quinta-feira, abril 12, 2018

‘Uma ideia’ - WILLIAM WAACK

ESTADÃO - 12/04

Será que se percebe que a crise em que estamos é resultado do apego a ideias equivocadas?

Lula preso deveria ser página virada na história política do País, mas temo que não seja. É óbvio que a prisão do principal chefe populista brasileiro em mais de meio século virou símbolo de enorme relevância numa esfera, a da política, que vive de símbolos. Não é pouca coisa ver atrás das grades um poderoso e rico, como Lula. Também não se pode ignorar o efeito para a autoestima de enorme parcela da população da noção do fim da impunidade. Um homem que nunca demonstrou grandeza exibiu-se apequenado e raivoso ao ser preso em meio a seguidores da seita que ainda conduz. Contudo, não é o destino do indivíduo aqui o mais relevante.

Ironicamente, Lula foi condenado e inicialmente preso por crime incomparavelmente menor em relação aos que cometeu, e não considero como pior deles o formidável aparato de corrupção que presidiu com a alegre colaboração de elites sindicais, acadêmicas, empresariais e o corporativismo público e privado. Apequenar o Brasil lá fora, diminuindo nosso peso específico, destruir o tecido de instituições (começando pelo da Presidência), fazer a apologia da ignorância e decretar o atraso no desenvolvimento econômico compõem pesada conta que mal começou a ser paga. O Brasil teve o azar de abraçar o lulopetismo na curva de subida de um benéfico superciclo global de commodities que não se repetirá por muito tempo. Em outras palavras, a pior e imperdoável obra lulista foi ter desperdiçado uma (única?) oportunidade de livrar o País rapidamente de desigualdade e injustiça sociais.

A prisão de Lula, paradoxalmente, não parece estar aprofundando entre nós o debate em torno dos eixos que seriam essenciais para recuperar o País em prazo mais dilatado – digamos, a próxima geração. Será que, além dos erros de conduta do indivíduo Lula, percebe-se que a crise em que estamos (começando pela econômica) é resultado do apego a ideias completamente equivocadas? O ímpeto de punir aumentou e, junto dele, consolida-se a perigosa noção de que vale tudo para pôr rápido na cadeia quem for denunciado – claro, diante da ineficiência da Justiça não chega a ser tão espantosa assim a evolução dessa mentalidade punitiva. Estamos na fase de mandar às favas os princípios (o verbo mais usado é outro, impublicável), contanto que o safado esteja preso. Porém, temo ter de afirmar que já caímos na armadilha, começando pelas elites pensantes, de acreditar ingenuamente que lavando a jato corruptos o sistema político volta a funcionar.

Não parece ter ganhado ainda sentido e direção claros essa onda de descontentamento e indignação que encurralou a política e agora fracionou perigosamente o Judiciário – que de fato manda hoje na política, por meio de figuras populares que não foram eleitas. Primeiras instâncias do Judiciário, por exemplo, pegaram o gosto de sangue e emparedam instâncias superiores pela atuação política em redes sociais e mídia. Por sua vez, as instâncias superiores estão profundamente divididas e renderam-se ao hábito de falar dentro e fora do plenário do STF para o que consideram que sejam suas audiências prediletas. Nesse quadro fluido e volátil não consigo identificar um Estado-Maior ou Central da Conspiração (muito menos das Forças Armadas).

No plano geral da política hoje não há quem puxe, só há empurrados. Por um fluxo que pede “mudança” sem apontar qual (fora o anseio, legítimo e correto, pelo impecável ficha-limpa). Falta algo importante ainda para que o encarceramento do populista sem caráter corresponda a uma página de histórica virada. Meu receio é de que a prisão de Lula acabe surgindo como grande evento que, na percepção do dia a dia, não se revela tão grande assim. Nesse sentido, vale a pena citar o que ele disse ao discursar para integrantes da seita no dia da prisão, quando declarou ser ele mesmo “uma ideia”. É ela que nos atrasou e conduziu à beira do abismo. Precisa ser derrotada, e ainda não foi.

