GAZETA DO POVO - PR - 26/03
Primeiro fato importante: há um claro viés “progressista” na grande imprensa. E isso é relevante porque a imensa maioria dos jornalistas adotou, desde o começo, uma postura mais torcedora do que independente quando se trata de Bolsonaro. O grau de perseguição é desproporcional ao que se viu em candidatos ou governos anteriores, há má vontade com quase tudo que ele faz, pululam rótulos depreciativos e os elogios são escassos. Tudo isso é verdade.
E, claro, essa postura de boa parte da mídia mainstream alimenta a reação bolsonarista. Passam a acusar toda a “extrema imprensa” de inimiga do governo e do país – o que é bobagem, até porque a imprensa, em geral, está muito mais a favor da necessária, urgente e fundamental reforma previdenciária do que a militância do presidente ou mesmo o próprio, que preferem bater em temas secundários. Mas o viés da mídia permite a narrativa de perseguição por parte dos bolsonaristas, eis o segundo fato importante.
Nesse contexto, é justo e legítimo que o presidente use as redes sociais como uma alternativa. O mesmo fenômeno ocorre aqui nos Estados Unidos com Trump contra as “fake news” – e o caso do “conluio russo” expôs o grau de distorção por parte dos jornalistas. Logo, por causa de um viés escancarado da imprensa, nada mais natural do que Trump e Bolsonaro utilizarem as redes sociais como arma de legítima-defesa. Nada contra isso.
O que muitos que não são simples torcedores do contra reclamam, porém, não é do uso em si das redes, mas de qual uso tem sido feito delas. Especialmente no caso de Bolsonaro, o que vemos é muita tentativa de desviar o foco das questões importantes. O presidente não está usando as redes sociais para esclarecer pontos distorcidos pela mídia, mas sim para criar factoides, inimigos constantes, polêmicas desnecessárias. E isso merece ser criticado!
Quando o filho do presidente usa o Twitter para justificar o uso das redes sociais, portanto, ele ignora o que está realmente sendo condenado aqui. Sim, Bolsonaro deve usar as redes sociais. Mas quem não deveria usa-las tanto é o próprio Carlos, seu filho rebelde, justamente o que controla essa parte do governo – para desespero dos adultos. A melhor resposta que o vereador recebeu foi esta do ILISP:
A campanha terminou, Bolsonaro venceu, foi eleito e está no poder. Não pode “governar” como se ainda estivesse em campanha. Entende-se a necessidade de manter a militância mobilizada, o que justifica inclusive a escolha desses temas como Maio de 1964 como destaque. Mas há um país a ser governado, reformas importantes para serem aprovadas, e esse clima constante de guerra, que atiça os militantes virtuais, é péssimo para o Brasil.
Sim, parte da imprensa também não saiu da fase da campanha, e luta contra Bolsonaro, não importa o que ele faça. Mas se pautar por essa gente é tudo aquilo que a esquerda quer, e que os militantes desejam. Não é, porém, o que o Brasil precisa! E o Brasil é muito maior do que essas alas minoritárias, do que os militantes disfarçados de jornalistas na mídia e os militantes bolsonaristas das redes sociais. Se essa turma ditar o rumo do país, estamos perdidos!
Pedro Menezes, em artigo na Gazeta, resumiu bem o risco: “A ala olavista do governo brinca com fogo ao subestimar os custos de um eventual fracasso da sua estratégia. E brinca com o país ao defender que o presidente instabilize a política, com eficácia duvidosa, como meio para estabilizar a economia. Não é surpreendente que Guedes, Moro e cia estejam se afastando da turma de [Filipe] Martins: eles são os adultos na sala, trabalhando para pôr ordem no país, enquanto os olavistas lutam diariamente para confirmar que são tão malucos quanto a esquerda diz que eles são”.
O presidente Bolsonaro precisa encontrar um equilíbrio entre manter a militância mobilizada a seu favor e governar um país complexo como o Brasil. O uso que faz das redes sociais é um canal importante e direto entre ele e seus eleitores. Mas é preciso cautela aqui, para não errar na dose. Ao delegar essa tarefa ao seu filho Carlos, o mais despreparado dos três, o presidente tem afastado muita gente boa e criado um clima prejudicial para o avanço da pauta reformista. É hora de dar um playstation para Carlos, ou então manda-lo de volta para o Rio, para atuar como o vereador que é, e cujo cargo justifica seu salário pago pelos cidadãos.
Rodrigo Constantino
terça-feira, março 26, 2019
Falta meio grama de coragem - FERNÃO LARA MESQUITA
ESTADÃO - 26/03
Para as questões de momento há um remédio fulminante. Basta o comandante comandar
A da Previdência, mais que uma reforma, é uma manobra de ressuscitação, pra ver se o coração de uma economia que está morta volta a bater. A colheita do seu efeito financeiro pleno é esperada em 12 anos. Nos primeiros dois deste governo de quatro que já teria comido seis meses “vendendo” a proposta ao Congresso se se dispusesse a tanto e ela fosse aprovada no prazo previsto, não deixaria de sair nenhum tostão do caixa. Só depois é que, pouco a pouco, a velocidade com que o dinheiro público vaza para o bolso da privilegiatura começaria a diminuir de fato.
A expectativa mais otimista era, portanto, de que, se aprovada, a reforma trouxesse “a valor presente”, na forma de ânimo para voltar a investir, uma parte do seu resultado futuro. O governo Bolsonaro teria, então, um ano e seis meses de redução da velocidade da hemorragia fiscal que pôs a União, os Estados e os municípios à beira da incapacidade de manter os serviços básicos, antes de chegar ao fim. É por isso que Paulo Guedes, a voz que fala pelo Brasil Real neste governo, precisa tão desesperadamente de outras ações que ponham “comida” na mesa do ajuste das contas públicas já. Ele repete isso toda hora, de medo do dinheiro que já está faltando nos Estados e municípios para pagar à polícia e ao hospital, e não por falta de traquejo em “estratégia de tramitação no Congresso”, que é luxo de quem não precisa fazer contas.
Mas com o núcleo delirante que cerca o presidente ralando a confiança em que a expectativa de recuperação da economia se baseia por todos os flancos, nem que dê certo dá certo. A situação é francamente surrealista, pois Jair Bolsonaro recebeu o País com a guerra ganha. A oposição estava esmagada e inerte. A única dificuldade dos primeiros dias era, na verdade, convencer o próprio presidente da profundidade que o resto do País inteiro já sabia que a reforma da Previdência teria de ter. Se não fizesse nada, ganhava fácil a batalha que definirá se haverá ou não outras batalhas. Mas em vez disso, em 85 dias, sem que haja rigorosamente nenhuma questão específica em torno da qual subsista qualquer controvérsia real, todos estão engalfinhados contra todos e o País está à beira de um ataque de nervos.
Os subversivos que tanto excitam a imaginação desse bolsonarismo pavloviano da internet não têm tido, porém, a menor chance. Os três “zeros” se têm encarregado espontaneamente de 100% dos tiros que o governo dá nos próprios pés. E quando não basta, sempre há o João de Deus da filosofia para adicionar, lá da Virgínia, a sua colherada de cizânia em meio a tentativas de estupro das normas de convivência civilizada. Os alarmes e ultimatos são sempre em torno de nada que eles próprios consigam definir o que seja. O que pode existir, afinal, mais “velha política” que manter a ordenha do Estado pelas corporações que o presidente Bolsonaro vive dizendo que adoraria poder ver continuar para sempre? São vaidades em ebulição, nada mais.
O governo eleito em função da crise de hierarquia vai jogando a pá de cal no pouco que restava dela. Do aviltamento do critério de seleção de juízes para a Suprema Corte; das disputas de poder entre os que, entre eles, acendem e apagam a Lei da Ficha Limpa a gosto; da produção de armações ilimitadas no Ministério Público para abortar votações contra seus privilégios; do embaralhamento da ordem cronológica criminalizando, no presente, expedientes eleitorais que eram legais no passado para provar que Lula “só é” porque todos também “seriam”; da “legalização” monocrática de modos criminosos de as corporações amigas assaltarem o Tesouro Nacional, saltamos para algo ainda mais desinstitucionalizado e desprovido de qualquer sentido de prioridade. Como o piloto não assume nada, cada passageiro do governo se vai transformando num governo em si mesmo, com suas próprias prioridades definidas pela vaidade e, seguindo o padrão do chefe, denunciando como “traição ao povo” qualquer forma de contraditório.
Cada parente próximo, cada “guru”, cada ministro e cada Poder da República faz a sua lei e a submete “à sua rede”. E quem pode mais chora menos. Juízes mandam prender ex-presidentes se e quando acordam com essa boa ideia. O incitamento ao linchamento do contraditório salta, então, das convocações explícitas das redes sociais para as incitações veladas das redes de televisão empenhadas nos “justiçamentos” lá delas. Os tribunais atacados por afirmar o que está escrito na lei se arrogam o poder de investigar e punir os seus críticos. E o governo que se elegeu afirmando o direito à legitima defesa conclama o linchamento do representante eleito do povo que, acuado nesses termos, ousa pedir o debate democrático de uma legislação de abuso de autoridade.
Para as questões de momento há um remédio fulminante. Basta o comandante comandar. Meio grama de coragem...
