sexta-feira, abril 20, 2018

Vamos pagar por Google e Facebook? - PEDRO DORIA

O GLOBO/O ESTADÃO - 20/04
Quando a internet nasceu, defendeu-se que fosse gratuita, o que levou ao modelo da publicidade. Daí surgiram sites e aplicativos que nos monitoram

E se os serviços da internet fossem pagos? A pergunta parece esquisita, hoje em dia. Uns anos atrás, seria absurda. Mas já assinamos TV, música e notícias on-line. A turma do BuzzFeed fez as contas no caso do Facebook. Nos EUA, uma assinatura mensal da rede social sairia por US$ 11. É o valor de uma assinatura individual com vídeo HD da Netflix, por lá.

Em certos círculos importantes, a ideia começa a ser debatida a sério. Na semana passada, no TED, Jaron Lanier, pai da realidade virtual e um dos mais respeitados filósofos da tecnologia, defendeu-a abertamente. Em uma das entrevistas que concedeu nos últimos tempos, Sheryl Sandberg, número dois do Facebook, chegou a mencionar a hipótese. “Poderia haver um botão ‘não use meus dados pessoais?’”, perguntou-lhe uma repórter da TV NBC. “Este seria um produto pago.” Sandberg não disse que a rede social planeja oferecer algo assim. Mas a bola está quicando.

Vamos dar uns passos atrás.

Tecnologia não é inevitável. Produtos que nascem no Vale do Silício partem de apostas que dão certo ou não. As apostas vêm de conceitos na cabeça de seus criadores. Um deles, no nascimento da internet, é que a informação deveria ser gratuita. Daí vem a opção pelo modelo publicitário.

É importante compreender como este modelo nos levou ao ponto em que estamos hoje.

Lá por meados da década de 2010, a indústria começou a investir no encontro entre Big Data e publicidade. O Google, em particular, investiu pesado neste projeto. A ideia era que nossos passos pela rede seriam seguidos e analisados. A partir daí seria possível aferir nossos interesses e nos enviar anúncios que nos interessam.

No momento seguinte, dois conceitos novos surgiram. O smartphone e as redes sociais.

No smartphone, a guerra era por apps. Apps eram pagos, e os desenvolvedores precisavam descobrir como fazê-los para que nós, o público, os usássemos. Muita gente fracassou, mas, usando as mesmas técnicas de acompanhar os movimentos de cada usuário, alguns aprenderam muito. Ao longo dos anos, apps, e smartphones, tornaram-se máquinas desenhadas com precisão para constantemente nos chamar a atenção. Para não as largarmos.

Redes sociais, por outro lado, tinham por objetivo criar um ambiente no qual encontrássemos os amigos. Ou pessoas com interesses em comum. Umas funcionaram mais ou menos. O mesmo percurso de tentativa e erro foi seguido e, sempre usando Big Data e testes, depois inteligência artificial, foi-se aprendendo a construir uma rede que não conseguíssemos largar. É o Facebook.

O negócio dos apps não deu certo. Tanto que a maioria dos apps que utilizamos são construídos por uma de três empresas. Apple, Google ou Facebook. No mais, alguns jogos e só. As redes deram certo. E o Facebook saiu da tela do computador para se tornar um app, que é como a maioria das pessoas o usa. As técnicas todas se juntaram, agora catapultadas. O Google sabia por onde passeávamos na internet. O Facebook sabe com quem nos relacionamos e que temas nos interessam. O smartphone, por onde andamos na cidade. E, num modelo publicitário, a única forma de este conjunto dar dinheiro é nos manter ligados dando mais do que queremos, cada vez mais.

Como descrevemos um hábito que muitas vezes nos dá uma experiência amarga e, ainda assim, não conseguimos largar?

Lanier chama estas empresas de “‘império de modificação de comportamento”. Ele é um provocador. Mas o negócio do Vale, hoje, faz dinheiro forçando nosso comportamento. Uma foto, um like, outro like, só uma visitinha mais antes de dormir, Fulana me curtiu, veja só. O negócio precisa ser assim porque é como vive.

Se fosse pago, funcionaria de outra forma.

Quem não quer a Eletrobrás privatizada - CELSO MING

ESTADÃO - 20/04

A principal razão porque a empresa deve deixar de ser estatal não tem a ver nem com posições doutrinárias nem ideológicas


Ninguém pense que as resistências à privatização da Eletrobrás provenham de questionamentos ideológicos ou de concepções sobre a natureza do Estado ou, ainda, de determinadas estratégias de desenvolvimento econômico.

