FOLHA DE SP - 05/02
Perco-me no que é 'direito' escrever sobre bonecos que podem ocupar o lugar de crianças
O leitor sabe o quanto penso que vivemos num mundo ridículo. Mas esse ridículo toca notas mais profundas em nós, penso eu, do que um mero ridículo para risadas baratas. Notas sombrias.
Gosto de filmes e histórias de terror. Há algum tempo, vi um filme em que uma mulher aceitava um emprego de babá. Babá de um boneco. Ao longo da história, um namorado violento descobre o endereço da casa em que ela trabalha e acaba por quebrar o boneco.
A partir dai, uma "versão" fantasmagórica do boneco, no tamanho de um menino verdadeiro, surge para matar todo mundo. Resumo da ópera: o boneco menino cumpria lá uma missão. A missão de conter o espírito atormentado do verdadeiro menino.
A moda "reborn" é uma nova moda. A redundância aqui visa o ridículo. Reborn são bonecos e bonecas (para respeitar os gêneros) que, "hiper-realistas", muitas vezes, ocupam o lugar de crianças verdadeiras para mulheres adultas (para meninas também, mas isso costumava ser "normal").
Imagino que também, de repente, os outros 170 gêneros sexuais humanos se sintam excluídos se eu não escrever que não só mulheres "têm o direito de" serem mães de bonecos e bonecas reborn.
Coloquei o "têm o direito de" entre aspas porque a expressão hoje se assemelha a "energia" ou "cabala" na sua desgraça semântica, ou seja, expressões que, de tanto uso, perderam a dignidade semântica. "Ética" é a próxima da fila.
Perder a dignidade semântica quer dizer que perderam qualquer significado de fato. Tipo: você "tem o direito de" dizer "cabala" para se referir a uma brisa sua de que você na vida passada foi uma bruxa queimada porque era muito inteligente e gostosa, e homens opressores, que detestam mulheres inteligentes e gostosas, queimaram você. E você descobriu isso tudo numa terapia quântica.
Dado o exemplo, voltemos à realidade. "Direito" você tem até de se declarar samambaia. Se você se sentir uma samambaia, eu acho que você deve "ter o direito de" se declarar uma samambaia.
Samambaias felizes compõem o cenário do futuro humano "cyborg". Se existirem samambaias competentes, logo bancos descolados as empregarão. Coworkings também terão startups com samambaias empoderadas.
Voltemos ao termo "cyborg". Em 1985, Donna Haraway publicou "A Manifesto for Cyborgs". Aqui o termo não significa unicamente os seres robóticos dos filmes. "Cyborg", aqui, significa o rompimento de fronteiras claras entre humanos e animais ou humanos e máquinas.
O "Manifesto" (adoro gente que escreve manifestos) visa refletir sobre a dissolução das fronteiras ontológicas entre natural e artificial ou a das fronteiras entre o que é gente e o que não é. A reflexão é séria. Não vou entrar nela.
Interessa-me aqui o frisson presente na ideia de "manifesto". A propósito, também existe o "Manifesto Coworking" (adoro gente que escreve manifestos, desde o Comunista).
Proponho o "Reborn Manifesto". Defenderei que as pessoas "têm o direito de" dar banhos em "reborn babies" e dar comida pra eles. Comprar roupas em lojas descoladas que compram o frisson do meu "Manifesto". Amá-los profundamente. Comprar remédios naturais para eles porque a indústria farmacêutica quer nos transformar em seus escravos viciados em drogas. Beijá-los. Sim, beijá-los. Por que não? Claro, não na boca, porque mesmo o "Reborn Manifesto" não aceita pedofilia.
Levá-los à escola? Sim! Vejo logo os coletivos de mães reborn perguntando: "Por que meus filhos, filhas e filhxs não têm o direito de frequentar as escolas?". Mas não as escolas para crianças "especiais"! Escolas para crianças "normais"! "Comuns"? Perco-me no que é "direito" ou não escrever.
Então suas crianças reborn frequentarão as aulas, com os mesmos "direitos" das outras crianças, e políticas contra o bullying de crianças reborn serão criadas por especialistas em diversidade reborn. Logo a discussão tocará o tema dos 171 gêneros sexuais humanos em matéria reborn. Um "Transreborn Manifesto" será escrito. "Reborn babies" terão cotas nas escolas!
Pergunto-me: qual é o fantasma que esses "reborn babies" escondem nessas "reborn mommies"?
