FOLHA DE SP - 11/04
Crença de que um governo pode se eleger omitindo o que quer fazer é claro caso de wishful thinking
Alertei novamente na semana passada sobre as perspectivas complicadas para as contas públicas nos próximos anos caso não avancemos com reformas que reduzam o grau de rigidez dos Orçamentos.
Soa repetitivo, sei, mas, dado que ninguém parece querer tratar do assunto e não falta quem negue a existência do problema, fazer o quê?
Há, porém, os que, embora de acordo acerca do mau estado das finanças públicas, acreditam que haverá conserto, independentemente de quem for eleito em 2018.
O exemplo, frequentemente citado, é o comportamento observado no primeiro governo Lula, quando, apesar de retórica em contrário (em 2001, é bom lembrar, o PT apoiou um referendo sobre o não pagamento da dívida), houve aprofundamento do ajuste fiscal.
Naquele momento, a despesa federal caiu de R$ 614 bilhões em 2002 para R$ 590 bilhões em 2003 (a preços de hoje), e o superavit primário do setor público se manteve até 2008 na casa de 3,5% do PIB.
É um bom argumento, mas acredito que não se aplica às condições atuais. Em primeiro lugar porque o problema fiscal não era tão agudo. Entre 1999 e 2002, por exemplo, o superávit primário médio já superava 3% do PIB. Não havia, pois, necessidade premente de um ajuste considerável. Assim, por mais que uns e outros esperneassem, o esforço fiscal adicional foi relativamente modesto comparado ao que se acredita ser necessário hoje.
Em segundo lugar, porque as condições políticas não poderiam ser mais distintas. Em que pese a ambiguidade da “Carta ao Povo Brasileiro”, o desempenho fiscal no primeiro governo Lula não foi percebido como afronta ao que foi dito na campanha, a não ser, é claro, pelos economistas do PT, devidamente excluídos (ainda bem!) da tarefa de gerir a política econômica naquele momento (quando assumiram, nos colocaram na pior recessão dos últimos 40 anos).
Já a experiência do segundo governo Dilma não poderia ser mais ilustrativa. Depois de negar, anos a fio, a existência de problemas e sugerir, durante a campanha, que banqueiros roubariam a comida dos pobres, a ex-presidente colocou como ministro da Fazenda um vice-presidente de um dos maiores bancos privados do país (e apenas porque o presidente do dito banco recusou o convite) e tentou, de forma desastrada, reverter o rumo de sua (não menos desastrada) política econômica.
O fracasso veio daí, não de “pautas-bomba”, o atual mimimi dos responsáveis pelo fiasco. A começar porque seu próprio partido jamais apoiou a iniciativa; ao contrário, quando não se omitiu, simplesmente a sabotou. E também porque a população, ao perceber o logro de que fora vítima, se mostrou indignada: a popularidade do governo, que superava 40% no final de 2014, despencou para menos de 10% seis meses depois. A perda de apoio no Congresso (e, portanto, sua incapacidade para avançar a pauta de reformas) resultou desses processos.
À luz da história recente, a crença de que um governo pode se eleger omitindo o que pretende fazer para, uma vez no poder, aprovar medidas complexas e impopulares me parece um claro caso de esperança ilusória (wishful thinking).
Reformas não serão aprovadas por quem não as defender na eleição e tentativas em contrário podem nos levar a crises políticas tão graves quanto vivemos em 2015-16.
FOLHA DE SP - 11/04
Congresso barra medidas que reduziram desequilíbrio das finanças federais
Conveniências eleitorais e o enfraquecimento político do presidente Michel Temer (MDB) vão contribuir sobremaneira para reduzir a arrecadação federal, neste e nos próximos anos.
O Planalto dependia de deputados e senadores para seus objetivos de receita, mas as propostas têm sido barradas pelo Congresso nas últimas semanas —entre elas, medidas provisórias que deixaram de vigorar ao atingirem o prazo de 120 dias sem votação.
Os políticos cedem a grupos de pressão, sem oferecer alternativas para as carências do caixa do Tesouro Nacional. O governo, em busca de apoio para a eleição ou mesmo para impedir novas investidas da Justiça contra Temer, tolera as estripulias parlamentares.
Os movimentos parecem encorajados por uma folga momentânea e ilusória no Orçamento. A despeito do teto inscrito na Constituição para as despesas, existe margem para um aumento neste ano, dado que os desembolsos ficaram abaixo do permitido em 2017.
Há também uma melhora da arrecadação tributária, que deve permitir o cumprimento da meta para o saldo das contas federais.
Convém recordar, porém, que tal meta nada tem de ambiciosa: busca-se um déficit descomunal de R$ 159 bilhões, sem incluir no cálculo os gastos com juros.
Dito de outro modo, Executivo e Legislativo desperdiçam a oportunidade de obter um resultado menos ruim —e elevam os riscos para a próxima administração.
É particularmente lamentável que tenham caducado duas medidas provisórias de objetivos, sem dúvida, corretos: a MP 805, que adiava reajustes salariais e subia de 11% para 14% a contribuição previdenciária dos servidores, e a 806, que elevava a tributação de fundos de grandes investidores.