A nova saúva - CORA RÓNAI

O GLOBO - 12/04
Milhões de eleitores foram agredidos pela retórica de Lula e pelo “ódio do bem” da esquerda

O antipetismo é o novo bicho papão dos intelectuais de esquerda. Ele acaba de ser comparado, por um amigo culto, inteligente e a quem respeito muito, ao antissemitismo na Alemanha de Hitler. Só posso atribuir a comparação ao calor do momento — vastas emoções, pensamentos imperfeitos. Mas acho que, em algum momento do futuro, serenados os ânimos, valeria à esquerda procurar, com honestidade, as origens desse suposto antipetismo, até porque é difícil encontrar a cura para um mal cuja causa se desconhece. Digo “suposto” não porque ele não exista, mas porque, da forma como vem sendo colocado, ele mais parece um movimento organizado, um conluio de vermes, o autêntico oposto de “democracia” — seja lá o que entenda por democracia alguém que defende o PT.

Ao contrário de tanta gente que denuncia o antipetismo, não tenho a menor pretensão de falar “pelo povo”, “pelos brasileiros”, “por todos nós”. Falo única e exclusivamente por mim, e já é responsabilidade que me baste. Eu detesto o PT. E detesto o PT pelo que o PT é, pelo que o PT fez e continua fazendo, e pela forma como o PT se comporta.

Não há um único fator externo ao PT embutido no meu sentimento.

É lógico que a sua intensidade tem a ver com o fato de que este é o partido que estava no poder até ontem: a crise que vivemos é, em maior ou menor grau, o resultado das suas escolhas e das suas ações. Tem a ver também com a hipocrisia do partido, que sempre se apresentou como alternativa ética aos demais, e foi incapaz de um simples pedido de desculpas à população quando se viu no centro do maior escândalo de corrupção já apurado no país.

E olhem que a corrupção do PT é, para mim, o menor dos seus males — ainda que ele a tenha elevado à categoria de arte. Meu maior problema com o PT, e com a esquerda como um todo, é a sua incapacidade de diálogo, a sua aversão ao contraditório e, sobretudo, a sua militância arrogante e patrulheira, que exige que todos se posicionem exatamente da mesma forma. Já estive em países de pensamento único e não gostei.

Há movimentos de direita igualmente obtusos e intolerantes, mas de modo geral eles se apresentam exatamente como são, toscos e primitivos. A sua embalagem é mais sincera; eles não pretendem ser “bons”, e nem falam do alto de um pedestal de virtudes.

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Um dia, ainda naquela remota eleição que Lula disputou com Collor, eu estava na rua com o Millôr, e comentei com ele que, pelo visto, o Lula ia ganhar — todos os carros que passavam com adesivos eram PT. O Millôr olhou, olhou, e me disse para prestar mais atenção: a maioria dos carros simplesmente não tinha adesivos.

— Sabe o que isso significa, né?

Eu sabia. Usar um adesivo do Collor, pelo menos na Zona Sul do Rio de Janeiro, era se arriscar a ter o carro arranhado e enfrentar militantes petistas raivosos. Eu tinha passado por isso com o adesivo do Covas que havia usado no primeiro turno.

Collor ganhou a eleição sem adesivos, não exatamente com “votos envergonhados”, como o PT disse à época, mas com votos intimidados.

Lula, um militante intolerante ele também, nunca desceu do palanque. Passou todos os seus anos de presidência, e mais os da Dilma, como vítima de um complô das elites, insistindo na divisão do nós contra eles: ricos contra pobres, brancos de olhos azuis contra negros, todos contra nordestinos.

Lula, como todos sabem, é uma mulher negra da periferia; agora, ainda por cima, encarcerada.

Um candidato pode ser o que quiser, mas um presidente não. O presidente de todos os brasileiros não pode dizer que quem não votou no seu partido odeia pobres e tem horror de ver os filhos dos pobres na universidade, porque além de divisiva, essa afirmação é extremamente ofensiva.

Há uma esquerda bem intencionada que talvez não tenha percebido o quanto de ódio havia, e ainda há, nesse discurso, porque ele a põe no pedestal ao qual ela imagina ter direito e massageia o seu ego. Ele reafirma a sua superioridade moral e apenas põe os inferiores no seu devido lugar.

