quinta-feira, abril 19, 2018

A pobreza do debate - WILLIAM WAACK

ESTADÃO - 19/04

A Lava Jato traçou a linha entre o que é política e o que é bandidagem


Assim como a prisão do ex-presidente Lula, Aécio Neves agora réu no Supremo Tribunal Federal é um acontecimento político de importância muito maior do que o destino reservado ao agente político, ao indivíduo. O episódio do senador tucano que passou de quase presidente para candidato a presidiário oferece uma boa leitura do momento político brasileiro.

Não estou falando aqui de quem está dentro da Lava Jato nem das consequências para as diversas agremiações políticas e como se movimentam visando às próximas eleições. O caso Aécio virou uma bem acabada expressão do que é a falência política brasileira.

Pois quatro dos cinco ministros que aceitaram a denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) tornaram o senador réu por obstrução da Justiça (além de corrupção passiva), isto é, por tentar atrapalhar a Operação Lava Jato. Aécio teria praticado esse crime, segundo a acusação, utilizando-se da sua atividade como parlamentar para discutir, entre outras coisas, projetos de lei como o que previa punição a agentes públicos por abuso de autoridade.

Não vou entrar no mérito da acusação nem nas alegações da defesa do senador. O que me interessa aqui é registrar um fato que me parece de vital importância para a política brasileira. Onde está a linha que divide a atividade do parlamentar (que inclui, claro, discutir projetos como abuso de autoridade) e a pura e simples bandidagem? Mais ainda: quem traça essa linha e decide se uma articulação política no parlamento passou a ser uma articulação para proteger políticos do alcance da Justiça?

No atual momento político brasileiro, não importa se a gente gosta ou não do que está acontecendo, as respostas a essas duas perguntas são evidentes. Procuradores, delegados, juízes e, agora, também ministros do Supremo leram História (ou saíram atrás de quem leu o que aconteceu na Itália) e estão convencidos de que políticos, deixados entregues a si próprios, vão se articular para defender apenas seus próprios interesses, sobretudo os interesses espúrios. E decidiram eles mesmos, os integrantes da Lava Jato, traçar a linha entre o que é política e o que é bandidagem. Traçado que interpretam como julgam necessário.

Reitero aqui a inutilidade, neste momento, de se estabelecer quem domina a objetividade dos fatos, se é a acusação que está com a “verdade” ou se é a defesa no caso do senador. Fato, em política, costuma em geral ser a percepção que se faz de um “fato”, e a percepção que tomou conta do momento brasileiro, e desfruta de extraordinária popularidade, é a que está contida na denúncia da Procuradoria-Geral da República: políticos não prestam, política é coisa suja e, mesmo quando parlamentares parecem estar discutindo projetos “sérios” (como o do abuso de autoridade), estão, no fundo, apenas se protegendo.

O fato dessa narrativa acima ter se tornado tão abrangente (talvez Gramsci a tratasse como “bloco histórico”) explica em parte a pobreza do atual debate político no Brasil, subordinado ao tema do combate à corrupção. Claro que combater a corrupção é essencial em qualquer parte e a qualquer momento. A falência da política brasileira está em não ter sido capaz, também por falta de lideranças, de desenvolver qualquer outro eixo relevante de debate.

Vamos aplaudir a prisão de Lula e outros, eventualmente de Aécio e outros, o que nos orgulha e enche de esperanças. E vamos continuar nos perguntando por que as coisas mudam tão pouco.

Temer errará se vetar o projeto de lei 7.448/2017 - MAÍLSON DA NÓBREGA

REVISTA VEJA
O projeto aumenta a segurança jurídica, estimula o investimento, eleva a produtividade e contribui para o desenvolvimento do país


É hora de resistir ao corporativismo e dotar o Brasil de uma legislação moderna 


Está nas mãos do presidente Michel Temer, para sanção ou veto, o projeto de lei 7.448/2017, que cria novas bases de interpretação do direito público. O projeto tem tudo para melhorar o processo decisório nas esferas administrativas, de controle e judicial. Trata-se de um avanço institucional que promoverá segurança jurídica em áreas cruciais para o desenvolvimento do país, particularmente na infraestrutura.

O projeto inova ao exigir que, nas decisões, se prove que a medida é a melhor e seja precedida da avaliação das suas consequências práticas. Hoje, o TCU, o Ministério Público e outros entes públicos podem suspender a execução de investimentos ou determinar certas despesas, como na área de saúde, sem se preocupar com seus efeitos.

Por exemplo, ao interromper a construção de uma escola, em face de divergência sobre quem deveria ter ganhado a concorrência ou por outro motivo, a autoridade responsável pela decisão precisará avaliar o que fazer com os estudantes que frequentavam a escola.

A avaliação das consequências pode evitar processos administrativos ou judiciais, que podem arrastar-se por décadas. Como é comum determinar os efeitos de eventual invalidação da decisão, serão necessários muitos anos para uma solução definitiva.

O país vem sofrendo os graves efeitos de decisões adotadas sem a devida consideração de suas consequências, não raramente de forma açodada. Obras são interrompidas, outras nunca se completam. Gastos injustificáveis são realizados na saúde. Tudo isso resulta em desperdícios que impactam a produtividade e o potencial de geração de emprego e renda.

Outra inovação é proteger o servidor público, que somente poderá ser punido em caso de dolo ou erro grosseiro e não por interpretação distinta de outro agente público. Mesmo no caso em que a punição é aplicável, o funcionário não pagará do seu bolso, como hoje, os respectivos custos judiciais. O órgão a que pertence arcará com as despesas.

A medida evitará o chamado “apagão decisório”, isto é, a situação em que o servidor prefere não decidir, temendo enfrentar os riscos de erros involuntários. Quando no governo, vi casos em que se optava por engavetar os processos ou sugerir que a parte recorresse ao judiciário. “A assinatura de hoje é o processo judicial de amanhã”, se dizia.

O projeto tem outros avanços benéficos, que podem expandir o investimento e a atividade econômica. Tornará mais ágil o processo de licenciamento ambiental e outros. Apesar disso, o TCU e procuradores estão pressionando o presidente Temer a vetá-lo, com argumentos pobres de conteúdo, inclusive, pasmem, o de que o projeto seria prejudicial ao andamento da Operação Lava Jato.

É hora de resistir ao corporativismo e dotar o Brasil de uma legislação moderna, que aumente segurança jurídica, melhore o processo decisório público e privado, e contribua decisivamente para o desenvolvimento do país.

Gervais, de Humanidade (Netflix): a ameaça do politicamente correto da web - FILIPE VILICIC

REVISTA VEJA
E como Facebook, Twitter, YouTube, Instagram colocaram o humor de qualidade e as melhores expressões artísticas em risco de extinção

“O mundo está ficando pior. Culpo as redes sociais pelo começo do fim. Foi com Twitter e Facebook que se cultivou e estabeleceu uma noção ridícula de que é mais importante ser popular do que estar certo.”

A frase acima resume bem do que se trata o novo show de piadas, no estilo stand-up comedy, do inglês Ricky Gervais. Não conhece o nome? Talvez lembre, então, da criação mais famosa do comediante: The Office. Ainda não? Gervais também é apresentador do Globo de Ouro – prêmio que também já ganhou algumas vezes. Ainda não? Dê um Google.

