eckhart) que, provavelmente, morreu em 1328 nalgum lugar na sua Alemanha de origem (que, claro, não existia como unidade nacional na época).
O Meister, como é chamado por quem se dedica ao seu estudo, foi condenado pela inquisição em março de 1329, mas já estava morto. A acusação era justamente de pregar em língua vernácula sobre temas difíceis, como o conhecimento direto de Deus, para pessoas ignorantes, principalmente mulheres, que o seguiam aos montes entre Estrasburgo e Colmar, na França, onde ele viveu alguns anos.
Dentre seus textos mais famosos, um sermão em língua alemã medieval salta aos olhos por conta da definição de intimidade com Deus que ele dá. O conceito usado por ele é "desprendimento", estado da alma que, verdadeiramente, tem intimidade com a divindade (ou Deidade, como muitos místicos alemães diziam na época). Desprender-se de tudo, inclusive de si mesmo, em termos contemporâneos. Esse tema aparece, ainda que de forma tosca, no blábláblá de "desapego" hoje.
No Evangelho, é famosa a passagem em que Jesus visita as duas irmãs Marta e Maria, suas amigas. Ao chegar à casa delas, elas são tomadas por uma profunda alegria, já que elas o viam como o Messias. Era, portanto, um luxo, um privilégio, Jesus, o Cristo, parar na casa delas pra descansar de sua atribulada vida pública.
Muitas viagens a pé, muitos atendimentos a necessitados, muita gente atrás dele, afinal de contas. Isso sempre cansa. Lembremos que para o cristianismo posterior, Jesus querer descansar na sua casa é Deus parando pra tomar um cafezinho que você fez!
Segundo o relato do Evangelho, Maria, a caçula, fica aos pés de Jesus contemplando sua beleza (a mulherada devia mesmo babar em cima dele) e se põe a lavar seus pés, que deve ter sido uma delícia mesmo para ele. Jesus gostava das mulheres. Aposto que Jesus deve ter adorado isso. Marta, a mais velha, corre pra fazer um cafezinho e lhe oferecer algo, uma água, um suco.
Sempre se entendeu que Maria aproveitou melhor a visita porque ficou contemplando a beleza de Jesus, e Marta se perdeu querendo oferecer um café para Deus. Mas, o Meister inverte a lógica e se pergunta: afinal, quem tem intimidade profunda com alguém fica parado babando na pessoa quando ela aparece ou corre pra servir a ela o seu "cotidiano", sem se prender a êxtase nenhum?
Ter intimidade com Deus para o Meister não era ficar paralisada diante da Sua beleza, mas sim trocar uma ideia com Ele, fazendo um cafezinho na cozinha, lavando uma louça. Certa feita, um abade trapista (ordem religiosa que vive em silêncio), amigo meu, me disse a mesma coisa —só iniciantes acham que conhecer Deus diretamente é ficar babando em cima Dele.
Luiz Felipe Pondé
Escritor e ensaísta, autor de “Dez Mandamentos” e “Marketing Existencial”. É doutor em filosofia pela USP.
segunda-feira, abril 01, 2019
Jogos vão mudar as telecomunicações - RONALDO LEMOS
FOLHA DE SP - 01/04
Para games funcionarem, a latência precisará ser próxima de zero; isso é revolucionário
Pipocou nos últimos dias a notícia de que o Google lançou um novo serviço de games online, chamado Stadia.
Hoje, se alguém quer jogar um jogo de ponta, precisa comprar um dos principais videogames, como Xbox ou Play-Station. Com o novo modelo, isso não é mais necessário.
Usando o próprio navegador Chrome, passa a ser possível jogar games complexos como “Assassin’s Creed” pela internet, via streaming. O jogo fica na “nuvem”, e todos os comandos e respostas são transmitidos pela rede em tempo real.
