BLOG JOVEM PAN/UOL 29/03
Então, de repente, depois de mais de semana de estupidez, de agressões à democracia representativa, de afrontas ao interesse nacional: temos a paz.
Como não pensar em milagre?
Depois de dias e dias em que o presidente da República e o presidente da Câmara, numa peleja de rara irresponsabilidade, trocaram investimentos na miséria institucional, no desequilíbrio entre poderes da República, na crispação de uma agenda reformista, então, de súbito: temos a paz.
Oh!
Depois de o chefe do Executivo haver dado vazão à sua profunda incompreensão acerca do que seja atividade política, desqualificando mesmo o Parlamento de que fez parte longamente, apregoado – com larga repercussão nas milícias digitais do bolsonarismo – o Congresso como lugar de chantagistas, e de o comandante de uma das casas do Legislativo ter simplesmente respondido que o presidente da República deveria parar de brincar, sair de rede social e enfim trabalhar, ora, ora, eis o que temos, de um dia para o outro: a paz.
Quem acredita nisso?
Quem acredita no armistício – no encaixe no trilho virtuoso das relações institucionais – a partir de um governo em cuja essência está a guerra, o conflito, a beligerância, a necessidade fundamental (a que mantém mobilizada a tropa) de ter sempre inimigos?
Quem acredita na capacidade de pacificação – aquela duradoura, com corpo para liderar, para mitigar crises, para convencer e conquistar, aquela que planta condições para voos que não de galinha – de um governo cuja mentalidade revolucionária o faz operar como oposição?
Quem acredita na durabilidade dessa paz se a fé que governa é a do confronto?
Essa é natureza de uma variável que – para além da pobreza política do Planalto e do que poderá ainda armar o ativismo corporativo de quem acusa e condena – precisa ser considerada por quem calcula a linha de chegada da reforma da Previdência.
Porque a questão não é se será ou não aprovada. Alguma será. Há consenso para tanto ainda que governo não houvesse. Alguma será. Mas qual? E a ser recebida como? Não nos surpreendamos se for festejada qualquer que seja. A incompetência, com seu caráter rebaixador, não raro cria condições para que se celebre o pouco como dádiva. Nós nos ajustamos. Para quem viu a zorra e vislumbrou o nada, dois ou três anos de fôlego é tanto voo de galinha quanto… voo. Ganha-se dinheiro. Empurra-se adiante.
Nós nos ajustamos porque cínicos. Se o voo for esse mesmo, reforma deformada mas com autonomia para alguns aninhos (aquilo desejado por Bolsonaro), reelege-se o presidente ou se unge um escolhido. Que seja. Teremos poupado para que os governantes nos gastem. No Brasil: é assim.
A pergunta que deve ser feita, porém, é anterior – com sorte projetada para o final deste ano: qual a agenda para depois de aprovada a Previdência? Qual o projeto?
Qual a ideia? Ou não precisa de ideia? Somos cínicos assim – admitamos: aprovado o voo de galinha, de repente alguma tração na economia, não reclamaremos de a molecada se encher de pirulitos para brincar no parquinho ideológico.
sexta-feira, março 29, 2019
o presidente aprendiz do Brasil - The Economist / O Estado de S.Paulo
The Economist / O Estado de S.Paulo - 29/03
A menos que ele pare de provocar e aprenda a governar, o seu mandato no Palácio do Planalto pode ser curto
Uma das principais razões pelas quais Jair Bolsonaro venceu a eleição presidencial no ano passado foi o fato de prometer movimentar de novo a economia depois de quatro anos de recessão. Ao nomear Paulo Guedes, um defensor do livre mercado, como seu superministro da Economia, ele conquistou o apoio do mundo empresarial e financeiro. Muitos imaginavam que a chegada de Bolsonaro à Presidência por si só traria nova vida para a economia. Mas, depois de três meses, ela continua moribunda como sempre. Os investidores começam a perceber que Guedes tem uma árdua tarefa de conseguir aprovar no Congresso a reforma da Previdência, crucial para a saúde fiscal do Brasil. E o próprio Bolsonaro não vem colaborando.
O déficit fiscal de 7% do Produto Interno Bruto (PIB) tem um enorme peso sobre a economia, significando que os juros para os tomadores de empréstimo privados serão mais altos do que seriam do contrário. As pensões respondem por um terço do total das despesas públicas e são uma das razões pelas quais o Estado gasta pouco na infraestrutura fragilizada. O projeto de reforma do governo enviado ao Congresso no mês passado estabelece uma idade mínima para a aposentadoria, eleva as contribuições e preenche lacunas, com uma previsão de economias de R$ 1,2 trilhão durante dez anos. O déficit da Previdência foi de R$ 241 bilhões no ano passado. A reforma da Previdência, por si só, não fará com que o Brasil retome um crescimento econômico robusto. Serão necessárias reformas fiscais e outras medidas para aumentar a competitividade. Mas ela se tornou um objeto sagrado.
Bolsonaro está numa situação privilegiada porque, depois de dois anos de debate público e político, a reforma da Previdência hoje é menos impopular do que antes. Mas não é necessariamente uma proposta que conquista votos. E Bolsonaro não faz campanha para isso. “Toda a discussão sobre a reforma da Previdência é algo que os brasileiros gostariam de não ter”, afirma Monica de Bolle, economista brasileira do Peterson Institute for Internacional Economics.
A aprovação, assim, exige liderança do topo. Que está ausente. Em sua campanha, Bolsonaro denunciou a “velha política” corrupta do “toma lá, dá cá” no Congresso. Mas ele não possui uma estratégia alternativa para controlar o Legislativo. Entrou desnecessariamente em confronto com alguns aliados, incluindo Rodrigo Maia, o poderoso presidente da Câmara. O padrasto da mulher de Maia, Wellington Moreira Franco, um ex-ministro, foi preso em 21 de março junto com o ex-presidente Michel Temer, por suspeitas de suborno, o que ambos negam. O que levou a comentários feitos pelos filhos de Bolsonaro, que são assessores próximos do presidente, e que Maia considerou como um ataque pessoal. Sua resposta foi que ele não marcaria votações sobre a reforma da Previdência para um governo que chamou de “deserto de ideias”. As autoridades esta semana tentaram apaziguar Maia. Mas a reforma da Previdência deve sofrer atrasos e diluição.
O grande problema é que Bolsonaro ainda tem de mostrar que entende a sua nova função. Ele dissipou capital político, por exemplo, exortando as Forças Armadas a comemorarem o aniversário em 31 de março do golpe militar de 1964. Seu governo é de uma “confusão monumental”, afirmou Claudio Couto, da Fundação Getúlio Vargas (FGV). À parte a sua equipe econômica, seu governo é uma coleção de generais aposentados, políticos de médio escalão, protestantes evangélicos, um filósofo antes obscuro chamado Olavo de Carvalho. “Ninguém sabe para onde ele vai, qual o curso que está tomando”, disse o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. “Ele avança, depois recua, o tempo todo.”
Se o governo tem um elemento-chave, trata-se do general Hamilton Mourão, o vice-presidente, que tem tentado impor alguma disciplina política. Mas, com frequência, entra em atrito com a família Bolsonaro. Olavo de Carvalho o chamou de “idiota” e afirmou que, se as coisas continuarem como estão por mais seis meses, “tudo estará acabado”.
Embora de modo diferente, outros começam a pensar o mesmo. E ainda por cima, estão surgindo evidências de que a família Bolsonaro está ligada a membros de um grupo criminoso de ex-policiais do Rio de Janeiro acusado do assassinato da ativista Marielle Franco, o que eles negam.
Dois dos quatro presidentes eleitos anteriormente no Brasil sofreram impeachment porque, como afirmou Fernando Henrique Cardoso, “não foram mais capazes de governar”. Por mais que odeiem Bolsonaro, os democratas não devem desejar que ele não chegue ao fim do seu mandato. Ainda é o início. Mas sua Presidência já enfrenta um teste crucial. “Temos duas alternativas”, disse seu porta-voz esta semana. “Aprovar a reforma da Previdência ou afundarmos num poço sem fundo.” Se o seu chefe pelo menos fosse assim claro.
Tradução: Terezinha Martino
A menos que ele pare de provocar e aprenda a governar, o seu mandato no Palácio do Planalto pode ser curto
Uma das principais razões pelas quais Jair Bolsonaro venceu a eleição presidencial no ano passado foi o fato de prometer movimentar de novo a economia depois de quatro anos de recessão. Ao nomear Paulo Guedes, um defensor do livre mercado, como seu superministro da Economia, ele conquistou o apoio do mundo empresarial e financeiro. Muitos imaginavam que a chegada de Bolsonaro à Presidência por si só traria nova vida para a economia. Mas, depois de três meses, ela continua moribunda como sempre. Os investidores começam a perceber que Guedes tem uma árdua tarefa de conseguir aprovar no Congresso a reforma da Previdência, crucial para a saúde fiscal do Brasil. E o próprio Bolsonaro não vem colaborando.
O déficit fiscal de 7% do Produto Interno Bruto (PIB) tem um enorme peso sobre a economia, significando que os juros para os tomadores de empréstimo privados serão mais altos do que seriam do contrário. As pensões respondem por um terço do total das despesas públicas e são uma das razões pelas quais o Estado gasta pouco na infraestrutura fragilizada. O projeto de reforma do governo enviado ao Congresso no mês passado estabelece uma idade mínima para a aposentadoria, eleva as contribuições e preenche lacunas, com uma previsão de economias de R$ 1,2 trilhão durante dez anos. O déficit da Previdência foi de R$ 241 bilhões no ano passado. A reforma da Previdência, por si só, não fará com que o Brasil retome um crescimento econômico robusto. Serão necessárias reformas fiscais e outras medidas para aumentar a competitividade. Mas ela se tornou um objeto sagrado.
Bolsonaro está numa situação privilegiada porque, depois de dois anos de debate público e político, a reforma da Previdência hoje é menos impopular do que antes. Mas não é necessariamente uma proposta que conquista votos. E Bolsonaro não faz campanha para isso. “Toda a discussão sobre a reforma da Previdência é algo que os brasileiros gostariam de não ter”, afirma Monica de Bolle, economista brasileira do Peterson Institute for Internacional Economics.
A aprovação, assim, exige liderança do topo. Que está ausente. Em sua campanha, Bolsonaro denunciou a “velha política” corrupta do “toma lá, dá cá” no Congresso. Mas ele não possui uma estratégia alternativa para controlar o Legislativo. Entrou desnecessariamente em confronto com alguns aliados, incluindo Rodrigo Maia, o poderoso presidente da Câmara. O padrasto da mulher de Maia, Wellington Moreira Franco, um ex-ministro, foi preso em 21 de março junto com o ex-presidente Michel Temer, por suspeitas de suborno, o que ambos negam. O que levou a comentários feitos pelos filhos de Bolsonaro, que são assessores próximos do presidente, e que Maia considerou como um ataque pessoal. Sua resposta foi que ele não marcaria votações sobre a reforma da Previdência para um governo que chamou de “deserto de ideias”. As autoridades esta semana tentaram apaziguar Maia. Mas a reforma da Previdência deve sofrer atrasos e diluição.
O grande problema é que Bolsonaro ainda tem de mostrar que entende a sua nova função. Ele dissipou capital político, por exemplo, exortando as Forças Armadas a comemorarem o aniversário em 31 de março do golpe militar de 1964. Seu governo é de uma “confusão monumental”, afirmou Claudio Couto, da Fundação Getúlio Vargas (FGV). À parte a sua equipe econômica, seu governo é uma coleção de generais aposentados, políticos de médio escalão, protestantes evangélicos, um filósofo antes obscuro chamado Olavo de Carvalho. “Ninguém sabe para onde ele vai, qual o curso que está tomando”, disse o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. “Ele avança, depois recua, o tempo todo.”