O espetáculo Humanidade, que Gervais lançou há pouco na Netflix, propõe se debruçar, entre uma piadinha e outra, sobre o estado atual da civilização. A da civilização ultraconectada, das redes sociais. É inegável os avanços proporcionados pelas novas tecnologias, que aproximaram pessoas ao redor do planeta, tornaram o mundo mais rápido etc. e tal. Tudo aquilo que já se fala por aí – e que as empresas da era digital divulgam escandalosamente por todos os lados. Mas Gervais não se propõe a falar dos benefícios. Ele se atém às chatices que vieram com a turma de Twitter, Instagram, YouTube, Facebook.

Em especial, mostra como o povo da internet está encaretando as conversas, exagerando no politicamente correto e, com isso, de forma voluntária ou involuntária, transformando o ambiente online num cenário onde se impõe a regra assim definida por ele: “Não importam argumentos. Minha opinião vale mais do que seu fato”.

Isso não só deixa as redes sociais e, como um todo, a internet e, pelo amálgama atual das coisas, o mundo por completo (falo aqui do tangível), uma chatice. A partir do momento em que tudo com o qual não se concorda é condenado de imediato; que o outro é visto necessariamente como amigo ou inimigo, sempre; que moralismos e bom-mocismos se sobrepõem ao humor e à arte; que… enfim, todos frequentamos essas redes e sabemos do que se trata. A partir do momento em que aconteceu essa loucura atual, algumas consequências perigosas vieram junto.

A definição de liberdade de expressão não corresponde bem ao que o povo da internet acha que é. O que o povo da internet acha? Que se trata de poder falar o que quiser; mas que o outro não pode dizer algo que nos ofenda. Na real, liberdade de expressão é outra coisa.

É justamente a defesa de que todos podemos falar, sem culminar em violência ou crimes. Quem realmente apoia essa máxima teria de, para provar que concorda com isso, escudar inclusive alguém de opiniões contrárias, mesmo que ofensivas pela ótica do julgamento próprio, para que esse ser oposto possa disseminar suas ideias (até quando loucas e sem pé nem cabeça) à vontade. Pegou?

Gervais se apoia em um ótimo exemplo pessoal para tratar do assunto. Ele é um provocador. Por isso, nesse clima de politicamente correto online, é xingado, atacado, a todo momento.

Certa vez, um hater tuitou que o comediante inglês iria sofrer no Inferno, onde seria estuprado pelo capeta. Piada vai, piada vem (e as que Gervais faz com o caso são de gargalhar), acabou que os fãs do célebre inglês começaram a pedir pela condenação de tal hater. Ao que Gervais, real paladino da liberdade, se pegou defendendo o atacante; defendendo, veja bem, o direito do outro de achar que ele próprio deveria ir para no Inferno e ser estuprado por Lúcifer. Isso, sim, é realmente acreditar na liberdade de expressão.

Mas não é isso que o povo da internet quer. O ser humano médio das redes sociais – que, convenhamos, não é lá muito inteligente ou culto – prefere é gritar, ditar máximas, e condenar ao Inferno quem não concorda com ele. No Brasil, as imbecilidades que giram em torno dos fanáticos lulistas ou dos fanáticos bolsonaristas é prova máxima de tal conclusão. “O grande inimigo é a burrice”, diria Gervais.

Teve outra vez em que ele foi alvo da “burrice” e que, aqui, servirá para ilustrar como o ser humano médio do Facebook ou do Twitter ambiciona ser um pequeno ditador em sua pequena (no caso de alguns, um pouco maior, e mais danosa) bolha. O começo da história: Gervais fez uma anedota que incluía tirar sarro de quem tem alergia a amendoim; o que causou revolta em associações de mães com filhos alérgicos. Depois de muito blá blá blá, uma dessas preocupadas mães tuitou “Não se deve fazer piada com alergia a amendoim”.

Sim, o intuito era proibir. A ideia era impor limites, inclusive, às risadas alheias. Hoje em dia, não se pode mais rir do que se quer rir.

Ao que Gervais, espertamente, respondeu: “Faço piadas com Aids, com câncer, fome e Holocausto. E você diz para não fazer piada com alergia alimentar?”. Aí ela retrucou (acredite…): “Mas o Holocausto não matou crianças”. E Gervais: “Bem… matou, não é?”.

A história serve para contextualizar a situação em que estamos. O povo da internet é intolerante, burro, mal informado e… chato paca. Uma chatice, contudo, que se torna uma real ameaça às nossas liberdades. Todas elas. Incluindo, a de expressão. E que, numa ironia, um dia pode acabar por abafar até as causas sociais mais nobres.

Afinal, alguém pode não concordar com uma delas e logo pedir para que, por isso, a mesma seja censurada. O politicamente correto em excesso e apenas levando em conta os próprios vieses pode destruir as bandeiras do… politicamente correto.

Mas assim é a humanidade, né? Intolerante, burra, mal informada e chata paca. Porém, a maioria que se encaixa nessas categorias antes era simplesmente desprezada. Com o megafone das redes sociais, esses começaram a achar que valem mais do que valem. O risco é um dia eles tomarem o poder. Na internet, parece que já conseguiram. Em alguns países, também. Noutros, como no Brasil, estão muito próximos do trono.

Frente a essa Guernica digital, Gervais parece ter perdido a esperança. Deve ser por efeito contínuo da idade mais avançada. Eu, um pouco mais jovem, ainda resguardo minhas expectativas positivas em relação ao futuro. Espero que essa onda de ataques a tudo e a todos cesse no momento em que se der menor crédito ao que é dito por qualquer ignorante na internet.

Assim, poderemos continuar a viver num divertido mundo de liberdades individuais. Um no qual uma piada boa sobre algo ruim não seja vista como ruim só por ter abordado algo ruim; pelo contrário, muitas vezes tirar sarro é uma das melhores formas de crítica. Contudo, infelizmente, o ser humano médio da internet não é muito hábil em interpretar piadas… nem ironias… nem textos… nem arte… nem filmes que não sejam algo como “herói X salva o mundo do vilão Y”… e reclama de qualquer textão.

Convergências e divergências - MARIO MESQUITA

Valor Econômico - 19/04

O mês de abril, quando autoridades renunciam para concorrer a cargos eletivos, marca o início da temporada eleitoral no Brasil. Nesse momento, é natural que a atenção dos mercados e investidores se volte para propostas e programas econômicos dos principais pré-candidatos.

As candidaturas e as equipes de assessores econômicos ainda estão, em muitos casos, em formação, mas os temas mais importantes já são conhecidos, e já há manifestações de lideranças políticas sobre eles. Há tantas notáveis convergências quanto divergências.

Entre as convergências, vale destacar a necessidade de se adotar medidas de ajuste fiscal. A aritmética acaba se impondo, e há uma compreensão razoavelmente generalizada de que, sem um maior controle sobre o ritmo de crescimento do gasto público, como prevê a Emenda Constitucional nº 95/2016, a chamada "PEC do Teto", controlar o crescimento da dívida pública torna-se algo extremamente desafiador. O teto para o crescimento de gastos primários federais tende a se tornar insustentável a partir de 2020, sem a reforma da Previdência Social.

