REVISTA VEJA - edição nº 2578
As leis são feitas, tanto quanto se saiba, para melhorar a vida das pessoas. Que sentido poderia ter uma lei que piora a existência do cidadão? Nenhum, e por isso mesmo é francamente um espanto a quantidade de leis em vigor neste país que não melhoram coisa nenhuma e, ao mesmo tempo, conseguem piorar tudo. Um dos mais notáveis exemplos práticos dessa espécie de tara, tão presente no sistema legal e jurídico do Brasil, é o apaixonante debate atual sobre a “segunda instância” e o “trânsito em julgado”. Quase ninguém, mesmo gente que foi à escola, conseguiria dizer até outro dia que diabo quer dizer isso; dá para entender as palavras “segunda” e “trânsito”, mas daí pouca gente passa. No entanto, tanto uma como outra coisa são o centro da questão mais decisiva da vida política do Brasil de hoje. Trata-se, muito simplesmente, de saber quantas vezes o sujeito precisa ser condenado na Justiça para pagar pelo crime que cometeu. Duas vezes parece de ótimo tamanho, na cabeça de qualquer pessoa sensata e no entendimento de todos os países livres, civilizados e bem-sucedidos do mundo. Se houve um erro na primeira sentença, dada por um juiz só, um segundo julgamento, feito por um conjunto de magistrados, pode corrigir a injustiça; se não corrigir é porque não houve nada de errado. Uma criança de 10 anos é capaz de entender isso. Mas as nossas altíssimas autoridades, aí, conseguiram transformar um clássico “não problema” num tumulto que tem infernizado como poucos a estabilidade política do país — e enchido a paciência de muitos, ou quase todos os habitantes do território nacional.
Os artigos, parágrafos, incisos, alíneas e sabe lá Deus quanto entulho legal os doutores, políticos e magnatas deste país invocaram para pôr em discussão se a Terra é redonda ou é plana mostram bem a extraordinária dificuldade, para os que mandam no Brasil, de aceitar o princípio pelo qual uma lei só fica de pé se fizer nexo — e só faz nexo se vem para tornar mais segura, mais cômoda ou mais compreensível a vida do cidadão comum. Não faz o menor nexo sustentar que o bem-estar das pessoas melhora, ou que elas ficam mais protegidas, se for proibido colocar um criminoso na cadeia quando ele é condenado duas vezes em seguida; é incompreensível que a punição para um crime só deva acontecer quando o autor perder na “última instância”, que ninguém sabe direito qual é. Eis aí o raio do “trânsito em julgado” — o momento em que não há mais o que inventar em matéria de trapaça legal para manter o malfeitor fora do xadrez. É algo tão raro quanto a passagem dos cometas. O deputado Paulo Maluf começou o seu corpo a corpo com a Justiça Penal em 1970; só foi para a penitenciária 47 anos depois, em dezembro do ano passado, já aos 86 anos de idade. O ex-governador de Minas Gerais Eduardo Azeredo está sendo processado há onze anos e até agora não viu o lado de dentro de uma cela.
O veto à prisão “na segunda instância” é ameaça ao brasileiro que cumpre a lei
Vamos falar sério dois minutos: alguém é capaz de achar que os direitos civis do cidadão brasileiro estão sendo protegidos por um negócio desses? Quem ganha com isso a não ser criminosos tamanho GGGG-plus, que têm poder e dinheiro para pagar sua defesa durante anos a fio, e os escritórios de advocacia que sonham com processos que lhes rendam honorários pelo resto da vida? Não há absolutamente nenhum interesse coletivo beneficiado por esse tipo de entendimento da lei. O que acontece é justamente o contrário: o veto à prisão “na segunda instância” é uma ameaça ao brasileiro que cumpre a lei. Não é um “direito”, como dizem advogados e demais sábios da ciência jurídica — o direito, respeitado em todas as democracias, à “presunção de inocência”.
Inocência como, se o indivíduo já foi condenado duas vezes? Teve todo o direito de se defender, sobretudo se conta com milhões. O acusador teve de apresentar provas, e o juiz teve de considerar que as provas eram baseadas em fatos. O que há na vida real, isso sim, é uma violação do direito que as pessoas têm de contar com punição para os criminosos que as agrediram — por exemplo, roubando o dinheiro que pagam em impostos, ou o patrimônio que possuem legalmente nas empresas estatais.
Os “garantistas”, que defendem em latim essas aberrações, garantem apenas a impunidade. Utilizam dúvidas que existem na Constituição e que podem ser mal interpretadas — só foram colocadas ali, aliás, com o exato propósito de ser mal interpretadas. Constroem, esses heróis da liberdade, um monumento às leis que foram escritas para fazer mal ao Brasil e aos brasileiros.
domingo, abril 15, 2018
Democracia e instituições no Brasil - MURILLO DE ARAGÃO
O Estado de S.Paulo - 15/04
Pari passu com o processo de democratização no Brasil temos um processo de institucionalização que corre lentamente, com idas e vindas. A democratização sempre conta com o apoio da mídia e da academia, o que não acontece com a institucionalização. E esse descompasso no tratamento dessas duas questões não tem sido percebido de forma adequada.
A democratização sempre foi vista como um objetivo inexorável e erga omnes a ser atingido pelo País. Já a institucionalização, nem tanto. Qual a razão? Devemos olhar para o nosso passado, tempo em que as relações pessoais eram sempre mais importantes que as relações institucionais.
Mas, ao largo do interesse pontual de se relacionar com os Poderes por meio de conexões pessoais, a fragilidade das instituições no País decorre também da visão esquerdista, uma espécie de software residente da academia e de setores da imprensa para interpretar o Brasil.
O processo de “desinstitucionalizar” o Brasil se dá pelo enfraquecimento das instituições, por sua desmoralização e, também, pelo aplauso ao conflito institucional. Por exemplo, a criação de matérias acadêmicas sobre o “golpe” contra Dilma mostra o viés “desinstitucionalizante” de setores da academia.
Poderiam estudar, por exemplo, a desistitucionalização no governo Dilma, em que ministros eram bypassados por secretários e a hierarquia e o federalismo, repetidamente desvalorizados.
Para os esquerdistas mais obtusos, as instituições estão a serviço das classes dominantes. E quando não estão a serviço do seu projeto de poder (das esquerdas), devem ser fragilizadas. Pois, fortalecidas, favorecem o establishment.
Fazendo um exercício básico: a intervenção federal na Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro é uma expressão do governo; o governo é inimigo das esquerdas por ter “derrubado a presidente Dilma Rousseff”; portanto, a intervenção deve ser fragilizada.
O fato de a imensa maioria da imprensa e da academia acreditar que os políticos são corruptos e a política é corrompida favorece a tese de que nada que venha do mundo político pode ser considerado legítimo. Mesmo que tenha amplo apoio popular.
Por isso qualquer iniciativa que fortaleça o establishment não interessa. Pois trabalha contra duas teses em voga: a total – e utópica – renovação da política e a volta do mundo esquerdista ao poder.
A desmoralização das instituições é amplificada por um vício de destacar o veneno e não a cura. Não cultivamos a reflexão a ponto de destacar que o governo e as instituições não são necessariamente e o tempo todo “do mal”. O que reflete um grave desconhecimento da sociedade sobre a necessidade da política.
Para tristeza dos marxistas, as teorias são frequentemente desmoralizadas neste recanto tropical. As instituições no Brasil não estão a serviço dos poderosos nem das classes dominantes.
As instituições, numa sociedade fraca como a nossa, estão a serviço dos próprios interesses daqueles que as controlam. E como o Estado é mais poderoso do que a sociedade, as classes dominantes são as corporações de burocratas. Cuja narrativa de fortalecimento do Estado visa, acima de tudo, fortalecer o domínio dessas corporações sobre o Estado e, por conseguinte, sobre a sociedade.
Daí vivermos sob o jugo do corporativismo de auxílios-moradia, seguros odontológicos, férias e recessos prolongados, aposentadorias precoces, sistemas diferenciados de aposentadoria, auxílio-paletó, burocracia excessiva, precariedade de serviços públicos e sistema tributário caótico, entre outros desvios.
A desmoralização das instituições também ocorre quando, no afã de atender a pressões midiáticas, se tomam decisões “não institucionais”, vulnerando a lei, violando a Constituição, estimulados pelo ativismo judicial. No processo de desmoralização das instituições, consideram-se aceitáveis os excessos do ativismo judicial e as frequentes soluções pela via da judicialização.
O establishment político não é apenas vítima de uma perversa conspiração para enfraquecê-lo e daqueles que submetem as instituições aos interesses das corporações. O comportamento dos políticos e as regras da política também são claramente desinstitucionais ao não combaterem a supremacia do Estado sobre a sociedade e terem promovido relações espúrias do capitalismo tupiniquim com empresas estatais, por meio de doações e propinas. Entre muitos outros desvios.
No Brasil, a Presidência da República também é, por excelência, um elemento de desinstitucionalização, por acumular poderes que desequilibram o federalismo e a relação com os outros Poderes.
Da mesma forma, a excessiva autonomia do Ministério Público Federal é um elemento que, sob a justificativa do bem comum, enfraquece as instituições, ao fomentar decisões não apenas transversais, mas com verticalidades que desmontam a hierarquia dentro e entre os Poderes.
Em suma, vivemos um quadro de grande desordem institucional que não é conjuntural. Decorre, como vimos aqui de forma sintética, de vários fatores históricos e estruturais de nosso sistema político.