Mas para fazer tudo isso ir voltando ao devido lugar o Brasil tem de incluir democracia representativa na sua ideia de democracia representativa. Sem essa providência elementar, água mole em pedra dura... SEMPRE refluirá como tem refluído. A Lei de Responsabilidade Fiscal já era. O “teto” do funcionalismo tá mais furado que “tauba de tiro ao álvaro”. A prisão após a segunda instância está por um triz. E quem duvida de que, mesmo passando a Previdência, os tribunais, lá adiante, não transformem isso em mais uma das suas minas de ouro, com ressarcimentos retroativos de “direitos adquiridos” violados com juros e correções estratosféricas, como aconteceu com todas as outras reformas que pegaram de raspão na privilegiatura?
Se quisermos ter uma democracia, um dia, teremos antes de definir com precisão quem representa quem na nossa - o que só é possível com voto distrital puro - e atrelar todas as lealdades ao povo, dando a cada representado o direito de demitir o representante traíra. Tentar mudar o Brasil sem isso será sempre, como tem sido, um esforço tão recompensador quanto tentar produzir ciência moderna a partir da crença de que o Sol é que gira em torno da Terra, e não a Terra em torno do Sol.
*JORNALISTA, ESCREVE EM WWW.VESPEIRO.COM
Para as questões de momento há um remédio fulminante. Basta o comandante comandar
A da Previdência, mais que uma reforma, é uma manobra de ressuscitação, pra ver se o coração de uma economia que está morta volta a bater. A colheita do seu efeito financeiro pleno é esperada em 12 anos. Nos primeiros dois deste governo de quatro que já teria comido seis meses “vendendo” a proposta ao Congresso se se dispusesse a tanto e ela fosse aprovada no prazo previsto, não deixaria de sair nenhum tostão do caixa. Só depois é que, pouco a pouco, a velocidade com que o dinheiro público vaza para o bolso da privilegiatura começaria a diminuir de fato.
A expectativa mais otimista era, portanto, de que, se aprovada, a reforma trouxesse “a valor presente”, na forma de ânimo para voltar a investir, uma parte do seu resultado futuro. O governo Bolsonaro teria, então, um ano e seis meses de redução da velocidade da hemorragia fiscal que pôs a União, os Estados e os municípios à beira da incapacidade de manter os serviços básicos, antes de chegar ao fim. É por isso que Paulo Guedes, a voz que fala pelo Brasil Real neste governo, precisa tão desesperadamente de outras ações que ponham “comida” na mesa do ajuste das contas públicas já. Ele repete isso toda hora, de medo do dinheiro que já está faltando nos Estados e municípios para pagar à polícia e ao hospital, e não por falta de traquejo em “estratégia de tramitação no Congresso”, que é luxo de quem não precisa fazer contas.
Mas com o núcleo delirante que cerca o presidente ralando a confiança em que a expectativa de recuperação da economia se baseia por todos os flancos, nem que dê certo dá certo. A situação é francamente surrealista, pois Jair Bolsonaro recebeu o País com a guerra ganha. A oposição estava esmagada e inerte. A única dificuldade dos primeiros dias era, na verdade, convencer o próprio presidente da profundidade que o resto do País inteiro já sabia que a reforma da Previdência teria de ter. Se não fizesse nada, ganhava fácil a batalha que definirá se haverá ou não outras batalhas. Mas em vez disso, em 85 dias, sem que haja rigorosamente nenhuma questão específica em torno da qual subsista qualquer controvérsia real, todos estão engalfinhados contra todos e o País está à beira de um ataque de nervos.
Os subversivos que tanto excitam a imaginação desse bolsonarismo pavloviano da internet não têm tido, porém, a menor chance. Os três “zeros” se têm encarregado espontaneamente de 100% dos tiros que o governo dá nos próprios pés. E quando não basta, sempre há o João de Deus da filosofia para adicionar, lá da Virgínia, a sua colherada de cizânia em meio a tentativas de estupro das normas de convivência civilizada. Os alarmes e ultimatos são sempre em torno de nada que eles próprios consigam definir o que seja. O que pode existir, afinal, mais “velha política” que manter a ordenha do Estado pelas corporações que o presidente Bolsonaro vive dizendo que adoraria poder ver continuar para sempre? São vaidades em ebulição, nada mais.
O governo eleito em função da crise de hierarquia vai jogando a pá de cal no pouco que restava dela. Do aviltamento do critério de seleção de juízes para a Suprema Corte; das disputas de poder entre os que, entre eles, acendem e apagam a Lei da Ficha Limpa a gosto; da produção de armações ilimitadas no Ministério Público para abortar votações contra seus privilégios; do embaralhamento da ordem cronológica criminalizando, no presente, expedientes eleitorais que eram legais no passado para provar que Lula “só é” porque todos também “seriam”; da “legalização” monocrática de modos criminosos de as corporações amigas assaltarem o Tesouro Nacional, saltamos para algo ainda mais desinstitucionalizado e desprovido de qualquer sentido de prioridade. Como o piloto não assume nada, cada passageiro do governo se vai transformando num governo em si mesmo, com suas próprias prioridades definidas pela vaidade e, seguindo o padrão do chefe, denunciando como “traição ao povo” qualquer forma de contraditório.
Cada parente próximo, cada “guru”, cada ministro e cada Poder da República faz a sua lei e a submete “à sua rede”. E quem pode mais chora menos. Juízes mandam prender ex-presidentes se e quando acordam com essa boa ideia. O incitamento ao linchamento do contraditório salta, então, das convocações explícitas das redes sociais para as incitações veladas das redes de televisão empenhadas nos “justiçamentos” lá delas. Os tribunais atacados por afirmar o que está escrito na lei se arrogam o poder de investigar e punir os seus críticos. E o governo que se elegeu afirmando o direito à legitima defesa conclama o linchamento do representante eleito do povo que, acuado nesses termos, ousa pedir o debate democrático de uma legislação de abuso de autoridade.
Para as questões de momento há um remédio fulminante. Basta o comandante comandar. Meio grama de coragem...
Mas para fazer tudo isso ir voltando ao devido lugar o Brasil tem de incluir democracia representativa na sua ideia de democracia representativa. Sem essa providência elementar, água mole em pedra dura... SEMPRE refluirá como tem refluído. A Lei de Responsabilidade Fiscal já era. O “teto” do funcionalismo tá mais furado que “tauba de tiro ao álvaro”. A prisão após a segunda instância está por um triz. E quem duvida de que, mesmo passando a Previdência, os tribunais, lá adiante, não transformem isso em mais uma das suas minas de ouro, com ressarcimentos retroativos de “direitos adquiridos” violados com juros e correções estratosféricas, como aconteceu com todas as outras reformas que pegaram de raspão na privilegiatura?
Se quisermos ter uma democracia, um dia, teremos antes de definir com precisão quem representa quem na nossa - o que só é possível com voto distrital puro - e atrelar todas as lealdades ao povo, dando a cada representado o direito de demitir o representante traíra. Tentar mudar o Brasil sem isso será sempre, como tem sido, um esforço tão recompensador quanto tentar produzir ciência moderna a partir da crença de que o Sol é que gira em torno da Terra, e não a Terra em torno do Sol.
*JORNALISTA, ESCREVE EM WWW.VESPEIRO.COM
Bolsonaro reforma o lema nós contra eles - FERNANDO EXMAN
Valor Econômico - 26/03
Manual militar sobre liderança pode guiar presidente
A tramitação da reforma da Previdência enviada pelo presidente Jair Bolsonaro ao Parlamento foi contaminada por uma nova versão do "nós contra eles", famigerada palavra de ordem cunhada durante os governos petistas e em parte responsável pela polarização política até hoje vivenciada no Brasil. Para Bolsonaro e seus aliados mais próximos, "eles" são os políticos tradicionais, detentores de parte considerável dos votos na Câmara dos Deputados e no Senado Federal.
A má notícia para quem deposita na reforma previdenciária suas esperanças de retomada do crescimento econômico é que, no presidencialismo à brasileira, dificilmente o Legislativo se tornará um terreno menos árido sem a liderança do próprio presidente da República. Por outro lado, a boa notícia é que cedo ou tarde Bolsonaro e seus articuladores políticos acabarão por entender que negociar não é sinônimo de fazer negociata.
Hoje, o Congresso Nacional é um território hostil à tramitação de propostas de emenda à Constituição Federal. As PECs exigem maioria absoluta dos votos na Câmara e no Senado para serem aprovadas, e depois de passarem por dois turnos em cada uma dessas Casas são promulgadas em sessão do Congresso Nacional. Ou seja, o presidente da República não tem como alterar essas emendas constitucionais, se não for com muita conversa e usando o seu poder de influência durante a tramitação.
Manual militar sobre liderança pode guiar presidente
A expressão "nós contra eles" foi incluída no léxico político pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e durante muito tempo teve uma conotação social e era também relacionada à luta de classes. Lula, a ex-presidente Dilma Rousseff e seus correligionários a usaram à exaustão para desqualificar adversários e obter seguidas vitórias nas urnas. Foi a ela também que petistas apelaram, em vão, para tentar reunir votos e militantes contra o processo de impeachment de Dilma, a prisão de Lula e amplificar críticas à administração de Michel Temer.
O PT insistiu no mesmo cântico de guerra durante a última disputa eleitoral, mantendo a candidatura de Lula ficta até o limite do prazo legal.