Se o governo tem um elemento-chave, trata-se do general Hamilton Mourão, o vice-presidente, que tem tentado impor alguma disciplina política. Mas, com frequência, entra em atrito com a família Bolsonaro. Olavo de Carvalho o chamou de “idiota” e afirmou que, se as coisas continuarem como estão por mais seis meses, “tudo estará acabado”.
Embora de modo diferente, outros começam a pensar o mesmo. E ainda por cima, estão surgindo evidências de que a família Bolsonaro está ligada a membros de um grupo criminoso de ex-policiais do Rio de Janeiro acusado do assassinato da ativista Marielle Franco, o que eles negam.
Dois dos quatro presidentes eleitos anteriormente no Brasil sofreram impeachment porque, como afirmou Fernando Henrique Cardoso, “não foram mais capazes de governar”. Por mais que odeiem Bolsonaro, os democratas não devem desejar que ele não chegue ao fim do seu mandato. Ainda é o início. Mas sua Presidência já enfrenta um teste crucial. “Temos duas alternativas”, disse seu porta-voz esta semana. “Aprovar a reforma da Previdência ou afundarmos num poço sem fundo.” Se o seu chefe pelo menos fosse assim claro.
Tradução: Terezinha Martino
Negociar não é dobrar-se - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR
GAZETA DO POVO - PR - 29/03
Diálogo, negociação e articulação política são corriqueiros e necessários em uma democracia, e quanto mais complexo e desafiador um tema, mais se exigirá dos governantes
Desde que Jair Bolsonaro enviou ao Congresso Nacional sua proposta de reforma da previdência, vem crescendo em diversos setores da política e da sociedade brasileira, mesmo entre aqueles que apoiaram seu nome nas eleições de outubro, a percepção de que o governo carece de uma estratégia de coordenação e negociação com o Legislativo. Por outro lado, apoiadores mais entusiasmados de Bolsonaro e cidadãos descontentes com as práticas escandalosas de corrupção reveladas nos últimos anos têm insistido na ideia de que qualquer articulação com o Congresso não se poderia dar senão como negociata de interesses escusos e antirrepublicanos.
Talvez nem sempre se perceba a relevância da negociação, mas ela é tão mais valiosa e necessária nas democracias quanto mais desafiador o tema que está sobre a mesa. É preciso ter clareza: a reforma da previdência, embora urgente para qualquer conhecedor razoável do tema, é um dos temas mais complexos no debate público de qualquer democracia e, também, um dos que mais despertam paixões políticas e contrariam interesses setoriais e corporativos. Mesmo cidadãos bem informados podem ter dúvidas sinceras – senão sobre a necessidade geral da reforma, então sobre pontos específicos do projeto. Entre deputados e senadores, a realidade não é diferente: a sensação no Congresso é de que nunca houve momento mais propício para se aprovar uma reforma, mas há dúvidas entre os representantes populares.
Um parlamentar deve votar de acordo com sua consciência e o bem comum
Imagine-se o leitor um deputado de boa-fé que tenha dúvidas sobre a reforma proposta no Benefício de Prestação Continuada (BPC). Será razoável antecipar o início do pagamento do BPC para os 60 anos de idade – hoje ele é pago para idosos com mais de 65 anos em situação de extrema pobreza –, mas diminuir seu valor do atual salário mínimo para os iniciais R$ 400,00, que aumentariam progressivamente conforme a idade do beneficiado? Se o ponto referente ao BPC for retirado da reforma, quanto deixará de ser economizado anualmente? Uma eventual perda nessa economia não poderia ser compensada por uma reforma mais agressiva em algum outro ponto?
Um parlamentar que tenha essas dúvidas precisa ter, primeiro, informações claras sobre as consequências de seu voto. Para quem ele deveria endereçar essas dúvidas? Deveria tentar agendar diretamente com o ministro da Economia, com alguém da equipe econômica ou procuraria o líder do governo na Câmara, no Senado ou no Congresso? Nada disso está claro até agora – nem esses agentes todos, que em diferentes medidas representam o mesmo governo, estão falando a mesma língua. Se estiverem, fato é que não é essa a percepção dos parlamentares no dia a dia do Congresso.
Mesmo depois de conseguir as informações, o parlamentar teria de decidir o que fazer com ela. Imagine que ele esteja convencido sobre a necessidade de aprovação da proposta atual do governo sobre o BPC, mas sua base eleitoral não concorde com a mudança. Um parlamentar deve votar de acordo com sua consciência e o bem comum, mas a sensibilidade aos eleitores é também inescapável e saudável nas democracias. Em uma situação dessas, o parlamentar vai procurar os colegas. Seu partido vai fechar questão? E os demais partidos? Os parlamentares do partido do presidente da República eventualmente comprarão esse desgaste com as bases eleitorais para apoiar esse ponto da reforma? O governo estaria disposto a modificar esse ponto se outra questão polêmica da reforma – digamos a aposentadoria rural – fosse apoiada? Da resposta a todas essas perguntas dependerá o voto do parlamentar.
Tudo isso é negociação legítima e necessária em uma democracia, em que os poderes são divididos e, por isso mesmo, devem dialogar e manter a harmonia entre si. Mas, para que essa negociação possa ser proveitosa, é preciso coordenação por parte do governo: uma estratégia clara, com líderes bem definidos e munidos de todas as informações técnicas e conhecimento de todos os compromissos políticos que o governo estaria disposto a assumir em prol da aprovação deste ou daquele ponto. Do contrário, parece claro que qualquer negociação estará fadada ao fracasso: se um deputado recebe uma sinalização do governo, e outro recebe a sinalização contrária, a informação perde toda a credibilidade e nenhum dos parlamentares estará seguro para dar seu voto na proposta do governo.
Por tudo isso, diálogo, negociação e articulação política são corriqueiros e necessários em uma democracia. Quanto mais complexo e desafiador um tema, mais se exigirá dos governantes uma capacidade de coordenação inteligente desse processo, uma liderança inspiradora que não fomente a discórdia, mas busque terrenos comuns, e uma comunicação arrojada que motive o alinhamento dos atores políticos na direção das mudanças que se vislumbram como fundamentais. Se este não for o caminho, todas as sociedades estariam presas a uma alternativa macabra: ou a total inação, ou a imposição unilateral da vontade de um grupo.
Quando há, portanto, uma comunicação engajada, transparente e bem feita, diminui substancialmente a chance de preponderarem os interesses escusos. Mas suponhamos apenas por um momento, como pensa parte substancial da população brasileira, que a maioria dos parlamentares atue motivada por interesses sinistros e inconfessáveis. Nesse caso, a coordenação política deveria ser eliminada? Muito pelo contrário, porque é na clareza e na transparência que se permitem identificar as condutas torpes. Na balbúrdia da falta de transparência e de coordenação é que se torna mais difícil e custoso distinguir as condutas republicanas daquelas indecorosas, imorais e mesmo ilegais. Isso é algo que toda a sociedade precisa reconhecer e que melhorará consideravelmente o processo político brasileiro.
Ainda que nem todas as partes tenham essa clareza, o fato é que há um novo Congresso eleito, e com uma boa taxa de renovação, e um novo Executivo. Há espaço para um aprendizado paulatino na interação entre os agentes políticos e para que a sociedade aprenda também e se engaje de forma mais madura nesse processo. Aprender a negociar não é dobrar-se, mas sim crescer na virtude democrática. Mesmo que seja um aprendizado lento, com tropeços e ruídos, é preciso que os passos sejam dados na direção certa: a do diálogo. Essa é uma caminhada que, no fundo, todos os atores políticos, incluindo os cidadãos, devem fazer juntos.
Diálogo, negociação e articulação política são corriqueiros e necessários em uma democracia, e quanto mais complexo e desafiador um tema, mais se exigirá dos governantes
Desde que Jair Bolsonaro enviou ao Congresso Nacional sua proposta de reforma da previdência, vem crescendo em diversos setores da política e da sociedade brasileira, mesmo entre aqueles que apoiaram seu nome nas eleições de outubro, a percepção de que o governo carece de uma estratégia de coordenação e negociação com o Legislativo. Por outro lado, apoiadores mais entusiasmados de Bolsonaro e cidadãos descontentes com as práticas escandalosas de corrupção reveladas nos últimos anos têm insistido na ideia de que qualquer articulação com o Congresso não se poderia dar senão como negociata de interesses escusos e antirrepublicanos.
Talvez nem sempre se perceba a relevância da negociação, mas ela é tão mais valiosa e necessária nas democracias quanto mais desafiador o tema que está sobre a mesa. É preciso ter clareza: a reforma da previdência, embora urgente para qualquer conhecedor razoável do tema, é um dos temas mais complexos no debate público de qualquer democracia e, também, um dos que mais despertam paixões políticas e contrariam interesses setoriais e corporativos. Mesmo cidadãos bem informados podem ter dúvidas sinceras – senão sobre a necessidade geral da reforma, então sobre pontos específicos do projeto. Entre deputados e senadores, a realidade não é diferente: a sensação no Congresso é de que nunca houve momento mais propício para se aprovar uma reforma, mas há dúvidas entre os representantes populares.
Um parlamentar deve votar de acordo com sua consciência e o bem comum
Imagine-se o leitor um deputado de boa-fé que tenha dúvidas sobre a reforma proposta no Benefício de Prestação Continuada (BPC). Será razoável antecipar o início do pagamento do BPC para os 60 anos de idade – hoje ele é pago para idosos com mais de 65 anos em situação de extrema pobreza –, mas diminuir seu valor do atual salário mínimo para os iniciais R$ 400,00, que aumentariam progressivamente conforme a idade do beneficiado? Se o ponto referente ao BPC for retirado da reforma, quanto deixará de ser economizado anualmente? Uma eventual perda nessa economia não poderia ser compensada por uma reforma mais agressiva em algum outro ponto?
Um parlamentar que tenha essas dúvidas precisa ter, primeiro, informações claras sobre as consequências de seu voto. Para quem ele deveria endereçar essas dúvidas? Deveria tentar agendar diretamente com o ministro da Economia, com alguém da equipe econômica ou procuraria o líder do governo na Câmara, no Senado ou no Congresso? Nada disso está claro até agora – nem esses agentes todos, que em diferentes medidas representam o mesmo governo, estão falando a mesma língua. Se estiverem, fato é que não é essa a percepção dos parlamentares no dia a dia do Congresso.
Mesmo depois de conseguir as informações, o parlamentar teria de decidir o que fazer com ela. Imagine que ele esteja convencido sobre a necessidade de aprovação da proposta atual do governo sobre o BPC, mas sua base eleitoral não concorde com a mudança. Um parlamentar deve votar de acordo com sua consciência e o bem comum, mas a sensibilidade aos eleitores é também inescapável e saudável nas democracias. Em uma situação dessas, o parlamentar vai procurar os colegas. Seu partido vai fechar questão? E os demais partidos? Os parlamentares do partido do presidente da República eventualmente comprarão esse desgaste com as bases eleitorais para apoiar esse ponto da reforma? O governo estaria disposto a modificar esse ponto se outra questão polêmica da reforma – digamos a aposentadoria rural – fosse apoiada? Da resposta a todas essas perguntas dependerá o voto do parlamentar.
Tudo isso é negociação legítima e necessária em uma democracia, em que os poderes são divididos e, por isso mesmo, devem dialogar e manter a harmonia entre si. Mas, para que essa negociação possa ser proveitosa, é preciso coordenação por parte do governo: uma estratégia clara, com líderes bem definidos e munidos de todas as informações técnicas e conhecimento de todos os compromissos políticos que o governo estaria disposto a assumir em prol da aprovação deste ou daquele ponto. Do contrário, parece claro que qualquer negociação estará fadada ao fracasso: se um deputado recebe uma sinalização do governo, e outro recebe a sinalização contrária, a informação perde toda a credibilidade e nenhum dos parlamentares estará seguro para dar seu voto na proposta do governo.