Porém, ao final de tudo, o que mais espanta é o fato de não existirem grandes questionamentos sobre o tema. Predominam visões que sancionam ou descredenciam os movimentos a partir de interesses, e não de princípios.
No entanto, a construção de uma democracia de verdade impõe instituições fortes que operem dentro de marcos constitucionais e legais claros. Devemos, o quanto antes, retomar o caminho do fortalecimento de nossas instituições.
* CONSULTOR, ADVOGADO E CIENTISTA POLÍTICO, DOUTOR EM SOCIOLOGIA (UNB), É PROFESSOR ADJUNTO DA COLUMBIA UNIVERSITY (NOVA YORK)
Pari passu com o processo de democratização no Brasil temos um processo de institucionalização que corre lentamente, com idas e vindas. A democratização sempre conta com o apoio da mídia e da academia, o que não acontece com a institucionalização. E esse descompasso no tratamento dessas duas questões não tem sido percebido de forma adequada.
A democratização sempre foi vista como um objetivo inexorável e erga omnes a ser atingido pelo País. Já a institucionalização, nem tanto. Qual a razão? Devemos olhar para o nosso passado, tempo em que as relações pessoais eram sempre mais importantes que as relações institucionais.
Mas, ao largo do interesse pontual de se relacionar com os Poderes por meio de conexões pessoais, a fragilidade das instituições no País decorre também da visão esquerdista, uma espécie de software residente da academia e de setores da imprensa para interpretar o Brasil.
O processo de “desinstitucionalizar” o Brasil se dá pelo enfraquecimento das instituições, por sua desmoralização e, também, pelo aplauso ao conflito institucional. Por exemplo, a criação de matérias acadêmicas sobre o “golpe” contra Dilma mostra o viés “desinstitucionalizante” de setores da academia.
Poderiam estudar, por exemplo, a desistitucionalização no governo Dilma, em que ministros eram bypassados por secretários e a hierarquia e o federalismo, repetidamente desvalorizados.
Para os esquerdistas mais obtusos, as instituições estão a serviço das classes dominantes. E quando não estão a serviço do seu projeto de poder (das esquerdas), devem ser fragilizadas. Pois, fortalecidas, favorecem o establishment.
Fazendo um exercício básico: a intervenção federal na Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro é uma expressão do governo; o governo é inimigo das esquerdas por ter “derrubado a presidente Dilma Rousseff”; portanto, a intervenção deve ser fragilizada.
O fato de a imensa maioria da imprensa e da academia acreditar que os políticos são corruptos e a política é corrompida favorece a tese de que nada que venha do mundo político pode ser considerado legítimo. Mesmo que tenha amplo apoio popular.
Por isso qualquer iniciativa que fortaleça o establishment não interessa. Pois trabalha contra duas teses em voga: a total – e utópica – renovação da política e a volta do mundo esquerdista ao poder.
A desmoralização das instituições é amplificada por um vício de destacar o veneno e não a cura. Não cultivamos a reflexão a ponto de destacar que o governo e as instituições não são necessariamente e o tempo todo “do mal”. O que reflete um grave desconhecimento da sociedade sobre a necessidade da política.
Para tristeza dos marxistas, as teorias são frequentemente desmoralizadas neste recanto tropical. As instituições no Brasil não estão a serviço dos poderosos nem das classes dominantes.
As instituições, numa sociedade fraca como a nossa, estão a serviço dos próprios interesses daqueles que as controlam. E como o Estado é mais poderoso do que a sociedade, as classes dominantes são as corporações de burocratas. Cuja narrativa de fortalecimento do Estado visa, acima de tudo, fortalecer o domínio dessas corporações sobre o Estado e, por conseguinte, sobre a sociedade.
Daí vivermos sob o jugo do corporativismo de auxílios-moradia, seguros odontológicos, férias e recessos prolongados, aposentadorias precoces, sistemas diferenciados de aposentadoria, auxílio-paletó, burocracia excessiva, precariedade de serviços públicos e sistema tributário caótico, entre outros desvios.
A desmoralização das instituições também ocorre quando, no afã de atender a pressões midiáticas, se tomam decisões “não institucionais”, vulnerando a lei, violando a Constituição, estimulados pelo ativismo judicial. No processo de desmoralização das instituições, consideram-se aceitáveis os excessos do ativismo judicial e as frequentes soluções pela via da judicialização.
O establishment político não é apenas vítima de uma perversa conspiração para enfraquecê-lo e daqueles que submetem as instituições aos interesses das corporações. O comportamento dos políticos e as regras da política também são claramente desinstitucionais ao não combaterem a supremacia do Estado sobre a sociedade e terem promovido relações espúrias do capitalismo tupiniquim com empresas estatais, por meio de doações e propinas. Entre muitos outros desvios.
No Brasil, a Presidência da República também é, por excelência, um elemento de desinstitucionalização, por acumular poderes que desequilibram o federalismo e a relação com os outros Poderes.
Da mesma forma, a excessiva autonomia do Ministério Público Federal é um elemento que, sob a justificativa do bem comum, enfraquece as instituições, ao fomentar decisões não apenas transversais, mas com verticalidades que desmontam a hierarquia dentro e entre os Poderes.
Em suma, vivemos um quadro de grande desordem institucional que não é conjuntural. Decorre, como vimos aqui de forma sintética, de vários fatores históricos e estruturais de nosso sistema político.
Porém, ao final de tudo, o que mais espanta é o fato de não existirem grandes questionamentos sobre o tema. Predominam visões que sancionam ou descredenciam os movimentos a partir de interesses, e não de princípios.
No entanto, a construção de uma democracia de verdade impõe instituições fortes que operem dentro de marcos constitucionais e legais claros. Devemos, o quanto antes, retomar o caminho do fortalecimento de nossas instituições.
* CONSULTOR, ADVOGADO E CIENTISTA POLÍTICO, DOUTOR EM SOCIOLOGIA (UNB), É PROFESSOR ADJUNTO DA COLUMBIA UNIVERSITY (NOVA YORK)
Nova lei de introdução às normas do direito - SAMUEL PESSÔA
FOLHA DE SP - 15/04
Novos artigos requerem que decisões de órgãos de controle sejam embasadas
Encontra-se para sanção presidencial o PL (projeto de lei) nº 7.448. O PL adiciona 11 artigos à lei que regulamenta a aplicação das leis, a chamada Lei de Introdução às Normas do Direito.
Os 11 artigos foram discutidos no Senado de junho de 2015 até março de 2017, tendo sido aprovados com diversas emendas após audiências públicas. O PL tramitou na Câmara de março de 2017 até abril de 2018.
Uma das características importantes da construção democrática brasileira foi o fortalecimento, com grande independência, dos órgãos de controle do Estado. Instituições como TCU (Tribunal de Contas da União) e Ministério Público Federal adquiriram forte protagonismo. Certamente a Operação Lava Jato não ocorreria sem essas instituições.
O Brasil tem muito a avançar na gestão e na avaliação das políticas públicas. A aplicação do mesmo rigor sobre os próprios órgãos de controle deve ser esperada.
Os novos artigos sobre nossa norma das normas requerem que as decisões dos órgãos de controle sejam adequadamente embasadas e justificadas. Alguns têm se manifestado contra a lei, argumentando que isso restringe a sua atuação. Em parte, é verdade. Ela restringe as ações sem fundamentação adequada.
Isso não afeta os bons controladores, mas realmente restringe as análises mal fundamentadas, para o bem do país.
A ideia da nova lei é que a forma de regular o controle não é cerceando-o, como seria o caso de uma lei de abuso de autoridade, nem criando instâncias superiores que fiscalizarão os órgãos de controle. Nesse último caso, cai-se no problema de regressão infinita: quem controla o controlador do controlador, e assim sucessivamente.
A ideia é aperfeiçoar o controle elevando sua responsabilidade e demandando avaliações de impacto, como, aliás, se espera de toda gestão pública responsável.
O artigo 20, por exemplo, estabelece que “não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão”. Bom senso puro. Mesmo princípios fundamentais básicos —a garantia da vida humana— não ocorrem no abstrato.
No fim de todas as rubricas do Orçamento público está a vida humana: falta dinheiro para estradas, aumentam os acidentes; falta dinheiro para saúde, aumentam as mortes por doenças passíveis de tratamento; a dívida pública cresce, aumentam os juros e com ele o custo de todo o investimento; etc.
Hoje, um gestor público que tem um ato seu questionado, seja na esfera administrativa, de controle, ou judicial, precisa arcar com sua própria defesa. Ninguém aceitaria posição no setor privado com o risco judicial experimentado pelos gestores públicos se não houvesse no contrato de trabalho garantia de que a empresa arcaria com os custos de defesa. Fiar-se em um parecer jurídico não resolve.
Desde que os juristas da administração passaram também a serem responsabilizados na pessoa física por seus pareceres, a tendência dos departamentos jurídicos da administração é afirmar que nada é permitido. O Estado nada faz. Os incentivos premiam a inação.
O artigo 28 dá segurança aos gestores e garante que o órgão no qual trabalha os ajudará em suas defesas. Nada mais justo.
Dificuldade em cumprir normas, regras de transição quando entendimentos são alterados pelos órgãos de controle ou pelo Judiciário e possibilidade de a administração provocar o Judiciário para pacificar entendimento de uma norma são previstos pelo novo diploma legal.