Já a candidatura de Jair Bolsonaro ao Palácio do Planalto foi fruto desse ambiente de polarização política e nele prosperou. Antipetistas uniram-se aos eleitores de primeira hora do então deputado federal do PSL, levando o capitão da reserva do Exército a uma vitória no segundo turno contra o petista Fernando Haddad.
Durante décadas, Bolsonaro atuou na Câmara dos Deputados mais para barrar os projetos com os quais não concordava do que para construir consensos e viabilizar a aprovação de suas próprias propostas. Percorreu o país no período pré-eleitoral com esse mesmo comportamento e boa parte de sua campanha foi fundamentada na crítica à política. Muitos dos seus eleitores esperavam que, uma vez empossado, Bolsonaro assumiria uma postura mais virtuosa. Mas suas primeiras movimentações como chefe do Poder Executivo mantiveram o mesmo tom, o que, deve-se ressaltar, também é responsável por manter mobilizada a base social que o apoiou desde o início dessa jornada.
Bolsonaro preferiu criar uma barreira entre o Palácio do Planalto e os partidos políticos. Disse que a diferença em relação aos seus antecessores é que nunca correrá o risco de ser preso, responsabilizando o presidencialismo de coalizão pelos crimes praticados por políticos.
Durante o fim de semana, afirmou que não seria arrastado para batalhas que não são suas no Senado. E sublinhou que já fez a sua parte em relação à reforma, acrescentando que agora a bola está com o Congresso.
Está, assim, executando o plano que desenhou durante o período de transição, mas agora diversos parlamentares começam a se queixar de que ficarão expostos sozinhos às críticas pela aprovação de uma medida impopular.
O presidente também passou a questionar, em conversas com a imprensa e transmissões ao vivo em redes sociais, o que mais poderia fazer para viabilizar a aprovação da reforma da Previdência sem ferir o Código Penal. Muitos parlamentares têm a resposta na ponta da língua: assumir a liderança do processo e compartilhar o ônus político de desagradar trabalhadores do setor privado, servidores públicos e militares, em vez de resguardar-se para depois poder avocar a autoria do projeto e seus efeitos positivos sobre a economia.
Embora tenha ocupado a função de vice-líder do PDC em 1991 no início de seu primeiro mandato, Bolsonaro nunca exerceu de fato cargo de liderança em seus quase 30 anos na Câmara dos Deputados. No entanto, certamente o fez quando estava em serviço ativo do Exército e ainda deve ter em mente as diretrizes definidas para quadros de liderança da Força.
Publicado em 2011 pelo Estado-Maior do Exército, a segunda edição do "Manual de Campanha - Liderança Militar" tem algumas dicas úteis. O texto diz, por exemplo, que os liderados só agem quando se sentem afiançados. Em tempos de normalidade, prossegue o guia, o gestor deve se preocupar não somente com o controle do estresse de seus subordinados, por meio de comportamentos atentos e comunicativos, mas também consigo próprio. "O estresse detectado nos líderes é extremamente contagioso", anota.
"O cenário de crise caracteriza-se por um estado de tensão, provocado por fatores externos ou internos. Um choque de interesses, se não administrado adequadamente, corre o risco de sofrer um agravamento, podendo haver uma escalada a uma situação de guerra ou conflito", acrescenta o manual, antes de se referir às peculiaridades da liderança militar em combate: "Seus desafios não se encerram com a tomada de decisões, pois é preciso disseminá-las de forma que não haja dúvidas sobre sua legitimidade e acerto, além de garantir que sejam devidamente cumpridas por subordinados comprometidos. Ao agir dessa forma, o comandante evidenciará sua proficiência profissional e conseguirá mostrar-se confiável e persuasivo, favorecendo o surgimento da liderança".
A tramitação da reforma da Previdência enviada pelo presidente Jair Bolsonaro ao Parlamento foi contaminada por uma nova versão do "nós contra eles", famigerada palavra de ordem cunhada durante os governos petistas e em parte responsável pela polarização política até hoje vivenciada no Brasil. Para Bolsonaro e seus aliados mais próximos, "eles" são os políticos tradicionais, detentores de parte considerável dos votos na Câmara dos Deputados e no Senado Federal.
A má notícia para quem deposita na reforma previdenciária suas esperanças de retomada do crescimento econômico é que, no presidencialismo à brasileira, dificilmente o Legislativo se tornará um terreno menos árido sem a liderança do próprio presidente da República. Por outro lado, a boa notícia é que cedo ou tarde Bolsonaro e seus articuladores políticos acabarão por entender que negociar não é sinônimo de fazer negociata.
Hoje, o Congresso Nacional é um território hostil à tramitação de propostas de emenda à Constituição Federal. As PECs exigem maioria absoluta dos votos na Câmara e no Senado para serem aprovadas, e depois de passarem por dois turnos em cada uma dessas Casas são promulgadas em sessão do Congresso Nacional. Ou seja, o presidente da República não tem como alterar essas emendas constitucionais, se não for com muita conversa e usando o seu poder de influência durante a tramitação.
Manual militar sobre liderança pode guiar presidente
A expressão "nós contra eles" foi incluída no léxico político pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e durante muito tempo teve uma conotação social e era também relacionada à luta de classes. Lula, a ex-presidente Dilma Rousseff e seus correligionários a usaram à exaustão para desqualificar adversários e obter seguidas vitórias nas urnas. Foi a ela também que petistas apelaram, em vão, para tentar reunir votos e militantes contra o processo de impeachment de Dilma, a prisão de Lula e amplificar críticas à administração de Michel Temer.
O PT insistiu no mesmo cântico de guerra durante a última disputa eleitoral, mantendo a candidatura de Lula ficta até o limite do prazo legal.
Já a candidatura de Jair Bolsonaro ao Palácio do Planalto foi fruto desse ambiente de polarização política e nele prosperou. Antipetistas uniram-se aos eleitores de primeira hora do então deputado federal do PSL, levando o capitão da reserva do Exército a uma vitória no segundo turno contra o petista Fernando Haddad.
Durante décadas, Bolsonaro atuou na Câmara dos Deputados mais para barrar os projetos com os quais não concordava do que para construir consensos e viabilizar a aprovação de suas próprias propostas. Percorreu o país no período pré-eleitoral com esse mesmo comportamento e boa parte de sua campanha foi fundamentada na crítica à política. Muitos dos seus eleitores esperavam que, uma vez empossado, Bolsonaro assumiria uma postura mais virtuosa. Mas suas primeiras movimentações como chefe do Poder Executivo mantiveram o mesmo tom, o que, deve-se ressaltar, também é responsável por manter mobilizada a base social que o apoiou desde o início dessa jornada.
Bolsonaro preferiu criar uma barreira entre o Palácio do Planalto e os partidos políticos. Disse que a diferença em relação aos seus antecessores é que nunca correrá o risco de ser preso, responsabilizando o presidencialismo de coalizão pelos crimes praticados por políticos.
Durante o fim de semana, afirmou que não seria arrastado para batalhas que não são suas no Senado. E sublinhou que já fez a sua parte em relação à reforma, acrescentando que agora a bola está com o Congresso.
Está, assim, executando o plano que desenhou durante o período de transição, mas agora diversos parlamentares começam a se queixar de que ficarão expostos sozinhos às críticas pela aprovação de uma medida impopular.
O presidente também passou a questionar, em conversas com a imprensa e transmissões ao vivo em redes sociais, o que mais poderia fazer para viabilizar a aprovação da reforma da Previdência sem ferir o Código Penal. Muitos parlamentares têm a resposta na ponta da língua: assumir a liderança do processo e compartilhar o ônus político de desagradar trabalhadores do setor privado, servidores públicos e militares, em vez de resguardar-se para depois poder avocar a autoria do projeto e seus efeitos positivos sobre a economia.
Embora tenha ocupado a função de vice-líder do PDC em 1991 no início de seu primeiro mandato, Bolsonaro nunca exerceu de fato cargo de liderança em seus quase 30 anos na Câmara dos Deputados. No entanto, certamente o fez quando estava em serviço ativo do Exército e ainda deve ter em mente as diretrizes definidas para quadros de liderança da Força.
Publicado em 2011 pelo Estado-Maior do Exército, a segunda edição do "Manual de Campanha - Liderança Militar" tem algumas dicas úteis. O texto diz, por exemplo, que os liderados só agem quando se sentem afiançados. Em tempos de normalidade, prossegue o guia, o gestor deve se preocupar não somente com o controle do estresse de seus subordinados, por meio de comportamentos atentos e comunicativos, mas também consigo próprio. "O estresse detectado nos líderes é extremamente contagioso", anota.
"O cenário de crise caracteriza-se por um estado de tensão, provocado por fatores externos ou internos. Um choque de interesses, se não administrado adequadamente, corre o risco de sofrer um agravamento, podendo haver uma escalada a uma situação de guerra ou conflito", acrescenta o manual, antes de se referir às peculiaridades da liderança militar em combate: "Seus desafios não se encerram com a tomada de decisões, pois é preciso disseminá-las de forma que não haja dúvidas sobre sua legitimidade e acerto, além de garantir que sejam devidamente cumpridas por subordinados comprometidos. Ao agir dessa forma, o comandante evidenciará sua proficiência profissional e conseguirá mostrar-se confiável e persuasivo, favorecendo o surgimento da liderança".