Por tudo isso, diálogo, negociação e articulação política são corriqueiros e necessários em uma democracia. Quanto mais complexo e desafiador um tema, mais se exigirá dos governantes uma capacidade de coordenação inteligente desse processo, uma liderança inspiradora que não fomente a discórdia, mas busque terrenos comuns, e uma comunicação arrojada que motive o alinhamento dos atores políticos na direção das mudanças que se vislumbram como fundamentais. Se este não for o caminho, todas as sociedades estariam presas a uma alternativa macabra: ou a total inação, ou a imposição unilateral da vontade de um grupo.
Quando há, portanto, uma comunicação engajada, transparente e bem feita, diminui substancialmente a chance de preponderarem os interesses escusos. Mas suponhamos apenas por um momento, como pensa parte substancial da população brasileira, que a maioria dos parlamentares atue motivada por interesses sinistros e inconfessáveis. Nesse caso, a coordenação política deveria ser eliminada? Muito pelo contrário, porque é na clareza e na transparência que se permitem identificar as condutas torpes. Na balbúrdia da falta de transparência e de coordenação é que se torna mais difícil e custoso distinguir as condutas republicanas daquelas indecorosas, imorais e mesmo ilegais. Isso é algo que toda a sociedade precisa reconhecer e que melhorará consideravelmente o processo político brasileiro.
Ainda que nem todas as partes tenham essa clareza, o fato é que há um novo Congresso eleito, e com uma boa taxa de renovação, e um novo Executivo. Há espaço para um aprendizado paulatino na interação entre os agentes políticos e para que a sociedade aprenda também e se engaje de forma mais madura nesse processo. Aprender a negociar não é dobrar-se, mas sim crescer na virtude democrática. Mesmo que seja um aprendizado lento, com tropeços e ruídos, é preciso que os passos sejam dados na direção certa: a do diálogo. Essa é uma caminhada que, no fundo, todos os atores políticos, incluindo os cidadãos, devem fazer juntos.
Bolsonaro não deve dizer ‘desta água não beberei’, o segredo é ferver antes - JOSIAS DE SOUZA
PORTAL UOL 29/03
O vocábulo governabilidade tornou-se uma assombração para Jair Bolsonaro. Nos seus pesadelos, hienas, aves de rapina, abutres, roedores e raposas da política se juntam para apoiar o seu governo. Depois, mandam pendurar uma tabuleta na porta: "Base Aliada". Para o capitão, já ficou demonstrado que esse tipo de arranjo passou a dar cadeia no Brasil. Daí dizer que não lhe passa pela cabeça desperdiçar os seus dias jogando dominó com Lula e Temer atrás das grades.
Resta responder: como governar? Ao atravessar na traqueia de Paulo Guedes as emendas de bancada impositivas, a banda fisiológica da Câmara exibiu sua musculatura. Com seus interesses maldisfarçados atrás do apoio a Rodrigo Maia na troca de caneladas do presidente da Câmara com a família Bolsonaro, a turma do balcão está assanhada. Respira-se em certas bancadas uma atmosfera conhecida.
Os partidos pedem, eles reivindicam, eles exigem. Desatendidos, eles adotam a velha tática do 'levanta-que-eu-corto'. Recusando-se a saciar os apetites, Bolsonaro receberá novos trocos. Quando o capitão der por si, os votos do centrão estarão gritando 'NÃO' no painel eletrônico da Câmara, quiçá do Senado. Vem aí a votação da medida provisória que reestruturou o organograma do governo. Ela se presta às piores maldades. Por exemplo: a redução do número de ministérios de 22 para 15.
Não é que Bolsonaro esteja se recusando a encostar o estômago no balcão. O problema é que a mercadoria que ele ofereceu —um conta-gotas de emendas orçamentárias e cargos federais mixurucas nos Estados— não saciou os apetites de hienas, aves de rapina, abutres, roedores e raposas. A fome aumenta na proporção direta da diminuição dos índices de popularidade do presidente.
Para complicar, Bolsonaro não é visto no zoológico como avis rara. Ao contrário. Os ministros suspeitos, o laranjal do PSL, as encrencas do primogênito Flávio Bolsonaro e o cheque do ex-faz-tudo Fabrício Queiroz na conta da primeira-dama Michelle Bolsonaro levam a ala gulosa do Legislativo a chamar o presidente de "um dos nossos".
Num cenário assim, ou Bolsonaro negocia ou a reforma da Previdência pode virar suco. A história recente demonstra que ignorar o pedaço fisiológico do Congresso pode não ser um bom negócio. Bem alimentada, essa turma fornece estabilidade congressual. Submetida a dietas forçadas, desestabiliza o que vê pela frente. Dilma Rousseff, como Bolsonaro, fez cara de nojo. Caiu. Michel Temer entregou todas as vantagens que o déficit público pode pagar. E sobreviveu a duas denúncias criminais.
Nesta quinta-feira, Bolsonaro tratou como 'chuva de verão' seu arranca-rabo com Maia. "O sol está lindo. O Brasil está acima de nós. Da minha parte não há problema nenhum. É página virada." As palavras do presidente foram recebidas pelos líderes partidários não como um armistício, mas como conversa fiada. Os 28 anos de mandato fizeram de Bolsonaro um personagem manjado na Câmara. Ali, sabe-se que o capitão costuma virar a página para trás. Prefere os temporais às chuvas de verão. Avalia-se que Bolsonaro não demora a disparar novos raios que os partam.
Se quiser fugir da bifurcação que condena os presidentes à queda ou à cumplicidade, Bolsonaro terá de tentar uma terceira via. Precisa parar de dizer "desta água não beberei". O segredo está em ferver antes. As demandas que chegassem ao Planalto iriam para a chaleira. As que saíssem do processo purificadas seriam atendidas. Aquelas cujos germes sobrevivessem às altas temperaturas iriam para o esgoto, com escala no noticiário policial.
O vocábulo governabilidade tornou-se uma assombração para Jair Bolsonaro. Nos seus pesadelos, hienas, aves de rapina, abutres, roedores e raposas da política se juntam para apoiar o seu governo. Depois, mandam pendurar uma tabuleta na porta: "Base Aliada". Para o capitão, já ficou demonstrado que esse tipo de arranjo passou a dar cadeia no Brasil. Daí dizer que não lhe passa pela cabeça desperdiçar os seus dias jogando dominó com Lula e Temer atrás das grades.
Resta responder: como governar? Ao atravessar na traqueia de Paulo Guedes as emendas de bancada impositivas, a banda fisiológica da Câmara exibiu sua musculatura. Com seus interesses maldisfarçados atrás do apoio a Rodrigo Maia na troca de caneladas do presidente da Câmara com a família Bolsonaro, a turma do balcão está assanhada. Respira-se em certas bancadas uma atmosfera conhecida.
Os partidos pedem, eles reivindicam, eles exigem. Desatendidos, eles adotam a velha tática do 'levanta-que-eu-corto'. Recusando-se a saciar os apetites, Bolsonaro receberá novos trocos. Quando o capitão der por si, os votos do centrão estarão gritando 'NÃO' no painel eletrônico da Câmara, quiçá do Senado. Vem aí a votação da medida provisória que reestruturou o organograma do governo. Ela se presta às piores maldades. Por exemplo: a redução do número de ministérios de 22 para 15.
Não é que Bolsonaro esteja se recusando a encostar o estômago no balcão. O problema é que a mercadoria que ele ofereceu —um conta-gotas de emendas orçamentárias e cargos federais mixurucas nos Estados— não saciou os apetites de hienas, aves de rapina, abutres, roedores e raposas. A fome aumenta na proporção direta da diminuição dos índices de popularidade do presidente.
Para complicar, Bolsonaro não é visto no zoológico como avis rara. Ao contrário. Os ministros suspeitos, o laranjal do PSL, as encrencas do primogênito Flávio Bolsonaro e o cheque do ex-faz-tudo Fabrício Queiroz na conta da primeira-dama Michelle Bolsonaro levam a ala gulosa do Legislativo a chamar o presidente de "um dos nossos".
Num cenário assim, ou Bolsonaro negocia ou a reforma da Previdência pode virar suco. A história recente demonstra que ignorar o pedaço fisiológico do Congresso pode não ser um bom negócio. Bem alimentada, essa turma fornece estabilidade congressual. Submetida a dietas forçadas, desestabiliza o que vê pela frente. Dilma Rousseff, como Bolsonaro, fez cara de nojo. Caiu. Michel Temer entregou todas as vantagens que o déficit público pode pagar. E sobreviveu a duas denúncias criminais.
Nesta quinta-feira, Bolsonaro tratou como 'chuva de verão' seu arranca-rabo com Maia. "O sol está lindo. O Brasil está acima de nós. Da minha parte não há problema nenhum. É página virada." As palavras do presidente foram recebidas pelos líderes partidários não como um armistício, mas como conversa fiada. Os 28 anos de mandato fizeram de Bolsonaro um personagem manjado na Câmara. Ali, sabe-se que o capitão costuma virar a página para trás. Prefere os temporais às chuvas de verão. Avalia-se que Bolsonaro não demora a disparar novos raios que os partam.
Se quiser fugir da bifurcação que condena os presidentes à queda ou à cumplicidade, Bolsonaro terá de tentar uma terceira via. Precisa parar de dizer "desta água não beberei". O segredo está em ferver antes. As demandas que chegassem ao Planalto iriam para a chaleira. As que saíssem do processo purificadas seriam atendidas. Aquelas cujos germes sobrevivessem às altas temperaturas iriam para o esgoto, com escala no noticiário policial.
Chuva de verão, seca de inteligência - VINICIUS TORRES FREIRE
FOLHA DE SP - 29/03
Passou o sururu, diz presidente, mas problema da coalizão política continua na mesma
A turumbamba do governo com o Congresso passou, como chuva de verão, afirmou Jair Bolsonaro.
Depois do verão vem a estiagem. Na seca, um tempo crônico de vacas magras e de ministérios mais gordos na mão de militares, o que o presidente pode ou quer oferecer aos parlamentares?
Depois do sururu, o problema continua quase do mesmo tamanho. Trata-se de dividir poder, cargos e verbas; de impedir que as falanges bolsonaristas avacalhem parlamentares nas redes insociáveis.
Bolsonaro poderia aparecer com uma reforma ministerial e partilhar pedaços do governo, mas:
1) não quer, por enquanto, ao menos;
2) não pode fazê-lo, sem mais, sem desmoralização, pois a rejeição do que chama de "toma lá dá cá" é uma questão de honra para o núcleo puro do bolsonarismo;
3) ainda que conhecesse as artes de como fazer tal reforma, agora faltam-lhe meios. Entregou parte do ministério a militares. O que sobra é pouco, dada a fragmentação ainda maior do Congresso, partidos demais para uma dança de poucas cadeiras;
4) caso aproveitasse essa reforma para dar jeito em ministérios como Educação, Casa Civil, ou Turismo, teria de dividi-los entre condomínios de partidos e, de resto, colocar lá alguém de confiança. Entregar ministério de porteira fechada é de fato um risco letal. Difícil.
Em que termos vai se dar então a "nova articulação política" do governo? Dinheiro não haverá. A receita federal está perto da estagnação, despesas crescem de modo vegetativo. O investimento em obras será ainda mais talhado. Em breve, vamos ouvir queixas da construção civil, a infraestrutura vai ruir aos poucos, universidades e hospitais irão à míngua.
Ficar em bons termos com Rodrigo Maia, presidente da Câmara, ajuda. Isto é, dar-lhe salvo-conduto, proteção contra as falanges virtuais e poder de negociação em nome do governo: apoio para o serviço de premiê improvisado que Maia desde o início ofereceu.
Bolsonaro vai controlar seu núcleo puro, as falanges virtuais, seus filhos e assessores fundamentalistas?
Semana sim, semana não, a depender do tamanho do estrago e da pressão dos conselheiros militares, a turma volta para a casinha, para logo fugir de lá. O problema essencial, na verdade, é que Bolsonaro mesmo mora nessa casinha mal-assombrada.