Provêm das mais atrasadas práticas de poder, derivadas do patrimonialismo e da tomada do Estado por interesses políticos privados, como bem mostrou matéria publicada na capa do Estadão na última terça-feira, 17.

Os pontos de vista doutrinários são bem conhecidos. Um tanto simplificadamente, os neoliberais entendem que o setor público é, em geral, mau administrador e quando se mete em setores da economia acaba por permitir que interesses privados se apropriem indevidamente de recursos e de instrumentos públicos. Daí porque o Estado deve ser enxuto e, salvaguardadas as excepcionalidades, se restringir à regulação da atividade econômica.

A concepção estatizante pretende induzir o desenvolvimento econômico por meio do controle de setores estratégicos, em vez de deixá-los à iniciativa privada cuja finalidade não é o interesse público, mas a maior apropriação da renda. Quanto mais atrasado o desenvolvimento econômico, maior deverá ser a participação do Estado na economia, de maneira a incentivar e a proteger setores ainda frágeis.


Quantidade de energia gerada pela estatal nos dois últimos anos Foto: ESTADÃO

Em janeiro, o governo Temer decidiu enviar projeto de lei ao Congresso para privatizar a gigante Eletrobrás, holding que reúne 233 usinas que oferecem 31% de energia elétrica gerada no Brasil, mais de 71 mil quilômetros de linhas de transmissão. A modelagem prevê aumento do capital social cuja participação o Tesouro deixará de subscrever, abrindo espaço, assim, para maior participação privada. Como nenhum acionista poderá deter mais que 10% das ações com direito a voto, o resultado será a pulverização do controle acionário hoje detido pelo Tesouro. O governo terá à sua disposição uma ação especial (golden share) por meio da qual poderá vetar decisões que eventualmente contrariem o interesse nacional. As subsidiárias Itaipu e Eletronuclear ficarão de fora do modelo de privatização. A primeira, por ser empresa binacional partilhada com o Paraguai; e a outra, por operar com a especialmente sensível energia nuclear. O governo espera arrecadar R$ 12,2 bilhões com essa operação de subscrição de ações novas.

A principal razão pela qual a Eletrobrás deve ser privatizada não tem a ver nem com posições doutrinárias nem ideológicas. Tem a ver com uma razão bem mais prática. Como todos sabemos, o Tesouro está na pindaíba, não tem recursos para bancar os investimentos necessários para expansão da Eletrobrás, tanto na área de geração, como na de transmissão e distribuição. Ou se deixa a incumbência para quem esteja disposto a fornecer capital ou, então, não acontecerão os investimentos.

Linhas de transmissão em 2017


O projeto enfrenta enorme batalha judicial. As resistências mais importantes ao novo passo se concentram em duas áreas, a corporativista e a política. A corporativista é a dos funcionários das empresas estatais que temem perder privilégios (e a moleza) de que desfrutam, quando seus patrões passarem a ser executivos privados.

A resistência política, a maior das duas, é a dos chefões políticos para os quais, além de cabides de emprego, as empresas estatais e suas subsidiárias não passam de capitanias loteáveis entre cupinchas.

Como se viu exaustivamente por meio da Operação Lava Jato, além de oportunidade para exercício de poder, esse jogo permite sistemática depredação do patrimônio público para cumprimento dos interesses desses mandachuvas regionais. Enfim, este ainda é o resultado de arraigadas práticas patrimonialistas que deformam a vida política nacional.

A fantástica metamorfose de Jair Bolsonaro - ROGÉRIO FURQUIM WERNECK

O GLOBO - 20/04

Ele sempre pautou atuação na Câmara pelo esforço de extrair benesses governamentais para a clientela que o elegeu

Não é de hoje que, na esteira de uma longa história de deturpações e abusos retóricos, a palavra progressista deixou de ser levada a sério, esvaziada que foi de qualquer conotação mais consensual que já possa ter tido no debate político brasileiro. Sem ir mais longe, basta ter em conta a profusão de bandeiras “progressistas” distintas que, da esquerda à direita do espectro político, vêm sendo agora desfraldadas para a disputa das eleições de outubro. Ao eleitor bem informado, não faltam boas razões para manter distância de cada uma delas.