Assim, um divisor de águas, durante a campanha, deve ser a atitude de cada candidatura perante o teto de despesas e a reforma da Previdência - com manutenção do regime atual ou transição para um de capitalização. Se viver com o teto é considerado inviável, ou indesejável, o que se pretende colocar no lugar?

O teto já faz parte de uma estratégia de ajuste fiscal bem gradualista, sob a qual não se antevê a geração de superávits primários antes de 2021. Cada candidato e sua equipe deveriam, a seu tempo, se pronunciar se tal gradualismo é correto ou se preferem um ajuste mais rápido, ou ainda mais lento, e por quê.

Estimamos, no Itaú, que o desafio fiscal brasileiro chegue a cerca de 5 pontos percentuais do PIB, ou seja, sair de um déficit primário de 2,5% para um superávit dessa magnitude. Tal ajuste dificilmente será feito só com contenção de despesas ou unicamente via aumento de impostos. Ambos são necessários, mas em proporções distintas. Há evidências, compiladas por Francesco Giavazzi, Carlo Favero e Alberto Alesina (The output effect of fiscal consolidation plans, de 2015), que um ajuste voltado para o aumento de receitas tende a ser mais contracionista que os processos baseados no controle de gastos.

Mesmo assim, razões ideológicas podem levar um futuro governo a optar por uma relevante elevação da carga tributária - assim, durante a campanha seria ideal se os candidatos fossem cândidos em relação a seus planos (além de repetir algo com que todos concordam: é preciso simplificar nossa carga tributária).

E a política monetária? A atuação técnica do Banco Central (BC) não tem merecido maiores reparos entre economistas e tampouco tem sido objeto de críticas no meio político. Inflação e juros em queda e estabilidade cambial em um patamar aparentemente confortável para amplos segmentos da economia tendem a gerar esse tipo de cenário. De fato, um BC bem administrado cria na sociedade a ilusão de que sua autonomia formal seria desnecessária. Seria interessante saber o que as diferentes campanhas pensam sobre a questão da autonomia, atualmente perante o Congresso, bem como qual o seu grau de tolerância para com inevitáveis períodos de alta de juros e maior volatilidade cambial.

Se é (quase) consensual a necessidade de ajuste fiscal como o cerne da política macroeconômica de curto prazo, parecem existir muitas divergências no que tange à agenda microeconômica, tão ou mais importante para o potencial de crescimento do país. O Congresso aprovou uma importante medida (Lei de Responsabilidade das Estatais, Lei nº 13.303/16) sobre a governança das empresas estatais, que limita o escopo para nomeações políticas em cargos decisórios - não parece haver concordância entre todos os principais candidatos quanto a essa proposta.

Recentemente, o BC propôs, ainda que o formato legal siga incerto, passar a ter sobre as nomeações para a diretoria dos bancos públicos o mesmo poder de veto que detém no caso dos bancos privados. As mudanças na governança da Petrobras, bem como sua política de preços, também foram muito importantes para a virada na situação da empresa. Todos esses temas merecem debate detalhado na campanha eleitoral.

Uma das principais iniciativas do atual governo, que é apontada por economistas do trabalho e microeconomistas de renome como ensejando potenciais ganhos de produtividade importantes, foi a reforma trabalhista. Há pré-candidatos frontalmente opostos a ela e outros que têm mantido um silêncio ambíguo. Fica a questão: a reforma vai "pegar" ou, sob pressão de grupos de interesse e do próprio Executivo, vai virar letra morta?

Outro ponto importante é a alocação de capital. Em governos passados, se acreditou que o Estado, em especial por meio do controle sobre meios de financiamento, deveria ter papel central sobre isso, escolhendo campeões nacionais e setores privilegiados - os resultados, sabemos, ficaram bem aquém das expectativas. O Congresso aprovou em 2017 a criação da Taxa de Longo Prazo (TLP), que deve reduzir o escopo para subsídios creditícios, favorecendo indiretamente um papel de maior relevância para o mercado de capitais e o setor privado na alocação de recursos para investimento. Será que os candidatos querem voltar à estratégia de crescimento liderado pelo Estado, ou preferem deixar ao setor privado, no qual recompensas e penalidades inerentes ao processo de investimento são mais diretas e os incentivos melhor alinhados, as principais decisões?

Uma tradicional convergência no Brasil é a preferência pelo protecionismo. Não é por acidente que somos a economia mais fechada do G-20, um pouco mais fechada que a da Argentina, segundo dados do Banco Mundial para 2016. Infelizmente, o protecionismo não tem contribuído para fazer do Brasil uma economia dinâmica, nem uma em que se absorvam rapidamente os frutos do progresso técnico global. O Brasil pode e deveria abrir sua economia. O que pensam as equipes dos candidatos sobre esse tema?

Políticas educacionais não costumam ter papel de destaque nos programas econômicos dos candidatos, mas as dificuldades nesse setor têm papel muito importante para explicar nosso atraso relativo nas últimas décadas. Seria interessante saber o que os candidatos e suas equipes pensam a respeito, além da habitual menção à necessidade de se gastar mais com a educação.

Enfim, há alguma convergência sobre a necessidade de ajuste fiscal, embora menos sobre a urgência e a composição desse processo. Há certa trégua quanto ao BC, mas é difícil saber se se trata de algo estrutural ou de reflexo do momento do ciclo em que estamos. E há, aparentemente, muito menos convergência quanto aos cruciais temas microeconômicos acima citados, que vão definir nossa capacidade de crescimento. As eleições importam, e muito.

Exterminador de empregos - CELSO MING

ESTADÃO - 19/04

Um jeito desastroso de lidar com as mudanças no mundo do trabalho é sair condenando o tsunami digital


Estudo da Conferência da ONU sobre o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad, na sigla em inglês) concluiu em 2016 que dois em cada três empregos existentes na América Latina vão desaparecer sob o impacto da automação.

O estudo examina dados agregados, sem preocupação de separá-los por país ou por setor. Por isso, no Brasil pode ser um pouco diferente, mas não deve fugir demais dessa proporção.

Por automação não se entende apenas a robotização, mas grande número de novas formas de executar um trabalho qualquer. Há um mês, esta mesma Coluna citou o caso das malas que foram dotadas de rodinhas e, com isso, fizeram rodar centenas de milhares de empregos de carregadores, em aeroportos, estações ferroviárias e rodoviárias e sabe-se mais onde.

Mas a maneira mais avassaladora como empregos estão sendo desmontados tem a ver com a revolução produzida pela tecnologia de informação que inclui toda a parafernália digital já conhecida e ainda a ser inventada. Por enquanto, tem a ver com inteligência artificial, blockchain, big data e a profusão de aplicativos que qualquer pessoa está sendo levada a usar, alguns com mais destreza e outros, com menos. Imagine apenas quantos empregos na rede bancária estão sendo dispensados apenas com a disseminação do uso do celular e dos seus aplicativos pelo correntista.

Um jeito desastroso de lidar com isso é sair condenando o tsunami digital. Pretender segurar essa pressão em nome da preservação dos empregos não é apenas inútil é, também, um jeito de negar o dinamismo da história.