Vitória do PT, prejuízo para o Brasil - RUBENS BARBOSA
O Estado de S.Paulo - 26/03/
Atraso de duas décadas do programa espacial foi o preço da atitude ideológica do partido
O resultado mais importante da visita do presidente Jair Bolsonaro a Washington, na semana passada, foi a assinatura do Acordo de Salvaguarda Tecnológica (AST), que torna possível o uso comercial do Centro de Lançamento de Alcântara, no Maranhão. Com isso se tornam viáveis significativas perspectivas comerciais para o Brasil entrar num mercado anual de mais de US$ 12 bilhões, em especial no de satélites de pequeno porte.
O AST entre o Brasil e os Estados Unidos, proposto inicialmente por Brasília, foi assinado em abril de 2000 pelo governo Fernando Henrique Cardoso, mas foi inviabilizado pelo Partido dos Trabalhadores (PT), como oposição no Congresso Nacional e, depois, como governo.
A principal reclamação do PT era a de que não havia transferência de tecnologia para o Brasil e nossa soberania ficaria afetada porque equipamentos entrariam em território nacional sem interferência das autoridades alfandegárias brasileiras. Além da questão da soberania, criticada ainda recentemente pelo ex-ministro da Defesa e das Relações Exteriores Celso Amorim, as principais objeções do PT ao acordo referiam-se à proibição do uso da receita dos lançamentos no desenvolvimento de veículos lançadores; ao impedimento de o Brasil cooperar com países que não fossem membros do Regime de Controle de Tecnologia de Mísseis (MTCR, na sigla em inglês); à possibilidade de veto político unilateral de lançamentos e à obrigatoriedade de assinar novos acordos de salvaguardas com outros países. Como foi sempre esclarecido às lideranças do PT, o acordo não é de transferência de tecnologia, mas de proteção de informações confidenciais na prestação de serviços. Todos esses aspectos criticados pelo PT foram agora satisfatoriamente negociados e superados.
Por minha iniciativa quando chefiei a Embaixada do Brasil em Washington, no segundo semestre de 2003, foi reaberta a negociação com o Departamento de Estado sobre os pontos que contavam com a forte e vocal oposição do PT. O processo avançou, para surpresa de muitos, e as cláusulas de divergência foram eliminadas. Em abril de 2004, as maiores objeções políticas para a ratificação do acordo estavam superadas. O governo brasileiro teria de propor formalmente algumas mudanças menores que seriam aceitas pelo governo norteamericano. Com esses avanços o acordo poderia ser ratificado pelo Congresso brasileiro, mas os governos do PT não deram seguimento ao assunto.
Vale lembrar, ainda no primeiro governo do presidente Lula da Silva, a assinatura de um acordo de salvaguardas com a Ucrânia. Bastante similar ao firmado com os Estados Unidos, o acordo foi submetido ao Congresso e rapidamente aprovado. Apesar de estar em vigor, o entendimento com a Ucrânia não teve nenhuma consequência comercial para o Brasil, em vista das dificuldades econômicas por que passa esse país. Esse foi um dos exemplos de descoordenação do governo petista, pois, sem o AST, o acordo com a Ucrânia não poderia ser levado adiante porque o veículo lançador daquele país precisava de autorização do governo de Washington.
No governo Dilma Rousseff, em 2013, ao final da visita do presidente Barack Obama ao Brasil, e em 2015, durante a visita do então ministro da Defesa, Jaques Wagner, a Washington, houve referências ao interesse de ambos os lados em retomar as discussões sobre o AST, sem nenhuma ação do governo brasileiro nesse sentido. Somente no governo de Michel Temer os entendimentos avançaram concretamente e puderam agora ser completados pelo governo Bolsonaro, atendidas as preocupações de ambos os governos.
O preço dessa atitude ideológica do PT foi o atraso do programa espacial brasileiro por duas décadas. Vitória do partido e prejuízo para os interesses brasileiros.
Apesar do interesse das empresas norte-americanas, as conversações com os Estados Unidos não foram fáceis, pelas preocupações com a não proliferação de veículos lançadores de satélites prevista no programa espacial brasileiro.
O interesse brasileiro é de tornar possível um centro de lançamento competitivo, o que permitirá a entrada do Brasil no nicho de mercado de satélites de telecomunicações e de meteorologia. Não haverá dificuldades internacionais para o estabelecimento da base pelo fato de o Brasil ser membro do MTCR. O tratamento que o Brasil receberá será idêntico ao dispensado a outros países, como a Rússia e a China, que assinaram acordos de salvaguardas com os Estados Unidos.
A viabilização comercial do Centro de Lançamento de Alcântara e sua atualização tecnológica dependerão de recursos financeiros que virão de empresas que alugarem espaços dentro dele para efetuarem os lançamentos de seus satélites.
A estratégica localização geográfica da base de Alcântara, situada a apenas dois graus de latitude sul, quase na Linha do Equador, permitirá o lançamento de foguetes com 13% de economia de combustível em relação ao consumido em Cabo Canaveral, nos Estados Unidos, e 31% se comparado com Baikonur, no Casaquistão. Mais de 80% dos satélites comerciais são de propriedade de empresas americanas e sem o acordo nenhum satélite poderia ser lançado de Alcântara. A base só poderá tornar-se viável comercialmente quando o acordo de salvaguardas tiver sido ratificado.
Espera-se que o Congresso Nacional ratifique esse acordo no mais breve prazo possível. E que as discussões sejam feitas sem a carga ideológica que tem prevalecido nos últimos 20 anos.
Igualmente importante é que a partir de agora o governo federal acelere e complete as mudanças na governança do setor e defina uma estratégia de longo prazo, que dê previsibilidade às eventuais empresas interessas, não só dos Estados Unidos, mas de outros países, com França, Israel e Japão.
Atraso de duas décadas do programa espacial foi o preço da atitude ideológica do partido
O resultado mais importante da visita do presidente Jair Bolsonaro a Washington, na semana passada, foi a assinatura do Acordo de Salvaguarda Tecnológica (AST), que torna possível o uso comercial do Centro de Lançamento de Alcântara, no Maranhão. Com isso se tornam viáveis significativas perspectivas comerciais para o Brasil entrar num mercado anual de mais de US$ 12 bilhões, em especial no de satélites de pequeno porte.
O AST entre o Brasil e os Estados Unidos, proposto inicialmente por Brasília, foi assinado em abril de 2000 pelo governo Fernando Henrique Cardoso, mas foi inviabilizado pelo Partido dos Trabalhadores (PT), como oposição no Congresso Nacional e, depois, como governo.
A principal reclamação do PT era a de que não havia transferência de tecnologia para o Brasil e nossa soberania ficaria afetada porque equipamentos entrariam em território nacional sem interferência das autoridades alfandegárias brasileiras. Além da questão da soberania, criticada ainda recentemente pelo ex-ministro da Defesa e das Relações Exteriores Celso Amorim, as principais objeções do PT ao acordo referiam-se à proibição do uso da receita dos lançamentos no desenvolvimento de veículos lançadores; ao impedimento de o Brasil cooperar com países que não fossem membros do Regime de Controle de Tecnologia de Mísseis (MTCR, na sigla em inglês); à possibilidade de veto político unilateral de lançamentos e à obrigatoriedade de assinar novos acordos de salvaguardas com outros países. Como foi sempre esclarecido às lideranças do PT, o acordo não é de transferência de tecnologia, mas de proteção de informações confidenciais na prestação de serviços. Todos esses aspectos criticados pelo PT foram agora satisfatoriamente negociados e superados.
Por minha iniciativa quando chefiei a Embaixada do Brasil em Washington, no segundo semestre de 2003, foi reaberta a negociação com o Departamento de Estado sobre os pontos que contavam com a forte e vocal oposição do PT. O processo avançou, para surpresa de muitos, e as cláusulas de divergência foram eliminadas. Em abril de 2004, as maiores objeções políticas para a ratificação do acordo estavam superadas. O governo brasileiro teria de propor formalmente algumas mudanças menores que seriam aceitas pelo governo norteamericano. Com esses avanços o acordo poderia ser ratificado pelo Congresso brasileiro, mas os governos do PT não deram seguimento ao assunto.
Vale lembrar, ainda no primeiro governo do presidente Lula da Silva, a assinatura de um acordo de salvaguardas com a Ucrânia. Bastante similar ao firmado com os Estados Unidos, o acordo foi submetido ao Congresso e rapidamente aprovado. Apesar de estar em vigor, o entendimento com a Ucrânia não teve nenhuma consequência comercial para o Brasil, em vista das dificuldades econômicas por que passa esse país. Esse foi um dos exemplos de descoordenação do governo petista, pois, sem o AST, o acordo com a Ucrânia não poderia ser levado adiante porque o veículo lançador daquele país precisava de autorização do governo de Washington.
No governo Dilma Rousseff, em 2013, ao final da visita do presidente Barack Obama ao Brasil, e em 2015, durante a visita do então ministro da Defesa, Jaques Wagner, a Washington, houve referências ao interesse de ambos os lados em retomar as discussões sobre o AST, sem nenhuma ação do governo brasileiro nesse sentido. Somente no governo de Michel Temer os entendimentos avançaram concretamente e puderam agora ser completados pelo governo Bolsonaro, atendidas as preocupações de ambos os governos.
O preço dessa atitude ideológica do PT foi o atraso do programa espacial brasileiro por duas décadas. Vitória do partido e prejuízo para os interesses brasileiros.
