sábado, março 30, 2019

A marcha da insensatez - MARCUS PESTANA

O Tempo - MG - 30/03

A tarefa número 1 do governo é fazer as reformas, mas...


Como todo bom médico, a análise política deve começar por um diagnóstico o mais próximo da realidade possível.

Nessa época de hiperativismo online, onde a reflexão é baixa, as discussões rasas e as opiniões expostas em 280 toques do Twitter, talvez seja mais importante fazer as perguntas essenciais, antes de avançar nas respostas.

Qual é o estado da arte do Brasil no início de 2019?

Como dizia Ulysses Guimarães, vamos a V. Excia. “os fatos”. A não ser que também se queira brigar com a realidade. O desemprego continua altíssimo. As desigualdades ainda são escandalosas. Crianças e jovens são formados num sistema educacional com graves problemas de qualidade. Os vazios assistenciais do SUS são enormes. O crime organizado estabelece ordem constitucional própria paralela. O crescimento econômico é pífio. A década de 2010 está perdida. O crescimento médio será de cerca de 1%. Os governos estão falidos, sufocados por grave crise fiscal. O IBOPE registra queda súbita de popularidade de Bolsonaro. Ufa... Precisa mais?

A clássica pergunta: O que fazer? A quem cabe dar uma guinada? Às instituições, ao sistema decisório, portanto, aos políticos.

“Mas os políticos não prestam”. “Não tem um que salve”. “Não queremos experiência, vivência, biografia, legado”. “Queremos uma nova política”. Estes não foram os bordões de 2018? Não há velha ou nova política, existe boa e má. E mais, fora da democracia não há salvação.

Mas o que a “nova política”, inaugurada em 2019, tem nos oferecido?

A temperatura da Marcha da Insensatez subiu muitos graus nos últimos dias. O Presidente não consegue descer do palanque e largar o celular. Cutucou Temer e Lula numa fala para empresários, portanto alfinetou MDB e PT. Ele e sua turma assestaram baterias em cima de Rodrigo Maia, que heroicamente tenta suprir o déficit de articulação política do governo. O ápice foi a espetada de Bolsonaro relacionando a derrota na votação da PEC que engessou ainda mais o orçamento – espetacular irresponsabilidade da Câmara para impulsionar a Nau dos Insensatos – com abalos pessoais por conta da prisão de seu quase sogro Moreira Franco. A resposta dura de Maia foi: “São 12 milhões de desempregados, 15 milhões vivendo abaixo da linha de pobreza e o presidente brincando de presidir o Brasil”. Será que o Presidente quer aprovar as reformas no Congresso ou não entende nada de articular base de apoio, após 30 anos de vida parlamentar?

Parou aí? Não. A ênfase nas comemorações do golpe de 1964, assunto já pacificado pela anistia, jogou mais lenha na fogueira. O núcleo de ministros discípulos de Olavo continua produzindo gestos inúteis a cada dia. Paulo Guedes, por quem torço radicalmente, acendeu os sinais amarelos do mercado ao dizer que só queria servir e que “se ninguém quiser o serviço, vai ser um prazer ter tentado”. Mas também errou ao caracterizar no Senado o governo FHC - do Plano Real, da responsabilidade fiscal e das privatizações – como socialista.

O Governo tem que governar, é óbvio. Mas não parece para Bolsonaro. A tarefa número um é fazer as reformas. Mas o próprio governo em uma semana cutucou MDB, PT, Rodrigo Maia e seus inúmeros liderados, PSDB, a “velha política” supostamente encastelada no Congresso.

A marcha da insensatez e sua nau têm dificultado enormemente aqueles que se esforçam para serem otimistas.

De sonhos e ilusões - JOÃO DOMINGOS

O Estado de S.Paulo - 30/03

Se o governo não ajudar, fica difícil aprovar qualquer proposta


Da quinta-feira para cá, quando se anunciou a decisão do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), de, junto com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e com o ministro da Economia, Paulo Guedes, tocar a reforma da Previdência sem esperar pelo presidente Jair Bolsonaro, ficou a impressão de que todos os problemas do País seriam resolvidos. A bolsa voltou a subir, o dólar a cair, um relator para o projeto da Previdência foi escolhido para dizer na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara que a proposta é constitucional. Muita gente sorriu e o mundo pareceu mais feliz.

As coisas, no entanto, não são fáceis assim.