Outro jeito é tentar surfar esse vagalhão procurando tirar dele o proveito possível. E uma das maneiras é usar esses recursos digitais para criar novas formas de ocupação. Já não serão empregos convencionais. Têm mais a ver com trabalho independente, “por conta própria”, cujos contornos nem sempre estão claros. Por isso, chega a ser decepcionante que a cada divulgação do Índice de Ocupação da Pnad, até mesmo técnicos do IBGE lamentem que o aumento do emprego aconteça sem registro na carteira de trabalho. São, imaginam, empregos informais.

No mundo inteiro os postos de trabalho não estão migrando apenas da indústria para o setor de serviços. Estão passando por grande revolução. Exigir, ou até mesmo esperar, que, nas circunstâncias, prolifere apenas o trabalho formal é de um irrealismo atroz.

É claro que a disseminação do trabalho autônomo é mais um sério destruidor das finanças dos sistemas de previdência social, se não por outra razão, pelo simples fato de que não há mais o empregador que contribua com sua parte. As sociedades enfrentarão mais essa bomba.

Mas não se pode ignorar a revolução laboral, muito menos a tendência ao desaparecimento de dois terços dos empregos na América Latina. Para lidar com ela, será necessária nova reforma, desta vez do ensino formal e dos sistemas de treinamento, de maneira a capacitar o futuro profissional para as novas necessidades e para reciclar para novas funções o trabalhador de agora que está perdendo seu emprego.

A procura por preenchimento de novas vagas de trabalho volta-se em direção às ocupações de maior qualificação (high skilled jobs). E essa não é apenas tendência de longo prazo. Uma das características das grandes transformações de agora é a de que acontecem com rapidez estonteante.

CONFIRA

» Entre o fôlego e a incerteza


Nesta quarta-feira, a Bolsa brasileira seguiu a forte alta das cotações das commodities metálicas e do petróleo no exterior e se aproximou do patamar dos 86 mil pontos, alcançado pela última vez no fechamento de 14 de março. Por pequeno ajuste, o Ibovespa encerrou o dia nos 85.776,5 pontos, em alta de 2,01%. Apesar de ter recuperado fôlego, as incertezas que derrubaram o índice na segunda-feira ao patamar dos 82 mil pontos ainda estão aí: cenário político conturbado e recuperação econômica vacilante. / COM RAQUEL BRANDÃO

Nada de errado com o paciente - ZEINA LATIF

ESTADÃO - 19/04

Os consumidores ainda sofrem como medo do desemprego


Como interpretar a fraqueza dos indicadores econômicos nos últimos meses, enquanto se esperava uma aceleração por conta do efeito crescente do corte dos juros pelo BC? Será que a recuperação será bem mais lenta do que o esperado ou trata-se de um sinal falso de perda de fôlego? Em outros tempos, flutuações de curto prazo não gerariam maiores comentários. Mas depois de uma crise severa e com eleições pela frente, a lenta recuperação gera incômodo.

A crise dos últimos anos não foi uma crise qualquer, pois afetou duramente as finanças de empresas e consumidores. Não se pode esperar, portanto, uma volta rápida da economia, como foi na crise global de 2008/09, quando os fundamentos domésticos não foram afetados pelo choque externo. Esta última crise foi “made in Brazil” e machucou muito.

Os consumidores ainda sofrem com o medo do desemprego e com o elevado montante de dívidas em atraso em relação à sua renda. Ambos indicadores recuam lentamente e limitam a melhora da confiança. A volta do consumo tende a ser lenta e em etapas. Neste primeiro trimestre, por exemplo, houve um expressivo aumento de licenciamento de automóveis. Nas atuais condições, é natural que os outros setores fiquem para trás, pois o consumidor tende a ser mais conservador na decisão de adquirir outros bens e serviços.

Do lado das empresas, a situação financeira tem melhorado, mas também aos poucos.

As dívidas em atraso e a inadimplência na PJ estão em queda, mas os patamares são elevados. As concessões de crédito avançam e a qualidade do crédito melhora. Para se ter uma ideia, em 2015-16 o crédito que crescia era o associado a problemas de caixa, como cheque especial e cartão de crédito rotativo. Agora crescem linhas associadas à antecipação de receitas.

Não há muito apetite para investimentos, sendo difícil apontar o que decorre da dificuldade financeira de muitas empresas ou das incertezas eleitorais. Talvez seja mais o primeiro. Exemplo disso é a construção civil, onde empresas capitalizadas já estão investindo.

A oferta de crédito se recupera aos poucos, deixando para trás o descompasso em relação à demanda. Reflexo disso é o recuo dos spreads (diferencial entre taxa de juros final e custo de captação dos bancos). Enquanto isso, aumenta o acesso das empresas ao mercado de capitais.

Já os pedidos de recuperação judicial, após o recuo em 2017, iniciam 2018 sem motivos para celebração. E a redução do estoque de ativos problemáticos nos bancos tem sido lenta.

Este quadro acaba limitando a geração de empregos.

O mercado de trabalho perdeu o fôlego. Após um crescimento importante do emprego sem carteira e do trabalho por conta própria, ocorreu uma natural acomodação que não foi ainda compensada pela geração de empregos com carteira.

Além da dificuldade financeira das empresas, principalmente as pequenas e médias, vale notar que justamente a indústria, que é o setor que menos emprega, lidera a recuperação, até porque sentiu a crise primeiro.

Enfim, alguns fatores podem estar limitando a recuperação da atividade, mas talvez trate-se apenas de oscilações naturais de uma economia que ainda está arrancando e sente as turbulências.

Há ainda dois atenuantes. Primeiro, os estoques estão relativamente baixos na indústria. Estivessem elevados, a conversa seria outra.

O segundo está associado à informalidade. Assim como o emprego informal correu na frente do formal neste início de recuperação, o mesmo pode estar ocorrendo na oferta de bens e, principalmente, serviços. Os indicadores de atividade que não capturam o mercado informal podem estar subestimando a retomada. O segmento de turismo, por exemplo, celebrou o grande movimento no carnaval, sem que isso se refletisse no indicador de serviços no IBGE.

Por ora, não é possível afirmar que há algo de errado com o paciente. O problema é que a doença foi séria e afetou sua capacidade de reação à medicação. Além disso, os instrumentos para medir seus sinais vitais não são muito precisos.

Marina e Barbosa, sensações sem sabor - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 19/04

Candidatos se destacam nas pesquisas, mas não têm programa, alianças sociais ou coalizão política


MARINA SILVA é a favor de alguma reforma da Previdência, mas não a de Michel Temer, e acha que existe "polêmica" sobre o déficit. A reforma trabalhista foi "draconiana", diz, assim como o teto de gastos.

Quem conversa com Joaquim Barbosa ouve críticas às mudanças previdenciária e trabalhista defendidas por Temer, mas não sabe dizer qual sentido das objeções. Quase nada se sabe de Barbosa, que não participa do debate público faz anos.

A desconversa é compreensível. A reforma da Previdência é detestada por uns 60% do eleitorado e, para piorar, ficou associada a Michel Temer, ruim ou péssimo para 70% dos eleitores. Além do mais, Marina e Barbosa são candidatos, mas ainda não se tornaram candidaturas, uma combinação de partido, alianças sociais, quadros intelectuais e coalizões partidárias.