Em termos materiais, o governo tem à disposição centenas de postos para distribuir ao parlamentariado. Difícil saber se essa solução de varejo vai satisfazer necessidades e ambições de pelo menos meia dúzia de líderes partidários com poder de fazer estrago.
Vários de seus liderados podem levar superintendências ou delegacias regionais disso ou daquilo, mas a soma dessas partes pode não dar em um todo articulado, votos de um partido.
Fazer "articulação política" apenas no puro varejão é uma experiência nova tocada por essa gente que até agora não demonstra capacidade alguma de coordenar governo.
Outro modo de organizar a massa é dar poder à "velha política", parlamentares mais capazes e experientes. Há gente no MDB, no PSDB e no DEM etc. disposta a prestar o serviço. Alguns já o fazem, em tempo parcial ou com emprego intermitente, como na reforma trabalhista.
Para que funcione, precisariam assumir posições de comando, de fato, dentro do Planalto. Seria preciso combinar com o general Santos Cruz e dar um chega para lá em Onyx Lorenzoni. Não foi possível apurar se o governo ao menos entende esse problema, quanto mais se quer resolvê-lo.
Passou o sururu, diz presidente, mas problema da coalizão política continua na mesma
A turumbamba do governo com o Congresso passou, como chuva de verão, afirmou Jair Bolsonaro.
Depois do verão vem a estiagem. Na seca, um tempo crônico de vacas magras e de ministérios mais gordos na mão de militares, o que o presidente pode ou quer oferecer aos parlamentares?
Depois do sururu, o problema continua quase do mesmo tamanho. Trata-se de dividir poder, cargos e verbas; de impedir que as falanges bolsonaristas avacalhem parlamentares nas redes insociáveis.
Bolsonaro poderia aparecer com uma reforma ministerial e partilhar pedaços do governo, mas:
1) não quer, por enquanto, ao menos;
2) não pode fazê-lo, sem mais, sem desmoralização, pois a rejeição do que chama de "toma lá dá cá" é uma questão de honra para o núcleo puro do bolsonarismo;
3) ainda que conhecesse as artes de como fazer tal reforma, agora faltam-lhe meios. Entregou parte do ministério a militares. O que sobra é pouco, dada a fragmentação ainda maior do Congresso, partidos demais para uma dança de poucas cadeiras;
4) caso aproveitasse essa reforma para dar jeito em ministérios como Educação, Casa Civil, ou Turismo, teria de dividi-los entre condomínios de partidos e, de resto, colocar lá alguém de confiança. Entregar ministério de porteira fechada é de fato um risco letal. Difícil.
Em que termos vai se dar então a "nova articulação política" do governo? Dinheiro não haverá. A receita federal está perto da estagnação, despesas crescem de modo vegetativo. O investimento em obras será ainda mais talhado. Em breve, vamos ouvir queixas da construção civil, a infraestrutura vai ruir aos poucos, universidades e hospitais irão à míngua.
Ficar em bons termos com Rodrigo Maia, presidente da Câmara, ajuda. Isto é, dar-lhe salvo-conduto, proteção contra as falanges virtuais e poder de negociação em nome do governo: apoio para o serviço de premiê improvisado que Maia desde o início ofereceu.
Bolsonaro vai controlar seu núcleo puro, as falanges virtuais, seus filhos e assessores fundamentalistas?
Semana sim, semana não, a depender do tamanho do estrago e da pressão dos conselheiros militares, a turma volta para a casinha, para logo fugir de lá. O problema essencial, na verdade, é que Bolsonaro mesmo mora nessa casinha mal-assombrada.
Em termos materiais, o governo tem à disposição centenas de postos para distribuir ao parlamentariado. Difícil saber se essa solução de varejo vai satisfazer necessidades e ambições de pelo menos meia dúzia de líderes partidários com poder de fazer estrago.
Vários de seus liderados podem levar superintendências ou delegacias regionais disso ou daquilo, mas a soma dessas partes pode não dar em um todo articulado, votos de um partido.
Fazer "articulação política" apenas no puro varejão é uma experiência nova tocada por essa gente que até agora não demonstra capacidade alguma de coordenar governo.
Outro modo de organizar a massa é dar poder à "velha política", parlamentares mais capazes e experientes. Há gente no MDB, no PSDB e no DEM etc. disposta a prestar o serviço. Alguns já o fazem, em tempo parcial ou com emprego intermitente, como na reforma trabalhista.
Para que funcione, precisariam assumir posições de comando, de fato, dentro do Planalto. Seria preciso combinar com o general Santos Cruz e dar um chega para lá em Onyx Lorenzoni. Não foi possível apurar se o governo ao menos entende esse problema, quanto mais se quer resolvê-lo.
Bolsonaro já cometeu crimes de responsabilidade; agora, falará a política - REINALDO AZEVEDO
FOLHA DE SP - 29/03
Reforma da Previdência era seu grande ativo, e ele está se encarregando de implodi-la
Sim, o presidente Jair Bolsonaro já cometeu crimes, no plural, de responsabilidade. Vai cair? Depende dele.
Bolsonaro encerra o seu terceiro mês de mandato, e a pergunta mais frequente que me fazem —e isto nunca aconteceu em tempo tão curto— é a seguinte: "Você acha que ele vai até o fim?" Dado que o presidente e seus valentes escolheram a imprensa como inimiga, as pessoas imaginam que temos a resposta porque esconderíamos uma arma letal contra o "Mito". As coisas mais perigosas que guardo contra Bolsonaro são a Constituição e a lei 1.079.
Há um desânimo evidente em setores da elite que apostaram literalmente num milagre, que é o acontecimento sem causa. Por que diabos, afinal de contas, ele faria um bom governo ou encaminharia soluções institucionais? Em que momento de sua trajetória política ele se mostrou reverente à lei e à ordem? Nem quando era militar, ora bolas! Vejam lá: o fiscal que o multou porque pescava em área ilegal foi exonerado do cargo de confiança que ocupava no Ibama. Ainda volto a ele.
Para responder se Bolsonaro conclui ou não o seu mandato, terei de voltar a Dilma Rousseff. Sim, ela pedalou, cometeu crime de responsabilidade, segundo os termos da lei 1.079. Sempre cabe a pergunta: "Mas ela pedalou muito?" Não, gente! Seu governo destruiu as contas públicas em razão de obtusidades várias, que não vêm ao caso agora, mas a pedalada propriamente foi coisa pouca, nada que a sociedade brasileira não pudesse ignorar se a economia estivesse em crescimento, os juros e a inflação em níveis civilizados, as contas públicas em ordem —hipótese, então, em que a presidente não teria passeado imprudentemente de bicicleta...
O impeachment por crime de responsabilidade tem como condição necessária uma agressão à ordem legal —uma motivação, pois, de feição jurídica—, mas só se realiza se estiver dada a condição suficiente, que é a política. Não por acaso, seu primeiro passo é a admissão da denúncia, em decisão monocrática, pelo presidente da Câmara. E toda a tramitação segue sendo de natureza... política! Os senadores, que atuam excepcionalmente como juízes, também são políticos.
Um presidente não é apeado por crime de responsabilidade, no Brasil, se contar com pelo menos um terço dos deputados ou dos senadores. Nota: a reforma da Previdência era seu grande ativo, e ele está se encarregando de implodi-la.
É claro que Bolsonaro brinca com fogo. Cometeu crime de responsabilidade, diz a lei, quando agrediu o decoro e propagou um filminho pornô. Vá lá. A coisa ganhou um tom até meio apalhaçado como consequência da estupefação geral. Mas ele se mostra insaciável nos seus três meses. A ordem para "comemorar" o golpe militar de 1964 —e o verbo foi empregado pelo porta-voz— e sua visita à CIA, onde, confessadamente, tratou da crise na Venezuela, agridem, respectivamente, os valores contidos nos Artigos 1º e 4º da Constituição.
A mesma lei 1.079 que depôs Dilma Rousseff considera, no item 3 do artigo 5º, ser "crime de responsabilidade contra a existência da União cometer ato de hostilidade contra nação estrangeira, expondo a República ao perigo da guerra, ou comprometendo-lhe a neutralidade". O artigo 7º aponta como "crimes de responsabilidade contra o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais" as seguintes práticas: "7 - incitar militares à desobediência à lei ou infração à disciplina" e "8 - provocar animosidade entre as classes armadas ou contra elas, ou delas contra as instituições civis". O mesmo artigo, no item 5, dispõe a respeito da destituição do fiscal do Ibama, ato do ministro Ricardo Salles: é crime de responsabilidade "servir-se das autoridades sob sua subordinação imediata para praticar abuso do poder, ou tolerar que essas autoridades o pratiquem sem repressão sua".
"Não exagere, Reinaldo!" Bem, digam isso a Bolsonaro. Os crimes estão cometidos, e não seria difícil prová-los. Ou alguém manda comemorar golpe de Estado para enviar um recado aos próceres de 1964? Obviamente, a agressão se dá à ordem constitucional de 2019.
"Então ele vai cair?" Depende dele. Se continuar a fazer bobagem e se perder as condições políticas de governar, hoje precárias, cai, sim! Os crimes de responsabilidade já foram cometidos. Por si, não derrubam ninguém. Associados à crise política aguda, tem-se a combinação letal.
As pedaladas institucionais de Bolsonaro já são maiores do que as pedaladas fiscais de Dilma. O que ele fizer na política, agora, vai determinar o resto.
Reinaldo Azevedo
Jornalista, autor de “O País dos Petralhas”.
Reforma da Previdência era seu grande ativo, e ele está se encarregando de implodi-la
Sim, o presidente Jair Bolsonaro já cometeu crimes, no plural, de responsabilidade. Vai cair? Depende dele.
Bolsonaro encerra o seu terceiro mês de mandato, e a pergunta mais frequente que me fazem —e isto nunca aconteceu em tempo tão curto— é a seguinte: "Você acha que ele vai até o fim?" Dado que o presidente e seus valentes escolheram a imprensa como inimiga, as pessoas imaginam que temos a resposta porque esconderíamos uma arma letal contra o "Mito". As coisas mais perigosas que guardo contra Bolsonaro são a Constituição e a lei 1.079.
Há um desânimo evidente em setores da elite que apostaram literalmente num milagre, que é o acontecimento sem causa. Por que diabos, afinal de contas, ele faria um bom governo ou encaminharia soluções institucionais? Em que momento de sua trajetória política ele se mostrou reverente à lei e à ordem? Nem quando era militar, ora bolas! Vejam lá: o fiscal que o multou porque pescava em área ilegal foi exonerado do cargo de confiança que ocupava no Ibama. Ainda volto a ele.
Para responder se Bolsonaro conclui ou não o seu mandato, terei de voltar a Dilma Rousseff. Sim, ela pedalou, cometeu crime de responsabilidade, segundo os termos da lei 1.079. Sempre cabe a pergunta: "Mas ela pedalou muito?" Não, gente! Seu governo destruiu as contas públicas em razão de obtusidades várias, que não vêm ao caso agora, mas a pedalada propriamente foi coisa pouca, nada que a sociedade brasileira não pudesse ignorar se a economia estivesse em crescimento, os juros e a inflação em níveis civilizados, as contas públicas em ordem —hipótese, então, em que a presidente não teria passeado imprudentemente de bicicleta...
O impeachment por crime de responsabilidade tem como condição necessária uma agressão à ordem legal —uma motivação, pois, de feição jurídica—, mas só se realiza se estiver dada a condição suficiente, que é a política. Não por acaso, seu primeiro passo é a admissão da denúncia, em decisão monocrática, pelo presidente da Câmara. E toda a tramitação segue sendo de natureza... política! Os senadores, que atuam excepcionalmente como juízes, também são políticos.