A lei moderniza o Estado brasileiro e eleva em muito a transparência do controle.
Novos artigos requerem que decisões de órgãos de controle sejam embasadas
Encontra-se para sanção presidencial o PL (projeto de lei) nº 7.448. O PL adiciona 11 artigos à lei que regulamenta a aplicação das leis, a chamada Lei de Introdução às Normas do Direito.
Os 11 artigos foram discutidos no Senado de junho de 2015 até março de 2017, tendo sido aprovados com diversas emendas após audiências públicas. O PL tramitou na Câmara de março de 2017 até abril de 2018.
Uma das características importantes da construção democrática brasileira foi o fortalecimento, com grande independência, dos órgãos de controle do Estado. Instituições como TCU (Tribunal de Contas da União) e Ministério Público Federal adquiriram forte protagonismo. Certamente a Operação Lava Jato não ocorreria sem essas instituições.
O Brasil tem muito a avançar na gestão e na avaliação das políticas públicas. A aplicação do mesmo rigor sobre os próprios órgãos de controle deve ser esperada.
Os novos artigos sobre nossa norma das normas requerem que as decisões dos órgãos de controle sejam adequadamente embasadas e justificadas. Alguns têm se manifestado contra a lei, argumentando que isso restringe a sua atuação. Em parte, é verdade. Ela restringe as ações sem fundamentação adequada.
Isso não afeta os bons controladores, mas realmente restringe as análises mal fundamentadas, para o bem do país.
A ideia da nova lei é que a forma de regular o controle não é cerceando-o, como seria o caso de uma lei de abuso de autoridade, nem criando instâncias superiores que fiscalizarão os órgãos de controle. Nesse último caso, cai-se no problema de regressão infinita: quem controla o controlador do controlador, e assim sucessivamente.
A ideia é aperfeiçoar o controle elevando sua responsabilidade e demandando avaliações de impacto, como, aliás, se espera de toda gestão pública responsável.
O artigo 20, por exemplo, estabelece que “não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão”. Bom senso puro. Mesmo princípios fundamentais básicos —a garantia da vida humana— não ocorrem no abstrato.
No fim de todas as rubricas do Orçamento público está a vida humana: falta dinheiro para estradas, aumentam os acidentes; falta dinheiro para saúde, aumentam as mortes por doenças passíveis de tratamento; a dívida pública cresce, aumentam os juros e com ele o custo de todo o investimento; etc.
Hoje, um gestor público que tem um ato seu questionado, seja na esfera administrativa, de controle, ou judicial, precisa arcar com sua própria defesa. Ninguém aceitaria posição no setor privado com o risco judicial experimentado pelos gestores públicos se não houvesse no contrato de trabalho garantia de que a empresa arcaria com os custos de defesa. Fiar-se em um parecer jurídico não resolve.
Desde que os juristas da administração passaram também a serem responsabilizados na pessoa física por seus pareceres, a tendência dos departamentos jurídicos da administração é afirmar que nada é permitido. O Estado nada faz. Os incentivos premiam a inação.
O artigo 28 dá segurança aos gestores e garante que o órgão no qual trabalha os ajudará em suas defesas. Nada mais justo.
Dificuldade em cumprir normas, regras de transição quando entendimentos são alterados pelos órgãos de controle ou pelo Judiciário e possibilidade de a administração provocar o Judiciário para pacificar entendimento de uma norma são previstos pelo novo diploma legal.
A lei moderniza o Estado brasileiro e eleva em muito a transparência do controle.
MEC: Sinais de vida inteligente - CLAUDIO DE MOURA CASTRO
REVISTA VEJA edição nº 2578
Aleluia! Agora se considera a experiência profissional dos professores
Os mais impacientes julgam que, se fosse fechado o MEC, as coisas iriam melhor. É difícil dizer. Mas é certo que ele está prejudicado na sua função principal: zelar pela educação do país. Isso porque nem tem escolas nem tem poderes diretos sobre os estados e municípios que as têm. Pode fazer alguma coisa, mas nem manda nem financia.
Nas suas funções de cuidar do ensino superior, criou um labirinto de exigências burocráticas. Estas nem sempre levam aos resultados esperados, além de complicar a vida de todos e ser um gentil convite para a pequena corrupção.
O Enade faz do Brasil o único país a medir o que aprenderam os alunos ao se diplomar. Sendo assim, para que escarafunchar tanto os processos, se a medida do produto é confiável? Mal comparando, o Guia Michelin avalia a gastronomia oferecida pelos restaurantes, ignorando a marca do fogão e os diplomas do chef de cuisine. Por que não fazer o mesmo?
Mas, o que é pior, o MEC julga todos os cursos pela quantidade de diplomas de mestrado e doutorado dos professores. Isso é ótimo na física. Mas e na educação física? De fato, por razões históricas, trata as áreas profissionais igualzinho às acadêmicas. Os professores das engenharias são avaliados pelos diplomas e pela quantidade de papers, e não pela sua excelência na profissão. Sendo assim, para melhorar as notas perante o MEC, vale a pena defenestrar professores com décadas de vivência no mundo real e contratar jovens doutores que jamais entraram em uma fábrica ou canteiro de obras. Nos cursos de administração, se nossos grandes executivos virassem professores, fariam baixar a nota do curso junto ao MEC, já que não têm Ph.D. E isso não é diferente nas demais áreas profissionais.
De quebra, pelas regras da dedicação exclusiva, os professores das universidades federais não podem ter experiência nas fábricas. Menos mau que, nesse particular, há amplo descumprimento!
Aleluia! Em uma portaria recente (Instrumento de Avaliação de Cursos de Graduação/Inep), o MEC começou a considerar também a experiência profissional dos professores — em paralelo aos diplomas. Faz mais de trinta anos que insisto nisso. Mas não acredito que a mudança tenha sido influenciada pelo meu patético espernear. Importa a retificação de um cacoete antigo.
Nesse mesmo documento, o MEC passa a reconhecer que livros e periódicos em formato digital são um item integrante e igualmente valioso de uma biblioteca universitária. Por muitos anos, ouviam-se casos de bibliotecas alugadas, apenas para a liturgia das visitas iniciais do MEC. Terminada a visita, um caminhão levava os livros — para o próximo curso a ser visitado. Vacinado contra essas malandragens, além de valorizar agora o acervo eletrônico, o MEC está às voltas com a nova e legítima preocupação de saber se a assinatura dos periódicos digitais tem uma duração aceitável ou vai evaporar-se no dia seguinte. Pela segunda vez, aleluia!
Uma reforma em profundidade no MEC é como o trabalho de Hércules de limpar as cavalariças de Áugias: missão para décadas. Mas, pouco a pouco, alguns reparos vão aparecendo, como os dois acima citados.
Aleluia! Agora se considera a experiência profissional dos professores
Os mais impacientes julgam que, se fosse fechado o MEC, as coisas iriam melhor. É difícil dizer. Mas é certo que ele está prejudicado na sua função principal: zelar pela educação do país. Isso porque nem tem escolas nem tem poderes diretos sobre os estados e municípios que as têm. Pode fazer alguma coisa, mas nem manda nem financia.
Nas suas funções de cuidar do ensino superior, criou um labirinto de exigências burocráticas. Estas nem sempre levam aos resultados esperados, além de complicar a vida de todos e ser um gentil convite para a pequena corrupção.
O Enade faz do Brasil o único país a medir o que aprenderam os alunos ao se diplomar. Sendo assim, para que escarafunchar tanto os processos, se a medida do produto é confiável? Mal comparando, o Guia Michelin avalia a gastronomia oferecida pelos restaurantes, ignorando a marca do fogão e os diplomas do chef de cuisine. Por que não fazer o mesmo?
Mas, o que é pior, o MEC julga todos os cursos pela quantidade de diplomas de mestrado e doutorado dos professores. Isso é ótimo na física. Mas e na educação física? De fato, por razões históricas, trata as áreas profissionais igualzinho às acadêmicas. Os professores das engenharias são avaliados pelos diplomas e pela quantidade de papers, e não pela sua excelência na profissão. Sendo assim, para melhorar as notas perante o MEC, vale a pena defenestrar professores com décadas de vivência no mundo real e contratar jovens doutores que jamais entraram em uma fábrica ou canteiro de obras. Nos cursos de administração, se nossos grandes executivos virassem professores, fariam baixar a nota do curso junto ao MEC, já que não têm Ph.D. E isso não é diferente nas demais áreas profissionais.
De quebra, pelas regras da dedicação exclusiva, os professores das universidades federais não podem ter experiência nas fábricas. Menos mau que, nesse particular, há amplo descumprimento!
Aleluia! Em uma portaria recente (Instrumento de Avaliação de Cursos de Graduação/Inep), o MEC começou a considerar também a experiência profissional dos professores — em paralelo aos diplomas. Faz mais de trinta anos que insisto nisso. Mas não acredito que a mudança tenha sido influenciada pelo meu patético espernear. Importa a retificação de um cacoete antigo.
Nesse mesmo documento, o MEC passa a reconhecer que livros e periódicos em formato digital são um item integrante e igualmente valioso de uma biblioteca universitária. Por muitos anos, ouviam-se casos de bibliotecas alugadas, apenas para a liturgia das visitas iniciais do MEC. Terminada a visita, um caminhão levava os livros — para o próximo curso a ser visitado. Vacinado contra essas malandragens, além de valorizar agora o acervo eletrônico, o MEC está às voltas com a nova e legítima preocupação de saber se a assinatura dos periódicos digitais tem uma duração aceitável ou vai evaporar-se no dia seguinte. Pela segunda vez, aleluia!