Próceres petistas vêm agora conclamando o partido a adiar a discussão de possíveis substitutos de Lula na eleição presidencial, até que se consiga definir uma plataforma eleitoral que possa atrair o apoio dos demais partidos de esquerda e unificar o “campo progressista”.

No Congresso, fechada a janela de infidelidade que, por um mês, permitiu que políticos trocassem à vontade de filiação, verificou-se que, de todos os partidos, o que mais se fortaleceu foi — pasme — o PP. Tendo eleito 36 deputados em 2014, passou a deter agora a segunda maior bancada da Câmara, junto com o MDB e logo abaixo do PT, com nada menos que 51 cadeiras. Com mais de 40% dos seus deputados às voltas com a Lava-Jato e operações similares, o PP parece agora preocupado com sua imagem. Seguindo o que já fizeram outras agremiações, quer mudar de nome e passar a ser conhecido por uma única palavra: Progressistas.

Mais à direita do espectro político, até mesmo Jair Bolsonaro quer passar a ter uma bandeira progressista que possa chamar de sua. Já há muito tempo, o deputado vinha promovendo sua candidatura à Presidência com base na plataforma estreita e monocórdica da segurança pública e do conservadorismo de costumes. Há poucos meses, contudo, o candidato vem sendo submetido a intenso adestramento, para que possa passar a ter um discurso minimamente articulado e crível que lhe permita, afinal, ostentar seu recém-estreado compromisso inabalável com a adoção de um programa econômico de cunho liberal.

Em alusão à Bandeira Nacional, o objetivo declarado de tal adestramento — acredite se quiser — é conseguir que a candidatura de Bolsonaro passe a combinar a defesa da ordem com a promessa de progresso. É com base nessa quimérica plataforma progressista que Bolsonaro pretende agora ser guindado à Presidência da República.

Não é preciso muito esforço para perceber que essa fantástica metamorfose, em que Bolsonaro seria transformado em inflexível defensor de um ideário econômico liberal, não tem qualquer aderência à realidade. Não passa de um devaneio de mau gosto. Na melhor das hipóteses.

Trata-se de um político já de mais de 60 anos, cheio de ideias equivocadas e com lamentável trajetória parlamentar, que se notabilizou pela truculência do seu discurso autoritário, fartamente documentada. Já no sétimo mandato de deputado federal, Bolsonaro sempre pautou sua atuação na Câmara pelo esforço sistemático de extração de benesses governamentais para a clientela que o elegeu.

Na pouca participação que teve no debate econômico, ao longo de todos esses anos, Bolsonaro jamais escondeu sua propensão visceral ao intervencionismo, sua incorrigível alma estatizante e o deprimente primitivismo das suas ideias nacionalistas. Não há programa de adestramento que possa transformá-lo, da noite para o dia, no prometido paladino do liberalismo econômico.

A verdade verdadeira é que Bolsonaro, tomado pelo que de fato é, e não por fantasias do que poderia vir a ser, não tem nem estatura nem preparo para ser presidente. Além de outras carências fatais, faltam-lhe traquejo, habilidade e trânsito no Congresso para mobilizar o amplo e crucial apoio parlamentar que se fará necessário para a superação da crise atual

A esta altura, em meio ao atoleiro em que foi metido, o país já deveria ter aprendido, de uma vez por todas, quão desastroso pode ser entregar a Presidência da República a uma pessoa patentemente despreparada para o exercício do cargo.

Rogério Furquim Werneck é economista e professor da PUC-Rio

Há quem aposte no Brasil desanimado - VINICIUS TORRES FREIRE

ESTADÃO - 20/04

Gente graúda da finança global sugere investir aqui; confiança empresarial cai


Os empresários industriais brasileiros ficaram menos otimistas em abril, indicam pesquisas da FGV e da CNI, a Confederação Nacional da Indústria. Há gente grande da finança mundial animada com o Brasil, como um pessoal do Goldman Sachs, que acaba de recomendar a compra de ativos brasileiros, ações em particular.

Não há relação necessária entre o ânimo nas fábricas daqui e os ânimos inconstantes dos mercadores de dinheiro do mundo, claro. Mas a discrepância chama um pouco a atenção neste momento.

Especula-se que um dos motivos da lerdeza persistente da economia seja a eleição. Ainda mais que em 1989 o resultado parece incerto. Colocar dinheiro nesse ambiente parece temerário.