Mas para quem não votou no PT — e que não é necessariamente de direita, de extrema direita ou, como está na moda, “fascista” — cada declaração dessas soou como um insulto. Durante 13 anos, os 50 milhões de eleitores que não votaram em Lula ou Dilma, e que, em sua vasta maioria, são apenas brasileiros como os demais brasileiros, ouviram que eram péssimas pessoas. Qualquer política de estado era invariavelmente apresentada como um desafio à sua intrínseca maldade: apesar de vocês, que não votam no PT, os pobres vão ter saúde, vão estudar, vão ter moradia e dignidade.

Como se qualquer ser humano, por não petista que seja, pudesse ser contra isso.

Cinquenta milhões de eleitores foram sistematicamente agredidos e desumanizados pela retórica de Lula e pelo “ódio do bem” da esquerda; agora não suportam o PT.

Mas por que será, não é mesmo?

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Países normais vivem momentos históricos a cada cinquenta, cem anos; o Brasil vive um momento histórico por semana.

É exaustivo.

Não negar o passado para mirar o futuro - ZEINA LATIF

ESTADÃO - 12/04

Será que conseguiremos dar o foco devido às propostas dos candidatos na campanha ou nos perderemos nos ataques de lado a lado?


O Brasil é ainda um adolescente em termos de funcionamento das instituições democráticas. Um país que procura seu caminho para a civilidade, mas não sem tropeços.

Parte do que somos se reflete na ambiguidade das leis e suas idas e vindas, fruto de um país que culturalmente preferiu o “jeitinho” ao enfrentamento. O sistema judiciário está dividido e ninguém está totalmente certo ou errado.

Este quadro alimenta a divisão da sociedade. Para quem vota em Lula (30-35% das intenções de voto), sua prisão é injusta, pois a corrupção é generalizada; para o anti-Lula (em torno de 40%), é o passaporte para um futuro melhor.

A disputa raivosa não parece relevante entre as classes mais populares, que são a maioria (quase 60% da população têm renda mensal familiar per capita de até um salário mínimo) e estão à margem das discussões da Justiça. Ela provavelmente se concentra no topo da pirâmide social que não conta com mais de 10% da população (apenas 8% da população têm renda familiar mensal per capita acima de 3 salários mínimos). Justamente este grupo, com mais estudo, deveria lidar melhor com a divergência.

O fracasso do país que muito prometeu acirra os ânimos e alimenta a busca de vilões. Falta uma compreensão de que muitos erros cometidos são obra de várias mãos. Excessos aqui e omissões e complacência acolá. Um país que administrou muito mal a bonança.

A maior responsabilidade pelo desastre dos últimos anos é dos governos petistas. Para além da corrupção, cometeram equívocos na política econômica que causaram uma crise sem precedentes; na política, trataram de forma injusta e inaceitável os opositores; e alimentaram o “nós contra eles” na sociedade. Exemplo evidente foi a campanha eleitoral de 2014, com ataques despropositados a oponentes e propaganda enganosa aos eleitores. Isso não significa que só houve erros, sendo necessário distinguir a gestão Lula, que deixou um legado, da gestão Dilma.

Não só os governantes, porém, definem o destino de um país. Nos partidos da base governamental, viu-se um misto de oportunismo e complacência. Na oposição, omissão é o mínimo que se pode dizer. E quem não se lembra do “quanto pior, melhor”? Enquanto isso, segmentos do setor privado aproveitaram para se beneficiar com a expansão do Estado patrimonialista, enquanto irrigavam a campanha de 2014, mesmo com a crise já anunciada. Também tem a fatura das instituições de controle que falharam.

Os erros foram coletivos e fazem parte de nossa história e evolução. Não existe “passar o Brasil a limpo”. Como mirar o futuro se negarmos nosso passado? Precisamos compreender nossos erros e tirar lições para seguirmos adiante. Felizmente, esse aprendizado vem ocorrendo aos poucos e muitos se redimem.

Acreditar em vilões e salvadores da pátria não cai bem a um país que se pretende adulto. É importante apontar os equívocos alheios, mas também os acertos e, além disso, reconhecer as próprias falhas. Falta isso aos dois extremos da disputa.

Os candidatos à Presidência precisam ser cautelosos com o que plantam na campanha. Não é só defender a responsabilidade fiscal, mas também preservar o respeito aos opositores e seus eleitores. Alimentar a divisão da sociedade é contratar problemas futuros. Ataques despropositados que bloqueiam o diálogo poderão custar caro no esforço para aprovar reformas no próximo governo.