Uma reforma em profundidade no MEC é como o trabalho de Hércules de limpar as cavalariças de Áugias: missão para décadas. Mas, pouco a pouco, alguns reparos vão aparecendo, como os dois acima citados.
Buraco negro tributário - CELSO MING
ESTADÃO - 15/04
A OCDE estima que a digitalização da economia reduza entre US$ 100 bilhões e US$ 240 bilhões a arrecadação global
Na Tailândia, um turista alemão usa os serviços de uma rede social dos Estados Unidos para compartilhar fotos das férias. No Brasil, itens de beleza sul-coreanos podem ser adquiridos num site chinês de vendas online. E, na França, um apartamento é alugado num aplicativo por casal de australianos em lua de mel.
Atividades comerciais pela internet seguem ritmo avassalador. Movimentam no mundo cerca de US$ 3 trilhões anuais e carregam tanto oportunidades quanto novos problemas.
Alguns desses problemas são fonte de preocupação de quem está à frente das finanças das principais economias do planeta. Desde 2012, a pedido dos países-membros do G 20 (grupo dos 20 mais poderosos países do mundo), a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) acompanha os efeitos da grande expansão dos serviços acoplados à digitalização pelo seu efeito devastador sobre a arrecadação de tributos. É fator que também vem transferindo empresas e lucros para paraísos fiscais e países com baixa carga tributária. A estimativa é de que esse fator reduza entre US$ 100 bilhões e US$ 240 bilhões a arrecadação global.
A versão mais recente do levantamento da OCDE deixa claro que o mundo em que os sistemas tributários ainda vigentes foram concebidos não existe mais e que é preciso encontrar novas formas de tributar as transações que já não obedecem mais às barreiras geográficas. Possíveis soluções, no entanto, só devem ser propostas em 2020, quando sairá o relatório final sobre o assunto.
De modo geral, as legislações fiscais em vigor têm por base três elementos de localização: a dos beneficiários, a dos fornecedores ou a de um bem imóvel. Mas esses elementos ficam difusos no ambiente digital, observa Rodrigo Brunelli, sócio do escritório Ulhoa Cantos Advogados e mestre em Direito Tributário Internacional pela Universidade de Leiden, Holanda. Exemplo: a Amazon, gigante de vendas online, mantém negócios em toda a Europa, mas sua sede regional está no pequeno Luxemburgo, onde as alíquotas são mais baixas do que nos países vizinhos.
Para enfrentar a fuga de receitas, a Comissão Europeia propôs que os países-membros tributem em 3% as receitas de empresas digitais que atuam em seus territórios, o que poderia gerar arrecadação de € 500 milhões por ano. As empresas a serem tributadas precisam ter receitas anuais globais de €750 milhões. Para ter ideia das proporções, somente em 2017, o Facebook registrou na Europa receitas da ordem de €32,5 bilhões.
A proposta é de que o imposto vigore apenas temporariamente até que seja encontrada a forma ideal de tributação. Ainda assim, a ideia traz mais problemas do que soluções. Além de ser abusivo, na medida em que tributaria receitas e não o lucro, ignora que a digitalização se estende a empresas tradicionais, nascidas no ambiente convencional, mas também atuantes no mundo virtual, como a Walmart. Como separar as coisas?
A preocupação não é só europeia. Pelo Twitter, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, tem mandado recados de que pretende apertar o cerco à Amazon, porque “paga pouco ou nenhum imposto” e provoca perdas ao correio nacional de US$ 1,50 a cada entrega.
Pesquisadora da Universidade de Oxford e professora da Universidade de Leeds, a especialista em tributação Rita de la Feria adverte que o problema vai bem além de Facebook, Spotify ou Alibaba. Atinge todo o sistema de arrecadação, nos âmbitos da renda, do trabalho e do consumo.
No âmbito do trabalho, as plataformas digitais, como Uber e Airbnb, se expandem e estimulam profissionais a migrarem para atividades “por conta própria”. A consultoria McKinsey reporta, por exemplo, que na Espanha os freelancers digitais são hoje 25% da força de trabalho. Ou seja, um quarto dos trabalhadores paga contribuição laboral baixa ou nula.
No caso do consumo, o problema é ainda maior, na medida em que essa é a principal fonte de receita de muitos países. Como tributar compras e vendas realizadas a partir de qualquer ponto cardeal, sem possibilidade de localização do vendedor, ou quando pago com criptomoedas, cujo movimento não identifica as partes?
Só haverá tributação quando realizada a importação? E quando o produto for um software: como definir onde o valor é gerado e como medi-lo para efeito de cálculo da base tributária?
A solução segue distante e esse buraco negro produz consequências: “Sem arrecadação, os serviços públicos e a estabilidade social ficam ameaçados”, avisa Rita de la Feria.
A OCDE estima que a digitalização da economia reduza entre US$ 100 bilhões e US$ 240 bilhões a arrecadação global
Na Tailândia, um turista alemão usa os serviços de uma rede social dos Estados Unidos para compartilhar fotos das férias. No Brasil, itens de beleza sul-coreanos podem ser adquiridos num site chinês de vendas online. E, na França, um apartamento é alugado num aplicativo por casal de australianos em lua de mel.
Atividades comerciais pela internet seguem ritmo avassalador. Movimentam no mundo cerca de US$ 3 trilhões anuais e carregam tanto oportunidades quanto novos problemas.
Alguns desses problemas são fonte de preocupação de quem está à frente das finanças das principais economias do planeta. Desde 2012, a pedido dos países-membros do G 20 (grupo dos 20 mais poderosos países do mundo), a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) acompanha os efeitos da grande expansão dos serviços acoplados à digitalização pelo seu efeito devastador sobre a arrecadação de tributos. É fator que também vem transferindo empresas e lucros para paraísos fiscais e países com baixa carga tributária. A estimativa é de que esse fator reduza entre US$ 100 bilhões e US$ 240 bilhões a arrecadação global.
A versão mais recente do levantamento da OCDE deixa claro que o mundo em que os sistemas tributários ainda vigentes foram concebidos não existe mais e que é preciso encontrar novas formas de tributar as transações que já não obedecem mais às barreiras geográficas. Possíveis soluções, no entanto, só devem ser propostas em 2020, quando sairá o relatório final sobre o assunto.
De modo geral, as legislações fiscais em vigor têm por base três elementos de localização: a dos beneficiários, a dos fornecedores ou a de um bem imóvel. Mas esses elementos ficam difusos no ambiente digital, observa Rodrigo Brunelli, sócio do escritório Ulhoa Cantos Advogados e mestre em Direito Tributário Internacional pela Universidade de Leiden, Holanda. Exemplo: a Amazon, gigante de vendas online, mantém negócios em toda a Europa, mas sua sede regional está no pequeno Luxemburgo, onde as alíquotas são mais baixas do que nos países vizinhos.
Para enfrentar a fuga de receitas, a Comissão Europeia propôs que os países-membros tributem em 3% as receitas de empresas digitais que atuam em seus territórios, o que poderia gerar arrecadação de € 500 milhões por ano. As empresas a serem tributadas precisam ter receitas anuais globais de €750 milhões. Para ter ideia das proporções, somente em 2017, o Facebook registrou na Europa receitas da ordem de €32,5 bilhões.
A proposta é de que o imposto vigore apenas temporariamente até que seja encontrada a forma ideal de tributação. Ainda assim, a ideia traz mais problemas do que soluções. Além de ser abusivo, na medida em que tributaria receitas e não o lucro, ignora que a digitalização se estende a empresas tradicionais, nascidas no ambiente convencional, mas também atuantes no mundo virtual, como a Walmart. Como separar as coisas?
A preocupação não é só europeia. Pelo Twitter, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, tem mandado recados de que pretende apertar o cerco à Amazon, porque “paga pouco ou nenhum imposto” e provoca perdas ao correio nacional de US$ 1,50 a cada entrega.
Pesquisadora da Universidade de Oxford e professora da Universidade de Leeds, a especialista em tributação Rita de la Feria adverte que o problema vai bem além de Facebook, Spotify ou Alibaba. Atinge todo o sistema de arrecadação, nos âmbitos da renda, do trabalho e do consumo.
No âmbito do trabalho, as plataformas digitais, como Uber e Airbnb, se expandem e estimulam profissionais a migrarem para atividades “por conta própria”. A consultoria McKinsey reporta, por exemplo, que na Espanha os freelancers digitais são hoje 25% da força de trabalho. Ou seja, um quarto dos trabalhadores paga contribuição laboral baixa ou nula.
No caso do consumo, o problema é ainda maior, na medida em que essa é a principal fonte de receita de muitos países. Como tributar compras e vendas realizadas a partir de qualquer ponto cardeal, sem possibilidade de localização do vendedor, ou quando pago com criptomoedas, cujo movimento não identifica as partes?
Só haverá tributação quando realizada a importação? E quando o produto for um software: como definir onde o valor é gerado e como medi-lo para efeito de cálculo da base tributária?
A solução segue distante e esse buraco negro produz consequências: “Sem arrecadação, os serviços públicos e a estabilidade social ficam ameaçados”, avisa Rita de la Feria.