Um presidente não é apeado por crime de responsabilidade, no Brasil, se contar com pelo menos um terço dos deputados ou dos senadores. Nota: a reforma da Previdência era seu grande ativo, e ele está se encarregando de implodi-la.
É claro que Bolsonaro brinca com fogo. Cometeu crime de responsabilidade, diz a lei, quando agrediu o decoro e propagou um filminho pornô. Vá lá. A coisa ganhou um tom até meio apalhaçado como consequência da estupefação geral. Mas ele se mostra insaciável nos seus três meses. A ordem para "comemorar" o golpe militar de 1964 —e o verbo foi empregado pelo porta-voz— e sua visita à CIA, onde, confessadamente, tratou da crise na Venezuela, agridem, respectivamente, os valores contidos nos Artigos 1º e 4º da Constituição.
A mesma lei 1.079 que depôs Dilma Rousseff considera, no item 3 do artigo 5º, ser "crime de responsabilidade contra a existência da União cometer ato de hostilidade contra nação estrangeira, expondo a República ao perigo da guerra, ou comprometendo-lhe a neutralidade". O artigo 7º aponta como "crimes de responsabilidade contra o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais" as seguintes práticas: "7 - incitar militares à desobediência à lei ou infração à disciplina" e "8 - provocar animosidade entre as classes armadas ou contra elas, ou delas contra as instituições civis". O mesmo artigo, no item 5, dispõe a respeito da destituição do fiscal do Ibama, ato do ministro Ricardo Salles: é crime de responsabilidade "servir-se das autoridades sob sua subordinação imediata para praticar abuso do poder, ou tolerar que essas autoridades o pratiquem sem repressão sua".
"Não exagere, Reinaldo!" Bem, digam isso a Bolsonaro. Os crimes estão cometidos, e não seria difícil prová-los. Ou alguém manda comemorar golpe de Estado para enviar um recado aos próceres de 1964? Obviamente, a agressão se dá à ordem constitucional de 2019.
"Então ele vai cair?" Depende dele. Se continuar a fazer bobagem e se perder as condições políticas de governar, hoje precárias, cai, sim! Os crimes de responsabilidade já foram cometidos. Por si, não derrubam ninguém. Associados à crise política aguda, tem-se a combinação letal.
As pedaladas institucionais de Bolsonaro já são maiores do que as pedaladas fiscais de Dilma. O que ele fizer na política, agora, vai determinar o resto.
Reinaldo Azevedo
Jornalista, autor de “O País dos Petralhas”.
Deserto de projetos - EDITORIAL O ESTADÃO
ESTADÃO - 29/03
A abundância de ideias e opiniões do governo Bolsonaro contrasta com a ausência de projetos e políticas
O governo Jair Bolsonaro parece ser uma fonte inesgotável de ideias e opiniões. Nas redes sociais, o presidente fala de tudo – das ideologias, do comunismo, dos costumes, da imprensa, da lombada eletrônica, da placa de automóvel e até de uma questão do Enem da qual ele discorda. Nos discursos, o tom é altivo. Seu papel não seria apenas o de chefiar o Executivo federal. De acordo com suas palavras, sua missão no Palácio do Planalto consistiria em refundar o País, com a instauração de uma nova ordem social, “libertando-o definitivamente do jugo da corrupção, da criminalidade, da irresponsabilidade econômica e da submissão ideológica”, como afirmou no discurso de posse.
A abundância de ideias e opiniões do governo Bolsonaro contrasta, no entanto, com a ausência de projetos e políticas públicas para o País. Em recente entrevista ao Estado, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, fez notar que, além do projeto de endurecimento das leis penais de Sergio Moro e da proposta de reforma da Previdência – que o próprio Jair Bolsonaro não assume completamente, dizendo que preferiria não ter de aprová-la –, o novo governo não tem um projeto para o País. “Se tem propostas, eu não as conheço”, disse Rodrigo Maia.
Ao falar da constante presença de Jair Bolsonaro e de sua família nas redes sociais, o presidente da Câmara lembrou um dado básico, que já havíamos ressaltado nestas páginas: “O Brasil precisa sair do Twitter e ir para a vida real. Ninguém consegue emprego, vaga na escola, creche, hospital por causa do Twitter. Precisamos que o País volte a ter projeto”.
É um engodo a ideia de que se está construindo um novo Brasil, “livre de amarras ideológicas”, por força da atuação do presidente Jair Bolsonaro nas redes sociais. E a população dá sinais de ter percebido essa realidade. As pesquisas de opinião indicam uma significativa deterioração da avaliação de Bolsonaro em menos de três meses de governo.
A tarefa de governar o País é muito diferente do que simplesmente criticar políticas e ações públicas do PT no governo federal. “Criticaram tanto o Bolsa Família e não propuseram nada até agora no lugar. Criticaram tanto a evasão escolar de jovens e agora a gente não sabe o que o governo pensa para os jovens e para as crianças de zero a três anos”, afirmou o presidente da Câmara.
A ausência de propostas e projetos consistentes para o País contraria diretamente uma das promessas mais repetidas por Bolsonaro e seu entorno – de que o seu governo imprimiria um rumo completamente novo ao Brasil. Sem propostas para os problemas reais, não há como falar em novos caminhos para o País.
A consequência imediata dessa incapacidade de apresentar propostas é a continuidade nos erros da era petista. Foi o que se viu, por exemplo, na participação do Brasil na “Segunda Conferência de Alto Nível das Nações Unidas sobre Cooperação Sul-Sul”. Apesar de todo o discurso de que o governo Bolsonaro imprimiria uma nova política internacional, o Brasil deu mais um passo no sentido de reafirmar a tal cooperação Sul-Sul, com suas conhecidas limitações e entraves para uma adequada inserção do País no cenário internacional.
Não se sabe quais são os projetos do governo Bolsonaro para a saúde pública, tema de primeira importância para a população. O mesmo acontece na área de educação. Ao abdicar de apresentar propostas concretas, o governo Bolsonaro reduz sua atuação a disputas verbais, agressões e escândalos.
A manutenção do País num clima conflituoso de campanha eleitoral, que parece ser até aqui um dos grandes objetivos de Bolsonaro, condena, assim, o seu próprio governo a uma preocupante paralisia. Aquele que prometeu um novo Brasil parece agora mais interessado na repercussão de seus tuítes. As urnas deram a Jair Bolsonaro uma missão bem concreta e com precisas responsabilidades institucionais. Ao presidente da República cabe construir soluções para os problemas nacionais. A ausência de projetos é caminho certo para o fracasso. O País não merece tamanho descuido.
A abundância de ideias e opiniões do governo Bolsonaro contrasta com a ausência de projetos e políticas
O governo Jair Bolsonaro parece ser uma fonte inesgotável de ideias e opiniões. Nas redes sociais, o presidente fala de tudo – das ideologias, do comunismo, dos costumes, da imprensa, da lombada eletrônica, da placa de automóvel e até de uma questão do Enem da qual ele discorda. Nos discursos, o tom é altivo. Seu papel não seria apenas o de chefiar o Executivo federal. De acordo com suas palavras, sua missão no Palácio do Planalto consistiria em refundar o País, com a instauração de uma nova ordem social, “libertando-o definitivamente do jugo da corrupção, da criminalidade, da irresponsabilidade econômica e da submissão ideológica”, como afirmou no discurso de posse.
A abundância de ideias e opiniões do governo Bolsonaro contrasta, no entanto, com a ausência de projetos e políticas públicas para o País. Em recente entrevista ao Estado, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, fez notar que, além do projeto de endurecimento das leis penais de Sergio Moro e da proposta de reforma da Previdência – que o próprio Jair Bolsonaro não assume completamente, dizendo que preferiria não ter de aprová-la –, o novo governo não tem um projeto para o País. “Se tem propostas, eu não as conheço”, disse Rodrigo Maia.
Ao falar da constante presença de Jair Bolsonaro e de sua família nas redes sociais, o presidente da Câmara lembrou um dado básico, que já havíamos ressaltado nestas páginas: “O Brasil precisa sair do Twitter e ir para a vida real. Ninguém consegue emprego, vaga na escola, creche, hospital por causa do Twitter. Precisamos que o País volte a ter projeto”.
É um engodo a ideia de que se está construindo um novo Brasil, “livre de amarras ideológicas”, por força da atuação do presidente Jair Bolsonaro nas redes sociais. E a população dá sinais de ter percebido essa realidade. As pesquisas de opinião indicam uma significativa deterioração da avaliação de Bolsonaro em menos de três meses de governo.
A tarefa de governar o País é muito diferente do que simplesmente criticar políticas e ações públicas do PT no governo federal. “Criticaram tanto o Bolsa Família e não propuseram nada até agora no lugar. Criticaram tanto a evasão escolar de jovens e agora a gente não sabe o que o governo pensa para os jovens e para as crianças de zero a três anos”, afirmou o presidente da Câmara.
A ausência de propostas e projetos consistentes para o País contraria diretamente uma das promessas mais repetidas por Bolsonaro e seu entorno – de que o seu governo imprimiria um rumo completamente novo ao Brasil. Sem propostas para os problemas reais, não há como falar em novos caminhos para o País.
A consequência imediata dessa incapacidade de apresentar propostas é a continuidade nos erros da era petista. Foi o que se viu, por exemplo, na participação do Brasil na “Segunda Conferência de Alto Nível das Nações Unidas sobre Cooperação Sul-Sul”. Apesar de todo o discurso de que o governo Bolsonaro imprimiria uma nova política internacional, o Brasil deu mais um passo no sentido de reafirmar a tal cooperação Sul-Sul, com suas conhecidas limitações e entraves para uma adequada inserção do País no cenário internacional.
Não se sabe quais são os projetos do governo Bolsonaro para a saúde pública, tema de primeira importância para a população. O mesmo acontece na área de educação. Ao abdicar de apresentar propostas concretas, o governo Bolsonaro reduz sua atuação a disputas verbais, agressões e escândalos.
A manutenção do País num clima conflituoso de campanha eleitoral, que parece ser até aqui um dos grandes objetivos de Bolsonaro, condena, assim, o seu próprio governo a uma preocupante paralisia. Aquele que prometeu um novo Brasil parece agora mais interessado na repercussão de seus tuítes. As urnas deram a Jair Bolsonaro uma missão bem concreta e com precisas responsabilidades institucionais. Ao presidente da República cabe construir soluções para os problemas nacionais. A ausência de projetos é caminho certo para o fracasso. O País não merece tamanho descuido.
O valor de 'pi' - RUY CASTRO
FOLHA DE SP - 29/03
Só ele pode nos ajudar a calcular o volume da corrupção no Brasil
Uma notícia de jornal trouxe-me à memória um fantasma da adolescência: “pi”. “Pi”, para quem não sabe, tem a ver com matemática. É a resultante da razão entre a circunferência e o diâmetro de um círculo. Não sei o que isso significa —apenas copiei a descrição do jornal. Durante toda a vida escolar, fui atormentado por “pi”. Quando o professor tirava o giz do bolso do guarda-pó, enchia o quadro com números e falava em “pi”, eu já sabia que aquilo logo me renderia um zero.
“Pi”, com esse nome de esquilo de desenho animado, é um desafio para os matemáticos. Desde o grego Arquimedes, eles vêm travando sangrentas batalhas entre si, fazendo cálculos para determinar o valor do bicho. Um “pi” simples vale 3,14 —não me pergunte de quê. Mas, há milênios, esse número tem sido acrescido de decimais, a tal ponto que, pelos cálculos do suíço Peter Trüb, em 2016, “pi” já estava em 22,4 trilhões de dígitos —nem a inflação na Venezuela chegou a tanto. Agora, a japonesa Emma Haruka Iwao acaba de estabelecer um novo valor: 31,4 trilhões de dígitos.
E como ela chegou a isto? Operando, durante 121 dias, 25 computadores, que processaram 170 terabytes de dados. Um terabyte, para se ter ideia, armazena 200 mil músicas. Pois tente imaginar 31,4 trilhões de dígitos.