As análises sobre o novo produto afirmaram: “O Google Stadia mudará para sempre a indústria de games e como as pessoas consomem jogos”. Está certo. No entanto, na verdade esse modelo vai mudar para sempre toda a indústria de telecomunicações e como as pessoas se conectam à internet.
Explico. Os games estão servindo de ponta de lança para uma profunda revolução na infraestrutura da internet. A razão é simples: games demandam respostas imediatas. Não dá para soltar um comando para Lara Croft atirar em um monstro em “Tomb Raider” e isso levar três segundos para chegar aos servidores do Google. Até lá a personagem terá sido trucidada pelos adversários virtuais.
Em outras palavras, para que esse tipo de modelo funcione, será preciso acabar com a latência na internet, definida como o tempo que leva para mandar uma informação do emissor para o receptor. Para games funcionarem, a latência precisará ser muito próxima de zero.
Isso é revolucionário. Hoje, a conexão à internet é organizada em torno de basicamente dois modelos: velocidade e volume de dados.
Quando assinamos um provedor em casa, perguntamos qual a velocidade de conexão: 25 mpbs e assim por diante.
Quando assinamos a conexão pelo celular, perguntamos qual o tamanho do “pacote de dados”: 1 gigabyte, 5 GB e assim por diante.
Serviços como o do Google introduzem no mercado um novo conceito: qual é a latência oferecida pelo serviço. Se a latência é alta, não importa a velocidade da conexão ou o tamanho do pacote de dados. A conexão fica imprestável para essas aplicações mais novas (e que serão as mais cobiçadas).
Isso vai obrigar as operadoras de telecomunicações a reorganizar suas redes para oferecer latência baixíssima. Se não fizerem isso, as próprias empresas de internet construirão elas mesmas a infraestrutura de latência baixa para oferecer a seus usuários.
É claro que games são só a ponta da lança. A internet “imediata” é revolucionária. Ela inclui telemedicina, em que vai ser possível operar pacientes a distância. Carros autônomos (que também não admitem latência), redes de drones e outros modelos de interatividade ainda nem sonhados.
Vem aí a internet imediata, interativa, de alta definição e em tempo real. Isso só reforça a importância do 5G.
Entre suas promessas, está justamente a latência baixa. Países que se posicionarem primeiro quanto ao 5G terão capacidade de desenvolver primeiro esses novos tipos de aplicação e liderar.
Por fim, quem me chamou a atenção para tudo isso foi Thiago Camargo, que, além de gamer inveterado, foi secretário de políticas digitais do Ministério da Ciência e Tecnologia no Brasil.
Reader
Já era Perguntar “qual a velocidade” da conexão
Já é Perguntar “qual o tamanho do pacote de dados” da conexão
Já vem Perguntar “qual é a latência” da conexão
Ronaldo Lemos
Advogado, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro
Para games funcionarem, a latência precisará ser próxima de zero; isso é revolucionário
Pipocou nos últimos dias a notícia de que o Google lançou um novo serviço de games online, chamado Stadia.
Hoje, se alguém quer jogar um jogo de ponta, precisa comprar um dos principais videogames, como Xbox ou Play-Station. Com o novo modelo, isso não é mais necessário.
Usando o próprio navegador Chrome, passa a ser possível jogar games complexos como “Assassin’s Creed” pela internet, via streaming. O jogo fica na “nuvem”, e todos os comandos e respostas são transmitidos pela rede em tempo real.
As análises sobre o novo produto afirmaram: “O Google Stadia mudará para sempre a indústria de games e como as pessoas consomem jogos”. Está certo. No entanto, na verdade esse modelo vai mudar para sempre toda a indústria de telecomunicações e como as pessoas se conectam à internet.
Explico. Os games estão servindo de ponta de lança para uma profunda revolução na infraestrutura da internet. A razão é simples: games demandam respostas imediatas. Não dá para soltar um comando para Lara Croft atirar em um monstro em “Tomb Raider” e isso levar três segundos para chegar aos servidores do Google. Até lá a personagem terá sido trucidada pelos adversários virtuais.