Refugiados cubanos chegam por Roraima - MARCELO GODOY e FELIPE RESK
ESTADÃO - 15/04
Imigração. Eles são homens jovens que fogem da miséria e da opressão do regime comunista e formam nos últimos dois anos o segundo maior grupo de estrangeiros a pedir refúgio no País, atrás só dos venezuelanos; rota passa pela Guiana e por Boa Vista (RR)
Javier Ramirez Vakdez chegou no dia 19 de dezembro a Bonfim, em Roraima, depois de cruzar em Lethem, na Guiana, a fronteira brasileira. Deixou em Cuba dois filhos, três irmãos e sua mãe para buscar trabalho, dinheiro e a liberdade que lhe faltava na ilha caribenha. “Cuba está em uma situação muito difícil, o salário mínimo é insignificante e o que se paga não dá para viver”, contou o motorista de ambulância.
A história de Vakdez resume a de outros 3.743 cubanos que entraram no País nos últimos dois anos e pediram oficialmente refúgio. Eles formam o segundo maior contingente de estrangeiros registrados no período pelo Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), do Ministério das Relações Exteriores, atrás somente dos venezuelanos, superando haitianos e angolanos.
Comparando os dados do ano passado com 2015, o número de cubanos que pediu ao Conare o reconhecimento do status de refugiado aumentou 352%. O fluxo de cubanos para o País começou em 2015. Antes, de 40 a 145 cubanos batiam na porta do conselho por ano.
“Eles estão chegando quase toda semana”, afirma Eliana Vitaliano, coordenadora do Centro da Pastoral do Migrante da Igreja, em Cuiabá (MT). Na vizinha Várzea Grande, os cubanos montaram uma pequena colônia e se dedicam ao comércio de roupas. Vakdez está no abrigo da pastoral há 20 dias. Ainda não conseguiu emprego, mas já tem carteira de trabalho. Preferiu ficar em Cuiabá a ir para São Paulo por acreditar que a capital mato-grossense era um lugar mais pacato.
Anteontem, ele ganhou a companhia de mais dois cubanos recém-chegados. “A principal razão para chegada deles é a crise econômica na ilha”, contou Eliana. Cuiabá fica no meio do caminho dos cubanos que buscam as Regiões Sul e Sudeste para se estabelecer. Organizações ligadas ao acolhimento de imigrantes registraram nos últimos dois anos a presença de cubanos em Minas, São Paulo e no Rio Grande do Sul.
Passagem. No começo, eles usavam o Brasil como passagem para outros países, como Estados Unidos, Uruguai e Chile. “Foi aí que alguns começaram a se fixar, pois perceberam que no Brasil há mais liberdade e o País lhes concede a proteção do status de refugiado”, afirmou Karin Wapechowski, coordenadora do Programa de Reassentamento Solidário de Refugiados da Associação Antonio Vieira, em Porto Alegre.
Para entrar no Brasil, os cubanos se valem de coiotes. A rota inicial é a Guiana porque a antiga colônia inglesa é um dos únicos países do mundo que não exige visto de entrada dos cubanos. Eles saem da ilha de avião – a passagem aérea custa cerca de US$ 900 (R$ 3.080) –, desembarcam em Georgetown e de lá vão por terra até a fronteira brasileira. Os coiotes os auxiliam na travessia. “É muito mais barato vir para o Brasil. Para os EUA (atravessando a fronteira mexicana), os coiotes cobram até US$ 10 mil (R$ 34,2 mil) por pessoa”, disse Vakdez.
O trajeto por terra segue pela BR-401 até Boa Vista. De lá, a viagem para o sul do País pode ser feita por terra ou por avião. Letícia Carvalho, que trabalha na Missão Paz, da Igreja, no bairro do Glicério, no centro de São Paulo, foi à Roraima para tratar dos venezuelanos no começo do ano e acabou encontrando um grupo de cubanos que embarcava no aeroporto da capital Boa Vista para Brasília.
“Eram dez pessoas. Eles buscavam informações sobre como obter documentos. O destino final deles era Porto Alegre”, contou Letícia. E o fluxo registrado nos últimos dois anos continua neste ano.
Javier Ramirez Vakdez chegou no dia 19 de dezembro a Bonfim, em Roraima, depois de cruzar em Lethem, na Guiana, a fronteira brasileira. Deixou em Cuba dois filhos, três irmãos e sua mãe para buscar trabalho, dinheiro e a liberdade que lhe faltava na ilha caribenha. “Cuba está em uma situação muito difícil, o salário mínimo é insignificante e o que se paga não dá para viver”, contou o motorista de ambulância.
A história de Vakdez resume a de outros 3.743 cubanos que entraram no País nos últimos dois anos e pediram oficialmente refúgio. Eles formam o segundo maior contingente de estrangeiros registrados no período pelo Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), do Ministério das Relações Exteriores, atrás somente dos venezuelanos, superando haitianos e angolanos.
Comparando os dados do ano passado com 2015, o número de cubanos que pediu ao Conare o reconhecimento do status de refugiado aumentou 352%. O fluxo de cubanos para o País começou em 2015. Antes, de 40 a 145 cubanos batiam na porta do conselho por ano.
“Eles estão chegando quase toda semana”, afirma Eliana Vitaliano, coordenadora do Centro da Pastoral do Migrante da Igreja, em Cuiabá (MT). Na vizinha Várzea Grande, os cubanos montaram uma pequena colônia e se dedicam ao comércio de roupas. Vakdez está no abrigo da pastoral há 20 dias. Ainda não conseguiu emprego, mas já tem carteira de trabalho. Preferiu ficar em Cuiabá a ir para São Paulo por acreditar que a capital mato-grossense era um lugar mais pacato.
Anteontem, ele ganhou a companhia de mais dois cubanos recém-chegados. “A principal razão para chegada deles é a crise econômica na ilha”, contou Eliana. Cuiabá fica no meio do caminho dos cubanos que buscam as Regiões Sul e Sudeste para se estabelecer. Organizações ligadas ao acolhimento de imigrantes registraram nos últimos dois anos a presença de cubanos em Minas, São Paulo e no Rio Grande do Sul.
Passagem. No começo, eles usavam o Brasil como passagem para outros países, como Estados Unidos, Uruguai e Chile. “Foi aí que alguns começaram a se fixar, pois perceberam que no Brasil há mais liberdade e o País lhes concede a proteção do status de refugiado”, afirmou Karin Wapechowski, coordenadora do Programa de Reassentamento Solidário de Refugiados da Associação Antonio Vieira, em Porto Alegre.
Para entrar no Brasil, os cubanos se valem de coiotes. A rota inicial é a Guiana porque a antiga colônia inglesa é um dos únicos países do mundo que não exige visto de entrada dos cubanos. Eles saem da ilha de avião – a passagem aérea custa cerca de US$ 900 (R$ 3.080) –, desembarcam em Georgetown e de lá vão por terra até a fronteira brasileira. Os coiotes os auxiliam na travessia. “É muito mais barato vir para o Brasil. Para os EUA (atravessando a fronteira mexicana), os coiotes cobram até US$ 10 mil (R$ 34,2 mil) por pessoa”, disse Vakdez.
O trajeto por terra segue pela BR-401 até Boa Vista. De lá, a viagem para o sul do País pode ser feita por terra ou por avião. Letícia Carvalho, que trabalha na Missão Paz, da Igreja, no bairro do Glicério, no centro de São Paulo, foi à Roraima para tratar dos venezuelanos no começo do ano e acabou encontrando um grupo de cubanos que embarcava no aeroporto da capital Boa Vista para Brasília.
“Eram dez pessoas. Eles buscavam informações sobre como obter documentos. O destino final deles era Porto Alegre”, contou Letícia. E o fluxo registrado nos últimos dois anos continua neste ano.
Sempre pode piorar - ELIANE CANTANHÊDE
ESTADÃO - 15/04
Quem quer que seja o presidente da República a partir de janeiro de 2019, ele vai ficar ainda mais nas mãos do balcão e do Centrão.
O que está ruim sempre pode piorar, e essa máxima se adapta à perfeição às eleições para o Congresso em outubro. Enquanto o número de presidenciáveis cresce vertiginosamente, o maior perigo ganha corpo em outra frente, a eleição de deputados e senadores, com o risco real de os Estados despejarem em Brasília os tipos mais estranhos – e mais gulosos das verbas e benesses públicas.
Sem financiamento privado oficial e com financiamento público restrito, os partidos maiores, PT, MDB e PSDB, tendem a investir o máximo nos seus candidatos ao Planalto, mas os do Centrão, como PP, PSD e PR, se concentram em fazer bancada no Congresso e ganham o reforço do DEM, o partido que mais cresce.
O que significa? Qualquer que seja o futuro presidente da República a partir de janeiro de 2019 vai ficar ainda mais nas mãos do Centrão, que já pinta, borda e cobra caro faz tempo e se tornou praticamente dono do Congresso após as duas denúncias da PGR de Rodrigo Janot contra o presidente Michel Temer.
Os recursos oficiais são curtos e, se os partidos maiores dão preferência aos seus candidatos a presidente e vice, vai sobrar pouco para os que disputam a Câmara e o Senado. Mas PP, PSD, PR e possivelmente o DEM não lançarão nomes ao Planalto e vão gastar tudo para ter votos no Congresso e força para ameaçar o governo e cobrar cada vez mais caro para aprovar uma emenda constitucional, uma medida provisória, um projeto de interesse do Planalto.