Será que conseguiremos dar o foco devido às propostas dos candidatos na campanha ou nos perderemos nos ataques de lado a lado? Qual candidato à presidência terá coragem de propor um discurso de tolerância em plena campanha, podendo ser acusado de fraco? Quem vai conseguir pacificar o Brasil? Acirrar os ânimos será ruim para todos, esquerda e direta. Há um país com muitos desafios a ser governado.

Privatizar: por que não? - VÍTOR WILHER

GAZETA DO POVO - PR 12/04

Seja do ponto de vista prático, seja do ponto de vista teórico, é difícil encontrar justificativa para o apego da população brasileira – medido em pesquisas de opinião – às empresas estatais

Ao longo das décadas de 1930 a 1970, o Estado brasileiro construiu uma complexa rede de intervenção na economia. Seja através da criação e operação de empresas estatais, seja por meio de forte regulação sobre empresas privadas. Esse modelo deu errado, como ilustra a hiperinflação da década de 1980, sendo parcialmente revertido na última década do século 20. Diversas empresas estatais foram entregues ao capital privado, tornando-se competitivas a ponto de poderem oferecer melhores serviços aos seus consumidores. Nos últimos dez anos, contudo, voltamos ao modelo anterior, seja com a criação de novas empresas controladas pelo Estado, seja com a aprovação de diversas medidas regulatórias e planos governamentais mirabolantes. Novamente, aqui, deu errado, como ilustram os balanços de diversas empresas estatais. Por que, então, não privatizar?

Seja do ponto de vista prático, seja do ponto de vista teórico, é difícil encontrar justificativa para o apego da população brasileira – medido em pesquisas de opinião – às empresas estatais. Como bem documentado pela literatura, o desenvolvimento econômico é um processo de aperfeiçoamento institucional, que garante que fatores de produção sejam alocados nas atividades mais produtivas. Quando há muita intervenção do Estado na economia, seja por meio de empresas estatais, seja por forte regulação, é pouco provável que esse mecanismo funcione de forma adequada, dificultando o aumento de produtividade que garante o desenvolvimento. Os incentivos presentes nessa estrutura institucional levam a uma alocação ineficiente dos fatores de produção.

Se do ponto de vista teórico é difícil justificar a existência de empresas estatais, do ponto de vista prático fica ainda mais complicado. Como bem ilustram os quatro anos de Operação Lava Jato, a existência de empresas estatais beneficia acordos espúrios entre políticos, empresários e gestores. Isso dá margem a contratos superfaturados e investimentos sem justificativa econômico-financeira. Com efeito, setores inteiros, que poderiam ajudar naquele aumento sistemático de produtividade da economia, ficam sujeitos a incentivos perversos, entregando para o consumidor serviços ruins e caros.

A existência de empresas estatais beneficia acordos espúrios entre políticos, empresários e gestores

Privatizar, nesse contexto, poderia ajudar o país a tanto melhorar suas instituições, quanto aumentar a produtividade da economia. Há toda a sorte de investimentos que precisam ser feitos na infraestrutura, desde as redes de transporte ao saneamento básico. É sintomático que metade da população brasileira não tenha, em 2018, acesso a tratamento de água e esgoto. A adequada privatização desse setor teria enormes externalidades para o país, como a redução da mortalidade infantil e menos gastos com o sistema de saúde.

Também chama atenção o fato de a maior parte dos alimentos que abastecem as grandes cidades ser transportada por rodovias, em vez de ferrovias ou mesmo hidrovias. Uma malha ferroviária moderna poderia reduzir o custo de frete, o que implicaria em preços mais atraentes para os consumidores. Além disso, aumentaria a competividade das nossas exportações, pleito antigo do setor agropecuário.

É possível fazer diversas críticas em relação às privatizações dos anos 90. Mas não se pode negar que elas trouxeram diversos benefícios para a economia brasileira. A Vale do Rio Doce, a CSN e a Embraer aumentaram em muitas vezes o seu faturamento, um vez pertencentes ao capital privado. Enormes investimentos foram feitos no setor de telecomunicações. Antes, telefone fixo era um bem, que poderia ser alugado para terceiros. Hoje, em qualquer banca de jornal é possível adquirir um chip de telefone celular. Indubitavelmente, essas e outras privatizações fizeram bem ao país.