A Bolsa ainda está perto do pico recente, “cara”. O real pode tropeçar nas pesquisas eleitorais. Mesmo a atividade econômica real pode fraquejar ainda mais, a depender da política. A vitória de um candidato palatável tampouco é um seguro, pois o Congresso tende a ser mais fragmentado do que na eleição de 2014 e tão ruim quanto.

Ainda assim, o Brasil pega carona na animação restante da finança com os mercados emergentes, que estão no pódio das preferências dos gestores de investimentos no levantamento de março do Bank of America Merrill Lynch.

Em relatórios de bancões, nota-se como os emergentes resistiram aos solavancos financeiros atribuídos ao risco de guerra comercial. Neste ano, as Bolsas desses países estão no azul; as americanas e as europeias, zeradas ou no vermelho, nos índices mais abrangentes.

Parte dessa animação com emergentes parece vir dos preços de commodities, do petróleo em particular: chegou ao maior nível desde fins de 2014. O barril do tipo Brent está perto de US$ 74, alta de 39% em um ano. Convém lembrar que o Brasil é agora petroleiro também.

Sauditas e russos conseguiram fazer com que países petrolíferos baixassem a produção desde o fim de 2016; a Venezuela produz menos por inépcia extrema; há risco de sanções americanas contra o Irã e a confusão habitual no Oriente Médio voltou a piorar. Assim, o petróleo encareceu.

Quanto a este canto do mundo, por ora, o real se mantém no patamar mais desvalorizado, de R$ 3,40 (ante algo em torno de R$ 3,25 do último ano), na contramão da maioria das moedas emergentes mais relevantes, embora a nossa queda não tenha sido lá nada dramática.

Juros menores no Brasil, menos intervenção do Banco Central e receio com a eleição e a economia fraca seriam as causas da baixa, se especula. Em março, os estrangeiros deram uma saída da Bolsa, onde fazem metade dos negócios. Começaram a voltar neste abril.

Esses movimentos, porém, também não são muito expressivos de opinião alguma sobre as possibilidades dos mercados financeiros daqui.

Para quem gosta de pensar no que fizeram mercados e cidadãos nas eleições passadas, considere-se o que aconteceu no tumulto de 2002, ano da primeira eleição de Lula.

O dólar começou a subir de modo lento e gradual em abril. Perto de março, Lula e Roseana Sarney estavam empatados. Em julho, Ciro Gomes chegava perto do petista, que viria a disparar com o início do horário eleitoral, em agosto. Em setembro, começaria o pânico nos mercados, com desvalorizações dos ativos brasileiros, os quais muita gente comprou na xepa, de baciada, fazendo bilhões com a paz que viria logo, em 2003. Mesmo com Lula lá, o tumulto começou tarde, notem.

Barroso, o Licurgo de Ipanema, quer reescrever as Tábuas da Lei; alega que Moisés era gago - REINALDO AZEVEDO

FOLHA DE SP - 20/04

O valente afirmou não ver a necessidade de uma nova Constituinte

O mundo conheceu até agora dois grandes legisladores, cada um deles “primus inter pares” desde que não postos em confronto. Houve o Licurgo de Esparta. E há o Licurgo de Ipanema, que também atende por Roberto Barroso, que, li numa entrevista, admira Beethoven e Taiguara. “Gente amarga mergulhada no passado/procurando repartir seu mundo errado”... Numa palestra proferida na segunda passada (16) nas dependências de Harvard, mas não em Harvard, o valente afirmou não ver a necessidade de uma nova Constituinte.

Que coisa! Concordamos nisso e no Beethoven. Mas... Tan, tan, tan, tan! Nos dois casos, deve ser por motivos distintos. Eu quero que a Constituição que temos permaneça. E que seja profundamente reformada por quem tem o poder para fazê-lo: o Congresso. Já o admirador de Taiguara defende a permanência da Carta para continuar a esculhambá-la à vontade. “Só feche o seu livro quem já aprendeu/Só peça outro amor quem já deu o seu”.

Se o Altíssimo cochilar, Barroso ataca. Anda de olho nos Dez Mandamentos. No papel de Moisés, teria dado um truque nas Tábuas da Lei antes de terminar de descer o Sinai.