Devíamos chamar Emma ao Brasil. Só ela, usando sua intimidade com “pi”, poderia ajudar a Lava Jato a calcular o total de dinheiro movimentado pela corrupção nos últimos 30 anos, envolvendo governantes, burocratas, empresários, políticos e partidos. Deve estar em níveis de "pi”.
Quando nos damos conta da naturalidade com que temos ouvido falar em milhões ou bilhões de reais roubados, e não distinguimos mais uns dos outros, é porque já nos tornamos cínicos ou indiferentes. E por que não? Afinal, como disse o juiz Ivan Athiê, aquele que soltou Michel Temer outro dia, “propina não é crime —é gorjeta”.
Ruy Castro
Só ele pode nos ajudar a calcular o volume da corrupção no Brasil
Uma notícia de jornal trouxe-me à memória um fantasma da adolescência: “pi”. “Pi”, para quem não sabe, tem a ver com matemática. É a resultante da razão entre a circunferência e o diâmetro de um círculo. Não sei o que isso significa —apenas copiei a descrição do jornal. Durante toda a vida escolar, fui atormentado por “pi”. Quando o professor tirava o giz do bolso do guarda-pó, enchia o quadro com números e falava em “pi”, eu já sabia que aquilo logo me renderia um zero.
“Pi”, com esse nome de esquilo de desenho animado, é um desafio para os matemáticos. Desde o grego Arquimedes, eles vêm travando sangrentas batalhas entre si, fazendo cálculos para determinar o valor do bicho. Um “pi” simples vale 3,14 —não me pergunte de quê. Mas, há milênios, esse número tem sido acrescido de decimais, a tal ponto que, pelos cálculos do suíço Peter Trüb, em 2016, “pi” já estava em 22,4 trilhões de dígitos —nem a inflação na Venezuela chegou a tanto. Agora, a japonesa Emma Haruka Iwao acaba de estabelecer um novo valor: 31,4 trilhões de dígitos.
E como ela chegou a isto? Operando, durante 121 dias, 25 computadores, que processaram 170 terabytes de dados. Um terabyte, para se ter ideia, armazena 200 mil músicas. Pois tente imaginar 31,4 trilhões de dígitos.
Devíamos chamar Emma ao Brasil. Só ela, usando sua intimidade com “pi”, poderia ajudar a Lava Jato a calcular o total de dinheiro movimentado pela corrupção nos últimos 30 anos, envolvendo governantes, burocratas, empresários, políticos e partidos. Deve estar em níveis de "pi”.
Quando nos damos conta da naturalidade com que temos ouvido falar em milhões ou bilhões de reais roubados, e não distinguimos mais uns dos outros, é porque já nos tornamos cínicos ou indiferentes. E por que não? Afinal, como disse o juiz Ivan Athiê, aquele que soltou Michel Temer outro dia, “propina não é crime —é gorjeta”.
Ruy Castro
Alta confusão, baixas expectativas - EDITORIAL O ESTADÃO
ESTADÃO - 29/03
Turbulência na Bolsa, dólar em disparada, insegurança nos mercados e piora das expectativas compõem o balanço econômico dos primeiros três meses de governo do presidente Jair Bolsonaro. Todas as projeções de crescimento foram revistas para baixo desde o início do ano.
O Banco Central (BC) cortou de 2,4% para 2% a previsão de aumento do Produto Interno Bruto (PIB) em 2019. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), entidade também oficial, reduziu sua expectativa de 2,7% para 2%. No mercado, a mediana das estimativas bateu em 2,01% no último fim de semana, segundo a pesquisa Focus, atualizada semanalmente pelo BC.
Até o Ministério da Economia, responsável principal pelas finanças públicas e pela política de expansão dos negócios, baixou sua aposta. Segundo a conta revista, o PIB deverá avançar 2,2% neste ano, em vez dos 2,5% indicados no Orçamento-Geral da União.
O cenário de susto estava armado no mercado financeiro e de capitais, na quinta-feira de manhã, quando o BC e o Ipea divulgaram suas novas projeções para a economia brasileira. O dólar havia superado a cotação de R$ 4 no dia anterior, voltando aos níveis alcançados antes da eleição presidencial.
A instabilidade continuava ontem, nas primeiras operações, quando o BC entrou no mercado com um leilão de R$ 1 bilhão. Foi uma operação fora da rotina, destinada a corrigir uma situação cambial considerada anômala. O mercado comprou todos os dólares oferecidos e o cenário se tornou menos turbulento. Além da venda de moeda americana, pelo menos dois fatores contribuíram para baixar a agitação. O presidente da República declarou superada sua briga com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e o PSL, partido do governo, fechou questão a favor da proposta de reforma da Previdência. No meio da tarde, o mercado de câmbio estava mais tranquilo, mas o dólar continuava na vizinhança de R$ 3,93, uma cotação muito acima dos níveis observados desde o fim de 2018.
Não é fácil prever a duração do comportamento pacífico anunciado pelo presidente Jair Bolsonaro nem o instante de surgimento de novas grandes tensões no Executivo ou, mais amplamente, na Praça dos Três Poderes. Também é difícil dizer, neste momento, como e por quem as negociações entre governo e Congresso serão conduzidas e como se comportarão os filhos do presidente Jair Bolsonaro.
Se as expectativas mais otimistas – e talvez irrealistas – forem confirmadas, as incertezas serão atenuadas e um avanço econômico mais firme será engatado. O resultado talvez seja algo melhor que a expansão de 2%. Se os problemas políticos e administrativos se repetirem, talvez nem o pífio crescimento hoje projetado seja conseguido em 2019. Nesse caso, o resto do mandato do presidente Jair Bolsonaro poderá ser comprometido.
O BC reduziu as estimativas de crescimento para todos os grandes setores. Para a agropecuária, o corte foi de 2% para 1%. Para o conjunto da indústria, de 2,9% para 1,8%. Para a indústria de transformação, o segmento mais importante por seus efeitos de irradiação e pela qualidade do emprego gerado, a revisão foi de 3,2% para 1,8%. No caso da indústria extrativa, a redução de 7,6% para 3,2% reflete, entre outros fatores, os efeitos do rompimento da barragem de Brumadinho. Para o setor de serviços, o corte da projeção foi muito pequeno, de 2,1% para 2%.
Do lado da demanda, o consumo familiar, ainda afetado pelo alto desemprego, deve crescer 2,2%, em vez dos 2,5% estimados no fim do ano.
O BC prevê inflação ainda bem comportada neste ano e nos próximos dois, mas isso dependerá, como já foi comentado em outros documentos, da manutenção de expectativas bem ancoradas. Expectativas favoráveis, como se lembra mais uma vez, poderão desaparecer, se o governo falhar na política de ajustes e reformas.
Também ontem, a Fundação Getúlio Vargas informou um recuo do índice de confiança do comércio para 96,8 pontos, o nível mais baixo desde outubro. Dificilmente o presidente poderá culpar a imprensa por qualquer dessas pioras. Talvez ele pudesse pensar um pouco sobre isso.
Turbulência na Bolsa, dólar em disparada, insegurança nos mercados e piora das expectativas compõem o balanço econômico dos primeiros três meses de governo do presidente Jair Bolsonaro. Todas as projeções de crescimento foram revistas para baixo desde o início do ano.
O Banco Central (BC) cortou de 2,4% para 2% a previsão de aumento do Produto Interno Bruto (PIB) em 2019. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), entidade também oficial, reduziu sua expectativa de 2,7% para 2%. No mercado, a mediana das estimativas bateu em 2,01% no último fim de semana, segundo a pesquisa Focus, atualizada semanalmente pelo BC.
Até o Ministério da Economia, responsável principal pelas finanças públicas e pela política de expansão dos negócios, baixou sua aposta. Segundo a conta revista, o PIB deverá avançar 2,2% neste ano, em vez dos 2,5% indicados no Orçamento-Geral da União.
O cenário de susto estava armado no mercado financeiro e de capitais, na quinta-feira de manhã, quando o BC e o Ipea divulgaram suas novas projeções para a economia brasileira. O dólar havia superado a cotação de R$ 4 no dia anterior, voltando aos níveis alcançados antes da eleição presidencial.
A instabilidade continuava ontem, nas primeiras operações, quando o BC entrou no mercado com um leilão de R$ 1 bilhão. Foi uma operação fora da rotina, destinada a corrigir uma situação cambial considerada anômala. O mercado comprou todos os dólares oferecidos e o cenário se tornou menos turbulento. Além da venda de moeda americana, pelo menos dois fatores contribuíram para baixar a agitação. O presidente da República declarou superada sua briga com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e o PSL, partido do governo, fechou questão a favor da proposta de reforma da Previdência. No meio da tarde, o mercado de câmbio estava mais tranquilo, mas o dólar continuava na vizinhança de R$ 3,93, uma cotação muito acima dos níveis observados desde o fim de 2018.
Não é fácil prever a duração do comportamento pacífico anunciado pelo presidente Jair Bolsonaro nem o instante de surgimento de novas grandes tensões no Executivo ou, mais amplamente, na Praça dos Três Poderes. Também é difícil dizer, neste momento, como e por quem as negociações entre governo e Congresso serão conduzidas e como se comportarão os filhos do presidente Jair Bolsonaro.
Se as expectativas mais otimistas – e talvez irrealistas – forem confirmadas, as incertezas serão atenuadas e um avanço econômico mais firme será engatado. O resultado talvez seja algo melhor que a expansão de 2%. Se os problemas políticos e administrativos se repetirem, talvez nem o pífio crescimento hoje projetado seja conseguido em 2019. Nesse caso, o resto do mandato do presidente Jair Bolsonaro poderá ser comprometido.
O BC reduziu as estimativas de crescimento para todos os grandes setores. Para a agropecuária, o corte foi de 2% para 1%. Para o conjunto da indústria, de 2,9% para 1,8%. Para a indústria de transformação, o segmento mais importante por seus efeitos de irradiação e pela qualidade do emprego gerado, a revisão foi de 3,2% para 1,8%. No caso da indústria extrativa, a redução de 7,6% para 3,2% reflete, entre outros fatores, os efeitos do rompimento da barragem de Brumadinho. Para o setor de serviços, o corte da projeção foi muito pequeno, de 2,1% para 2%.
Do lado da demanda, o consumo familiar, ainda afetado pelo alto desemprego, deve crescer 2,2%, em vez dos 2,5% estimados no fim do ano.
O BC prevê inflação ainda bem comportada neste ano e nos próximos dois, mas isso dependerá, como já foi comentado em outros documentos, da manutenção de expectativas bem ancoradas. Expectativas favoráveis, como se lembra mais uma vez, poderão desaparecer, se o governo falhar na política de ajustes e reformas.
Também ontem, a Fundação Getúlio Vargas informou um recuo do índice de confiança do comércio para 96,8 pontos, o nível mais baixo desde outubro. Dificilmente o presidente poderá culpar a imprensa por qualquer dessas pioras. Talvez ele pudesse pensar um pouco sobre isso.
Maldades à vista - MERVAL PEREIRA
O GLOBO - 29/03
Há quem considere que aprovação do Orçamento impositivo pode trazer benefício: acabar o ‘é dando que se recebe’
A munição da Câmara de maldades constitucionais para assumir o protagonismo na aprovação do Orçamento está longe de esgotada. Deputados federais de diversos partidos já estudam, entre outras medidas, retomar os termos de uma emenda constitucional proposta em 2000 pelo falecido senador Antonio Carlos Magalhães, muito mais rigorosa com relação ao Orçamento impositivo, que hoje abrange apenas as emendas individuais dos parlamentares e passará a abranger também as emendas de bancadas com a PEC aprovada na Câmara.
A proposta de 2000, que pode ser ressuscitada, impõe ao governo limites rigorosos para contingenciamento de verbas, exigindo explicações formais ao Congresso. Ou a necessidade de autorização do Congresso para aumentar os gastos além do Orçamento. Há até mesmo um mecanismo semelhante em vigor nos Estados Unidos, de paralisação das atividades dos serviços públicos caso o Congresso não aceite as explicações do governo.