Abrir uma empresa estatal, reservar um mercado para ela e exigir conteúdo nacional de máquinas e equipamentos que ela compra é algo que tem sido tentado há décadas no Brasil. Os fracassos se somam aos montes, como ilustram a Petrobras e a reserva do mercado de informática da década de 1980. Abrir os mercados, incentivando a competição de empresas privadas, pelo contrário, gera produtos mais inovadores e mais baratos. Por que, então, não privatizar?

Às justificativas dadas anteriormente soma-se a frágil situação fiscal do setor público brasileiro, ilustrada pelos últimos quatro anos de déficit primário. O efeito mais perverso desse quadro é a trajetória explosiva da dívida pública, que, se não for resolvida, pode levar o país de volta a um crônico processo inflacionário. Um amplo programa de privatização, desse modo, além de todos os efeitos citados acima, teria como contrapartida a redução da dívida pública, com repercussões positivas para a macroeconomia do país.

Como se vê, há muitas razões para entregar empresas estatais ao capital privado. A existência desse tipo de arranjo só se justifica pelo lobby de políticos e grupos de interesse. Pouco oferece à sociedade, já que ela arca com preços mais altos e péssima qualidade dos serviços. Um amplo programa de privatização ajudaria o país a melhorar suas instituições, aumentar a sua produtividade e ainda conter o avanço da dívida pública. Privatizar, portanto, é não só justificado do ponto de vista teórico e prático, como pode ser uma das saídas para a economia brasileira voltar a crescer de forma sustentável nos próximos anos. Oxalá tenhamos no próximo mandato um presidente com esse grau de compreensão!


Vítor Wilher, mestre em Economia, é fundador da startup Análise Macro, professor de Economia, cientista de dados e conselheiro do Instituto Millenium.

Atenção redobrada com a reforma trabalhista - MARCOS DOMAKOSKI

GAZETA DO POVO - PR - 12/04

Mas a tentativa de um alto funcionário do governo de impor novamente a cobrança do imposto sindical foi um alerta importante para nossas lideranças empresariais e sindicais patronais


O aval ao retorno do imposto sindical, penduricalho antigo e injusto, cuja obrigatoriedade de cobrança foi eliminada pela reforma trabalhista, causou a demissão do secretário de Relações de Trabalho, Carlos Cavalcante Lacerda, dias atrás. A decisão foi do Palácio do Planalto, apesar de Lacerda ser subordinado ao ministro do Trabalho, Helton Yomura, homem com origem na Força Sindical.

O governo Temer fez bem em evitar que o restabelecimento do imposto sindical colocasse em risco as conquistas fundamentais da reforma trabalhista, um pleito da sociedade brasileira que vinha se estendendo por anos a fio, balizado em interesses muito mais políticos do que na estabilidade funcional dos trabalhadores. Mas a tentativa de um alto funcionário do governo, secretário de Relações de Trabalho, de impor novamente a cobrança do imposto sindical foi um alerta importante para nossas lideranças empresariais e sindicais patronais.

Há entidades que, mantidas pelos próprios trabalhadores, defendem apenas a manutenção do próprio statu quo


A aprovação da reforma foi, sim, um passo importantíssimo para destravar as relações do trabalho no Brasil, possibilitar a criação de mais empregos, favorecer novas funções no setor produtivo como um todo e reduzir o custo final dos nossos produtos. Esses mecanismos estavam implícitos em todo o debate sobre o tema e obtiveram a garantia legal na aprovação da lei no Congresso Nacional. É preciso, no entanto, que tenhamos muito claro que os mesmos grupos de interesses, como o sindical, por exemplo, se mantêm intactos e estão lutando – e vão continuar lutando – para repor os privilégios perdidos.

Recentemente, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) aprovou a Convenção Coletiva Nacional dos Aeroviários de 2018 mantendo privilégios, bonificações e outras benesses já devidamente eliminadas pela nova legislação. Foi um retrocesso claro e exemplificador dos inúmeros interesses – e mais: da força – que entidades mantêm ainda no país para deixar tudo como está. São essas entidades que, mantidas pelos próprios trabalhadores, defendem apenas a manutenção do próprio statu quo.