Apesar do interesse das empresas norte-americanas, as conversações com os Estados Unidos não foram fáceis, pelas preocupações com a não proliferação de veículos lançadores de satélites prevista no programa espacial brasileiro.
O interesse brasileiro é de tornar possível um centro de lançamento competitivo, o que permitirá a entrada do Brasil no nicho de mercado de satélites de telecomunicações e de meteorologia. Não haverá dificuldades internacionais para o estabelecimento da base pelo fato de o Brasil ser membro do MTCR. O tratamento que o Brasil receberá será idêntico ao dispensado a outros países, como a Rússia e a China, que assinaram acordos de salvaguardas com os Estados Unidos.
A viabilização comercial do Centro de Lançamento de Alcântara e sua atualização tecnológica dependerão de recursos financeiros que virão de empresas que alugarem espaços dentro dele para efetuarem os lançamentos de seus satélites.
A estratégica localização geográfica da base de Alcântara, situada a apenas dois graus de latitude sul, quase na Linha do Equador, permitirá o lançamento de foguetes com 13% de economia de combustível em relação ao consumido em Cabo Canaveral, nos Estados Unidos, e 31% se comparado com Baikonur, no Casaquistão. Mais de 80% dos satélites comerciais são de propriedade de empresas americanas e sem o acordo nenhum satélite poderia ser lançado de Alcântara. A base só poderá tornar-se viável comercialmente quando o acordo de salvaguardas tiver sido ratificado.
Espera-se que o Congresso Nacional ratifique esse acordo no mais breve prazo possível. E que as discussões sejam feitas sem a carga ideológica que tem prevalecido nos últimos 20 anos.
Igualmente importante é que a partir de agora o governo federal acelere e complete as mudanças na governança do setor e defina uma estratégia de longo prazo, que dê previsibilidade às eventuais empresas interessas, não só dos Estados Unidos, mas de outros países, com França, Israel e Japão.
Clichês, 'nova' e 'velha' política fazem adeptos, mas nada significam - CARLOS MELO
FOLHA DE SP - 26/03
Termos impedem a efetivação da política republicana, impessoal, que ergue instituições capazes de interpretar desafios do presente e do futuro
A política apropria-se de símbolos que, às vezes, significam nada. Deserto de ideias, campos vazios. Isso tem se dado com os termos “velha” e “nova política”.
A oferta de apoios no Congresso Nacional em troca de cargos e recursos públicos seria, por exemplo e a princípio, a expressão da “velha política”. Já sua negação, a “nova política”.
A força de clichês, que ocupam o imaginário do senso comum, faz adeptos e repetidores e amplia o fosso do desentendimento, mas na verdade expressam política nenhuma.
Claro, melhor seria se os apoios políticos se fundassem apenas em planos de governo e projetos de poder. Mas, a ocupação de espaços na máquina nem sempre é —ou não é necessariamente— ilegítima. A governabilidade pode, sim, corresponder à formação de coalizões e na participação de aliados nos diversos níveis de poder, conquanto existam projetos sólidos e acordos republicanos.
O mau não está na composição, mas na voracidade fisiológica que, na lógica competitiva do jogo político eleitoral, transforma-se em luta obsessiva por mais e mais cargos e emendas ao orçamento, loteamento de estatais. Apetites nunca saciados e feitos em nome de interesses particulares ou paroquiais.
Para isso haveria remédio: transparência, publicidade e limites claros, sempre de conhecimento geral. Acordos, uma vez fechados precisam ser honrados, sem novas rodadas de negociação ou novo dispêndio para os cofres públicos. O presidencialismo de coalizão se desenrola em ambientes assim. Em inúmeros países, isso acontece.
Contudo, uma vez adotado, o conceito de “velha política” deveria ser mais rigoroso. Velha também é a confusão entre público e privado, o espaço do Estado como o ambiente da família; a advocacia oculta de interesses privados, a existência de relações perigosas —no mínimo comprometedoras— com grupos que vão de prestadores de obras e serviços até a intimidade com o crime organizado ou mesmo com o crime comum.
Velho é o corporativismo de grupos organizados pela manutenção de privilégios; o recurso ao foro especial, a prática de “laranjas” eleitorais, de “rachadinhas” de gabinete, a suspeita proximidade com as milícias. O envolvimento da família presidencial com questões do Estado é nada republicano. Assim como a ideologização das Relações Internacionaisou a transformação da Educação num latifúndio doutrinário não são elementos novos nem saudáveis. Nada disto é novo e serve apenas para aprofundar drama e prolongar o atraso.
Há enorme imprecisão nos dois termos. Eles que servem apenas para tergiversação, usados em trincheiras de uma guerra semântica vazia geram confusão e ignorância, aumentam o dissenso ao mesmo tempo em que impedem a efetivação da Grande Política. A política republicana, impessoal, que ergue instituições capazes de interpretar desafios do presente e do futuro, diagnosticando problemas reais, construindo diálogos na tentativa de uma unidade possível, na sociedade naturalmente diversa. Ser republicano, no Brasil, seria algo absolutamente novo.
Mas não há política alguma quando os líderes não se conectam com a totalidade da nação mais do que com núcleo de seus eleitores; quando não expressam projetos claros, baseados na construção do futuro mais que a destruição do presente. A política foi inventada para somar, não dividir. Ela não se perde com moinhos de vento, na obsessão com sombras e fantasmas que já morreram ou nunca existiram. Grande Política que não se realiza com almas pequenas nem atores minúsculos.
Carlos Melo é cientista político e professor do Insper
Termos impedem a efetivação da política republicana, impessoal, que ergue instituições capazes de interpretar desafios do presente e do futuro
A política apropria-se de símbolos que, às vezes, significam nada. Deserto de ideias, campos vazios. Isso tem se dado com os termos “velha” e “nova política”.
A oferta de apoios no Congresso Nacional em troca de cargos e recursos públicos seria, por exemplo e a princípio, a expressão da “velha política”. Já sua negação, a “nova política”.
A força de clichês, que ocupam o imaginário do senso comum, faz adeptos e repetidores e amplia o fosso do desentendimento, mas na verdade expressam política nenhuma.
Claro, melhor seria se os apoios políticos se fundassem apenas em planos de governo e projetos de poder. Mas, a ocupação de espaços na máquina nem sempre é —ou não é necessariamente— ilegítima. A governabilidade pode, sim, corresponder à formação de coalizões e na participação de aliados nos diversos níveis de poder, conquanto existam projetos sólidos e acordos republicanos.
O mau não está na composição, mas na voracidade fisiológica que, na lógica competitiva do jogo político eleitoral, transforma-se em luta obsessiva por mais e mais cargos e emendas ao orçamento, loteamento de estatais. Apetites nunca saciados e feitos em nome de interesses particulares ou paroquiais.
Para isso haveria remédio: transparência, publicidade e limites claros, sempre de conhecimento geral. Acordos, uma vez fechados precisam ser honrados, sem novas rodadas de negociação ou novo dispêndio para os cofres públicos. O presidencialismo de coalizão se desenrola em ambientes assim. Em inúmeros países, isso acontece.
Contudo, uma vez adotado, o conceito de “velha política” deveria ser mais rigoroso. Velha também é a confusão entre público e privado, o espaço do Estado como o ambiente da família; a advocacia oculta de interesses privados, a existência de relações perigosas —no mínimo comprometedoras— com grupos que vão de prestadores de obras e serviços até a intimidade com o crime organizado ou mesmo com o crime comum.
Velho é o corporativismo de grupos organizados pela manutenção de privilégios; o recurso ao foro especial, a prática de “laranjas” eleitorais, de “rachadinhas” de gabinete, a suspeita proximidade com as milícias. O envolvimento da família presidencial com questões do Estado é nada republicano. Assim como a ideologização das Relações Internacionaisou a transformação da Educação num latifúndio doutrinário não são elementos novos nem saudáveis. Nada disto é novo e serve apenas para aprofundar drama e prolongar o atraso.
Há enorme imprecisão nos dois termos. Eles que servem apenas para tergiversação, usados em trincheiras de uma guerra semântica vazia geram confusão e ignorância, aumentam o dissenso ao mesmo tempo em que impedem a efetivação da Grande Política. A política republicana, impessoal, que ergue instituições capazes de interpretar desafios do presente e do futuro, diagnosticando problemas reais, construindo diálogos na tentativa de uma unidade possível, na sociedade naturalmente diversa. Ser republicano, no Brasil, seria algo absolutamente novo.
Mas não há política alguma quando os líderes não se conectam com a totalidade da nação mais do que com núcleo de seus eleitores; quando não expressam projetos claros, baseados na construção do futuro mais que a destruição do presente. A política foi inventada para somar, não dividir. Ela não se perde com moinhos de vento, na obsessão com sombras e fantasmas que já morreram ou nunca existiram. Grande Política que não se realiza com almas pequenas nem atores minúsculos.
Carlos Melo é cientista político e professor do Insper
Bolsonaro termina o mandato? - HÉLIO SCHWARTSMAN
FOLHA DE SP - 26/03
Presidente já fez mais do que a oposição para detonar a proposta de Paulo Guedes
Precisamos considerar a possibilidade de Jair Bolsonaro não terminar o seu mandato. Não torço para que isso aconteça. O cenário mais verossímil para uma eventual saída requer uma forte piora da situação econômica, e a última coisa de que o país precisa é um novo mergulho recessivo. O mito, porém, dá a nítida impressão de que faz tudo a seu alcance para sabotar a si mesmo.