Nos Estados Unidos, cerca de 400 mil funcionários públicos ficaram em casa, sem receber, durante a mais recente paralisação pela disputa com o presidente Donald Trump pela verba adicional para a construção do muro na fronteira com o México. Repartições públicas não funcionaram, museus fecharam as portas. Outros tantos foram considerados “essenciais” e trabalharam sem receber.
A disputa entre Executivo e Legislativo em torno do Orçamento tem origem no que aconteceu com as colônias americanas da Inglaterra, que se rebelaram por quererem ter representantes presenciais no Parlamento em Londres, em vez de uma representação virtual como queriam os ingleses.
A frase “No taxation without representation” (Nenhuma taxação sem representação) tornou-se o símbolo de um movimento de autonomia das 13 colônias americanas que culminou, anos depois, em 1776, na fundação dos Estados Unidos.
Aqui, não há separatismo, mas desejo de ter mais influência na definição do Orçamento. Por enquanto, o governo ainda mantém certo controle da situação, tanto que, a seu pedido, o Senado fará uma alteração na proposta de emenda à Constituição que retira do Executivo poder sobre o Orçamento. Com isso, a PEC terá que retornar à Câmara.
Mas essa alteração, se realmente acontecer, vai provocar reações da Câmara, que aumentou no primeiro ano de 0,6% para 1% da Receita Corrente Líquida o percentual obrigatório das emendas coletivas, um acréscimo de R$ 4 bilhões nos gastos.
A partir do segundo ano, o valor alocado em emendas será corrigido pela inflação. O Senado está sendo instado pelo governo a voltar atrás, pois a PEC produz efeitos a partir da execução orçamentária do exercício seguinte à sua publicação, e não em 2022 como informei ontem, baseado em um comunicado oficial da presidência da Câmara.
O que causou a confusão foi a correção do valor das emendas parlamentares e de bancadas, que são impositivas, justamente o que o governo quer evitar. Se publicada em 2019, a execução do Orçamento de 2020 (a ser aprovado em 2019) será obrigatória no montante de até 1 % da RCL de 2019. Se aprovada em 2020, a execução obrigatória se dará com o orçamento de 2021, com a RCL de 2020.
Em relação à correção, de acordo com o art. 2º, ela se dará, a partir de 2021, de acordo com o IPCA de junho/19 a julho/20 (se aprovada a PEC em 2019). Se aprovada a PEC no ano que vem (2020), aí a correção se daria a partir de 2022.
Há quem considere que a aprovação do Orçamento impositivo pode trazer um benefício: acabar o “é dando que se recebe” com relação às emendas parlamentares, provocando uma redefinição de forças no Congresso porque parlamentares deixarão de se alinhar automaticamente com o governo só para liberar suas emendas.
O governo tenta ainda convencer os deputados de que é mais vantagem apoiar a proposta de desvinculação total que a equipe do ministro da Economia Paulo Guedes pretende apresentar. A descentralização dos recursos beneficiaria estados e municípios, pois as despesas hoje carimbadas como obrigatórias ficariam à disposição para serem usadas em outras áreas, de acordo com decisões do Congresso.
O problema, para o Governo, é que os parlamentares, especialmente na Câmara, não acreditam nessa promessa, e querem impor mecanismos que garantam a autonomia do parlamento.
Há quem considere que aprovação do Orçamento impositivo pode trazer benefício: acabar o ‘é dando que se recebe’
A munição da Câmara de maldades constitucionais para assumir o protagonismo na aprovação do Orçamento está longe de esgotada. Deputados federais de diversos partidos já estudam, entre outras medidas, retomar os termos de uma emenda constitucional proposta em 2000 pelo falecido senador Antonio Carlos Magalhães, muito mais rigorosa com relação ao Orçamento impositivo, que hoje abrange apenas as emendas individuais dos parlamentares e passará a abranger também as emendas de bancadas com a PEC aprovada na Câmara.
A proposta de 2000, que pode ser ressuscitada, impõe ao governo limites rigorosos para contingenciamento de verbas, exigindo explicações formais ao Congresso. Ou a necessidade de autorização do Congresso para aumentar os gastos além do Orçamento. Há até mesmo um mecanismo semelhante em vigor nos Estados Unidos, de paralisação das atividades dos serviços públicos caso o Congresso não aceite as explicações do governo.
Nos Estados Unidos, cerca de 400 mil funcionários públicos ficaram em casa, sem receber, durante a mais recente paralisação pela disputa com o presidente Donald Trump pela verba adicional para a construção do muro na fronteira com o México. Repartições públicas não funcionaram, museus fecharam as portas. Outros tantos foram considerados “essenciais” e trabalharam sem receber.
A disputa entre Executivo e Legislativo em torno do Orçamento tem origem no que aconteceu com as colônias americanas da Inglaterra, que se rebelaram por quererem ter representantes presenciais no Parlamento em Londres, em vez de uma representação virtual como queriam os ingleses.
A frase “No taxation without representation” (Nenhuma taxação sem representação) tornou-se o símbolo de um movimento de autonomia das 13 colônias americanas que culminou, anos depois, em 1776, na fundação dos Estados Unidos.
Aqui, não há separatismo, mas desejo de ter mais influência na definição do Orçamento. Por enquanto, o governo ainda mantém certo controle da situação, tanto que, a seu pedido, o Senado fará uma alteração na proposta de emenda à Constituição que retira do Executivo poder sobre o Orçamento. Com isso, a PEC terá que retornar à Câmara.
Mas essa alteração, se realmente acontecer, vai provocar reações da Câmara, que aumentou no primeiro ano de 0,6% para 1% da Receita Corrente Líquida o percentual obrigatório das emendas coletivas, um acréscimo de R$ 4 bilhões nos gastos.
A partir do segundo ano, o valor alocado em emendas será corrigido pela inflação. O Senado está sendo instado pelo governo a voltar atrás, pois a PEC produz efeitos a partir da execução orçamentária do exercício seguinte à sua publicação, e não em 2022 como informei ontem, baseado em um comunicado oficial da presidência da Câmara.
O que causou a confusão foi a correção do valor das emendas parlamentares e de bancadas, que são impositivas, justamente o que o governo quer evitar. Se publicada em 2019, a execução do Orçamento de 2020 (a ser aprovado em 2019) será obrigatória no montante de até 1 % da RCL de 2019. Se aprovada em 2020, a execução obrigatória se dará com o orçamento de 2021, com a RCL de 2020.
Em relação à correção, de acordo com o art. 2º, ela se dará, a partir de 2021, de acordo com o IPCA de junho/19 a julho/20 (se aprovada a PEC em 2019). Se aprovada a PEC no ano que vem (2020), aí a correção se daria a partir de 2022.
Há quem considere que a aprovação do Orçamento impositivo pode trazer um benefício: acabar o “é dando que se recebe” com relação às emendas parlamentares, provocando uma redefinição de forças no Congresso porque parlamentares deixarão de se alinhar automaticamente com o governo só para liberar suas emendas.
O governo tenta ainda convencer os deputados de que é mais vantagem apoiar a proposta de desvinculação total que a equipe do ministro da Economia Paulo Guedes pretende apresentar. A descentralização dos recursos beneficiaria estados e municípios, pois as despesas hoje carimbadas como obrigatórias ficariam à disposição para serem usadas em outras áreas, de acordo com decisões do Congresso.
O problema, para o Governo, é que os parlamentares, especialmente na Câmara, não acreditam nessa promessa, e querem impor mecanismos que garantam a autonomia do parlamento.
O confronto como método é receita para o fracasso - EDITORIAL O GLOBO
O GLOBO - 29/03
Manter-se em campanha é grave erro de Bolsonaro, que ontem, porém, fez gestos de apaziguamento
Nestes quase 90 dias de poder, se há um método de governar do presidente Jair Bolsonaro, é o do confronto, o que tem produzido na política algo próximo ao caos. Depois de breve armistício, Bolsonaro e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, passaram a quarta-feira em refregas. Em entrevista à TV Band, o presidente, indagado sobre os choques com Maia, em torno da articulação política para a aprovação do projeto da reforma da Previdência na Câmara, fez ironia com o fato de o marido da sogra do deputado, Moreira Franco, ter sido preso pela Lava-Jato fluminense: “ele está um pouco abalado com questões pessoais que vem enfrentando”.
No troco dado por Maia, o deputado afirmou que Bolsonaro está “brincando de presidir o Brasil”. Na tarde de quarta, enquanto a troca de salvas de artilharia entre Maia e Bolsonaro era retomada, o ministro da Economia, Paulo Guedes, dizia no Senado que, se seus projetos forem rejeitados, não ficará. Mesmo que tenha atenuado a afirmação ao dizer que isso não acontecerá na “primeira derrota”, os mercados reagiram como previsto. O clima criado a partir do Planalto, degradando ainda mais o relacionamento entre Bolsonaro e o presidente da Câmara, leva a que os agentes econômicos, dentro e fora do país, trabalhem com a possibilidade concreta de serem baixas as chances de o governo aprovar seus projetos no Congresso.
Esta é uma conclusão racional, reforçada pela aprovação a toque de caixa, na Câmara, de projeto de emenda constitucional que amplia a já elevada parcela de despesas carimbadas previstas no Orçamento (de 93% para 97%). Tudo com apoio do PSL, partido do presidente, e comemoração do filho deputado, Eduardo Bolsonaro. Tamanha demonstração da falta de base no Legislativo estimula novas estocadas em um governo cujo chefe se recusa a trabalhar politicamente para viabilizar seus projetos.
Mas ontem foi um dia de apaziguamentos, nesta gangorra de humores que tem sido o governo Bolsonaro. Maia tomou café da manhã com o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, e parece terem se entendido sobre a tramitação do pacote anticrime. O almoço foi reservado para o ministro da Economia, Paulo Guedes, com quem o presidente da Câmara já mantém contatos. Guedes voltou a demonstrar otimismo. Para completar o dia de relaxamento de tensões, o próprio Bolsonaro disse que os choques com Maia são “página virada”, que tudo não passou de “chuva de verão”.
Resta esperar.Por exemplo, que o Planalto deixe de agir como se a campanha eleitoral não houvesse acabado. A própria determinação do presidente para os quartéis relembrarem o golpe de 31 de março de 64 é um ato de confronto. Coube aos generais, com bom senso, registrar, na Ordem do Dia que será lida na data, a importância da transição democrática.
Bolsonaro embarca sábado para Israel. Quando o então presidente Sarney se ausentava de Brasília, FH comentava: “a crise viajou...”
Manter-se em campanha é grave erro de Bolsonaro, que ontem, porém, fez gestos de apaziguamento
Nestes quase 90 dias de poder, se há um método de governar do presidente Jair Bolsonaro, é o do confronto, o que tem produzido na política algo próximo ao caos. Depois de breve armistício, Bolsonaro e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, passaram a quarta-feira em refregas. Em entrevista à TV Band, o presidente, indagado sobre os choques com Maia, em torno da articulação política para a aprovação do projeto da reforma da Previdência na Câmara, fez ironia com o fato de o marido da sogra do deputado, Moreira Franco, ter sido preso pela Lava-Jato fluminense: “ele está um pouco abalado com questões pessoais que vem enfrentando”.
No troco dado por Maia, o deputado afirmou que Bolsonaro está “brincando de presidir o Brasil”. Na tarde de quarta, enquanto a troca de salvas de artilharia entre Maia e Bolsonaro era retomada, o ministro da Economia, Paulo Guedes, dizia no Senado que, se seus projetos forem rejeitados, não ficará. Mesmo que tenha atenuado a afirmação ao dizer que isso não acontecerá na “primeira derrota”, os mercados reagiram como previsto. O clima criado a partir do Planalto, degradando ainda mais o relacionamento entre Bolsonaro e o presidente da Câmara, leva a que os agentes econômicos, dentro e fora do país, trabalhem com a possibilidade concreta de serem baixas as chances de o governo aprovar seus projetos no Congresso.