Marina conta apenas com um desmanche minúsculo de partido, a Rede. Barbosa ainda discute os termos finais de sua indicação com um PSB em parte reticente e muito sem rosto. Nesta década, o partido oscilou entre PT e PSDB e abrigou até este ano gente do DEM etc. Cerca de metade da base do PSB é no Nordeste, onde as memórias de bons tempos do lulismo importam.

Economistas que assessoram Marina ou que conversam com Barbosa têm opiniões fortes sobre enxugamento e reorganização do Estado. Mas essas duas personagens que ora causam sensação ainda não têm gosto de nada; não têm programa nem explicitam alianças sociais e políticas.

É possível que continuem assim por um bom tempo, personalistas, dizendo inanidades vagas: um tanto menos de Estado aqui, uma proteção social ali, o pretinho básico dos programas que, por não ousarem dizer seu nome, são chamados de centristas.

Marina diz que o Estado é perdulário. Onde vai mexer?

Benefícios previdenciários levam 57,2% do gasto federal. Salários, 12%. Saúde e educação, 10,4%. Seguro-desemprego, abono e Bolsa Família, 6,9%. Investimentos (PAC), 1,9%. Aí já foram 88,4% do Orçamento. Consideradas outras despesas obrigatórias, sobram para o Executivo 4% do Orçamento.

Um programa deve ir bem além de política fiscal, de gastos e de impostos, claro. Mal se discute a desorganização do SUS faz quatro campanhas presidenciais, por exemplo. Mas, na penúria dramática em que vive o governo, dívida e déficit são os assuntos cruciais.

Não será possível dar rumo a um governo sem lidar com o fato de que o gasto do governo vai bater no teto em 2020. Sem reforma da Previdência dura, estoura ainda mais e mais rápido.

O teto de gastos parece inviável mesmo com a reforma. Sem reforma previdenciária, o presidente de 2019-22 deve dar fim a esse congelamento do gasto federal. Teria, pois, de recorrer a uma combinação de aumento de impostos e aumento de dívida a fim de bancar gastos extras e a disparada de déficit e dívida.

No caso de aumento da dívida, terá de explicar a que custo, a que taxa de juros, vai obter recursos. Há um risco considerável de que o fim do teto provoque tumulto financeiro, caso não seja acompanhado de medidas duras.

O que os candidatos têm a dizer? Onde vão mexer? Quem vai pagar a conta? Enrolar e cometer estelionato eleitoral dá problema, já vimos, e não apenas em 2014.

Temperamento de Barbosa, o 'novo' da vez, é virtude e armadilha para eleição - IGOR GIELOW

FOLHA DE SP - 19/04

Boa colocação no Datafolha é turvada por dúvidas sobre ideias práticas e viabilidade política



A estreia numericamente bem-sucedida de Joaquim Barbosa na corrida eleitoral, em meio à pasmaceira geral fotografada pelo Datafolha em sua mais recente pesquisa, atiçou o mercado de observação da espiral entrópica que traga o país desde 2013.

Seria enfim o ex-ministro do Supremo o verdadeiro “outsider” da eleição? A resposta é um cauteloso "agora, sim", mas isso não é necessariamente uma boa notícia para suas pretensões eleitorais.

Primeiro, ao personagem. Um menino negro e pobre que ascendeu socialmente num país desigual e chegou à sua corte suprema, enfrentando uma vez lá os poderes constituídos. Não é preciso ser um gênio do marketing para identificar a excelente embalagem do produto.

A questão maior é sobre outro aspecto a ser vendido: a personalidade de Barbosa. Ministro do STF, ele colecionou animosidades com seus antípodas da corte, embora perto do que se registra hoje no tribunal elas soem quase como provocações pueris.

Foi acusado por pares de autoritarismo, em especial no transcurso do mensalão, caudaloso processo que relatou e foi concluído sob sua presidência. Até aí, ponto para Barbosa candidato: aquele julgamento foi um prenúncio da vaga moralizante que tomou o país com a Lava Jato, cabo eleitoral de primeira.

A coisa complica quando se sai do campo da retórica incisiva e se entra na realidade, materializável na forma de debates e interpelações de jornalistas.

Barbosa não é exatamente permeável ao que considera crítica. Está condenado em segunda instância no Distrito Federal por ter mandado um repórter que lhe fez perguntas legítimas “chafurdar no lixo” em 2013 —para sua sorte, danos morais não estão no rol de crimes fatais da Lei da Ficha Limpa, senão estaria inelegível.

Um ano antes, misturara esse tom autoritário com o delicado tema do racismo, premente como sempre num país como o Brasil. Um repórter negro como Barbosa perguntou se ele estava mais sereno, dado seu histórico de atritos no STF. “Logo você, meu brother?” cobrou, dizendo que ele o questionava baseado em “estereótipos” que “eles (os jornalistas brancos presentes) foram educados e comandados para levar adiante”. É o tipo de entendimento do papel da imprensa que se vê no PT, PSOL e assemelhados.

Se tudo isso parece lateral, lembrem o preço que Ciro Gomes já pagou (e parece se coçar para pagar de novo neste ano) por sua intemperança. Há eleitor que pode até gostar disso, vide a resiliência de Jair Bolsonaro, mas é um atalho bem seguro para o fracasso à frente.

Além disso, existe também uma boa dose de dúvida sobre o que de fato Barbosa pensa sobre temas como a gestão econômica do país. Por relatos de terceiros, é um crítico de reformas vitais como a da Previdência, algo temerário com a inviabilidade fiscal do país no horizonte. É preciso escolher que cruz beijar.

Quando estava no STF, se queixava de como a pauta da corte em suas repercussões gerais era dominada pelo “poder econômico”, o que traía um pouco do petismo que ele apoiou no passado, ao votar em Lula. No ano passado, contudo, falou mais comedidamente sobre a necessidade de um Estado menos empresário.

Outro aspecto de sua eventual candidatura diz respeito ao PSB, seu partido. A sigla é mais uma federação de interesses regionais, Pernambuco à frente. A confiabilidade do PSB é tão notória que a sigla conseguiu a façanha de fazer o velho comunista Aldo Rebelo querer ser presidenciável no colo de Paulinho da Força. Benzadeus.

O PSB terá um palanque vistoso em São Paulo com Márcio França, mas só o fato de ele ter sugerido que Barbosa poderia ser vice de Geraldo Alckmin (PSDB) soa suficiente para o ex-ministro espetar umas agulhazinhas em sua efígie. Ainda assim, se a candidatura sair do papel, a estrutura dos pessebistas ultrapassa em muito a da Rede de Marina Silva, que concorre numa faixa semelhante.

Tudo isso diz respeito à eleição, que de resto ainda está bem distante. O que viria depois, a necessidade de composição com um Congresso apodrecido moralmente e vitaminado politicamente é um trabalho que parece nada digerível a Barbosa. Sobre qual plataforma o ex-ministro concorreria então?

Meu palpite: temperado com responsabilidade econômica retórica, buscaria alguma proposta disruptiva com tons de antipolítica visando atrair a unção do voto, apesar da contradição óbvia de estar numa sigla tradicional. Questionado no poder, PT tentou isso várias vezes, com suas ideias de Constituinte exclusiva para reforma política. Deu em nada. Collor, na economia, foi por essa seara salvacionista. Deu no que deu.

Cenário colocado, em que aparentes virtudes podem esconder armadilhas fatais, Barbosa é o novo da vez.