A equação geral do governo Bolsonaro era relativamente simples. Se fizesse uma reforma da Previdência razoável, haveria condições para uma retomada mais consistente do crescimento, com a volta de investimentos privados e aumento da arrecadação. E, quando o país está crescendo, fica menos difícil discutir e aprovar outras reformas potencialmente polêmicas, como a tributária. Poderia ser o início de um círculo virtuoso.
O que vimos nestes quase três meses de administração, entretanto, foi que o presidente fez mais do que a oposição para detonar a proposta de seu ministro da Economia. Primeiro ele sugeriu que a idade mínima de 62 anos para as mulheres era excessiva, depois, ao conceder uma generosa reestruturação de carreira para os militares, destruiu o discurso de que a reforma cortaria privilégios.
No plano da articulação no Congresso, não apenas não fez nada com vistas à aprovação do projeto, que precisa do apoio de três quintos dos parlamentares, como se recusa a negociar com o Legislativo, insistindo na tese de que não cederá à velha política.
O chamado mercado, que, por alguma razão obscura, julgara que Bolsonaro era confiável para tocar uma agenda liberal, vai se dando conta de que as coisas podem não ser tão simples. Se a percepção de que a reforma não virá se consolidar, o dólar dispara, os juros sobem etc., nos lançando num cenário em que a defenestração de Bolsonaro se torna uma variável a considerar. O vice Hamilton Mourão está há meses se contendo, posando de razoável e confiável.
Presidente já fez mais do que a oposição para detonar a proposta de Paulo Guedes
Precisamos considerar a possibilidade de Jair Bolsonaro não terminar o seu mandato. Não torço para que isso aconteça. O cenário mais verossímil para uma eventual saída requer uma forte piora da situação econômica, e a última coisa de que o país precisa é um novo mergulho recessivo. O mito, porém, dá a nítida impressão de que faz tudo a seu alcance para sabotar a si mesmo.
A equação geral do governo Bolsonaro era relativamente simples. Se fizesse uma reforma da Previdência razoável, haveria condições para uma retomada mais consistente do crescimento, com a volta de investimentos privados e aumento da arrecadação. E, quando o país está crescendo, fica menos difícil discutir e aprovar outras reformas potencialmente polêmicas, como a tributária. Poderia ser o início de um círculo virtuoso.
O que vimos nestes quase três meses de administração, entretanto, foi que o presidente fez mais do que a oposição para detonar a proposta de seu ministro da Economia. Primeiro ele sugeriu que a idade mínima de 62 anos para as mulheres era excessiva, depois, ao conceder uma generosa reestruturação de carreira para os militares, destruiu o discurso de que a reforma cortaria privilégios.
No plano da articulação no Congresso, não apenas não fez nada com vistas à aprovação do projeto, que precisa do apoio de três quintos dos parlamentares, como se recusa a negociar com o Legislativo, insistindo na tese de que não cederá à velha política.
O chamado mercado, que, por alguma razão obscura, julgara que Bolsonaro era confiável para tocar uma agenda liberal, vai se dando conta de que as coisas podem não ser tão simples. Se a percepção de que a reforma não virá se consolidar, o dólar dispara, os juros sobem etc., nos lançando num cenário em que a defenestração de Bolsonaro se torna uma variável a considerar. O vice Hamilton Mourão está há meses se contendo, posando de razoável e confiável.
Bolsonaro flerta com o desastre - JOSÉ CASADO
O GLOBO - 26/03
Presidente avança célere para o isolamento a bordo de um projeto de ruptura
Bolsonaro quer refundar o país. Lula também queria, acabou prisioneiro do mensalão e das maracutaias na Petrobras. Dilma naufragou, abraçada à “nova matriz econômica”.
À sua maneira, os três interpretaram a vitória eleitoral como “força do povo” para a concentração de poder na Presidência, relegando ao segundo plano as instituições representativas, Câmara e Senado. A definição disso é: autoritarismo. E essa concepção não tem futuro, como ensina a história ou se pode ver na Venezuela.
A retórica de Bolsonaro sobre a “velha política” é mera contrafação de um discurso de Lula em 1993: “Há no Congresso uma maioria de uns 300 picaretas que defendem apenas seus próprios interesses”.
A frase de Lula inspirou Herbert Vianna na ácida letra de “Luis Inácio” para os Paralamas do Sucesso. Por ironia, a canção foi censurada a pedido do procurador da Câmara, o deputado mineiro Bonifácio Tamm de Andrada. Na época, Bolsonaro integrava o baixo clero do Congresso.
Agora, na Presidência, avança célere para o isolamento a bordo de um projeto de ruptura. Não construiu maioria com sua “nova política”, mas se diz eleito pela “vontade de Deus”. Convicto da “missão que me foi dada”, aposta na Providência.
Bolsonaro já está imobilizado no confronto com o Congresso. Das sete Medidas Provisórias, seis projetos de lei e uma proposta de emenda à Constituição que enviou em 12 semanas, nenhuma teve andamento.
Ele sabe o significado. Como deputado apresentou 172 projetos. Só conseguiu aprovar três — um deles permitia a venda de uma inócua “pílula do câncer” (fosfoetanolamina).
Acomodava-se no fracasso alegando “discriminação” ideológica. Acena agora com a repetição da fórmula, como justificativa para governar acima das instituições.
É um flerte com o desastre. Entrou em rota de colisão com um Congresso aparentemente coeso e disposto ao uso da sua força institucional. Entre outras coisas, corre o risco de ser surpreendido por uma reforma da Previdência Social divergente da proposta que assinou.
Bolsonaro quer refundar o país. Lula também queria, acabou prisioneiro do mensalão e das maracutaias na Petrobras. Dilma naufragou, abraçada à “nova matriz econômica”.
À sua maneira, os três interpretaram a vitória eleitoral como “força do povo” para a concentração de poder na Presidência, relegando ao segundo plano as instituições representativas, Câmara e Senado. A definição disso é: autoritarismo. E essa concepção não tem futuro, como ensina a história ou se pode ver na Venezuela.
A retórica de Bolsonaro sobre a “velha política” é mera contrafação de um discurso de Lula em 1993: “Há no Congresso uma maioria de uns 300 picaretas que defendem apenas seus próprios interesses”.
A frase de Lula inspirou Herbert Vianna na ácida letra de “Luis Inácio” para os Paralamas do Sucesso. Por ironia, a canção foi censurada a pedido do procurador da Câmara, o deputado mineiro Bonifácio Tamm de Andrada. Na época, Bolsonaro integrava o baixo clero do Congresso.
Agora, na Presidência, avança célere para o isolamento a bordo de um projeto de ruptura. Não construiu maioria com sua “nova política”, mas se diz eleito pela “vontade de Deus”. Convicto da “missão que me foi dada”, aposta na Providência.
Bolsonaro já está imobilizado no confronto com o Congresso. Das sete Medidas Provisórias, seis projetos de lei e uma proposta de emenda à Constituição que enviou em 12 semanas, nenhuma teve andamento.
Ele sabe o significado. Como deputado apresentou 172 projetos. Só conseguiu aprovar três — um deles permitia a venda de uma inócua “pílula do câncer” (fosfoetanolamina).
Acomodava-se no fracasso alegando “discriminação” ideológica. Acena agora com a repetição da fórmula, como justificativa para governar acima das instituições.
É um flerte com o desastre. Entrou em rota de colisão com um Congresso aparentemente coeso e disposto ao uso da sua força institucional. Entre outras coisas, corre o risco de ser surpreendido por uma reforma da Previdência Social divergente da proposta que assinou.
Bolsonaro precisa afinal assumir o seu mandato - EDITORIAL O GLOBO
O GLOBO - 26/03
Não é possível governar sem fazer política, o que não pode ser entendido como corrupção
Não se tem notícia de um presidente como Jair Bolsonaro, que tenha demorado tanto tempo para descer do palanque. Vitorioso numa campanha em que se valeu muito das redes sociais, território adequado a mensagens curtas, quase sempre agressivas, e de pouca reflexão, o presidente demonstra dificuldades em mudar o tom e passar a governar, o que implica, numa democracia, negociar.
O pior será se o presidente entender que a maneira mais eficaz de enfrentar os enormes problemas que escolheu enfrentar, ao se lançar candidato, é pelo voluntarismo, no ataque violento à “velha política” , com o apoio de milicianos digitais.
O choque entre Bolsonaro e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), é fórmula infalível para o fracasso da reforma da Previdência e, consequentemente, de seu governo. Maia, desde a posse, por entender a importância das mudanças, se colocou ao lado do projeto. Porém, ele não pode acumular sua função com a de líder do governo na Casa, tampouco de ministro da Casa Civil, suposto coordenador político do Planalto.
Na visão maniqueísta demonstrada até agora por Bolsonaro, filhos e seu grupo, o político deseja apenas “verbas e vagas” e nada mais. Em entrevista publicada no GLOBO de sábado, Maia — depois de ser atacado com ironia por Carlos Bolsonaro, usando o fato de Moreira Franco, preso junto com Temer, ser casado com a sogra do presidente da Câmara —, foi direto ao ponto ao dizer que Bolsonaro precisa se envolver no convencimento de parlamentares, para que a PEC da Previdência consiga o mínimo de 308 votos na Câmara e 49 no Senado.