ESTADÃO - 05/02
Quem mais se opõe à reforma da Previdência são os privilegiados do serviço público
Pena que a discussão sobre a reforma da Previdência enverede para questões menores, referentes às mais diversas formas de interesses particulares e partidários, quando está em questão o interesse coletivo. Perde-se a noção de bem maior, de bem público, como se os bens particulares devessem primar sobre o todo. São os privilégios defendidos com tanto afinco pelas corporações do Estado, como se eles se confundissem com o atendimento das demandas de seu estamento burocrático, seja no Executivo, no Legislativo, no Judiciário ou no Ministério Público. São também os interesses de políticos e partidos, que barganham suas demandas para a aprovação da reforma como se, de novo, o bem menor devesse ter primazia sobre o maior.
A palavra moralidade, em suas diferentes modalidades, com destaque para as moralidades administrativa e política, está recorrentemente em pauta. A sociedade luta por moralidade, assim como dizem fazer juízes e promotores. Acontece que cada setor tem uma acepção específica de moralidade que, bem examinada, talvez não resistisse ao teste de universalidade, de seu valor para todos os cidadãos.
Será que o atendimento de demandas das corporações pode ser qualificado como moral, embora se apresente sob o manto da moralidade pública? Não haveria uma máscara que deveria ser desvelada? Quando juízes e promotores, representados por suas instituições de classe, defendem seus privilégios, podem eles dizer que estão tendo uma atitude moral?
Um exemplo atual, fora do escopo da reforma da Previdência, é bastante ilustrativo. Juízes e promotores, em suas várias instâncias, defendem o auxílio-moradia, superior a R$ 4 mil para cada indivíduo. Na origem, tal benefício era perfeitamente justificável, pois se destinava a juízes, juízas, promotores e promotoras que, para o exercício de suas funções, se haviam deslocado para outros municípios. Necessitavam de moradia nessa sua etapa de transição. Nada havia que agredisse a moralidade.
Ora, para o atendimento de demandas corporativas, esse benefício foi estendido a todos, independentemente de terem casa própria e de atuarem em seus próprios municípios. Como se não fosse suficiente, há casos de casais de juízes e promotores que ganham duas vezes o mesmo auxílio, vivendo sob o mesmo teto. Seus defensores vêm a público dizer que isso é legal. Pode até ser. Mas tal benefício é moral?
A situação torna-se ainda mais esdrúxula na medida em que são os mesmos juízes e promotores, beneficiários de tais privilégios claramente imorais, que enchem a boca para se declararem defensores da moralidade pública. Como assim? Pessoas que usufruem privilégios manifestamente imorais podem colocar-se na posição de representantes da ética? Não há aí flagrante contradição?
A situação torna-se ainda mais problemática por serem esses mesmos personagens, destinatários de benefícios imorais, que criticam e menosprezam a classe política por sua imoralidade. Há dois pesos e duas medidas. Os políticos não poderiam ser imorais pela atividade que exercem, enquanto juízes e promotores poderiam usufruir mais um privilégio, o da imoralidade, apesar de se exibirem como os representantes mesmos da moralidade.
O Estado foi, nessa perspectiva, capturado pelo estamento burocrático, embora essa captura se apresente sob a forma da moralidade e do bem público, apesar de seus agentes não deixarem de atuar sob a forma da imoralidade no atendimento de seus interesses particulares, seus privilégios, pondo o bem próprio acima do público. No Brasil, as corporações estatais passaram a atuar não no sentido de uma burocracia com vocação universal no sentido hegeliano do termo, mas ativa na consecução de seus interesses particulares, sob a forma de privilégios vedados à maioria da população. O que vale para uns não valeria para todos.
Gozam de uma espécie de direito exclusivo, que só é “direito” numa acepção muito peculiar, pois carente de qualquer universalidade, ao qual os cidadãos normais não têm nenhum acesso. “Direitos exclusivos” só impropriamente deveriam ser ditos direitos. Cria-se, assim, uma situação completamente anômala, pois o Estado, que deveria estar a serviço da sociedade e dos cidadãos, se põe a serviço de suas corporações, como se o interesse delas coincidisse com o interesse público. De fato, embora não de direito, o Estado é capturado por suas corporações, que lutam com afinco pela conservação e ampliação de seus privilégios.
É como se o Tesouro público devesse a elas subordinar-se, com essas corporações nem mais escondendo o seu interesse particular como um bem maior, embora façam campanhas e criem justificativas como se estivessem a serviço da comunidade. Há mesmo aí uma certa perda de pudor.