Incentivo correto - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 19/04

Reforma da CLT acerta ao desestimular ações aventureiras na Justiça


Dados reunidos pelo Tribunal Superior do Trabalho mostram que as varas passaram a receber menos processos relativos a litígios entre patrões e empregados desde que a reforma da CLT entrou em vigor, em novembro do ano passado.

O número de ações abertas de dezembro a fevereiro revela queda expressiva, de 48,3%, em relação ao período correspondente na passagem de 2016 para 2017. Em valores absolutos, a redução é de 571,5 mil para 295,5 mil casos.

Tal fenômeno teve reflexo sobre o estoque descomunal de processos que aguardam decisão em primeira instância na Justiça Trabalhista —que baixou de 1,8 milhão, ao final de 2017, para 1,7 milhão em fevereiro.

A variação se mostra relevante porque nos últimos quatro anos, período para o qual há estatísticas do TST, os totais só aumentavam.

Ainda é cedo para saber se o efeito se deve apenas à reforma aprovada pelo Congresso no ano passado. Há informações, por exemplo, de que os próprios escritórios de advocacia estão represando a abertura de ações à espera de deliberações dos tribunais a respeito das novas regras.

Existem, contudo, boas razões para acreditar que ao menos parte da redução veio para ficar. Afinal, com o redesenho da CLT, trabalhadores que acionam os empregadores agora podem ter de arcar com o pagamento de itens como perícias e honorários de sucumbência, em caso de derrota.

Antes, eles não corriam esse risco, o que representava um incentivo indevido à abertura das chamadas ações aventureiras —aquelas em que o direito reivindicado parece bastante duvidoso, mas, na ausência de custo, o reclamante opta por tentar a sorte.

Trata-se de um dispositivo certamente virtuoso de uma reforma controversa por natureza.

Pouco se nota que as gratuidades antes oferecidas aos trabalhadores implicavam uma conta a ser assumida pelas empresas e pela própria Justiça —ou, vale dizer, por consumidores (que pagam por produtos mais caros) e contribuintes.

Se mantida a tendência de redução do estoque de ações, pode-se vislumbrar a possibilidade de um enxugamento futuro da vasta estrutura hoje existente para arbitrar conflitos entre empregados e empregadores —para tanto, claro, os juízes especializados deverão contribuir com mais celeridade no exame dos casos.

Sempre convém recordar que o Brasil abriga um Judiciário que consome 1,3% da renda nacional, enquanto em países desenvolvidos tal fatia raramente passa de 0,3%.

Por que o Brasil não muda? - FERNÃO LARA MESQUITA

ESTADÃO - 19/04

Na situação atual do Estado brasileiro, basta não agir para cairmos numa ditadura armada

Antes de mais nada, porque nunca nos propusemos a isso. Nem antes nem depois do início do presente tiroteio condenou-se “o sistema”. Condena-se apenas quem está em posição operá-lo hoje. Disputa-se apenas que “lado” será o próximo a ter a primazia de geri-lo.

O “empréstimo” de Joesley está para os crimes atribuídos a Aécio como o triplex do Guarujá para os de Lula e a sonegação de impostos para os de Al Capone, menos pelo pormenor de que nos Estados Unidos pode-se passar a vida inteira na cadeia por deixar de pagar o imposto devido ao povo, enquanto aqui o melhor com que se pode sonhar para os culpados por roubar o imposto efetivamente pago pelo povo é que levem alguma canseira passageira, mas preservem-se incólumes, como eternamente “deles”, a espoliada Eletrobrás, dona de Furnas, a Petrobrás, coletivamente estuprada, e a JBS, para onde foi transferida a montanha de ouro surrupiada pelo PT, as nomeações para “empregos” eternos nas encruzilhadas por onde fluem os dinheiros mais grossos da República, os “auxílios” auto-outorgaveis, as aposentadorias 36 por 1 e o resto dos privilégios que ampliam em metástase o favelão nacional e definem a nossa medieval sociedade de castas.

Caça às bruxas? De maneira nenhuma, porque as nossas, provada e comprovadamente, “las hay”. Está tudo certo no pouco que faz quem realmente tem tentado honestamente fazer por dentro do sistema, menos pelo fato de, no final das contas, a reserva ser privativa de 6 entre 11 “egrégios”, “excelentes”, “magníficos” caçadores que mantêm a proibição do tiro ao Judiciário por tudo menos porque não exista caça grossa por lá, e mais o bloqueio de qualquer reforma que atinja mais que indivíduos selecionados para aplacar a fome ancestral de punibilidade do povo brasileiro. Sendo tão poucos os caçadores licenciados é impossível que esse poder não se transforme em corrupção, se não a boa e velha pelo dinheiro, certamente a corrupção pelo poder. E assim permanecemos paralisados para que o tiroteio possa prosseguir sem que haja qualquer esperança real de que se mate “o bicho” no final.

Ficaria tudo perfeitamente bem se quem decidisse quem vai ou não para a fogueira fosse o eleitor na sua sempre exata sabedoria média, não apenas de quatro em quatro anos, mas antes, durante e sobretudo depois de depositar o seu voto na urna. Os direitos de retomada de mandatos e de referendo e iniciativa legislativas a qualquer momento, mais o de reconfirmação periódica de juízes para que não se deem dois passos atrás a cada um dado para adiante, são as formas consagradas nas democracias que vão além da mentira para armar o poder que a Constituição atribui ao povo de única fonte de legitimação do processo republicano. É o único remédio que cura o estado de falsificação e descrédito geral de todas essas nossas instituições e “instâncias de representação” que se autoatribuíram um “direito legal” à autonomia em relação aos seus representados e põe as coisas andando na direção e na velocidade certas.

O que nos cansa a beleza a todos é que o caso do Brasil é absolutamente translúcido. Trata-se da opressão e da exploração vil de uma nação inteira por uma antielite numericamente insignificante que vive do expediente de controlar as ferramentas de amplificação de som do País para soterrar todo e qualquer argumento racional que se aplique para descrevê-la como o que é com a repetição à exaustão do mantra de que as vítimas é que são os culpados e os culpados, as vítimas. E quando até isso falha, jogar no fogueira mais um culpado – que todos são, basta escolher – para dissolver em emocionados “contras” e “a favores” qualquer esperança de dar tratamento às causas de que essas culpas individuais são mera consequência.

Cinco Estados brasileiros, o Rio de Janeiro acima e à frente de todos clamando aos céus onde é que tudo isso vai parar, já têm mais funcionários aposentados que funcionários ativos em numero de “cabeças”. Outros nove estão empatados: têm tantos aposentados quanto ativos. E todos os outros, sem exceção, estão presos na espiral geométrica dos aumentos dos proventos “deles” à custa da redução dos nossos que condenam à míngua acelerada serviços essenciais como os de educação, saúde e segurança pública dos quais dependem não só o futuro imediato de cada um de nós individualmente como também a sobrevivência da nossa quase democracia.