Não há caminho alternativo — como exemplificaram FH e Lula, na votação de projetos de seu interesse no Congresso —, nem negociação política deve ser confundida com fisiologismo. Política não é sinônimo de corrupção. Nomear indicados tecnicamente qualificados, sem que haja licença para roubar, é normal em qualquer grande democracia. A presidente Dilma Rousseff fez vista grossa à roubalheira na Petrobras, mas usou o estilo Bolsonaro de se distanciar dos políticos. Seu destino é conhecido.
Bolsonaro diz que cumpriu sua missão ao enviar o projeto para a Câmara, e que agora é com Maia e os deputados. Engana-se. Pode ter ficado bem com suas bases ao patrocinar uma reforma previdenciária para os militares apenas como pretexto para aumentar soldos e benefícios. O melhor que os militares fazem é negociar com o Congresso o aperfeiçoamento do projeto, que, da maneira como está, apenas fortalece a resistência de castas do funcionalismo civil às mudanças. Queira ou não, o presidente será chamado a conversar. E que comece logo.
Em reunião ontem pela amanhã, no Planalto, Bolsonaro contemporizou . Disse que o foco do governo é a reforma da Previdência e que deseja uma relação harmoniosa com o Legislativo. O risco agora são os tuítes.
Não é possível governar sem fazer política, o que não pode ser entendido como corrupção
Não se tem notícia de um presidente como Jair Bolsonaro, que tenha demorado tanto tempo para descer do palanque. Vitorioso numa campanha em que se valeu muito das redes sociais, território adequado a mensagens curtas, quase sempre agressivas, e de pouca reflexão, o presidente demonstra dificuldades em mudar o tom e passar a governar, o que implica, numa democracia, negociar.
O pior será se o presidente entender que a maneira mais eficaz de enfrentar os enormes problemas que escolheu enfrentar, ao se lançar candidato, é pelo voluntarismo, no ataque violento à “velha política” , com o apoio de milicianos digitais.
O choque entre Bolsonaro e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), é fórmula infalível para o fracasso da reforma da Previdência e, consequentemente, de seu governo. Maia, desde a posse, por entender a importância das mudanças, se colocou ao lado do projeto. Porém, ele não pode acumular sua função com a de líder do governo na Casa, tampouco de ministro da Casa Civil, suposto coordenador político do Planalto.
Na visão maniqueísta demonstrada até agora por Bolsonaro, filhos e seu grupo, o político deseja apenas “verbas e vagas” e nada mais. Em entrevista publicada no GLOBO de sábado, Maia — depois de ser atacado com ironia por Carlos Bolsonaro, usando o fato de Moreira Franco, preso junto com Temer, ser casado com a sogra do presidente da Câmara —, foi direto ao ponto ao dizer que Bolsonaro precisa se envolver no convencimento de parlamentares, para que a PEC da Previdência consiga o mínimo de 308 votos na Câmara e 49 no Senado.
Não há caminho alternativo — como exemplificaram FH e Lula, na votação de projetos de seu interesse no Congresso —, nem negociação política deve ser confundida com fisiologismo. Política não é sinônimo de corrupção. Nomear indicados tecnicamente qualificados, sem que haja licença para roubar, é normal em qualquer grande democracia. A presidente Dilma Rousseff fez vista grossa à roubalheira na Petrobras, mas usou o estilo Bolsonaro de se distanciar dos políticos. Seu destino é conhecido.
Bolsonaro diz que cumpriu sua missão ao enviar o projeto para a Câmara, e que agora é com Maia e os deputados. Engana-se. Pode ter ficado bem com suas bases ao patrocinar uma reforma previdenciária para os militares apenas como pretexto para aumentar soldos e benefícios. O melhor que os militares fazem é negociar com o Congresso o aperfeiçoamento do projeto, que, da maneira como está, apenas fortalece a resistência de castas do funcionalismo civil às mudanças. Queira ou não, o presidente será chamado a conversar. E que comece logo.
Em reunião ontem pela amanhã, no Planalto, Bolsonaro contemporizou . Disse que o foco do governo é a reforma da Previdência e que deseja uma relação harmoniosa com o Legislativo. O risco agora são os tuítes.
Procura-se um presidente - EDITORIAL O ESTADÃO
ESTADÃO - 26/03
O presidente Jair Bolsonaro não parece satisfeito em criar problemas em série no país que governa e passou a causar constrangimentos também nos vizinhos
O presidente da República, Jair Bolsonaro, não parece satisfeito em criar problemas em série no país que governa e passou a causar constrangimentos também em países vizinhos. Em recente visita ao Chile, Bolsonaro minimizou a ditadura do general Augusto Pinochet, ao dizer que “tem muita gente que gosta, outros que não gostam”, deixando ao presidente chileno, Sebastián Piñera, a tarefa de lidar com a péssima repercussão interna dessa e de outras declarações desastradas da comitiva brasileira. Dias antes, ao lado do presidente do Paraguai, Mario Abdo Benítez, Bolsonaro elogiou o “nosso general Alfredo Stroessner”, ditador que não foi nosso – foi deles, entre 1954 e 1989. Segundo o presidente brasileiro, Stroessner foi um “homem de visão, um estadista”.
Todos sabem, há muito tempo, quais são as opiniões do sr. Jair Bolsonaro a respeito das ditaduras militares latino-americanas. Quando deputado federal, Bolsonaro sempre foi notório defensor desses regimes, inclusive do recurso destes à tortura. Na condição de presidente da República, no entanto, Bolsonaro deveria saber que suas palavras adquirem enorme peso institucional, pois ele representa o Brasil no exterior, razão pela qual deveria guardar para si suas opiniões sobre ditadores e ditaduras em nações vizinhas, tema que naturalmente causa desconforto nesses países – ainda mais quando trazido à tona por autoridades brasileiras.
Esses episódios de incontinência verbal do sr. Jair Bolsonaro reiteram a impressão, cada dia mais próxima da certeza, de que o ex-deputado federal ainda não assumiu de fato a Presidência da República. Se tivesse assumido, Bolsonaro falaria como chefe de Estado – que engloba o conjunto dos brasileiros e da administração pública – e não como mero representante de seus eleitores. A cada dia que passa, Bolsonaro, sob as vestes extravagantes da “nova política” – como os chinelos e a camisa falsificada de time de futebol que o presidente usou numa reunião ministerial –, continua a agir como deputado do baixo clero.
Assim, sem entender qual é natureza da função para a qual foi escolhido pela maioria dos eleitores no ano passado, o sr. Bolsonaro drena as energias do País ao concentrar-se em temas de pouca relevância, mas com potencial de causar tumulto. O Estado noticiou, por exemplo, que o presidente está estimulando os militares a comemorar o aniversário do golpe militar de 31 de março de 1964. Tal iniciativa certamente trará grande satisfação para o eleitorado mais radical de Bolsonaro, mas pode criar desnecessário e inoportuno embaraço no momento em que o País precisa de união para aprovar duras reformas.
Ocupado com questiúnculas que fazem a alegria de sua militância, o sr. Jair Bolsonaro parece ter abdicado de governar para todos. Os problemas avolumam-se de forma preocupante – já se fala até de uma nova paralisação de caminhoneiros – e o presidente mostra-se alheio a eles, movendo-se ao sabor das redes sociais como se disso derivasse sua força e não sua fraqueza, como de fato acontece.
Segundo sua concepção de “nova política”, Bolsonaro não demonstra nenhum interesse em construir uma base parlamentar sólida o bastante para aprovar nem mesmo projetos simples, que dirá reformas complexas, como a da Previdência. Parece acreditar que, simbolizando a redenção do Brasil depois do flagelo lulopetista, todas as suas vontades serão convertidas em lei pelo Congresso, sem necessidade de negociação. Incorre, assim, numa arrogância sem limites, como quando foi cobrado pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia, a buscar votos para aprovar a reforma da Previdência, e respondeu que “a bola está com ele (Rodrigo Maia), eu já fiz minha parte, entreguei (o projeto da reforma)”. Das duas, uma: ou Bolsonaro acredita ser um mero despachante de projetos de lei, e não um líder político, ou, o que é mais provável, ele crê que deputados e senadores devem aprovar seus projetos porque, se não o fizerem, estarão atuando contra o Brasil, que está “acima de tudo”, e contra Deus, que está “acima de todos”. E ele, afinal, está onde?
Seja como for, a deliberada desorganização política do governo, causada por um presidente cada vez mais desinteressado de suas tarefas políticas e institucionais, tem o potencial de agravar a crise, levando-a a patamares muito perigosos – e talvez seja isso mesmo o que muita gente quer.
O presidente Jair Bolsonaro não parece satisfeito em criar problemas em série no país que governa e passou a causar constrangimentos também nos vizinhos
O presidente da República, Jair Bolsonaro, não parece satisfeito em criar problemas em série no país que governa e passou a causar constrangimentos também em países vizinhos. Em recente visita ao Chile, Bolsonaro minimizou a ditadura do general Augusto Pinochet, ao dizer que “tem muita gente que gosta, outros que não gostam”, deixando ao presidente chileno, Sebastián Piñera, a tarefa de lidar com a péssima repercussão interna dessa e de outras declarações desastradas da comitiva brasileira. Dias antes, ao lado do presidente do Paraguai, Mario Abdo Benítez, Bolsonaro elogiou o “nosso general Alfredo Stroessner”, ditador que não foi nosso – foi deles, entre 1954 e 1989. Segundo o presidente brasileiro, Stroessner foi um “homem de visão, um estadista”.