Nós e todas as lideranças brasileiras, tanto as mais genuínas na área sindical (que reconhecem a importância da reforma trabalhista para o crescimento do País) como aquelas que, na área empresarial, já colhem os frutos do destravamento e do fim da burocracia com a aplicação da nova lei, temos de ficar atentos para essas investidas, que miram apenas o retrocesso social. A tentativa de repor o imposto sindical foi a mais recente. Outras virão, e é contra elas que devemos continuar lutando. O Brasil e seus trabalhadores não podem perder suas conquistas.


Marcos Domakoski é presidente do Movimento Pró-Paraná.

Lula e os seus ricos - CARLOS ALBERTO SARDENBERG

O GLOBO - 12/04
Elites adoram quando mais pessoas voam e entram na universidade porque são donas de faculdades e de companhias aéreas

Lula repetiu em seu último discurso: estava sendo preso porque promove os pobres contra os ricos, já que estes, das elites, odeiam quando os pobres melhoram de vida.

Demagógico e falso.

Falso porque os ricos adoram quando mais pessoas, pobres ou não, entram nas faculdades, especialmente as particulares, e viajam de avião. Isso mesmo, adoram, porque as elites são donas das escolas, cujas ações subiram às nuvens com os programas de financiamento e bolsas pagas pelo governo. Assim como são donas das companhias aéreas — e dos hotéis e das lojas — cuja demanda disparou nos anos de ouro dos países emergentes.

Verdade que a vida dos pobres melhorou nos anos do governo Lula. Mas melhorou em todo o mundo emergente, dando origem à nova classe média. Isso resultou de uma feliz combinação de crescimento global, que puxou a demanda e os preços das commodities, com políticas econômicas que preservaram a estabilidade da moeda e das contas públicas.

Ou seja, não é que o Brasil de Lula cresceu porque ele aplicou políticas a favor dos mais pobres. Foi um puro ciclo de expansão capitalista, baseada na renda das commodities (soja, minério de ferro, carnes) e na ampliação do consumo, via renda e crédito. Isso aconteceu no Brasil, na Índia, no Chile, na Tailândia, no Peru e por todos os países parecidos.

Os capitalistas adoraram. O agronegócio decolou, a indústria automobilística dobrou sua capacidade, os shoppings se multiplicaram, as vendas no varejo esquentaram.

A diferença entre os governos do PT, Lula e Dilma, foi para pior. Reparem: na época de ouro, primeira década dos anos 2000, todos os emergentes cresceram forte. Depois da crise financeira global, o Brasil teve uma breve recuperação e depois afundou numa crise de recessão e inflação alta. Isto, sim, foi inédito. Tirante os bolivarianos Venezuela e Argentina, isso não aconteceu em nenhum outro emergente importante. Todos mantiveram um nível de crescimento, ainda que menor, e mantiveram a estabilidade da moeda e equilíbrio das contas públicas, com juros baixos, muito baixos.

Como os governos petistas conseguiram estragar tudo?

Porque o dinheiro público acabou, e a renda externa das commodities caiu. Lula do segundo mandato, Dilma, seus economistas e estrategistas continuaram acreditando que ampliar o número de beneficiados do Bolsa Família e elevar o salário mínimo, mandando os bancos públicos conceder crédito a torto e a direito — isso seria a mágica do eterno bem-estar.

Quando as famílias, endividadas e vítimas dos juros altíssimos, para combater uma inflação crescente, pararam de consumir, Lula colocou a culpa no ódio dos ricos.

Ora, os ricos estavam bravos era com a recessão. Quiseram se livrar do governo Dilma porque a gestão petista estava tirando os pobres das faculdades, dos aviões e das lojas.

Não foi porque Lula atacou os capitalistas. Mas porque estabeleceu uma relação espúria com boa parte do capital. Foi a perversa combinação de capitalismo de Estado com capitalismo de amigos, cujo resultado é corrupção e ineficiência. Isso não foi novo. Está nos livros.

Acontece assim: o governo amplia seu controle na economia, via estatais, aumento do gasto público direto e regulações, que dirigem crédito favorecido e isenção de impostos para setores selecionados. O governo entrega obras, compra serviços e mercadorias — de remédios e pontos de exploração de petróleo — das empresas amigas. Estas cobram preço superfaturado e devolvem parte de seus ganhos para os que controlam o governo.