O afastamento do presidente da República das negociações da reforma da Previdência pode até ser o sonho de muitos. Principalmente porque as críticas ao comportamento de deputados, senadores e dirigentes partidários poderiam diminuir, visto que Bolsonaro parece ter compulsão por escrever nas redes sociais que eles fazem parte da velha política. Isso irrita que só, embora não haja bem uma definição para o termo. Como também não há para a nova política pregada por Bolsonaro durante a campanha. Tudo não passa de marketing. Quer negociar com o governo? É da velha política, embora negociar não carregue qualquer tipo de desvio e seja próprio da política. O crime é o roubo, a corrupção, o desvio de dinheiro, o caixa 2, e por aí vai. Se o presidente souber de alguma coisa de errado com algum auxiliar, deve demitir o suspeito imediatamente, apoiar a abertura de investigação, esperar o processo e o julgamento e aplaudir as penas.

Pois bem. O afastamento de Bolsonaro das negociações da reforma pode até ser um sonho. Mas, dificilmente, ocorrerá. Em primeiro lugar, porque a reforma da Previdência faz parte do programa de governo e é vista como o principal projeto da atual administração, aquele que devolverá a confiança dos investidores no País, reduzirá desigualdades e dará os primeiros passos para o equilíbrio das contas públicas. A partir daí, gostam de dizer alguns, como o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, que o País entrará num circuito virtuoso de crescimento econômico e geração de empregos.

Qual presidente da República vai abrir mão de um programa como este para delegar tudo a seu ministro da Fazenda e aos dois dirigentes das Casas do Congresso? Difícil acreditar que vai. Se o fizer, entregará a chefia do governo a Maia, Alcolumbre e Guedes. Se transformará numa espécie de rainha da Inglaterra e passará a cuidar de viagens e cerimônias. E ainda ficará com a fama de que o governo só entrou nos eixos quando se afastou das decisões mais importantes.

É possível até que na campanha Bolsonaro tenha pensado assim. Questões da economia, como ele mesmo dizia, por entender pouco do assunto, estavam todas elas com Paulo Guedes. A ele, cabia a parte mais divertida, que era criticar os governos do PT, chamá-los de corruptos, abraçar a pauta conservadora nos costumes, defender a flexibilização da posse de armas e dizer que não faria a velha política caso fosse eleito. Tudo o que seu eleitor queria ouvir. Deu certo.

Acontece que um governo é muito mais do que isso. Não é possível apenas pegar um projeto, entregá-lo ao Congresso e dizer: o filho aqui está, agora são vocês, deputados e senadores, que dele devem cuidar. Eu vou tocar minha vida. Se o governo não der uma ajuda, se não oferecer instrumentos para a conquista dos votos, ficará muito difícil aprovar qualquer projeto. Cada um dos 594 congressistas sabe que o dono da caneta é o presidente da República, não o trio Alcolumbre, Guedes e Maia. É nesta caneta que eles estão de olho.

Presidencialismo é de coalizão - SÉRGIO ABRANCHES

O GLOBO - 30/03

É uma negociação, mas não precisa ser um troca-troca espúrio


A confusão sobre o presidencialismo de coalizão tem sido enorme. O centro das incompreensões tem sido as coalizões. Presidencialismo de coalizão é o nosso modelo político desde 1946. Foi quando o Brasil optou pelo presidencialismo, uma Federação com muitos estados, a eleição de deputados pelo voto proporcional e de mesmo número de senadores por estado, pelo voto majoritário, em um sistema aberto a muitos partidos políticos. Essa combinação de elementos institucionais tornou objetivamente impossível aos presidentes fazerem a maioria no Congresso com seus partidos. Eles precisam de outros partidos para alcançar a maioria e governar. Precisam de uma coalizão multipartidária. Daí, presidencialismo de coalizão.

Presidentes têm, em geral, a capacidade de negociar uma coalizão majoritária, alavancados pela vitória eleitoral. Não é, necessariamente, cooptação, conchavo, toma lá dá cá, nem corrupção. Podem negociar essas alianças com base em programas, princípios e valores. Se um presidente fez uma campanha com um projeto claro e viável de governo, ele pode usá-lo como base dessa negociação.

A Constituição de 1988 remodelou o presidencialismo de coalizão e deu ao presidente mais poderes para controlar a agenda de políticas públicas. Mas o Congresso multipartidário manteve a capacidade de bloquear a agenda presidencial e concentrou poderes de coordenação política na presidência das Mesas e nas lideranças partidárias. A principal força do Congresso vem do fato de praticamente todas as políticas públicas precisarem de leis para serem instituídas. As políticas mais relevantes, como a Previdência, foram inscritas na Constituição, requerendo maioria de três quintos (60%) dos votos, para regulá-las ou modificá-las.