Esta é uma conclusão racional, reforçada pela aprovação a toque de caixa, na Câmara, de projeto de emenda constitucional que amplia a já elevada parcela de despesas carimbadas previstas no Orçamento (de 93% para 97%). Tudo com apoio do PSL, partido do presidente, e comemoração do filho deputado, Eduardo Bolsonaro. Tamanha demonstração da falta de base no Legislativo estimula novas estocadas em um governo cujo chefe se recusa a trabalhar politicamente para viabilizar seus projetos.
Mas ontem foi um dia de apaziguamentos, nesta gangorra de humores que tem sido o governo Bolsonaro. Maia tomou café da manhã com o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, e parece terem se entendido sobre a tramitação do pacote anticrime. O almoço foi reservado para o ministro da Economia, Paulo Guedes, com quem o presidente da Câmara já mantém contatos. Guedes voltou a demonstrar otimismo. Para completar o dia de relaxamento de tensões, o próprio Bolsonaro disse que os choques com Maia são “página virada”, que tudo não passou de “chuva de verão”.
Resta esperar.Por exemplo, que o Planalto deixe de agir como se a campanha eleitoral não houvesse acabado. A própria determinação do presidente para os quartéis relembrarem o golpe de 31 de março de 64 é um ato de confronto. Coube aos generais, com bom senso, registrar, na Ordem do Dia que será lida na data, a importância da transição democrática.
Bolsonaro embarca sábado para Israel. Quando o então presidente Sarney se ausentava de Brasília, FH comentava: “a crise viajou...”
O presidente maluquinho - HÉLIO SCHWARTSMAN
FOLHA DE SP - 29/03
Bolsonaro não dá sinais de que tenha compreendido a gravidade da situação
Com atraso de cinco meses, o chamado mercado e parcela da população que elegeu Jair Bolsonaro vão percebendo que o despreparo atávico do capitão reformado pode ter consequências desastrosas para o país. A piora de indicadores econômicos nos últimos dias e a queda da popularidade do governo aferida pelo Ibope mostram que, para alguns atores, a ficha está caindo.
Bolsonaro, porém, não dá sinais de que tenha compreendido a gravidade da situação. A reforma da Previdência está longe de ser a resposta para todos os nossos problemas, mas, sem ela, o país se tornará em um ou dois anos inadministrável, seja por Bolsonaro, seja por um governante competente.
Nessas condições, um agente racional envidaria todos os seus esforços, e é bom frisar o “todos”, em arregimentar o máximo possível de forças políticas para aprovar a reforma. Bolsonaro, entretanto, não só se recusa a negociar com o Congresso como ainda faz questão de adotar posicionamentos disruptivos, chegando ao ponto de atacar um aliado indispensável.
É tudo tão fora da realidade que já li especulações sugerindo que o presidente faz isso de propósito. Como um Jânio Quadros, ele apostaria no agravamento da crise para dela reemergir com poderes reforçados. Se o plano é esse, penso que, como Jânio, ele vai se dar mal.
A tática de “quebrar o sistema”, além de antidemocrática, quase nunca dá certo. As chances ficam ainda menores quando a popularidade do líder é declinante e ele se indispõe até com aliados naturais. Há notícias de que os militares estão irritadíssimos com a barafunda que se tornou o governo.
A seguir nessa toada, em breve restará a Bolsonaro apenas a linha dura da extrema direita, reunida em torno de figuras como Olavo de Carvalho. É gente que tem parafusos soltos e, no mundo real, não conta com nenhuma divisão. É preciso mais que palavrões e mapas astrais para se manter no poder.
Bolsonaro não dá sinais de que tenha compreendido a gravidade da situação
Com atraso de cinco meses, o chamado mercado e parcela da população que elegeu Jair Bolsonaro vão percebendo que o despreparo atávico do capitão reformado pode ter consequências desastrosas para o país. A piora de indicadores econômicos nos últimos dias e a queda da popularidade do governo aferida pelo Ibope mostram que, para alguns atores, a ficha está caindo.
Bolsonaro, porém, não dá sinais de que tenha compreendido a gravidade da situação. A reforma da Previdência está longe de ser a resposta para todos os nossos problemas, mas, sem ela, o país se tornará em um ou dois anos inadministrável, seja por Bolsonaro, seja por um governante competente.
Nessas condições, um agente racional envidaria todos os seus esforços, e é bom frisar o “todos”, em arregimentar o máximo possível de forças políticas para aprovar a reforma. Bolsonaro, entretanto, não só se recusa a negociar com o Congresso como ainda faz questão de adotar posicionamentos disruptivos, chegando ao ponto de atacar um aliado indispensável.
É tudo tão fora da realidade que já li especulações sugerindo que o presidente faz isso de propósito. Como um Jânio Quadros, ele apostaria no agravamento da crise para dela reemergir com poderes reforçados. Se o plano é esse, penso que, como Jânio, ele vai se dar mal.
A tática de “quebrar o sistema”, além de antidemocrática, quase nunca dá certo. As chances ficam ainda menores quando a popularidade do líder é declinante e ele se indispõe até com aliados naturais. Há notícias de que os militares estão irritadíssimos com a barafunda que se tornou o governo.
A seguir nessa toada, em breve restará a Bolsonaro apenas a linha dura da extrema direita, reunida em torno de figuras como Olavo de Carvalho. É gente que tem parafusos soltos e, no mundo real, não conta com nenhuma divisão. É preciso mais que palavrões e mapas astrais para se manter no poder.
Dominó e xadrez - EDITORIAL FOLHA DE SP
FOLHA DE SP - 29/03
Bolsonaro e Guedes precisam dar mostras de maior disposição para o jogo político
Houve algo de revelador quando o presidente Jair Bolsonaro (PSL) afirmou, na terça (26), que não iria jogar dominó com os antecessores Michel Temer (MDB) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no xadrez.
O atual mandatário não corre hoje o risco de ir preso. Por outro lado, o desempenho presidencial indica que suas limitações e a lógica maniqueísta que lhe é peculiar o credenciam mais a abraçar o dominó que o xadrez —o jogo.
Diante de Rodrigo Maia (DEM), chefe da Câmara que o desafiou para o tabuleiro complexo do Parlamento, viu apenas as cores preta e branca. Não se deu conta de que o deputado está cercado por 512 peões, cavalos, bispos, reis e rainhas.
Maia lhe diz que é preciso ir a campo e negociar para aprovar a reforma da Previdência, e Bolsonaro lhe pespega de pronto a pecha de fisiológico, como se qualquer barganha política fosse corrupta.
Quando todos se voltavam para panos quentes, o presidente não resistiu a ironizar o parlamentar em tacanha entrevista na TV. Na mesma conversa de tergiversador, acusou esta Folha de inventar que elogiou o sanguinário ditador chileno Augusto Pinochet, coisa que fez em 2015 e nunca renegou.
Escolheu, por razões ideológicas, um ministro calamitoso para a pasta nevrálgica da Educação, Ricardo Vélez, que o próprio Bolsonaro agora reputa neófito e desprovido de tato político.
Todos sabem que cogita demiti-lo, mas o presidente espalha nas redes sociais desmentidos falaciosos só para achincalhar a imprensa como inventora de falsidades.
Em lugar de manter foco na vitória estratégica, a reforma do sistema de aposentadorias, ele e acólitos colecionam escaramuças com os que poderiam ajudar a aprová-la no Congresso. Suas catilinárias nas redes sociais são amplificadas, quando não terceirizadas, pela troica de filhos desbocados.
Justiça seja feita: Bolsonaro faz escola. Conta ainda, fora da família e no primeiro escalão do Executivo, com coadjuvantes propensos a falar mais do que devem.
O ocupante da superpasta da Economia, Paulo Guedes, compareceu na quarta-feira (27) a uma comissão do Senado no papel de apóstolo da nova Previdência, mas acabou por alimentar hipóteses sobre sua permanência no cargo, ao qual disse —em tom que parecia de desafio— não ter apego.
Bolsonaro e Guedes colheram o que semearam: assustados com a deterioração do clima político, seus apoiadores no mercado se retraíram, derrubando a Bolsa e fazendo a cotação do dólar disparar.
Guedes e o ministro da Justiça, Sérgio Moro, felizmente não perderam a capacidade de agir racional e calculadamente. Nesta quinta (28), acorreram ao Congresso para compor-se com Maia. O próprio Bolsonaro recuou e disse que o conflito era página virada, contribuindo para um dia de maior serenidade e recuperação dos mercados.
Que assim seja —e se provem exagerados os temores de uma espiral precoce de crise política e econômica. O presidente ainda dispõe de tempo para aprender xadrez.
Bolsonaro e Guedes precisam dar mostras de maior disposição para o jogo político
Houve algo de revelador quando o presidente Jair Bolsonaro (PSL) afirmou, na terça (26), que não iria jogar dominó com os antecessores Michel Temer (MDB) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no xadrez.
O atual mandatário não corre hoje o risco de ir preso. Por outro lado, o desempenho presidencial indica que suas limitações e a lógica maniqueísta que lhe é peculiar o credenciam mais a abraçar o dominó que o xadrez —o jogo.
Diante de Rodrigo Maia (DEM), chefe da Câmara que o desafiou para o tabuleiro complexo do Parlamento, viu apenas as cores preta e branca. Não se deu conta de que o deputado está cercado por 512 peões, cavalos, bispos, reis e rainhas.
Maia lhe diz que é preciso ir a campo e negociar para aprovar a reforma da Previdência, e Bolsonaro lhe pespega de pronto a pecha de fisiológico, como se qualquer barganha política fosse corrupta.
Quando todos se voltavam para panos quentes, o presidente não resistiu a ironizar o parlamentar em tacanha entrevista na TV. Na mesma conversa de tergiversador, acusou esta Folha de inventar que elogiou o sanguinário ditador chileno Augusto Pinochet, coisa que fez em 2015 e nunca renegou.
Escolheu, por razões ideológicas, um ministro calamitoso para a pasta nevrálgica da Educação, Ricardo Vélez, que o próprio Bolsonaro agora reputa neófito e desprovido de tato político.
Todos sabem que cogita demiti-lo, mas o presidente espalha nas redes sociais desmentidos falaciosos só para achincalhar a imprensa como inventora de falsidades.
Em lugar de manter foco na vitória estratégica, a reforma do sistema de aposentadorias, ele e acólitos colecionam escaramuças com os que poderiam ajudar a aprová-la no Congresso. Suas catilinárias nas redes sociais são amplificadas, quando não terceirizadas, pela troica de filhos desbocados.
Justiça seja feita: Bolsonaro faz escola. Conta ainda, fora da família e no primeiro escalão do Executivo, com coadjuvantes propensos a falar mais do que devem.
O ocupante da superpasta da Economia, Paulo Guedes, compareceu na quarta-feira (27) a uma comissão do Senado no papel de apóstolo da nova Previdência, mas acabou por alimentar hipóteses sobre sua permanência no cargo, ao qual disse —em tom que parecia de desafio— não ter apego.
Bolsonaro e Guedes colheram o que semearam: assustados com a deterioração do clima político, seus apoiadores no mercado se retraíram, derrubando a Bolsa e fazendo a cotação do dólar disparar.
Guedes e o ministro da Justiça, Sérgio Moro, felizmente não perderam a capacidade de agir racional e calculadamente. Nesta quinta (28), acorreram ao Congresso para compor-se com Maia. O próprio Bolsonaro recuou e disse que o conflito era página virada, contribuindo para um dia de maior serenidade e recuperação dos mercados.
Que assim seja —e se provem exagerados os temores de uma espiral precoce de crise política e econômica. O presidente ainda dispõe de tempo para aprender xadrez.