Em outras palavras, para que esse tipo de modelo funcione, será preciso acabar com a latência na internet, definida como o tempo que leva para mandar uma informação do emissor para o receptor. Para games funcionarem, a latência precisará ser muito próxima de zero.
Isso é revolucionário. Hoje, a conexão à internet é organizada em torno de basicamente dois modelos: velocidade e volume de dados.
Quando assinamos um provedor em casa, perguntamos qual a velocidade de conexão: 25 mpbs e assim por diante.
Quando assinamos a conexão pelo celular, perguntamos qual o tamanho do “pacote de dados”: 1 gigabyte, 5 GB e assim por diante.
Serviços como o do Google introduzem no mercado um novo conceito: qual é a latência oferecida pelo serviço. Se a latência é alta, não importa a velocidade da conexão ou o tamanho do pacote de dados. A conexão fica imprestável para essas aplicações mais novas (e que serão as mais cobiçadas).
Isso vai obrigar as operadoras de telecomunicações a reorganizar suas redes para oferecer latência baixíssima. Se não fizerem isso, as próprias empresas de internet construirão elas mesmas a infraestrutura de latência baixa para oferecer a seus usuários.
É claro que games são só a ponta da lança. A internet “imediata” é revolucionária. Ela inclui telemedicina, em que vai ser possível operar pacientes a distância. Carros autônomos (que também não admitem latência), redes de drones e outros modelos de interatividade ainda nem sonhados.
Vem aí a internet imediata, interativa, de alta definição e em tempo real. Isso só reforça a importância do 5G.
Entre suas promessas, está justamente a latência baixa. Países que se posicionarem primeiro quanto ao 5G terão capacidade de desenvolver primeiro esses novos tipos de aplicação e liderar.
Por fim, quem me chamou a atenção para tudo isso foi Thiago Camargo, que, além de gamer inveterado, foi secretário de políticas digitais do Ministério da Ciência e Tecnologia no Brasil.
Reader
Já era Perguntar “qual a velocidade” da conexão
Já é Perguntar “qual o tamanho do pacote de dados” da conexão
Já vem Perguntar “qual é a latência” da conexão
Ronaldo Lemos
Advogado, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro
O Twitter como um sofá - FERNANDO GABEIRA
O GLOBO - 01/04
Uma escocesa de 71 anos, chamada Jo Cameron, sente quase nenhuma dor e nenhuma ansiedade. Os cientistas estão pesquisando o mapa genético de Jo e esperam achar um remédio que nos aproxime da ausência de dor e ansiedade.
Ao analisar a situação política brasileira, sinto falta de uma dose desse remédio natural. As coisas parecem degringolar nas últimas semanas. Não tenho ânimo para dar conselhos nem para atirar pedras. Nesses 90 dias, misteriosas forças estão em curso no governo e nas relações de poder. Talvez o melhor seja esperar a troca de farpas passar com calma, para falar da realidade…
Bolsonaro, que conheci como deputado, mudou bastante. Ele era conservador, anticomunista e de vez em quando fazia incursões exóticas contra a importação da banana do Equador.
Nesse processo eleitoral, adquiriu uma espécie de crosta teórica: uma visão estreita de nacionalismo; uma cosmovisão religiosa voltada para a catequese do mundo; enfim, uma volta a um passado idealizado como objetivo político.
Isso é um fenômeno importante pelo menos no mundo ocidental. É chamado de retropia. É uma utopia que não fantasia sobre um futuro idealizado, mas sim um passado idealizado. Qualquer das utopias, no entanto, choca-se com a realidade quando se dispõe a governar um país complicado como o Brasil.
O diálogo político com um idealista utópico é muito difícil. Tende a considerar os argumentos como uma submissão à realidade, desconfia do que lhe parece o vazio medíocre da ausência de uma utopia.