Presidentes precisam, portanto, de maioria ampla e coesa para implantar políticas públicas novas, mudar as existentes, ou fazer reformas. Negociar uma coalizão majoritária não é escolha, é um imperativo. Um presidente não governa sem ela, não aprova suas medidas no Congresso, e o governo fica paralisado. Além disso, arrisca-se a ver o Legislativo aprovar medidas contrárias à sua agenda, como aconteceu na Câmara, com as emendas impositivas. Jânio Quadros e Fernando Collor não negociaram coalizões majoritárias e não governaram.

Mas presidentes não precisam trocar favores com o Congresso, distribuir benesses ilegítimas. Podem negociar a pauta e os princípios para formulação de políticas e, legitimamente, compartilhar o poder, nomeando ministros qualificados, indicados pelos partidos da coalizão, selecionados por critérios fixados pelo Executivo. A participação no governo consolida o compromisso dos partidos com as políticas acertadas.

Presidentes têm três recursos básicos para negociar uma coalizão legítima: a força do voto popular nacional que os elegeu, a liderança política e a persuasão. Com esses três recursos na mão, eles e seus líderes têm condições de conduzir a articulação política para formar a coalizão. É uma negociação, mas não precisa ser um troca-troca espúrio. Negociar é conversar, acertar pontos em comum e compartilhar o poder governamental, sem abrir mão da primazia presidencial.

Qual o problema hoje? Bolsonaro deixou o seu capital eleitoral se dissipar, insistindo em miudezas, e não apresentou uma agenda clara e relevante, capaz de unir o país. Fixou-se em questões menores, que dividem muito. Não demonstrou ter liderança. Não se empenhou a favor das propostas de seus ministros da Economia, para a reforma da Previdência, e da Justiça, para a legislação anticorrupção. Descartou indicações políticas, mas nomeou ministros visivelmente ineptos. Preferiu hostilizar o Congresso, a dialogar politicamente. O resultado é paralisia decisória e perigoso impasse político. A trégua recente é uma pausa, não o fim dos atritos.

Sérgio Abranches é cientista político

Battisti, a confissão - DEMÉTRIO MAGNOLI

FOLHA DE SP - 30/03

Bolsonaro surfa na onda de erro que reforça o discurso dos inimigos dos direitos humanos

"Agora, ele confessa o crime. Me sinto enganado por ele. Admito o erro e peço desculpas por isso." Pedro Abramovay, secretário nacional de Justiça na gestão Tarso Genro, durante o governo Lula, declarou-se "decepcionado" com a confissão de Cesare Battisti. Suas desculpas devem ser postas em arquivo separado das não desculpas do próprio Genro e do ex-senador Eduardo Suplicy. Mas os três estão errados, antes e agora, num nível mais profundo. Bolsonaro surfa na onda desse erro fundamental, que confere verossimilhança ao discurso dos inimigos dos direitos humanos.

Suplicy acreditava na palavra do Battisti de ontem, mas não acredita na do Battisti de hoje: "Eu ainda quero saber qual foi o tipo de ameaça, de proposição feita a Battisti. Caso ele não fizesse essa confissão, o que aconteceria?". Fantástico: o homem falava a verdade quando se declarava inocente, mas mente ao confessar a culpa. A "verdade" de Battisti era que o Estado italiano forjara provas contra ele. Já a "mentira" de Battisti deriva de ameaças do Estado italiano a um preso que cumpre pena perpétua.

Genro não se baseava na palavra do militante, mas no seu próprio parecer sobre o processo judicial italiano: "Não havia prova no processo, que li inteiro". Contudo, como Suplicy, aponta um dedo acusador na direção do Estado italiano: "A Procuradoria precisou da confissão dele para confirmar as acusações. Battisti pode estar fazendo uma confissão combinada com uma transação com o promotor."

De fato, ambos estão dizendo que a Itália era —e ainda é— uma falsa democracia. A acusação implícita reproduz a ideologia do "grupúsculo" extremista de Battisti. Nos textos destinados a justificar sua estratégia terrorista, o Proletários Armados pelo Comunismo —assim como as Brigadas Vermelhas italianas e o Baader-Meinhof alemão— invocava a necessidade de desmascarar as democracias ocidentais, expondo suas almas de Estados policiais. A esquerda brasileira jamais conseguiu se desvencilhar dessa desconfiança essencial na democracia —que, aliás, explica as resistências a condenar nitidamente as ditaduras em Cuba e na Venezuela.