O presidente pode ser do PT ou Bolsonaro, Alckmin, Meirelles, Ciro, Marina, Álvaro Dias, Joaquim Barbosa, Aldo Rebelo, Amoêdo, Flávio Rocha, ou até mesmo os indecisos Rodrigo Maia, Manuela D’Ávila e Guilherme Boulos, com um pé fora da campanha, mas o resultado será um só: terá que negociar voto a voto com o Centrão.
Temer, que é Temer – presidiu a Câmara três vezes, passou a vida no Congresso e tem interlocução do PT ao PSDB – consome a maior parte do seu tempo e de sua energia política envolvido por chantagens. E um Bolsonaro, num lado da Praça dos Três Poderes, com o Centrão, no outro? Já imaginou?
Parlamentares experientes e conscientes estão preocupados. O desastre está se armando, e com um agravante: o novo governo vai assumir o rombo das contas públicas, que exige responsabilidade para anunciar e articular medidas não populares – ou populistas –, como reforma da Previdência e cortes de gastos, sem descartar o fantasma das crises fiscais: aumento de impostos.
Haverá intensa negociação para corrigir excessos e omissões, garantir direitos da maioria e limar privilégios da minoria, inclusive estatal. Os políticos e os técnicos terão de conversar, concordar, discordar, ora ganhar, ora perder, mas, a cada legislatura, a representação vai deteriorando e os métodos vão piorando. Daí o sucesso do “é dando que se recebe”, da farra de cargos e emendas parlamentares. Em vez de negociação, balcão de compra e venda.
Nesse ambiente, leva vantagem quem domina os métodos e não tem pruridos para tirar proveito deles. Quem, senão o Centrão, que tem vencido todas, já aumentou suas bancadas na “janela partidária” (de mudança de siglas) e vem aí com tudo em outubro? Para assombrar o novo governo e piorar ainda mais o que já está tão ruim.
Como dizia o deputado Ulysses Guimarães: “Qual o pior Congresso? Sempre será o próximo”. Da campanha de Tiririca: “Pior do que está não fica”. Ulysses acertou, Tiririca errou. Sempre pode piorar, e a gente nem falou aqui no financiamento de candidatos “por fora”, pelas igrejas e até organizações criminosas. A Lava Jato ainda vai ter muito trabalho.
Seja quem for o futuro presidente, vai ficar nas mãos do balcão e do Centrão
Guerra. Questão crucial na Síria: por que Assad usou, ou usaria, armas químicas contra seu próprio povo, logo agora que ele já tem o controle do país?
Quem quer que seja o presidente da República a partir de janeiro de 2019, ele vai ficar ainda mais nas mãos do balcão e do Centrão.
O que está ruim sempre pode piorar, e essa máxima se adapta à perfeição às eleições para o Congresso em outubro. Enquanto o número de presidenciáveis cresce vertiginosamente, o maior perigo ganha corpo em outra frente, a eleição de deputados e senadores, com o risco real de os Estados despejarem em Brasília os tipos mais estranhos – e mais gulosos das verbas e benesses públicas.
Sem financiamento privado oficial e com financiamento público restrito, os partidos maiores, PT, MDB e PSDB, tendem a investir o máximo nos seus candidatos ao Planalto, mas os do Centrão, como PP, PSD e PR, se concentram em fazer bancada no Congresso e ganham o reforço do DEM, o partido que mais cresce.
O que significa? Qualquer que seja o futuro presidente da República a partir de janeiro de 2019 vai ficar ainda mais nas mãos do Centrão, que já pinta, borda e cobra caro faz tempo e se tornou praticamente dono do Congresso após as duas denúncias da PGR de Rodrigo Janot contra o presidente Michel Temer.
Os recursos oficiais são curtos e, se os partidos maiores dão preferência aos seus candidatos a presidente e vice, vai sobrar pouco para os que disputam a Câmara e o Senado. Mas PP, PSD, PR e possivelmente o DEM não lançarão nomes ao Planalto e vão gastar tudo para ter votos no Congresso e força para ameaçar o governo e cobrar cada vez mais caro para aprovar uma emenda constitucional, uma medida provisória, um projeto de interesse do Planalto.
O presidente pode ser do PT ou Bolsonaro, Alckmin, Meirelles, Ciro, Marina, Álvaro Dias, Joaquim Barbosa, Aldo Rebelo, Amoêdo, Flávio Rocha, ou até mesmo os indecisos Rodrigo Maia, Manuela D’Ávila e Guilherme Boulos, com um pé fora da campanha, mas o resultado será um só: terá que negociar voto a voto com o Centrão.
Temer, que é Temer – presidiu a Câmara três vezes, passou a vida no Congresso e tem interlocução do PT ao PSDB – consome a maior parte do seu tempo e de sua energia política envolvido por chantagens. E um Bolsonaro, num lado da Praça dos Três Poderes, com o Centrão, no outro? Já imaginou?
Parlamentares experientes e conscientes estão preocupados. O desastre está se armando, e com um agravante: o novo governo vai assumir o rombo das contas públicas, que exige responsabilidade para anunciar e articular medidas não populares – ou populistas –, como reforma da Previdência e cortes de gastos, sem descartar o fantasma das crises fiscais: aumento de impostos.
Haverá intensa negociação para corrigir excessos e omissões, garantir direitos da maioria e limar privilégios da minoria, inclusive estatal. Os políticos e os técnicos terão de conversar, concordar, discordar, ora ganhar, ora perder, mas, a cada legislatura, a representação vai deteriorando e os métodos vão piorando. Daí o sucesso do “é dando que se recebe”, da farra de cargos e emendas parlamentares. Em vez de negociação, balcão de compra e venda.
Nesse ambiente, leva vantagem quem domina os métodos e não tem pruridos para tirar proveito deles. Quem, senão o Centrão, que tem vencido todas, já aumentou suas bancadas na “janela partidária” (de mudança de siglas) e vem aí com tudo em outubro? Para assombrar o novo governo e piorar ainda mais o que já está tão ruim.
Como dizia o deputado Ulysses Guimarães: “Qual o pior Congresso? Sempre será o próximo”. Da campanha de Tiririca: “Pior do que está não fica”. Ulysses acertou, Tiririca errou. Sempre pode piorar, e a gente nem falou aqui no financiamento de candidatos “por fora”, pelas igrejas e até organizações criminosas. A Lava Jato ainda vai ter muito trabalho.
Seja quem for o futuro presidente, vai ficar nas mãos do balcão e do Centrão
Guerra. Questão crucial na Síria: por que Assad usou, ou usaria, armas químicas contra seu próprio povo, logo agora que ele já tem o controle do país?
2018, uma eleição de nanicos - VINICIUS TORRES FREIRE
FOLHA DE SP - 15/04
Líderes tem poucos votos e alianças ainda estão indefinidas para o pleito
O que nos diz o Datafolha deste domingo (15) quando se lê a pesquisa eleitoral de baixo para cima? Sim, há interesse em saber a quantidade de votos que leva o conjunto dos nanicos e de votos que não vão para candidato nenhum.
Com a defenestração de Lula da Silva, esta é a corrida presidencial em que o líder da pesquisa tem a quantidade mais nanica de votos, menos do que na pulverizada disputa de 1989, com a qual esta eleição se parece. Como de resto a campanha não começou, na verdade nem se organizou, se pode dizer que a refrega ainda está muito aberta.
Considere-se a votação dos ora nanicos, aqueles que têm 2% ou menos na pesquisa, entre os quais candidatos que devem cair pelas tabelas até a metade do ano. Somados, os seus votos dão cerca de 11% (nos cenários em que Lula não aparece). Esse Leviatã feito de nanicos estaria em terceiro lugar, atrás de Jair Bolsonaro (PSL), que tem 17%, e de Marina Silva (Rede), 15%.
Os votos em branco ou em ninguém somam 23% do total. Quando não se apresenta uma lista de candidatos aos entrevistados, 46% dos eleitores dizem que não sabem em quem votar.
Os nanicos, votos brancos e nulos somam por ora 34% do total, portanto. Mudanças de humor nessa massa de eleitores podem provocar revertérios em uma corrida em que as diferenças de votação são mínimas.
O terceiro lugar é disputado pelo ex-ministro do Supremo Joaquim Barbosa (PSB) e Ciro Gomes (PDT), que marcam 9% dos votos, com Geraldo Alckmin (PSDB) na cola.
Ainda quanto ao eleitorado, há a incógnita do Nordeste e a dos mais pobres. Lula leva 50% dos votos no Nordeste (ante 23% no Sul-Sudeste). Quando o ex-presidente não aparece na disputa, a parcela de votos em branco ou nulos sobe de 14% para cerca de 33% no Nordeste; sobe de 14% para 27% entre os eleitores com renda familiar menor que dois salários mínimos (48% do total da amostra do Datafolha).
A eleição é mais que numeralha, porém, desculpe-se a obviedade ignorada por adeptos de corridas de cavalos. Haverá ainda uma campanha, que não envolve apenas tempo de TV, dinheiro e capacidade de difundir mentiras ou até programas de governo pelas redes insociáveis.
Uma campanha política depende também da definição de coalizões nacionais, aliados nos estados e grandes cabos eleitorais nas cidades, em geral prefeitos e deputados. Os pré-candidatos a presidente ainda não definiram quase nada a esse respeito, nem alianças sociais. Em suma, não se sabe bem com quais máquinas políticas os presidenciáveis poderão contar.