O governo petista não foi o governo dos ricos. Foi o governo de parte dos ricos, os seus amigos. Quem mais se beneficiou não foi o pobre do Nordeste, mas a maior empreiteira nacional, a Odebrecht, levada por Lula (e pelo BNDES) a se tornar uma multinacional de obras e de corrupção.

O pobre do Nordeste ganhou mais Bolsa Família, mas não foi isso que o levou para a classe C. Foi a expansão das commodities, o crescimento e a consequente geração de empregos.

Essas pessoas voltaram à pobreza com a recessão e inflação — e, sobretudo, com a destruição de estatais como a Petrobras e Eletrobras. Estas foram levadas a gastar recursos de que não dispunham e obrigadas a entrar no maior esquema de corrupção do mundo emergente, um verdadeiro produto brasileiro de exportação.

A corrupção também foi global, mas pelo menos os governos de outros países mantiveram uma estabilidade macroeconômica.

Por aqui, ainda bem que surgiu a Lava-Jato. Ao contrário do que diz Lula, não se trata da reação dos ricos contra os pobres. A Lava-Jato só pega ricos — e de todos os lados da política.

E o povo não foi às ruas para defender Lula. De algum modo, entendeu que salvar Lula nesse processo é como salvar Odebrecht, Temer, Renan, Aécio e por aí vai.

Carlos Alberto Sardenberg é jornalista

Debate entre esquerda e direita sobre prisão de Lula erra feio - MATIAS SPEKTOR

FOLHA DE SP - 12/04

Representantes dos dois lados foram para a cama com o atraso: a velha elite política


A prisão de Lula envergou o debate público numa direção tão patética quanto perigosa.

Segundo a interpretação dominante à esquerda, a Lava Jato estaria deslocando o poder político para a direita, revertendo uma década de progresso social no altar do conservadorismo que ganha adeptos a cada dia.

Segundo o papo à direita, a implosão do PT e dos movimentos que lhe dão apoio estaria abrindo espaço para uma renovação modernizante, capaz de produzir retidão fiscal com abertura econômica e segurança pública. Para essa turma, populismo fiscal, assistencialismo e corrupção desenfreada são atributos petistas. Basta fazer uma boa limpeza.

Esse debate é patético porque erra no diagnóstico e esconde o que interessa.

Tanto a esquerda quanto a direita que nasceram na redemocratização da década de 1980 foram para a cama com o atraso —aquela velha elite política que, sem ter ideologia, vende apoio ao governo de plantão em troca de privilégios para si e para os grupos que representa.

A lista de exemplos é extensa: FHC com Antonio Carlos Magalhães, Lula com José Sarney, Dilma Rousseff com Sérgio Cabral e todos eles com a família Odebrecht e tantas outras dinastias políticas e econômicas país afora.

Isso não significa que esquerda e direita tenham sido iguais. Cada uma fez as suas reformas preferidas. Mas tais reformas sempre foram lentas e parciais, sem jamais ameaçar a segurança da velha elite do atraso.

Para governar, esquerda e direita negociaram um pacto conservador. Ao fazê-lo, ambas contribuíram para manter mais ou menos intocado o esquema arcaico que faz do Brasil este celeiro de injustiça, violência e arbítrio.

Nesses 30 anos, nunca a esquerda ou a direita ameaçaram os alicerces institucionais que nos condenam ao subdesenvolvimento: clientelismo, patronagem e as outras práticas de colonização do Estado que inviabilizam a oferta de bens públicos para a maioria da população.

Portanto, não surpreende que tantos estejam dispostos a votar em JairBolsonaro. Afinal, no establishment não sobrou ninguém capaz de oferecer uma saída para o Brasil pós-Lava Jato.

Ocorre que Bolsonaro não é diferente. Defensor histórico dos interesses sindicais da corporação militar, ele também montará seu pacto com o atraso para tentar vencer esta eleição. Se ganhar, será incapaz de entregar a mudança profunda que a sociedade procura.

Enquanto a conversa pública não se dedicar a entender como se faz para mudar as regras do jogo que dão tanto poder ao atraso, estaremos condenados a repetir os erros do passado, esteja o Palácio do Planalto na mão da esquerda, da direita, de um centro amorfo ou de um pateta radical.