Todos sabem, há muito tempo, quais são as opiniões do sr. Jair Bolsonaro a respeito das ditaduras militares latino-americanas. Quando deputado federal, Bolsonaro sempre foi notório defensor desses regimes, inclusive do recurso destes à tortura. Na condição de presidente da República, no entanto, Bolsonaro deveria saber que suas palavras adquirem enorme peso institucional, pois ele representa o Brasil no exterior, razão pela qual deveria guardar para si suas opiniões sobre ditadores e ditaduras em nações vizinhas, tema que naturalmente causa desconforto nesses países – ainda mais quando trazido à tona por autoridades brasileiras.
Esses episódios de incontinência verbal do sr. Jair Bolsonaro reiteram a impressão, cada dia mais próxima da certeza, de que o ex-deputado federal ainda não assumiu de fato a Presidência da República. Se tivesse assumido, Bolsonaro falaria como chefe de Estado – que engloba o conjunto dos brasileiros e da administração pública – e não como mero representante de seus eleitores. A cada dia que passa, Bolsonaro, sob as vestes extravagantes da “nova política” – como os chinelos e a camisa falsificada de time de futebol que o presidente usou numa reunião ministerial –, continua a agir como deputado do baixo clero.
Assim, sem entender qual é natureza da função para a qual foi escolhido pela maioria dos eleitores no ano passado, o sr. Bolsonaro drena as energias do País ao concentrar-se em temas de pouca relevância, mas com potencial de causar tumulto. O Estado noticiou, por exemplo, que o presidente está estimulando os militares a comemorar o aniversário do golpe militar de 31 de março de 1964. Tal iniciativa certamente trará grande satisfação para o eleitorado mais radical de Bolsonaro, mas pode criar desnecessário e inoportuno embaraço no momento em que o País precisa de união para aprovar duras reformas.
Ocupado com questiúnculas que fazem a alegria de sua militância, o sr. Jair Bolsonaro parece ter abdicado de governar para todos. Os problemas avolumam-se de forma preocupante – já se fala até de uma nova paralisação de caminhoneiros – e o presidente mostra-se alheio a eles, movendo-se ao sabor das redes sociais como se disso derivasse sua força e não sua fraqueza, como de fato acontece.
Segundo sua concepção de “nova política”, Bolsonaro não demonstra nenhum interesse em construir uma base parlamentar sólida o bastante para aprovar nem mesmo projetos simples, que dirá reformas complexas, como a da Previdência. Parece acreditar que, simbolizando a redenção do Brasil depois do flagelo lulopetista, todas as suas vontades serão convertidas em lei pelo Congresso, sem necessidade de negociação. Incorre, assim, numa arrogância sem limites, como quando foi cobrado pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia, a buscar votos para aprovar a reforma da Previdência, e respondeu que “a bola está com ele (Rodrigo Maia), eu já fiz minha parte, entreguei (o projeto da reforma)”. Das duas, uma: ou Bolsonaro acredita ser um mero despachante de projetos de lei, e não um líder político, ou, o que é mais provável, ele crê que deputados e senadores devem aprovar seus projetos porque, se não o fizerem, estarão atuando contra o Brasil, que está “acima de tudo”, e contra Deus, que está “acima de todos”. E ele, afinal, está onde?
Seja como for, a deliberada desorganização política do governo, causada por um presidente cada vez mais desinteressado de suas tarefas políticas e institucionais, tem o potencial de agravar a crise, levando-a a patamares muito perigosos – e talvez seja isso mesmo o que muita gente quer.
Política, velha ou nova - EDITORIAL FOLHA DE SP
FOLHA DE SP - 26/03
Bolsonaro assusta ao dizer que já fez sua parte na reforma da Previdência
Até se compreende o apego de Jair Bolsonaro e seus aliados ao mantra condenatório da “velha política”. Afinal, a exaustão geral com escândalos de corrupção e o toma lá dá cá das relações entre governo e Congresso —e talvez não muito mais que isso— o levaram ao Palácio do Planalto e deram a seu PSL uma bancada expressiva.
Inquietante é perceber a indigência das ideias da trupe bolsonarista para substituir os métodos e vícios do presidencialismo nacional. Particularmente assustadora se mostrou uma manifestação recente do mandatário quanto à tramitação legislativa da crucial reforma da Previdência.
“A responsabilidade no momento está com o Parlamento brasileiro”, disse Bolsonaro, a respeito do projeto e de suas desavenças com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). “A bola está com ele, já fiz a minha parte.”
O chefe do Executivo parece crer, portanto, que não cabe a ele a tarefa de convencer sociedade e parlamentares da necessidade de endurecer as regras das aposentadorias. A missão inglória seria de Maia —sabe-se lá com que meios.
Outras teses acerca de inovações na forma de governar circularam desde a formação do primeiro escalão. A mais propagada delas, hoje um tanto esquecida, pregava que as negociações se dariam com bancadas temáticas, como as da agropecuária e da segurança, e não com partidos.
O entorno palaciano também dá mostras de acreditar, por vezes em versões delirantes, que a vitória das urnas equivaleria a um endosso incondicional capaz de tornar supérfluas as barganhas congressuais. Bolsonaro já terá notado, porém, que políticas públicas são sempre controversas —e que popularidade é um ativo volátil.
Não se imagina democracia sem falhas. Na célebre definição de Winston Churchill, trata-se apenas da pior forma de governo, salvo todas as demais. Por aqui, o regime apresenta agruras peculiares.
A mais evidente é o número exorbitante de partidos, a maioria sem coesão nem consistência programática, o que dificulta e encarece a formação de coalizões situacionistas. A mera renovação de quadros pouco altera esse panorama, como o demonstra a dificuldade do presidente em coordenar os próprios correligionários.
Mesmo reformas como a adoção do voto distrital misto e da cláusula de barreira, embora desejáveis, não devem ser encaradas como panaceia. A proliferação de siglas, para muitos estudiosos, está associada não só a regras permissivas mas também a desigualdades sociais e regionais.
Bolsonaro vai trair seu eleitorado, de fato, se formar uma aliança partidária baseada tão somente na cooptação fisiológica por meio de cargos e verbas públicas. A alternativa virtuosa, porém, não está na recusa do jogo político.
Nos limites do realismo, o caminho é a divisão transparente do poder, amparada tanto quanto possível em compromissos explícitos de agenda, sem deixar a busca por aprimoramentos institucionais. Passa da hora de o governo acordar para essa obviedade.
Bolsonaro assusta ao dizer que já fez sua parte na reforma da Previdência
Até se compreende o apego de Jair Bolsonaro e seus aliados ao mantra condenatório da “velha política”. Afinal, a exaustão geral com escândalos de corrupção e o toma lá dá cá das relações entre governo e Congresso —e talvez não muito mais que isso— o levaram ao Palácio do Planalto e deram a seu PSL uma bancada expressiva.
Inquietante é perceber a indigência das ideias da trupe bolsonarista para substituir os métodos e vícios do presidencialismo nacional. Particularmente assustadora se mostrou uma manifestação recente do mandatário quanto à tramitação legislativa da crucial reforma da Previdência.
“A responsabilidade no momento está com o Parlamento brasileiro”, disse Bolsonaro, a respeito do projeto e de suas desavenças com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). “A bola está com ele, já fiz a minha parte.”
O chefe do Executivo parece crer, portanto, que não cabe a ele a tarefa de convencer sociedade e parlamentares da necessidade de endurecer as regras das aposentadorias. A missão inglória seria de Maia —sabe-se lá com que meios.
Outras teses acerca de inovações na forma de governar circularam desde a formação do primeiro escalão. A mais propagada delas, hoje um tanto esquecida, pregava que as negociações se dariam com bancadas temáticas, como as da agropecuária e da segurança, e não com partidos.
O entorno palaciano também dá mostras de acreditar, por vezes em versões delirantes, que a vitória das urnas equivaleria a um endosso incondicional capaz de tornar supérfluas as barganhas congressuais. Bolsonaro já terá notado, porém, que políticas públicas são sempre controversas —e que popularidade é um ativo volátil.
Não se imagina democracia sem falhas. Na célebre definição de Winston Churchill, trata-se apenas da pior forma de governo, salvo todas as demais. Por aqui, o regime apresenta agruras peculiares.
A mais evidente é o número exorbitante de partidos, a maioria sem coesão nem consistência programática, o que dificulta e encarece a formação de coalizões situacionistas. A mera renovação de quadros pouco altera esse panorama, como o demonstra a dificuldade do presidente em coordenar os próprios correligionários.
Mesmo reformas como a adoção do voto distrital misto e da cláusula de barreira, embora desejáveis, não devem ser encaradas como panaceia. A proliferação de siglas, para muitos estudiosos, está associada não só a regras permissivas mas também a desigualdades sociais e regionais.
Bolsonaro vai trair seu eleitorado, de fato, se formar uma aliança partidária baseada tão somente na cooptação fisiológica por meio de cargos e verbas públicas. A alternativa virtuosa, porém, não está na recusa do jogo político.
Nos limites do realismo, o caminho é a divisão transparente do poder, amparada tanto quanto possível em compromissos explícitos de agenda, sem deixar a busca por aprimoramentos institucionais. Passa da hora de o governo acordar para essa obviedade.