Abramovay segue outro rumo, mas seu erro tem a mesma raiz. Enquanto Genro sugere que a confissão é prova espúria dos crimes de Battisti, Abramovay imagina que ela constitui sua prova legítima. No Estado democrático de Direito, porém, não se admitem confissões como provas conclusivas. A comprovação legal aceitável deve estar nas evidências reunidas pelo processo judicial. Essa regra de ouro, porém, é ignorada tanto pelo que dá crédito à confissão de Battisti (Abramovay) quanto pelos que não dão (Genro e Suplicy). No fundo, os três continuam a desprezar os quatro tribunais que analisaram o caso Battisti.

Aí está o núcleo do problema. Dois tribunais italianos sentenciaram Battisti. Depois, um tribunal francês de apelação autorizou sua extradição e a Corte Europeia de Direitos Humanos confirmou a sentença. O Brasil do PT comportou-se como instância revisora de todos eles. Suplicy, defensor parlamentar do italiano, Genro e Abramovay, autoridades responsáveis pela concessão de asilo, e Lula, chefe de Estado que confirmou o asilo, colocaram as suas convicções políticas acima das decisões dos sistemas judiciais da Itália, da França e da União Europeia.

Atos e palavras têm consequências. A confissão oferece a Bolsonaro e seu cortejo de brucutus uma oportunidade inigualável para identificar a proteção dos direitos humanos à defesa de terroristas e homicidas. Depois da desmoralização do asilo concedido a Battisti, torna-se mais difícil argumentar pela concessão de asilo a dissidentes pacíficos perseguidos por ditaduras de direita ou de esquerda.

Genro, ao menos, não liga para isso: por um ato dele, em 2007, o Brasil deportou a Cuba os dois boxeadores que buscavam asilo no Brasil.

Prática e teoria - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 30/03

A disputa entre o Congresso e o Governo pelo controle do Orçamento tornou mais atual um debate acadêmico provocado pelo economista André Lara Resende, um dos pais do Plano Real e visiting scholar de Columbia. A idéia básica de seus últimos textos, o mais recente deles intitulado “Consenso e Contrassenso: déficit, dívida previdência”, é que juros mais altos que o crescimento do PIB são os verdadeiros causadores da estagnação da economia brasileira, e não a expansão da moeda.

Lara Resende considera que um país que emite sua própria moeda não tem restrições financeiras. Essa tese, num momento em que se busca o controle de gastos, com a reforma da Previdência e outras medidas, para o equilíbrio fiscal do país, condição tida como necessária para o crescimento e atrair investimentos, é considerada por muitos, no mínimo, inconveniente. André rebate as críticas com uma declaração de fé: "Eu não sou político, sou um intelectual que pensa pela própria cabeça".

Nesta semana, em debate na Casa do Saber promovido pelo Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), Lara Resende e outros dois colegas seus também pais do Real, o ex-presidente do BNDES Edmar Bacha e o ex-ministro da Fazenda Pedro Malan, debateram a tese, discordaram na teoria e na prática, Bacha com mais ênfase, Malan com mais diplomacia.

Lara Resende defende que a carga tributária de 36% asfixia a economia, e que os gastos dos Estados e Municípios não podem ser punidos simplesmente: “Isso destrói o país, destrói a infraestrutura, destrói a segurança, destrói a educação, e o moral da população”. Para ele, aumentar a demanda não cria inflação, num país em que a capacidade ociosa é de 40% e a taxa de desemprego de 12,5%.

Lara Resende enfatizou em seu artigo que “a preocupação dos formuladores de políticas não deve estar no financiamento das despesas públicas, mas sim na qualidade destas despesas”. A questão não seria apenas “quanto o governo gasta e tributa, mas, sobretudo, como gasta e tributa”. Mas destacou o que chama de "restrição da realidade":

“O governo pode gastar mal, inflando os gastos com pessoal, criando uma burocracia incompetente e corporativista, subsidiando empresas improdutivas, mas, ao menos em tese, pode também gastar bem, investindo de forma competente, na educação, na saúde, na segurança e na infraestrutura”.

Por isso, diz ele, é importante que se faça análise cuidadosa do orçamento do governo, e submeter à sociedade as opções, tanto dos impostos a serem cobrados, como dos gastos a serem feitos. Música para os ouvidos de deputados "expansionistas" e problema para o presidente da Câmara, Rodrigo Maia.