É claro que máquina por vezes não adianta de nada, como na eleição de 1989, prima distante da disputa de 2018.
Ulysses Guimarães (1916-92), senhor Diretas-Já, príncipe da Constituição de 1988 e da Nova República, candidato do PMDB, tinha o maior tempo de TV, o dobro do que dispunham os finalistas Fernando Collor e Lula. Seu partido tinha mais da metade dos deputados da Câmara. Chegou em sétimo lugar, entre 22 candidatos, com 4% dos votos, soterrado pelos destroços do governo ruinoso de José Sarney, que era o seu governo.
Isto posto, sem sabermos o que os candidatos dirão aos mais pobres, o que serão suas coalizões e com quais máquinas vão contar, fica difícil dar chutes informados sobre a eleição.
Líderes tem poucos votos e alianças ainda estão indefinidas para o pleito
O que nos diz o Datafolha deste domingo (15) quando se lê a pesquisa eleitoral de baixo para cima? Sim, há interesse em saber a quantidade de votos que leva o conjunto dos nanicos e de votos que não vão para candidato nenhum.
Com a defenestração de Lula da Silva, esta é a corrida presidencial em que o líder da pesquisa tem a quantidade mais nanica de votos, menos do que na pulverizada disputa de 1989, com a qual esta eleição se parece. Como de resto a campanha não começou, na verdade nem se organizou, se pode dizer que a refrega ainda está muito aberta.
Considere-se a votação dos ora nanicos, aqueles que têm 2% ou menos na pesquisa, entre os quais candidatos que devem cair pelas tabelas até a metade do ano. Somados, os seus votos dão cerca de 11% (nos cenários em que Lula não aparece). Esse Leviatã feito de nanicos estaria em terceiro lugar, atrás de Jair Bolsonaro (PSL), que tem 17%, e de Marina Silva (Rede), 15%.
Os votos em branco ou em ninguém somam 23% do total. Quando não se apresenta uma lista de candidatos aos entrevistados, 46% dos eleitores dizem que não sabem em quem votar.
Os nanicos, votos brancos e nulos somam por ora 34% do total, portanto. Mudanças de humor nessa massa de eleitores podem provocar revertérios em uma corrida em que as diferenças de votação são mínimas.
O terceiro lugar é disputado pelo ex-ministro do Supremo Joaquim Barbosa (PSB) e Ciro Gomes (PDT), que marcam 9% dos votos, com Geraldo Alckmin (PSDB) na cola.
Ainda quanto ao eleitorado, há a incógnita do Nordeste e a dos mais pobres. Lula leva 50% dos votos no Nordeste (ante 23% no Sul-Sudeste). Quando o ex-presidente não aparece na disputa, a parcela de votos em branco ou nulos sobe de 14% para cerca de 33% no Nordeste; sobe de 14% para 27% entre os eleitores com renda familiar menor que dois salários mínimos (48% do total da amostra do Datafolha).
A eleição é mais que numeralha, porém, desculpe-se a obviedade ignorada por adeptos de corridas de cavalos. Haverá ainda uma campanha, que não envolve apenas tempo de TV, dinheiro e capacidade de difundir mentiras ou até programas de governo pelas redes insociáveis.
Uma campanha política depende também da definição de coalizões nacionais, aliados nos estados e grandes cabos eleitorais nas cidades, em geral prefeitos e deputados. Os pré-candidatos a presidente ainda não definiram quase nada a esse respeito, nem alianças sociais. Em suma, não se sabe bem com quais máquinas políticas os presidenciáveis poderão contar.
É claro que máquina por vezes não adianta de nada, como na eleição de 1989, prima distante da disputa de 2018.
Ulysses Guimarães (1916-92), senhor Diretas-Já, príncipe da Constituição de 1988 e da Nova República, candidato do PMDB, tinha o maior tempo de TV, o dobro do que dispunham os finalistas Fernando Collor e Lula. Seu partido tinha mais da metade dos deputados da Câmara. Chegou em sétimo lugar, entre 22 candidatos, com 4% dos votos, soterrado pelos destroços do governo ruinoso de José Sarney, que era o seu governo.
Isto posto, sem sabermos o que os candidatos dirão aos mais pobres, o que serão suas coalizões e com quais máquinas vão contar, fica difícil dar chutes informados sobre a eleição.
O triângulo da esquerda - ANDRÉ LAHÓZ MENDONÇA DE BARROS
REVISTA VEJA edição nº 2578
Fidel, Chávez, Lula — e os corações e as mentes de um continentePor
“Até aqui cheguei. De agora em diante, Cuba segue seu caminho e eu fico onde estou. Cuba não ganhou nenhuma heroica batalha fuzilando esses três homens, mas sim perdeu minha confiança, fraudou minhas esperanças, destruiu minhas ilusões. Até aqui cheguei.” Foi com essa curta mensagem que o escritor português José Saramago, prêmio Nobel de Literatura de 1998, comunicou o seu rompimento com o governo Fidel Castro, pondo fim a décadas de apoio. Isso ocorreu em 2003, após a morte de três cubanos que haviam sequestrado uma lancha e tentado partir para os Estados Unidos. Acabaram presos e executados em apenas duas semanas: é assim o respeito ao processo legal nas ditaduras.
Por que um dia decidimos dar um basta é matéria para a psicologia, não para uma coluna de economia. As estimativas situam entre 4 000 e 17 000 o número de fuzilamentos pelo regime de Fidel. Em comparação com o tamanho da população, é a ditadura mais sanguinária de um continente pródigo em ditaduras. Só Saramago poderia explicar por que aquelas três mortes lhe pareceram insuportáveis. Aliás, nem tanto assim: logo depois ele relativizaria a crítica, negando que tivesse retirado seu apoio à ilha.
Cuba está às vésperas de uma transição: o general Raúl Castro deve finalmente passar o bastão. Ele comanda o país oficialmente desde 2008, quando seu irmão permitiu sua ascensão. A justificativa de Fidel foi uma daquelas piadas involuntárias: após quase cinquenta anos, deixou a cena dizendo não ter apego ao poder. Cuba então se segurava com a ajuda da Venezuela de Hugo Chávez, enriquecida pelo petróleo em pleno superciclo de commodities. Chávez era, depois de Fidel, a estrela maior da esquerda latino-americana: no Brasil de Lula, era recebido como herói.
No começo deste mês, a revista esquerdista francesa Les Temps Modernes, criada por ninguém menos que Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir, dois medalhões da intelectualidade do século XX, achou que era hora de romper com o chavismo. A revista nota que a promessa de transformação social foi totalmente frustrada. A parcela mais pobre da população está pagando a conta de uma economia em frangalhos. Pior: a Venezuela caminha para o autoritarismo. São quase vinte anos de revolução bolivariana a destroçar o país, sob o aplauso entusiasmado dos cientistas sociais. Mas agora isso tudo cansou.
Lula, a terceira ponta desse triângulo, acaba de viver o que para muitos foi seu último ato. Cercado pelo que resta de militância, disse que seria agora uma ideia — algo impossível de prender. O PT prega a resistência ao “golpe”. Diz ver risco de vida para o ex-presidente, um “preso político”. Ciro Gomes já chegou a sugerir o sequestro de Lula e sua entrega a uma embaixada amiga. Nesse mundo paralelo, estamos de volta à ditadura. Aqui e ali, porém, já começou o desembarque: vozes mais lúcidas parecem querer retornar à realidade. Essa disputa de narrativas será decisiva na campanha eleitoral — quanto mais tempo perdermos discutindo o “golpe”, menos tempo sobrará para falar sobre como reerguer o Brasil.
Fidel, Chávez, Lula — e os corações e as mentes de um continentePor
“Até aqui cheguei. De agora em diante, Cuba segue seu caminho e eu fico onde estou. Cuba não ganhou nenhuma heroica batalha fuzilando esses três homens, mas sim perdeu minha confiança, fraudou minhas esperanças, destruiu minhas ilusões. Até aqui cheguei.” Foi com essa curta mensagem que o escritor português José Saramago, prêmio Nobel de Literatura de 1998, comunicou o seu rompimento com o governo Fidel Castro, pondo fim a décadas de apoio. Isso ocorreu em 2003, após a morte de três cubanos que haviam sequestrado uma lancha e tentado partir para os Estados Unidos. Acabaram presos e executados em apenas duas semanas: é assim o respeito ao processo legal nas ditaduras.
Por que um dia decidimos dar um basta é matéria para a psicologia, não para uma coluna de economia. As estimativas situam entre 4 000 e 17 000 o número de fuzilamentos pelo regime de Fidel. Em comparação com o tamanho da população, é a ditadura mais sanguinária de um continente pródigo em ditaduras. Só Saramago poderia explicar por que aquelas três mortes lhe pareceram insuportáveis. Aliás, nem tanto assim: logo depois ele relativizaria a crítica, negando que tivesse retirado seu apoio à ilha.
Cuba está às vésperas de uma transição: o general Raúl Castro deve finalmente passar o bastão. Ele comanda o país oficialmente desde 2008, quando seu irmão permitiu sua ascensão. A justificativa de Fidel foi uma daquelas piadas involuntárias: após quase cinquenta anos, deixou a cena dizendo não ter apego ao poder. Cuba então se segurava com a ajuda da Venezuela de Hugo Chávez, enriquecida pelo petróleo em pleno superciclo de commodities. Chávez era, depois de Fidel, a estrela maior da esquerda latino-americana: no Brasil de Lula, era recebido como herói.