Do Êxodo, ele gosta daquela parte em que Deus manda o povo ficar longe... “Alteraste, Barrosão, o que cravei a fogo na pedra? Como ousas?” Agastado, responderia: “Vós sois uma mistura do mal com o atraso e pitadas de psicopatia!” E, depois de ensaiar, sem gaguejar! Emendaria outro belo pensamento, adaptando o que dissera sobre a Constituição ao negar o habeas corpus a Lula: “Essas Tábuas da Lei são apenas princípios; não são normas”. Se Barroso fosse Moisés, ele próprio esculpiria um Bezerro de Ouro por dia.

Eu não apoiaria uma nova Constituinte, como Lula chegou a defender em seu comício pré-prisão, porque a nova Constituição sairia pior do que o soneto. Mas e Barroso? Não sei por que ele gosta de Beethoven, mas sei por que ele quer que se conserve o atual status: vai que o Parlamento feche aos caminhos ao Grande Legislador. Vai que a nova Carta o impeça de rasgar o Código Penal, por exemplo, como ele fez no caso da legalização cartorial do aborto até o terceiro mês.

Na quarta-feira (18), mais uma vez, doutor resolveu assombrar os que têm memória. A sua estreia no Supremo se deu ressuscitando o que a Lei 8.038 havia enterrado: os embargos infringentes. É bem verdade que sobreviveu no Regimento Interno do STF.

O PT, que o guindara ao tribunal, estava então no poder. Parecia mais eterno do que os diamantes e as respectivas embalagens de Creme de Arroz Colombo e Emulsão Scott. O expediente beneficiou, à época, os petistas João Paulo Cunha, José Dirceu e Delúbio Soares. “Lá colhi uma estrela pra te trazer/Bebe o brilho dela até entender”.

O doutor resolveu votar contra os infringentes para Paulo Maluf. E barbarizou: ora, se, num tribunal de 11, são necessárias quatro divergências para que se aceite o recurso, então, nas turmas, com cinco membros, seria preciso haver 1,8 ministro. Arredondou para dois. Como só ocorrera uma divergência no caso de Maluf, então ele negou o dito-cujo. O sujeito que atropela a letra explícita da Carta, do Código de Processo Penal, do Código Penal (e Deus que cuide!) chega ao extremo de transformar arredondamento de ministros (!!!) em categoria jurídica. E contra o interesse do réu.

Fez mais. Tentou reescrever a história para atender à demanda dos desmemoriados. Ao afirmar em 2013, ele explica agora, que as penas do mensalão tinham sido “pontos fora da curva”, estaria, na verdade, elogiando a então nova postura do tribunal. Mentira. Tanto é que, em todas as oportunidades que lhe foram dadas, votou em favor da redução das penas.

O ministro que hoje mantém gente em cana em nome do “sentimento social”, ao justificar, há cinco anos, a sua postura favorável, na prática, aos petistas, respondeu assim (https://bit.ly/2qN5rpl) a uma ironia do ministro Marco Aurélio: “Não estou almejando ser manchete favorável. (...) Se a decisão for contra a opinião pública, é porque este é o papel de uma corte constitucional”.

O PT virou carne queimada, e o Licurgo de Ipanema descobriu “o sentimento social”.

Dispersão leva à derrota - ELIANE CANTANHÊDE

ESTADÃO - 20/04

Depois de Lula, o centro também tenta reaglutinar suas forças políticas


Depois da pulverização desenfreada das candidaturas à Presidência, é hora de começar o movimento inverso, de reaglutinação das forças políticas. O ex-presidente Lula saiu na frente para trazer de volta a tropa unida, mas os articuladores dos demais, particularmente de Geraldo Alckmin e de Joaquim Barbosa, também se mexem. A união faz a força, a dispersão leva à derrota.

No seu comício de despedida antes de voar para Curitiba, naquele que teria sido o ato ecumênico para Marisa Letícia e não foi, Lula encheu Guilherme Boulos (PSOL) de elogios, acariciou o ego de Manuela d’Ávila (PCdoB) e convocou a militância para um projeto comum.

A questão é que Lula se esforça para reunir as esquerdas com a mesma intensidade com que as esquerdas se esforçam para se isolar de todo o resto. A invasão do triplex no Guarujá, comandada por Boulos, apavora a classe média. As investidas internacionais do PT, pela voz de sua presidente, Gleisi Hoffmann, margeiam o patológico e sacodem as redes sociais.