Além disso, congressistas derrubaram vetos presidenciais em leis de refinanciamento de dívidas, casos dos débitos previdenciários de ruralistas e de pequenas empresas. Por fim, o intento de reverter parte da desoneração da folha de pagamento das empresas não tem futuro promissor.
Decerto que é tarefa do Congresso considerar reivindicações da sociedade, que pode ter motivos justos para reagir às investidas do fisco. Entretanto deputados e senadores precisam responder, tanto quanto o Executivo, pela precária situação orçamentária do país.
Não fosse o bastante, o Planalto estuda ainda a liberação de crédito da Caixa Econômica Federal que elevaria os gastos dos estados.
A coalizão governista fugiu da responsabilidade de atacar o principal problema, o previdenciário. Agora, nem mesmo remendos emergenciais são considerados.
ESTADÃO - 11/04
Valerá para o sr. Lula da Silva a regra que vale para todos os detentos: visita familiar semanal, franqueada somente a presença dos advogados a qualquer dia e hora
Desde que foi recolhido à carceragem da Polícia Federal em Curitiba, na noite do sábado passado, o sr. Luiz Inácio Lula da Silva passou a ser mais um entre as centenas de milhares de presos sob custódia do Estado brasileiro.
No ofício de abertura de seu processo de execução provisória da pena de 12 anos e 1 mês de prisão a que foi condenado pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro – encaminhado pelo juiz Sérgio Moro à juíza Caroline Moura Lebbos, da 12.ª Vara Federal de Curitiba, responsável pela área de execuções penais daquele foro –, o apenado foi devidamente qualificado e recebeu o número de identificação que titula este editorial.
A despeito do que possa parecer a uma parte do distinto público – e das piruetas narrativas de seu séquito de adoradores –, uma vez encarcerado após ter sido condenado em um processo no qual, diga-se, lhe foram asseguradas todas as garantias ao exercício da ampla defesa, o sr. Lula da Silva não é um reeducando diferente dos demais por sua condição de ex-presidente. A partir de agora, Lula é mais um número no Cadastro Nacional de Presos (CNP).
Tal fato inescapável não se presta a desumanizá-lo entre as paredes da sala improvisada na qual está preso; a propósito, em condições muito mais dignas do que as da esmagadora maioria da população carcerária. Ao sr. Lula da Silva, como a qualquer outro que esteja sob a guarda do Estado, devem ser dadas as condições básicas para o tranquilo cumprimento de sua pena, visando à harmônica integração social do interno, exatamente como determina a Lei n.º 7.210/1984. Nem mais, nem menos. No cumprimento da pena, há que se observar com desvelo o princípio da dignidade humana.
A realidade objetiva imposta pela atual condição de reeducando do sr. Lula da Silva deve pautar não só o comportamento dos agentes do Estado a cargo de sua custódia, mas também deve – ou pelo menos deveria – orientar as ações dos grupos simpáticos ao ex-presidente, dentro do espírito que inspira um regime republicano como o nosso. Mas talvez este seja um pedido muito além da capacidade de entendimento de seus destinatários, pois o que se viu até agora foi exatamente o contrário.
Insuflados pela irresponsável cúpula petista, um grupo de militantes se entrincheirou no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em uma espécie de círculo de “proteção” ao réu condenado, enquanto outro grupo, este composto por membros do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), realizava o já habitual bloqueio de alguns trechos de rodovias.
Fora os graves ataques perpetrados por grupelhos nada afeitos à democracia contra jornalistas em pleno exercício da profissão, tudo ocorreu dentro do script esperado das ações dos baderneiros, gente que compreende “democracia” tão somente como mais uma palavra de uma embolorada retórica de enfrentamento político carente de sentido.
Mais disparatadas foram a anunciada “caravana” de 11 governadores até Curitiba – incluindo os de todos os Estados do Nordeste – para visitar o sr. Lula da Silva na cadeia; e a intenção manifestada pela presidente do PT, a senadora Gleisi Hoffmann, de “transferir” para a capital paranaense a sede do partido.
O pedido de visita especial dos governadores, feito pelo senador Roberto Requião (MDB-PR), foi negado pela juíza Caroline Lebbos, responsável pela execução penal. Ela afirmou inexistir “fundamento para a flexibilização do regime geral de visitas próprio à carceragem da Polícia Federal”. Portanto, valerá para o sr. Lula da Silva a mesma regra que vale para todos os detentos: visita familiar semanal, franqueada somente a presença dos advogados a qualquer dia e hora.
A ocupação de Curitiba por um grupo de militantes do PT deve receber a devida atenção dos órgãos de segurança pública do Paraná. O prefeito Rafael Greca (PMN) relatou uma série de reclamações de moradores contra o mau comportamento dos invasores. Para o bem da população e para a própria tranquilidade da execução da pena do sr. Lula da Silva, é bom que as autoridades locais estejam atentas aos excessos.