Bolsonaro, eu achava, teria mais chances se buscasse inspiração nas Forças Armadas atuais, que conquistaram uma grande simpatia, pela moderação política e eficácia em operações complexas e emergentes, como a distribuição de água no Nordeste e a montagem da Operação Acolhida em Pacaraima, que organizou a recepção dos venezuelanos. Um trabalho de nível internacional, com grande respeito pelos imigrantes.
Parece que ele sonha com os combatentes do passado e, de alguma forma, voltar atrás, refazer aquela luta contra a esquerda. Isso não bastou. Quer reconhecimento, reescrever a História.
Olho isso com tranquilidade no indivíduo, pois conheço muita gente fixada em certos períodos do passado. Mas o caminho que as Forças Armadas tomaram, fixando-se no presente e olhando para o futuro, é muito mais adequado para um presidente da República.
Os aliados aconselham Bolsonaro a deixar o Twitter. Parecem não ter percebido que o tuíte não se escreve sozinho. É apenas uma plataforma que pode ser usada com sensatez ou não.
Tirar o Twitter é tirar o sofá. Bolsonaro vai prosseguir na sua cruzada retrópica. Ele foi ao Chile, onde as cicatrizes são maiores que no Brasil, discorrer sobre o período ditatorial.
O resultado não se limitou à divulgação de suas infelizes frases do passado, mas também houve uma entrevista do próprio presidente do Chile, distanciando-se das posições de Bolsonaro.
Nos Estados Unidos, nessa plataforma diplomática que acaba inundando as redes sociais, Bolsonaro afirmou que a maioria dos imigrantes é mal-intencionada. Ainda bem que desmentiu em seguida. Na mesma semana, Eduardo Bolsonaro, presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, declarou que os imigrantes ilegais eram uma vergonha para o país. Se ele lesse os arquivos da comissão, veria que, no passado, havia um grande empenho para ajudar os brasileiros em situação irregular em todo o mundo. Chegamos a criar consulados itinerantes. Os próprios parlamentares evangélicos eram muito atuantes nessa frente.
Tudo bem, meu interesse não é argumentar contra as ideias de Bolsonaro ou mesmo as dos utópicos de esquerda. Quero apenas dizer que a posição missionária de Bolsonaro e do grupo intelectual que o inspira pode desencadear forças destrutivas. Quando o governo tem a pretensão de governar comportamentos, fica impossível achar um modus vivendi.
Isso influencia até a relação com o Parlamento. Bolsonaro, até agora, foi incapaz de organizar, quanto mais ampliar, sua base. Não fez um gesto republicano para a oposição.Na verdade, não ocupou e parece não ter querido ocupar o espaço do presidente de todos os brasileiros de dentro e fora do país.
Não adianta falar muito, apenas esperar que as forças destrutivas encerrem seu ciclo numa volta à realidade ou então num desastre. Grupos e mentalidades muito fechadas tendem a considerar as críticas como um esforço conspiratório, para minar a legimitidade do governo.
Como no castelo de Kakfa, havia uma porta aberta pela eleição. Bolsonaro não a encontrou. Não se perdeu no Twitter. Está perdido.
Uma escocesa de 71 anos, chamada Jo Cameron, sente quase nenhuma dor e nenhuma ansiedade. Os cientistas estão pesquisando o mapa genético de Jo e esperam achar um remédio que nos aproxime da ausência de dor e ansiedade.
Ao analisar a situação política brasileira, sinto falta de uma dose desse remédio natural. As coisas parecem degringolar nas últimas semanas. Não tenho ânimo para dar conselhos nem para atirar pedras. Nesses 90 dias, misteriosas forças estão em curso no governo e nas relações de poder. Talvez o melhor seja esperar a troca de farpas passar com calma, para falar da realidade…
Bolsonaro, que conheci como deputado, mudou bastante. Ele era conservador, anticomunista e de vez em quando fazia incursões exóticas contra a importação da banana do Equador.