Difícil compreender o objetivo da invasão do apartamento, que só atende as alas mais radicais e imprudentes. Mais difícil ainda é entender o que a senadora petista pretende ao manifestar apoio ao regime calamitoso de Nicolás Maduro e fazer uma conclamação ao mundo árabe pró-Lula e contra o Brasil. O que Lula acha disso?

Nos campos adversários, vislumbram-se movimentos para conter o estouro da boiada que soam como gritos de desespero. Os tucanos, que têm as melhores condições objetivas, até aqui não apenas afastam velhos aliados como continuam digladiando entre eles.

Um movimento esperado, até natural, seria a reunião do MDB e do DEM em torno do PSDB, com Henrique Meirelles e Rodrigo Maia desistindo de suas pretensões presidenciais e, eventualmente, até disputando a vaga de vice de Geraldo Alckmin, com o patrocínio de Michel Temer. Mas com Alckmin asfixiado regionalmente, sem atingir 10% nas pesquisas?

O PSDB envia emissários para atrair o senador Álvaro Dias, que foi tucano, é candidato a presidente pelo Podemos e abre um flanco preocupante para os tucanos no Sul, contraponto ao Nordeste petista. Assediado, Dias dá de ombros. Além disso, há uma questão estrutural no PSDB: a divisão entre Alckmin, José Serra e Aécio Neves, agravada pela Lava Jato e pela guinada radical de Aécio, que deixou de ser um troféu para ser um peso na campanha.

Com esses obstáculos ao PT e ao PSDB, o foco se desvia para Jair Bolsonaro, incapaz até aqui de ampliar seu leque de alianças, Marina Silva, que está na cola de Bolsonaro, mas pilota um teco-teco partidário, o franco-atirador Ciro Gomes, que assusta potenciais parceiros, e Aldo Rebelo, que saiu do PCdoB e concorre pelo Solidariedade.

Todos vão manter as candidaturas até o fim? Improvável. E eles agora têm um alvo: Joaquim Barbosa, que veio da pobreza, como Lula e Marina, é apolítico, como o deputado Bolsonaro diz que é, e não deve à Lava Jato, muito pelo contrário. Joaquim, porém, precisa começar a aglutinação em casa, já que o PSB está dividido entre paulistas pró-Alckmin e pernambucanos pró-Lula. E, como Bolsonaro, precisa dizer o que pensa para a economia, num país em que o populismo fiscal gerou 14 milhões de desempregados.

Se passar por esse três testes – unidade no PSB, programa consistente e fugir do populismo barato, que sai caro –, Joaquim pode ser o barco salva-vidas de partidos e políticos à deriva e de milhões de eleitores sem candidato. Aliás, numa eleição tão pulverizada, a opção que não for radical e demonstrar capacidade de vitória tende a virar uma atração irresistível ainda mais quando ficar claro quem está dentro e quem está fora. É aí, nesse ponto, que a onda se forma e vira tsunami do segundo turno.

Ganhar ou perder - FERNANDO GABEIRA

ESTADÃO - 20/04

Esta será uma eleição singular, depois tudo o que vivemos. Atuação da sociedade é imprevisível


As pesquisas mostraram que há muitos candidatos à Presidência, mas ainda poucos votos. Conheço quase todos os candidatos pessoalmente, incluído Levy Fidelix, cuja campanha documentei em 2015, assim como outros considerados nanicos na época. Discutir suas qualidade e seus defeitos é um esforço válido, mas não é isso que farei em 2018. O que posso fazer apenas é ajudá-los a ganhar ou perder votos, lembrando grandes temas para a sociedade, nos quais nem sempre eles se fizeram presentes.

Poucos dos mais votados falaram, por exemplo, de duas questões muito discutidas no momento: a prisão em segunda instância e a revisão do foro privilegiado. É compreensível que mantenham uma certa distância. Abraçar esses temas e ampliá-los com uma perspectiva de combate à corrupção não é bem visto entre os políticos. Muitos candidatos são discretos nesse ponto porque não querem perder o apoio dos seus pares, muito menos arriscar-se a um confronto com o Congresso, em caso de vitória.

Como em todas as eleições, assumir uma linha política nem sempre representa apenas mais votos. É sempre um jogo de ganha e perde.

A própria esquerda será chamada a se definir, mas hoje, por uma questão de coerência, ela associa a prisão após segunda instância à presença de Lula na cadeia. E certamente terá de adotar a posição mais leniente, que prevê prisão após o trânsito em julgado.