No começo deste mês, a revista esquerdista francesa Les Temps Modernes, criada por ninguém menos que Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir, dois medalhões da intelectualidade do século XX, achou que era hora de romper com o chavismo. A revista nota que a promessa de transformação social foi totalmente frustrada. A parcela mais pobre da população está pagando a conta de uma economia em frangalhos. Pior: a Venezuela caminha para o autoritarismo. São quase vinte anos de revolução bolivariana a destroçar o país, sob o aplauso entusiasmado dos cientistas sociais. Mas agora isso tudo cansou.
Lula, a terceira ponta desse triângulo, acaba de viver o que para muitos foi seu último ato. Cercado pelo que resta de militância, disse que seria agora uma ideia — algo impossível de prender. O PT prega a resistência ao “golpe”. Diz ver risco de vida para o ex-presidente, um “preso político”. Ciro Gomes já chegou a sugerir o sequestro de Lula e sua entrega a uma embaixada amiga. Nesse mundo paralelo, estamos de volta à ditadura. Aqui e ali, porém, já começou o desembarque: vozes mais lúcidas parecem querer retornar à realidade. Essa disputa de narrativas será decisiva na campanha eleitoral — quanto mais tempo perdermos discutindo o “golpe”, menos tempo sobrará para falar sobre como reerguer o Brasil.
Competência e honestidade - EDITORIAL O ESTADÃO
O Estado de S. Paulo - 15/04
Ainda que por vias às vezes dramáticas, tem crescido no País a percepção a respeito do papel decisivo do voto para o encaminhamento do futuro da Nação. Não será a Lava Jato, ou qualquer outra operação policial, por mais que contribua para o saneamento moral das instituições, que colocará o País nos trilhos do desenvolvimento econômico e social. Fica cada vez mais claro que essa responsabilidade cabe ao eleitor, na sua tarefa de escolher bem seus representantes.
Seria equivocado, no entanto, entender que a responsabilidade do eleitor atenua, de algum modo, a responsabilidade que os candidatos e os partidos políticos têm em relação ao bom funcionamento do sistema político. Justamente porque o destino do País é decidido nas urnas, os políticos - todos aqueles que almejam conquistar um cargo eletivo no Executivo ou no Legislativo ou pretendem se dedicar à vida pública - e suas legendas têm responsabilidade fundamental no processo de construção e desenvolvimento da Nação.
E como se manifesta essa responsabilidade? O que os brasileiros podem e devem esperar dos políticos? Uma primeira condição é que sejam pessoas que cumpram exemplarmente a lei. Gente que anda na calçada do crime não serve para cuidar dos assuntos públicos. Sendo um requisito fundamental, só a honestidade não basta. É preciso um firme compromisso com as reformas de que o País tanto necessita. Por exemplo, não cabe político insinuando que a reforma da Previdência pode esperar. Menos ainda cabem aqueles que debandam acintosamente para o embuste, dizendo que não existe déficit nas contas da Previdência. É de esperar que quem deseja assumir postos públicos tenha a honradez de não fugir das questões públicas espinhosas. Sua função é exatamente enfrentar com destemor tais desafios. Há uma pauta de reformas urgentes à espera de braços que as promovam de forma corajosa, transparente e madura.
Também se espera dos candidatos às eleições de 2018 um firme compromisso com o fortalecimento das instituições. Urge resgatar as prerrogativas do Legislativo, que vêm sendo usurpadas, com pertinaz continuidade, pelo Poder Judiciário. É hora de os grandes temas do País voltarem a ser debatidos pelos representantes da população devidamente eleitos, e não por onze ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) que não receberam nenhum voto popular.
O mínimo que se espera de alguém que se inscreve como candidato - seja a que cargo for - é que saiba quais são as competências institucionais do posto que deseja ocupar. Muitos males, por exemplo, o País tem sofrido por omissões do Senado na hora de sabatinar os indicados ao Supremo. É tempo de maturidade - que cada órgão público exerça cabalmente suas funções institucionais. Muitos despautérios e abusos são evitados quando um agente público cumpre fielmente suas responsabilidades.
Talvez alguém possa pensar que as responsabilidades do eleitor e dos servidores públicos estão desconectadas da realidade. Que estaríamos a descrever um mundo ideal, mas inalcançável. Faz-se, então, necessário um esclarecimento. A realidade atual da política não preenche as condições aqui apontadas. Basta ver que o Congresso não faz o seu dever de casa. Que o Judiciário se transformou em foco de desestabilização, e não de harmonia, da vida nacional. Que o Executivo claudica quando se lhe exige firmeza e muitos de seus membros tremem, com razão, diante do Judiciário.
Mas tais condições não são definitivas e incorrigíveis. Basta ver a equipe econômica do governo federal. É plenamente possível que ocupantes de cargos públicos podem saber o que precisam fazer, e de fato o fazem, em benefício do interesse público. Quando a equipe teve de ser alterada, para atender às regras eleitorais, encontraram-se nomes igualmente responsáveis e comprometidos com o que deve ser feito. Quando se quer, não faltam quadros qualificados.
A população não anseia por santos e heróis. Basta que os cargos públicos sejam ocupados por gente honesta, comprometida com as necessidades do País e disposta a trabalhar. O que se espera é que os partidos ofereçam ao eleitorado candidatos desse tipo e porte. E que o eleitorado se comporte com altivez e dignidade, somente sufragando candidatos competentes e honestos.
Ainda que por vias às vezes dramáticas, tem crescido no País a percepção a respeito do papel decisivo do voto para o encaminhamento do futuro da Nação. Não será a Lava Jato, ou qualquer outra operação policial, por mais que contribua para o saneamento moral das instituições, que colocará o País nos trilhos do desenvolvimento econômico e social. Fica cada vez mais claro que essa responsabilidade cabe ao eleitor, na sua tarefa de escolher bem seus representantes.
Seria equivocado, no entanto, entender que a responsabilidade do eleitor atenua, de algum modo, a responsabilidade que os candidatos e os partidos políticos têm em relação ao bom funcionamento do sistema político. Justamente porque o destino do País é decidido nas urnas, os políticos - todos aqueles que almejam conquistar um cargo eletivo no Executivo ou no Legislativo ou pretendem se dedicar à vida pública - e suas legendas têm responsabilidade fundamental no processo de construção e desenvolvimento da Nação.
E como se manifesta essa responsabilidade? O que os brasileiros podem e devem esperar dos políticos? Uma primeira condição é que sejam pessoas que cumpram exemplarmente a lei. Gente que anda na calçada do crime não serve para cuidar dos assuntos públicos. Sendo um requisito fundamental, só a honestidade não basta. É preciso um firme compromisso com as reformas de que o País tanto necessita. Por exemplo, não cabe político insinuando que a reforma da Previdência pode esperar. Menos ainda cabem aqueles que debandam acintosamente para o embuste, dizendo que não existe déficit nas contas da Previdência. É de esperar que quem deseja assumir postos públicos tenha a honradez de não fugir das questões públicas espinhosas. Sua função é exatamente enfrentar com destemor tais desafios. Há uma pauta de reformas urgentes à espera de braços que as promovam de forma corajosa, transparente e madura.
Também se espera dos candidatos às eleições de 2018 um firme compromisso com o fortalecimento das instituições. Urge resgatar as prerrogativas do Legislativo, que vêm sendo usurpadas, com pertinaz continuidade, pelo Poder Judiciário. É hora de os grandes temas do País voltarem a ser debatidos pelos representantes da população devidamente eleitos, e não por onze ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) que não receberam nenhum voto popular.
O mínimo que se espera de alguém que se inscreve como candidato - seja a que cargo for - é que saiba quais são as competências institucionais do posto que deseja ocupar. Muitos males, por exemplo, o País tem sofrido por omissões do Senado na hora de sabatinar os indicados ao Supremo. É tempo de maturidade - que cada órgão público exerça cabalmente suas funções institucionais. Muitos despautérios e abusos são evitados quando um agente público cumpre fielmente suas responsabilidades.
Talvez alguém possa pensar que as responsabilidades do eleitor e dos servidores públicos estão desconectadas da realidade. Que estaríamos a descrever um mundo ideal, mas inalcançável. Faz-se, então, necessário um esclarecimento. A realidade atual da política não preenche as condições aqui apontadas. Basta ver que o Congresso não faz o seu dever de casa. Que o Judiciário se transformou em foco de desestabilização, e não de harmonia, da vida nacional. Que o Executivo claudica quando se lhe exige firmeza e muitos de seus membros tremem, com razão, diante do Judiciário.
Mas tais condições não são definitivas e incorrigíveis. Basta ver a equipe econômica do governo federal. É plenamente possível que ocupantes de cargos públicos podem saber o que precisam fazer, e de fato o fazem, em benefício do interesse público. Quando a equipe teve de ser alterada, para atender às regras eleitorais, encontraram-se nomes igualmente responsáveis e comprometidos com o que deve ser feito. Quando se quer, não faltam quadros qualificados.
A população não anseia por santos e heróis. Basta que os cargos públicos sejam ocupados por gente honesta, comprometida com as necessidades do País e disposta a trabalhar. O que se espera é que os partidos ofereçam ao eleitorado candidatos desse tipo e porte. E que o eleitorado se comporte com altivez e dignidade, somente sufragando candidatos competentes e honestos.