O governo federal sozinho tem um rombo projetado de 250 bilhões por ano. Somados os Estados, em cálculos hipotéticos, porque a realidade muda em velocidade maior que o tempo que leva para se levantarem os dados da conta inteira, o rombo vai a mais de 400 bilhões. Mas apenas uma das “pautas-bomba” armadas no Congresso poderia levar essa cifra para 660 bilhões até 2020, isto é, 55% a mais em um ano e meio. E, no entanto, tudo isso se dá às vésperas de uma eleição presidencial onde todos os lados evitam sequer mencionar esse probleminha “impopular” para quem tem, como todos eles têm, os ouvidos colados em Brasília, a pátria da privilegiatura, ou incuravelmente entupidos pelo lodo da censura instalada na academia e em parte da mídia.

Não é à toa que o “involucionário” José Dirceu, mais um dos condenados por corrupção em liberdade condicional com “claque” da tragicomédia nacional, incitava a esquerda roubona pela internet, esta semana, a “não deixar o governo funcionar” (este que propôs e quase conseguiu fazer as reformas de que foi demovido a socos e pontapés ou qualquer outro menos os dela). Está pra lá de claro que a situação presente do Estado brasileiro é insustentável e basta não agir para que caiamos numa ditadura armada, a única forma de manter de pé a equação venezuelana que se vai configurando nos nossos rios de janeiros. O difícil é saber para onde fugiremos todos, nós e os fugitivos da Venezuela, se “o sonho” de fato recomeçar.

* FERNÃO LARA MESQUITA É JORNALISTA, ESCREVE EM WWW.VESPEIRO.COM

Por que o Brasil ficou para trás - ROBERTO MACEDO

ESTADÃO - 19/04

Há, sem solução, um imenso imbróglio social, político, econômico e institucional


No último dia 3 fui a um seminário sobre esse tema, na Fundação FHC. O Brasil é o da sua economia. As apresentações iniciais foram dos economistas Samuel Pessoa e Edmar Bacha.

Pessoa recorreu ao livro de Marcos Mendes Por que o Brasil Cresce Pouco (Elsevier, 2014). Depois desse ano, as fortes quedas do produto interno bruto (PIB) em 2015 e 2016 agravaram o status da economia. E há muito tempo ela vai mal. Com dados cobrindo o período 1901-2016, já mostrei aqui que, nas oito décadas entre 1900 e 1979, a taxa média anual de crescimento do PIB nas quatro primeiras foi de 4,6% e a das quatro seguintes, de 6,8%. O Brasil era então uma das economias que mais cresciam no mundo. Desde 1980 a tendência se inverteu radicalmente. As taxas médias anuais de cada década foram: 1980, 3%; 1990, 1,6%; 2000, 3,4%; e 2010, 1,4% – claramente distantes das anteriores e das necessidades do País.

Desde 2015 só se fala aqui da recessão que levou o PIB a um buraco do qual só começou a sair em 2017, mas ainda sem voltar à superfície. E há essa estagnação pós-1980 e de longo prazo, com a qual o Brasil parece acomodado. Em economês, estagnação é quando o PIB de um país não cresce à altura de seu potencial. O Brasil está nessa situação e todo atrapalhado. Daí a importância de um seminário como o citado. Como disse Euclides da Cunha, “não é o tempo que nos falta – é a serenidade para pensar noutra coisa além do alarmante assunto de nossos dias”.

Como causas mais imediatas ou evidentes da estagnação, Pessoa apontou estas: alto e sempre crescente gasto público; elevada carga tributária; baixa poupança agregada; legislação trabalhista complexa e de alto custo; regulação econômica deficiente, com agências reguladoras frágeis; infraestrutura ruim; economia fechada ao comércio internacional; Judiciário caro, lento e imprevisível; baixo nível educacional; e empresas muito pequenas, informais e ineficientes.

Como causa mais profunda, um desarranjo social, político, econômico e institucional marcado pela profunda desigualdade que caracteriza a sociedade, com diferentes dotações de capital humano, renda e riqueza, e com muitos grupos que pressionam o governo por políticas inconsistentes com um crescimento econômico mais forte e sustentável. Para se sustentar politicamente o governo expande gastos, subsídios, regulações econômicas e outras iniciativas de um “modelo de redistribuição para todos”. Com esse desmesurado atendimento, o crescimento econômico fica prejudicado.

Na última terça-feira este jornal trouxe notícia que bem ilustra o desatino. Reportagem sobre a ideia de privatizar a Eletrobrás listou 14 estatais do setor elétrico, 13 delas com presidentes indicados por parlamentares federais, o que vem dificultando a aprovação da ideia pelo Congresso. No texto, Adriano Pires, especialista nesse setor, afirmou que, no fundo, essas empresas já estão há muito tempo privatizadas por políticos e sindicatos.

Edmar Bacha, com dados do período 1950-2014, concluiu que o “colapso da acumulação de capital se associa à queda da relação produto-capital e ao aumento do preço relativo do investimento. A poupança não variou”. E que o aumento desse preço se relaciona com as elevadas taxas de juros do País e sua insistência em substituir importações mais baratas pela produção local mais cara, também com reflexo negativo sobre a produtividade do capital.

Pregou maior abertura da economia e citou estudo do Banco Mundial voltado para 12 países que mostraram crescimento rápido e sustentado. Eles seguiram uma combinação de plena exploração da economia mundial, estabilidade macroeconômica, altas taxas de poupança e investimento e alocação de recursos pelos mercados. E tiveram governos críveis, capazes e comprometidos com esse caminho.

De minha parte, venho enfatizando a visão de que Brasil poupa muito pouco e também investe muito pouco na expansão da sua capacidade produtiva. Nesse contexto, o grande desajuste está no tamanho e na ineficiência do Estado, que ampliou fortemente a carga tributária e, mais recentemente, também o seu endividamento. Com isso retira mais recursos das famílias e das empresas – que dos seus ganhos investem proporcionalmente muito mais que ele – e, assim, reduz os investimentos como um todo.

A propósito, ontem o jornal Valor mostrou claramente esse desastroso impasse, que se agravou desde 2014, conforme dados desde 2000, apresentados pelo economista Carlos Rocca, da Fipe. Olhando os números de 2017, a poupança das famílias e empresas foi de 21,8% do PIB, mas o setor público, com seus altos déficits e maior endividamento a juros altos, mostrou despoupança ou poupança negativa de -7% do PIB, além de investir muito pouco. Com isso a poupança total caiu para 14,8% do PIB. Note-se que em 2012 a poupança do setor público foi positiva e alcançou 0,6% do PIB. A manchete da matéria, sobre 2017, também causa perplexidade: 72% do dinheiro captado pelos bancos financia o setor público. Quanto a investimentos públicos, incluídos os de estatais, estudo de Rodrigo Orair, do Ipea (n.º 2.215, 2016), mostrou que alcançaram cerca de 8,5% do PIB em torno de 1977 e caíram para perto de 3,5% em 2015. Creio que caíram mais desde então.

As visões acima se complementam ao mostrar aspectos de um imenso imbróglio social, político, econômico e institucional. Quem se dispõe a resolvê-lo e com quais propostas?

Até aqui o noticiário sobre a próxima eleição presidencial focou em candidatos já escalados e outros que buscam escalação. E é também tomado por pesquisas eleitorais que incluem até um candidato já expulso de campo. Quando é que a atenção se voltará para os protagonistas de fato e os currículos que têm para enfrentar todos esses desafios? E quais suas propostas para essa empreitada?