É uma posição defensável, em nome da liberdade individual, sobretudo se omitir suas terríveis consequências, como a sobrevivência do sistema de impunidade, que tanto contribuiu para arruinar o País. Seria assim uma posição ultraliberal, defensável apenas num regime burguês, já que os regimes de esquerda não conhecem essa história de trânsito em julgado: muitos deles prendem sem contemplação, até inocentes.

Mas é importante prever um espaço para a esquerda, sobretudo para o candidato indicado por Lula. Mais da metade dos eleitores de Lula votariam nele.

Se existe um problema de ganha e perde votos, hoje, esse problema é o medo nas cidades brasileiras. Bolsonaro adiantou-se alguns meses, propondo armamento, defendendo a tese de que bom policial é o que mata, e mais alguns componentes que o aproximam de uma política de tolerância zero com o crime.

É isso mesmo, ou existe alguma alternativa? Nesse caso, não vale apenas dizer apenas que é preciso haver empregos, educação e tudo mais. É necessário mostrar que existem escolhas mais eficazes, apresentar uma política específica de segurança pública.

O crime organizado é uma realidade nacional. Ele domina as cadeias e todas as redes de tráfico de drogas no País. Numa cidade como o Rio de Janeiro, as milícias, por exemplo, controlam territórios onde moram 2 milhões de pessoas.

Tudo isso é um desafio para os candidatos. Eles têm de mergulhar no tema e dizer alguma coisa – ganhar ou perder votos, isso é do jogo.

Esse perde e ganha se transporta também para a base. Todos prometem crescimento econômico. Mas que tipo de crescimento? Vão entulhar as ruas de carros individuais? Lembrem-se de 2013.

Os candidatos hoje em dia são aconselhados a evitar alguns temas, escolher apenas o que as pesquisas recomendam. Mas quando alguns temas dominam a cena e os candidatos são protagonistas distantes, sempre vai haver pouco voto.

Mesmo sem esquecer que há um segundo turno, o ideal seria que os candidatos já expressassem grandes correntes. No passado, isso era canalizado pelos dois grandes partidos. Mas PT e PSDB vivem cada um o seu inferno com a Lava Jato.

O PT perdeu seu candidato e o PSDB, embora se afaste de Aécio, não conseguiu dar o passo fora do círculo. Geraldo Alckmin sentiu um alívio porque o inquérito sobre as doações da Odebrecht foi para a Justiça Eleitoral. Sua grande vitória: ter-se livrado da Lava Jato.

É um equivoco. Em primeiro lugar, porque fortalece o discurso de que a Justiça persegue uns e protege outros. Em segundo lugar, se é inocente e está tudo bem, nada melhor do que ser investigado pela Lava Jato, que acumula grande capacidade técnica, até para inocentar. Para um candidato à Presidência, fugir da Lava Jato não é bom esporte neste outono.

Numa corrida em que tudo pode acontecer, a sociedade, que já se desapontou com os grandes partidos, precisa de salvaguardas. Um delas é trazê-los para o debate dos temas que lhe interessam de fato. É sempre possível argumentar que os políticos têm uma linguagem escorregadia e, além disso, nunca cumprem exatamente o que prometem.

Mas não se pode pensar em eleições como se fossem as mesmas sempre. Ainda não é o ideal, mas nunca se teve tanta transparência, nunca se esteve tão atento aos caminhos da política.

Dizem que os 11 ministros do STF são tão conhecidos como a seleção nacional de futebol. Não tenho elementos para contestar ou validar. Sei apenas que muita gente se esforça para escalar aquela muralha de palavras difíceis, citações, para se aproximar do que realmente interessa: saber qual o placar do jogo, se há esperanças no combate à corrupção.

Ainda é muito cedo para prever, mas tudo indica que a indignação não é o único elemento. As pessoas sabem mais do que no passado. Sabem porque conheceram o declínio do sistema político-partidário e sabem porque se dotaram de meios técnicos superiores.

Não vai adiantar muito ficar meio escondido no debate, nem se proteger com um exército de robôs multiplicando fake news. Esta é uma eleição singular no Brasil, depois de tudo o que vivemos. A grande personagem é a sociedade que emergiu de todos esses traumas. Sua atuação é imprevisível. Conheceu a fragilidade humana dos seus líderes e, no mínimo, vai buscar os melhores mecanismos de controle.0

Levado a sério, um programa de governo é um deles.