Já Edmar Bacha, que preside a Casa das Garças no Rio, um dos mais importantes think tank do país, chamou a atenção para o fato de que a taxa tendencial de crescimento do PIB dos países desenvolvidos está em torno de 2% ao ano, enquanto a taxa real de juros sobre a dívida pública desses países se situa em 0,5%. Nesse caso, se não houver déficit primário, o déficit do governo, e portanto, o aumento da dívida pública para financiar esse déficit, se deverá somente aos juros pagos sobre a própria dívida.

Como a taxa de juros é menor que o crescimento do PIB, ao longo do tempo a relação entre a dívida e o PIB será decrescente. Os países desenvolvidos podem, portanto, ressaltou Bacha, até certo ponto gastar mais do que arrecadam, sem que isso implique aumento da relação entre a dívida pública e o PIB.

Mas lamentou: “Esse não é, infelizmente, o caso do Brasil. A taxa de crescimento do PIB nos últimos dois anos foi de apenas 1% e as projeções para os próximos anos não superam 2,5%. Enquanto isso, a taxa real de juros sobre a dívida interna do Tesouro Nacional se situou em 5,4% no ano passado”.

Bacha reafirmou que, por isso, “é importante alcançar um superávit primário nas contas do governo, para evitar que a relação entre dívida e PIB, que já é alta para padrões de países emergentes, continue a crescer indefinidamente”.

O ex-ministro da Fazenda Pedro Malan chamou a atenção para a necessidade de avaliação da eficácia dos gastos públicos, que considera distorcidos em sua composição, contra o investimento, a favor do consumo. Malan disse que as teses de Lara Resende, embora importantes de serem debatidas, não se coadunam com a situação de países sem estabilidade institucional e com problemas estruturais de finanças públicas, como o nosso.

Sem vontade para privatizar - ADRIANA FERNANDES

O Estado de S.Paulo - 30/03


Ministros abraçaram suas estatais e estão colocando obstáculos para privatização



Não é só a reforma da Previdência que enfrenta dificuldades para ganhar tração no governo Jair Bolsonaro. O plano de privatização do ministro da Economia, Paulo Guedes, está fazendo água.

O programa de venda e liquidação das estatais ineficientes - central na política econômica traçada pelo ultraliberal Paulo Guedes - não está no DNA do governo.

O governo tem 134 empresas estatais nos mais diversos setores - 18 delas dão prejuízo anual de R$ 15 bilhões aos cofres do Tesouro.

Mas os ministros de Bolsonaro abraçaram suas estatais e estão colocando todo tipo de obstáculo para privatizar ou fechar essas empresas. A maioria deles já foi capturada pelas corporações e pelo poder de distribuição de cargos que as estatais garantem, mesmo as menores. Não largam o osso de jeito nenhum.

A equipe econômica, que colocou a privatização como uma meta necessária para garantir recursos suficientes para a redução da dívida pública, entrou em parafuso.

O desânimo é muito maior nesse campo do que com os sobressaltos recentes da reforma da Previdência - que, se espera, entrou nos trilhos depois do acordo de paz fechado entre Guedes e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

Antes mesmo do início do governo Jair Bolsonaro, já havia no time de Paulo Guedes a expectativa de encontrar resistências para avançar com o programa. Mas não de forma tão rápida, nem em nível hierárquico tão elevado na Esplanada dos Ministérios. O governo nem mesmo completou seus 100 primeiros dias.

O retrato desse desânimo foi apresentado pelo empresário escolhido a dedo por Guedes para tocar o programa, anunciado com pompa e circunstância: Salim Mattar.

Em entrevista à revista Veja, o secretário de Desestatização do Ministério da Economia se diz frustrado. Ele foi corajoso ao revelar as dificuldades em vender as estatais e admitir que as resistências contra as privatizações partem dos próprios ministros.

Mattar disparou farpas diretas para o ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, Marcos Pontes, um dos mais resistentes. Contou como exemplo do pepino que tem nas mãos o caso de uma estatal que deveria produzir chips para monitorar os rebanhos. “O tal chip, que é instalado na orelha do boi, nem é produzido no Brasil”, criticou.

O desabafo do secretário é revelador. Não adianta mudar a cúpula do governo. É preciso mudar também “corações e mentes”.

Bolsonaro e muitos da sua equipe não mudaram a forma de pensar. Não houve um convencimento e faltou uma ordem clara do presidente para fechar empresas que não têm valor e só sangram os recursos públicos.