Superando o lulopetismo - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 12/04

Movimento vem perdendo potência a olhos vistos, embora ainda conserve alguma força para causar danos ao País


Em que pesem as bravatas de Lula da Silva e de seus fanáticos seguidores, a prisão do ex-presidente foi a culminação de um longo processo de desmoralização do PT e, principalmente, do lulopetismo. Hoje basicamente restrito aos grotões remotos do País, a algumas centrais sindicais e a intelectuais teimosamente apegados a utopias, o movimento que leva o nome do demiurgo de Garanhuns vem perdendo potência a olhos vistos, embora ainda conserve alguma força para causar danos ao País.

Isso não significa, contudo, que aquilo que o lulopetismo representa tão bem – isto é, a ideia de que os problemas podem ser resolvidos por obra apenas da vontade de resolvê-los – esteja superado. Ao contrário: antes de ser causa, o lulopetismo é o produto mais bem-acabado da incapacidade atávica de uma parte considerável do País de enfrentar os problemas nacionais.

O sr. Lula da Silva descende de uma extensa linhagem de populistas e demagogos que há muito tempo alimentam as fantasias de milhões de brasileiros pobres. Quando chegou sua vez de exercer o poder, o chefão petista estimulou esses eleitores a imaginar que um carro popular comprado a prestações a perder de vista ou um diploma numa universidade de quinta categoria bastariam para alçá-los à sonhada classe média. Não à toa, em seu discurso de despedida antes de ser preso, o ex-presidente enfatizou que, em sua opinião, foram essas “conquistas” da era lulopetista que enfureceram “as elites” e resultaram na “perseguição política” destinada a alijá-lo da disputa eleitoral. No limite, assim diz o discurso de Lula, quem está preso não é ele, é o povo que ele encarna.

Descontando-se o exagero da retórica, o fato é que o lulopetismo personifica a ilusão, bastante disseminada, de que é possível melhorar as condições de vida no País e fazê-lo progredir sem a necessidade de esforço e responsabilidade. Seu inebriante sucesso desde que chegou ao poder, em 2003, e a manutenção de parte significativa de seu apoio popular mesmo em meio a tantos escândalos são a prova de que muitos brasileiros – e não apenas os mais pobres – continuam a considerar justo esperar que o Estado lhes seja um generoso provedor, que fornece subsídios de todo tipo, empregos públicos cheios de privilégios, bolsas assistencialistas para diversos fins, financiamentos a juros irreais, incentivos fiscais os mais variados e, para os mais ricos, participação no butim das estatais e dos contratos públicos.

Embora tenha nascido pregando a ideia de que era preciso ensinar a pescar em vez de dar o peixe, o lulopetismo cresceu e se tornou potência eleitoral ao prometer peixes para todos, à custa dos generosos cofres públicos. O PT aderiu alegremente à demagogia que tanto dizia combater em seus primeiros anos e transformou os arroubos palanqueiros de Lula em política de Estado de seus governos. O resultado disso, além dos devastadores escândalos de corrupção protagonizados pelo PT e por seus associados – mensalão e petrolão –, foi a mais profunda e duradoura crise econômica da história nacional. A realidade se impôs à ficção demagógica de Lula.

No entanto, nada garante que o retrocesso representado pelo lulopetismo será mesmo superado. Está cada vez mais claro que os candidatos que dizem disputar o espólio eleitoral de Lula não se dispõem a negar as premissas que engendraram o desastre lulopetista. Ainda está para ser testada a capacidade do presidiário Lula da Silva de transferir votos nessa vexatória condição, mas certamente haverá quem, na melhor tradição do atraso nacional, se apresente como seu herdeiro – se não direto, ao menos ideológico. E isso significa que, mais uma vez, a campanha eleitoral estará eivada da mesma mentalidade que resultou no lulopetismo e que alinha o País, em alguns aspectos, ao que há de mais persistentemente subdesenvolvido na América Latina.

Pode-se dizer que haverá uma verdadeira revolução no Brasil se, apesar de tudo isso, das urnas emergir um governo com disposição para convencer os brasileiros de que simplesmente não é possível atingir o desenvolvimento sem trabalho, esforço e sacrifícios.