* FERNANDO GABEIRA É JORNALISTA

Dívida explosiva - EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de S.Paulo - 20/04

Dez anos depois do início da última crise global, o mundo está pendurado em dívidas e vulnerável a novos abalos. Há dois anos a soma dos débitos privado e público chegou a US$ 164 trilhões, um recorde equivalente a 225% do produto mundial. A última grande crise começou com o estouro de uma bolha financeira. Riscos de novas turbulências têm sido apontados por economistas e dirigentes de instituições multilaterais. Nenhum governo deveria ignorá-los, e isso vale especialmente para o caso do Brasil, um campeão do endividamento público entre os grandes países emergentes.

As advertências podem parecer estranhas, quando a atividade se intensifica na maior parte do mundo e as previsões de crescimento para este e para o próximo ano são revistas para cima. Mas os fatos parecem claros. Fatores favoráveis à prosperidade, como juros baixos, crédito fácil e vigor crescente nos mercados de ações e de commodities, criam ambiente para a imprudência e para o surgimento de novas vulnerabilidades.

Não é hora para complacência, insiste o diretor do Departamento de Assuntos Fiscais do Fundo Monetário Internacional (FMI), Vitor Gaspar. A dívida pública tem crescido em todo o mundo e atingiu no ano passado o equivalente a 82,4% do produto global. Entre os países desenvolvidos, a proporção chegou a 105,4% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2017 e deve recuar ligeiramente, para 103,9%, neste ano. O endividamento médio dos países emergentes e de renda média é muito menor: 49% do PIB no ano passado e provavelmente 51,2% neste ano. A situação brasileira é bem mais preocupante.

Pelo critério do FMI, o endividamento do governo geral – federal, de Estados e municípios – chegou a 84% do PIB no ano passado, deve bater em 87,3% neste ano e alcançar 96,3% em 2023. Pelo critério oficial brasileiro, a dívida continua pouco abaixo de 80%. Nos cálculos de Brasília, papéis do Tesouro mantidos na carteira do Banco Central (BC) são desconsiderados. Isso explica a diferença. Em qualquer caso, a situação do governo geral, no Brasil, é muito mais precária que a da maior parte das economias emergentes e de renda média.

Com os juros básicos em queda, o endividamento do Tesouro Nacional, de longe o mais importante do conjunto, tem crescido pouco mais lentamente. Mas continuará a crescer enquanto o governo for incapaz de pagar pelo menos os juros vencidos em cada período. Só se pode cobrir essa despesa quando há superávit primário, isto é, quando sobra algum dinheiro depois de pagas as despesas de operação do governo, tanto de custeio quanto de investimento. Mas o saldo primário tem sido negativo desde os tempos de gastança irresponsável da presidente Dilma Rousseff. Tem sido preciso rolar o principal e os juros e, além disso, tomar mais algum dinheiro no mercado para manter as luzes acesas nos escritórios federais.

Até agora o Tesouro tem tido acesso aos mercados, e em condições até razoáveis, embora o crédito soberano continue classificado em grau especulativo pelas principais agências de avaliação de risco. Mas o endividamento crescente, consequência do desajuste fiscal prolongado, pode afetar o humor dos financiadores. Endividamento em alta combinado com financiamento em baixa significa risco de insolvência. Esse risco parece por enquanto remoto, mas pode tornar-se bem mais sensível se o quadro político evoluir de maneira preocupante.

Além disso, mesmo uma administração severa e respeitável das contas públicas será insuficiente para anular novos perigos, se as condições do mercado financeiro forem afetadas por algum novo choque. A possibilidade de um choque desse tipo tem crescido, nos últimos tempos, com a expansão do endividamento e das operações de risco nos mercados de ações e de outros ativos. O FMI e outras instituições têm alertado para esse perigo.

O cenário agora se complica, segundo o FMI, com a política fiscal expansionista do presidente Donald Trump. Essa política pode impulsionar, a curto prazo, uma economia já em expansão desde o governo anterior, mas tende a acentuar, a médio prazo, os desequilíbrios internos dos Estados Unidos e os externos. Há muitos motivos para os governos aproveitarem a boa fase econômica para criar amortecedores fiscais, preciosos no caso de um novo choque.