Logo, a captura do Estado traduz-se não apenas pela injustiça, ao tornar desiguais os membros das corporações em relação ao resto dos cidadãos, tornando uma quimera o conceito de igualdade de oportunidades e de direitos que o Estado deveria representar, como também produz graves consequências do ponto de vista do equilíbrio fiscal. Privilégios têm custos não apenas no aspecto moral e político, mas também econômico. É o Estado aprisionado, que passa a agir em dissonância com a sociedade, à qual deveria servir e representar.
E são esses interesses corporativos, estamentais, que se insurgem com tanta força contra a reforma da Previdência, encenando a defesa dos interesses coletivos, quando, na verdade, estão a defender seus interesses próprios. O bem das corporações coloca-se acima do bem público. Os que usufruem os maiores benefícios, os que têm para si uma fatia desproporcional dos recursos públicos, são os que se apresentam como os defensores do mesmo interesse público e da moralidade.
O teatro da imoralidade deveria ter limites.
* Professor de Filosofia na UFRGS
O Globo - 05/02
Mais que nunca, o problema econômico número um do país se chama desequilíbrio fiscal. Inimagináveis até bem pouco, déficits primários gigantescos — cálculo em que não se consideram os juros e as amortizações de dívida como parte da despesa — se aproximaram dos R$ 200 bilhões anuais na União.
Só que, na raiz de tudo, para quem ainda não percebeu isso com clareza, estão os elevados níveis de gastos em benefícios previdenciários, mercê das elevadas taxas de crescimento observadas nesses mesmos itens há bastante tempo. E isso ocorre mesmo antes do agravamento da questão demográfica, que, mais à frente, colocará tintas ainda mais vermelhas nas tabelas respectivas.
Lembrando que há a Previdência dos servidores públicos, de um lado, e a Previdência Geral (INSS), do outro, trago aos meus leitores a constatação de que os gastos totais com a primeira passaram de R$ 205 bilhões em 2014 para, pasmem, R$ 284 bilhões no ano passado, distribuindo-se da seguinte forma. Nos estados, saíram de R$ 109 bilhões para R$ 163 bilhões; no regime dos servidores da União, de R$ 96 bilhões para R$ 121 bilhões. Os números seriam ainda mais escandalosos se tivesse conseguido obter, e aqui adicionar, os dados relativos à totalidade dos municípios. Mas, como não consegui deduzir as contribuições dos servidores, hoje certamente com alguma expressão e dada a escassez de estatísticas, a subestimativa do custo total com Previdência para a União, estados e municípios fica atenuada.
Já o déficit do INSS, que a União tem de pagar, e precisa ser adicionado aos totais citados no parágrafo anterior (e também comparado com eles), saiu de R$ 56,7 bilhões em 2014 para R$ 182,4 em 2017, sabendo-se, é claro, que o segundo número seria bem menor se não tivesse havido a megarrecessão entre os dois anos.
A síntese é que o custo das previdências é muito alto e crescente para os contribuintes, chamando ainda a atenção que a dimensão do problema dos servidores é muito mais elevada que a do déficit do regime geral, ao contrário do que muitos pensam.
Só por isso, a questão dos servidores deveria merecer atenção especial dos analistas e dos dirigentes políticos. Mas com muito mais razão, porque é no regime deles que se observam as maiores aberrações e injustiças, cabendo a alguém, uma hora, listar algumas delas.
Tendo foco na crise financeira estadual, um outro ponto igualmente importante que cabe salientar é que o pagamento dessas contas deveria se dar com superávits de igual valor, que deveriam ser registrados nas demais contas do ente em causa, especialmente num momento em que a disponibilidade de financiamento formal é quase zero.
Só que, para complicar, existe o que chamei de “donos do Orçamento”, que são áreas do Orçamento que têm receitas cativas ou garantidas e se recusam a pagar qualquer parcela da conta dos inativos e pensionistas do seu segmento. Nem pagam a despesa em si nem aceitam pagar contribuições patronais para viabilizar os benefícios futuros. E, para isso, obtiveram leis — inclusive leis complementares — que os desobrigam dessa responsabilidade.
Refiro-me, basicamente, às áreas de Educação e Saúde e aos chamados “poderes autônomos”: Legislativo, Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública, Tribunais de Contas. A força financeira desses poderes teria origem no dispositivo da Constituição de 1988, que lhes conferiu “autonomia financeira e administrativa”.