* ROBERTO MACEDO É ECONOMISTA (UFMG, USP E HARVARD), CONSULTOR ECONÔMICO E DE ENSINO SUPERIOR

Novo nome, mesmo regime - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 19/04

A ascensão de Díaz-Canel não representa em absoluto o fim do poder de um Castro em Cuba


Enquanto o mundo mudava vertiginosamente nas últimas seis décadas e muitas nações não só assistiram à ascensão e queda de seus líderes, como também ao esfacelamento de suas próprias formas de governo, o nome Castro – e tudo que ele representa – foi uma constante para os cubanos e para os desdobramentos dos arranjos geopolíticos.

Raúl Castro, general do Exército de Cuba, sucedeu ao irmão, Fidel, no comando da ilha do Caribe em 2006. Em 11 anos, implementou um lento plano de abertura econômica. Hoje um cubano tem menos restrições para viajar ao exterior, pode abrir o próprio negócio e acessar a internet, ainda que o conteúdo que pode ser visto passe pelo crivo estatal.

O ápice da agenda de mudanças em Cuba sob a gestão de Raúl Castro foi o restabelecimento das relações diplomáticas com os Estados Unidos, em 2015. No ano seguinte, o presidente cubano recebeu o então presidente americano, Barack Obama, no Palácio da Revolução.

Aos 86 anos, o presidente Raúl Castro renunciou ao cargo. Hoje, os membros da Assembleia Nacional de Cuba referendam o nome do substituto escolhido por ele: Miguel Díaz-Canel, 57 anos, primeiro-vice-presidente de Cuba.

A ascensão de Díaz-Canel não representa em absoluto o fim do poder de um Castro em Cuba. Raúl permanece como chefe supremo do Partido Comunista, o que significa que as diretrizes estratégicas da política, da economia e dos costumes na ilha caribenha continuarão a ser dadas por ele. Também comandará as Forças Armadas. A Miguel Díaz-Canel caberá apenas dar prosseguimento às políticas já definidas por seu antecessor.

Nascido em 20 de abril de 1960, Miguel Díaz-Canel não era vivo quando Fidel Castro, seu irmão Raúl e um grupo de revolucionários desceram a Sierra Maestra a caminho de Santiago de Cuba e, sete dias após a queda do presidente Fulgencio Batista, no dia 1.º de janeiro de 1959, entraram em Havana marcando o triunfo da Revolução Cubana. Miguel Díaz-Canel é o primeiro líder da geração pós-revolucionária a chegar ao poder em Cuba.

Não é razoável imaginar que a mera troca do presidente vá alterar, por si só, os rumos da política cubana, tanto interna como externamente. Miguel Díaz-Canel é um burocrata do Partido Comunista sem uma grande base política de apoio ou “credenciais revolucionárias”, de acordo com analistas. Tem um histórico mais liberal em relação a costumes, mas não há nada em sua trajetória política que permita inferir que, sob seu governo, Cuba passará por transformações mais radicais em seu processo de abertura.

Mais segura é a aposta na manutenção da agenda de Raúl Castro, que até mesmo por suas condições físicas, em virtude da idade avançada, vê na ascensão de um líder jovem não apenas o vigor para levar adiante suas ideias, mas uma oportunidade de arejar o regime cubano sem ter de mudá-lo em seus aspectos centrais. “Trata-se de institucionalizar o regime”, disse Jorge Domínguez, professor de ciência política e especialista em Cuba da Universidade Harvard.

A percepção dos analistas é a mesma de uma boa parcela da sociedade cubana ouvida por órgãos de imprensa. “Ter um novo presidente é uma novidade para nós, mas sentimos que tudo ficará do mesmo jeito”, disse Margarita Álvarez, pequena comerciante do setor de turismo.

Não se deve perder de vista que as mudanças promovidas por Raúl Castro, e que devem ser mantidas por seu sucessor, não ofuscam o fato de Cuba ser uma triste exceção ditatorial na América Latina, ao lado dos regimes bolivarianos pouco afeitos à liberdade.

Seria bom para os cubanos se Diáz-Canel tivesse força – e vontade – para dar um passo além de Raúl Castro e ampliar a extensão das reformas no sentido de permitir maior participação política dos cidadãos e mais liberdade no debate sobre os rumos do país, seja no seio da sociedade ou por meio de uma imprensa livre. Antes que isso aconteça, o camelo passará pelo buraco da agulha.

Lei para reforçar a segurança jurídica - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 19/04

Projeto já aprovado pelo Congresso aperfeiçoa o relacionamento do poder público com a sociedade, mas áreas do governo pressionam para seu veto integral


A Lei de Introdução às Normas do Direito, de 1942, tem nome hermético, parece uma divagação jurídica, mas está no centro de intensa discussão e de um forte jogo de pressões, devido à sua atualização por um projeto já aprovado e à espera de sanção presidencial.

Apesar da terminologia um tanto obscura, esta lei trata, em síntese, de como o poder público, nas suas decisões, se relaciona com o setor privado, ou a sociedade, em sentido mais amplo, sempre, claro, de acordo com a Constituição. Tem, então, uma alta relevância.

De nº 7.448, o projeto de lei do senador Antonio Anastasia (PSDB-MG) foi discutido pelos parlamentares no Senado, de 2015 a 2017, recebeu emendas, justificou audiências públicas, e, aprovado, transitou na Câmara de março de 2017 até agora, abril, chegando, enfim, à mesa de Michel Temer. O jogo de pressões está agora na antessala do gabinete presidencial.

Resistências não foram superadas. Os tribunais de contas acham que a nova regulamentação tolhe seus espaços, procuradores da Lava-Jato consideram que é mais uma operação para desmontá-la, e por aí segue.

O fato de ainda haver desentendimentos apesar de longa e intensa tramitação do projeto no Congresso tem uma explicação: porque o sentido da nova regulamentação é tolher o poder discricionário do agente público. O que é positivo.

Por óbvio, como tudo deságua no Poder Judiciário, caberá ao juiz, caso a caso, separar reclamações legítimas, contra órgãos de fiscalização, daquelas tentativas de corruptos de se livrar de qualquer condenação.

Deve-se convir que há muito a ser feito na defesa do cidadão e de empresas nos embates, de forças desproporcionais, que travam com o Estado. Isso ocorre, por exemplo, quando a Receita Federal muda normas e cobra o acréscimo de imposto de forma retroativa. Ou ao intimar o contribuinte próximo do esgotamento do prazo para recorrer.

Mesmo o servidor público é desprotegido em certas áreas de fiscalização: se a pessoa ou empresa multada recorrer contra o autor da punição, o servidor tem de se defender por conta própria. Este é um fator importante de lerdeza e até paralisia de alguns segmentos do Estado. A lei acaba com isso, numa grande ajuda para que o Ibama e outros órgãos possam funcionar sem travas. O Estado brasileiro, por suas dimensões, sufoca a sociedade. O debate é saudável, mas não se discute que a sociedade precisa ter melhores condições de defesa diante do Estado.

Cabe, ainda, lembrar que todo o enorme aparato burocrático brasileiro, nas esferas federal, estadual e municipal, não foi capaz de impedir o saque da Petrobras, evitar que a corrupção se infiltrasse no Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro e até mesmo no Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), na Receita Federal. Não é uma obra bem acabada.