Nesse processo eleitoral, adquiriu uma espécie de crosta teórica: uma visão estreita de nacionalismo; uma cosmovisão religiosa voltada para a catequese do mundo; enfim, uma volta a um passado idealizado como objetivo político.
Isso é um fenômeno importante pelo menos no mundo ocidental. É chamado de retropia. É uma utopia que não fantasia sobre um futuro idealizado, mas sim um passado idealizado. Qualquer das utopias, no entanto, choca-se com a realidade quando se dispõe a governar um país complicado como o Brasil.
O diálogo político com um idealista utópico é muito difícil. Tende a considerar os argumentos como uma submissão à realidade, desconfia do que lhe parece o vazio medíocre da ausência de uma utopia.
Bolsonaro, eu achava, teria mais chances se buscasse inspiração nas Forças Armadas atuais, que conquistaram uma grande simpatia, pela moderação política e eficácia em operações complexas e emergentes, como a distribuição de água no Nordeste e a montagem da Operação Acolhida em Pacaraima, que organizou a recepção dos venezuelanos. Um trabalho de nível internacional, com grande respeito pelos imigrantes.
Parece que ele sonha com os combatentes do passado e, de alguma forma, voltar atrás, refazer aquela luta contra a esquerda. Isso não bastou. Quer reconhecimento, reescrever a História.
Olho isso com tranquilidade no indivíduo, pois conheço muita gente fixada em certos períodos do passado. Mas o caminho que as Forças Armadas tomaram, fixando-se no presente e olhando para o futuro, é muito mais adequado para um presidente da República.
Os aliados aconselham Bolsonaro a deixar o Twitter. Parecem não ter percebido que o tuíte não se escreve sozinho. É apenas uma plataforma que pode ser usada com sensatez ou não.
Tirar o Twitter é tirar o sofá. Bolsonaro vai prosseguir na sua cruzada retrópica. Ele foi ao Chile, onde as cicatrizes são maiores que no Brasil, discorrer sobre o período ditatorial.
O resultado não se limitou à divulgação de suas infelizes frases do passado, mas também houve uma entrevista do próprio presidente do Chile, distanciando-se das posições de Bolsonaro.
Nos Estados Unidos, nessa plataforma diplomática que acaba inundando as redes sociais, Bolsonaro afirmou que a maioria dos imigrantes é mal-intencionada. Ainda bem que desmentiu em seguida. Na mesma semana, Eduardo Bolsonaro, presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, declarou que os imigrantes ilegais eram uma vergonha para o país. Se ele lesse os arquivos da comissão, veria que, no passado, havia um grande empenho para ajudar os brasileiros em situação irregular em todo o mundo. Chegamos a criar consulados itinerantes. Os próprios parlamentares evangélicos eram muito atuantes nessa frente.
Tudo bem, meu interesse não é argumentar contra as ideias de Bolsonaro ou mesmo as dos utópicos de esquerda. Quero apenas dizer que a posição missionária de Bolsonaro e do grupo intelectual que o inspira pode desencadear forças destrutivas. Quando o governo tem a pretensão de governar comportamentos, fica impossível achar um modus vivendi.
Isso influencia até a relação com o Parlamento. Bolsonaro, até agora, foi incapaz de organizar, quanto mais ampliar, sua base. Não fez um gesto republicano para a oposição.Na verdade, não ocupou e parece não ter querido ocupar o espaço do presidente de todos os brasileiros de dentro e fora do país.
Não adianta falar muito, apenas esperar que as forças destrutivas encerrem seu ciclo numa volta à realidade ou então num desastre. Grupos e mentalidades muito fechadas tendem a considerar as críticas como um esforço conspiratório, para minar a legimitidade do governo.
Como no castelo de Kakfa, havia uma porta aberta pela eleição. Bolsonaro não a encontrou. Não se perdeu no Twitter. Está perdido.