Pelo cenário atual, é provável que se chegue ao fim dos quatro anos de mandato de Bolsonaro sem que o governo tenha privatizado muita coisa. Ou pior: com a venda restrita a ativos mais rentáveis ligados aos bancos públicos, mantendo as empresas ineficientes e com custo elevado para o Tesouro.

Investidores já perceberam que o programa de privatizações das empresas está sem rumo - inclusive o da Eletrobrás, que a equipe econômica promete para este ano, mas que continua enfrentando grande resistência no governo e no Congresso. É bom lembrar que, no Fórum Econômico Mundial de Davos, Guedes prometeu conseguir US$ 20 bilhões ou até mais neste ano com privatizações para ajudar a reduzir a dívida bruta.

Se a política do governo definida na campanha eleitoral é o enxugamento da máquina, cabe ao presidente Jair Bolsonaro, e ao ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, dar uma orientação clara para os ministros que estão barrando as privatizações.

Empresário de sucesso, Salim Mattar pode desistir da empreitada se perceber que não vai conseguir fazer nada.

Economia aumenta pressão sobre os políticos - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 30/03

Desemprego e baixa confiança dos empresários atestam influência negativa da falta de reformas


A divulgação de indicadores econômicos é periódica e ajuda na calibragem das análises de conjuntura, seja devido a novas informações que auxiliam a entender melhor a evolução recente de cada setor, seja para ajustar projeções. Os dados que têm saído dos institutos de pesquisa ultimamente também deveriam atrair a atenção dos políticos e governantes em geral, que têm perdido tempo em conflitos secundários — criados por eles mesmos —, em vez de acelerar o início do processo de debates e de aprovação das reformas.

A economia, depois da recessão grave do biênio 2015/16 (mais de 7%), ensaiou alguma recuperação, mas tão fraca que o PIB em 2107 e 18 cresceu frustrante 1% em cada período. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou ontem dados sobre o desemprego no trimestre de dezembro a fevereiro, com mais uma confirmação de que a economia não cresce, rasteja.

É fato que, sazonalmente, fevereiro constitui um mês negativo para o mercado de trabalho, passado o período das festas de fim de ano, quando cresce a oferta de vagas de empregos eventuais e informais, depois geralmente fechadas. Porém, é grave a elevação da taxa de desemprego no trimestre dezembro/fevereiro para 12,4% (nos três meses anteriores atingiu 11,6%), o que significa 13,1 milhões de pessoas sem fonte estável de renda. Porque acentua uma situação já bastante degradada.

Mesmo débil, o ensaio de reação da economia deve ter levado muita gente a novamente tentar reentrar no mercado de trabalho, voltando assim a ser contabilizada como “desempregada”. Este efeito estatístico, no entanto, não ofusca a tragédia macroeconômica e social. Ao contrário.

Já outra pesquisa, do Índice de Confiança na Indústria (ICI), da Fundação Getulio Vargas, feita neste mês de março, referenda a virtual estagnação refletida no desemprego, por meio da aferição das expectativas dos empresários. Os dois levantamentos se confirmam entre si. O ICI de 92,7, apurado em março, caiu 1,8 ponto, tendo retrocedido em 14 dos 19 subsetores avaliados. Foi na mesma direção o Índice de Expectativas (IE), com retração igual, chegando a 97,4 pontos.

Confiança em baixa e expectativa pessimista diante do futuro não fazem mesmo qualquer empresa investir e contratar mão de obra. Estes são aspectos que devem, ou deveriam, interessar aos políticos. Vive-se um daqueles momentos em que os negócios — e, portanto, a geração de empregos e renda — têm uma estreita dependência do que acontece nas esferas do poder. No caso, Executivo e Congresso. Infelizmente, até quarta-feira, em choque.

Os conflitos como os observados entre o presidente Jair Bolsonaro e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, foram entendidos de forma correta: sem o afinamento entre Planalto e Congresso, a reforma crucial da Previdência, a primeira delas, não decolará. E assim o Estado brasileiro continuará na trajetória da falência fiscal, com todos os seus desdobramentos dramáticos: juros nas nuvens, recessão, desemprego bem maior que o atual etc.

A expectativa é que, depois dos 100 primeiros dias de governo, todos tenham entendido o que está em jogo nas reformas, e persista o clima de distensão com que a semana chega ao fim. Qualquer dúvida, basta consultar essas pesquisas.