E há “donos do Orçamento” tão folgados financeiramente que acabaram criando fundos polpudos com as sobras de caixa oriundas das fatias protegidas que recebem em excesso dos orçamentos-mãe, cuja gestão é pouco conhecida da grande maioria de analistas que se dedicam ao tema.
Assim, a conta crescente que precisa ser paga com superávits ascendentes tem de ser assumida pelo orçamento residual do dirigente máximo do ente respectivo (no caso, os governadores), que recebe um pedaço pequeno do dinheiro total e tem responsabilidades importantes como as relativas às áreas de segurança e infraestrutura para bancar esse resíduo.
E como os gastos com o pessoal ativo são permanentemente pressionados para cima em todos os segmentos, inclusive pela própria União (que, por exemplo, é quem fixa o piso salarial dos professores de outras esferas de governo), o gerente financeiro é obrigado a propor coisas como zerar o investimento e reduzir o custeio em termos reais fortemente. O que coloca a operação do ente em óbvia situação calamitosa, levando ao acúmulo de atrasos e ao risco de não cumprir a lei que manda virar o mandato sem aqueles.
Em suma, se não há força política suficiente para rever as vinculações de receita a certas áreas e à autonomia orçamentária e financeira de outras, nem também para reformar regras previdenciárias com efeito imediato, a única saída é retirar esse assunto do orçamento e tratá-lo como se fez nas grandes estatais brasileiras. Ou seja, equacioná-lo financeiramente via fundos de pensão, como, aliás, manda o artigo 40 da Constituição, e como já se fez, no caso do Banco do Brasil, pela criação da Previ.
ESTADÃO - 05/02
O Judiciário ajuda governos e empresários a carregarem a cruz de más gestões
Divulgou-se recentemente que a Petrobrás, depois de três anos de litígio judicial, propôs pagar US$ 2,95 bilhões para encerrar um processo coletivo movido por acionistas nos Estados Unidos. Os investidores pedem indenização por perdas no valor das ações da estatal brasileira desde que ela foi alvo de denúncias de corrupção (Operação Lava Jato).
A empresa, porém, não indenizará espontaneamente os investidores brasileiros.
No Brasil, a “judicialização” da vida social foi incrementada vertiginosamente após a redemocratização e a promulgação da Constituição de 1988. Tornamo-nos incapazes de solucionar, sem recorrer ao Poder Judiciário, conflitos de toda natureza, públicos ou privados. Em 2017 fui relator de um recurso de agravo de instrumento, no Tribunal de Justiça de Minas Gerais, em que a agravante pretendia uma medida liminar para suspender o resultado de um concurso de miss.
Com muita propriedade, o jurista Kazuo Watanabe afirmou que ainda utilizamos pouco os métodos de solução extrajudicial de conflitos, porque temos uma “cultura da sentença” (Notícias do STJ, 22/7/2016).
Disso se aproveita a Petrobrás, a maior empresa estatal brasileira. Como bem salientou este jornal, o acordo de Nova York “é uma demonstração da eficiência do sistema judiciário americano na proteção dos direitos dos acionistas e investidores e das falhas do sistema brasileiro nesse aspecto” (editorial O acordo da Petrobrás, 5/1).
Desde a fundação dos Estados Unidos e até este início do século 21, o Direito, o processo e o sistema legal têm enorme relevância na sociedade norte-americana. É uma sociedade que confia intensamente nos mecanismos jurídicos para governar a si mesma (Lawrence M. Friedman, Law in America: a short history, 2004).
Receberam influência do sólido e milenar sistema jurídico da Inglaterra. Os britânicos legaram ao mundo civilizado a Magna Carta de 1215, que submeteu o rei à lei, rechaçou prisões arbitrárias e assegurou aos cidadãos acesso à Justiça, a fim de obterem um julgamento justo. Os direitos fundamentais da pessoa humana foram reafirmados e ampliados na Grã-Bretanha pela Revolução Gloriosa (1688), sem derramamento de sangue. Editou-se, então, o Bill of Rights (Simon Jenkins, A Short History of England, 2012).
Diverso é o panorama brasileiro. Aqui, os governos federal, estaduais e municipais postergam rotineiramente o pagamento dos precatórios para quitar débitos judiciais. O poder público, litigante contumaz, abarrota os tribunais brasileiros com milhares de processos.
Poderosos agentes da iniciativa privada adotam idêntica postura. Lamentavelmente, a triste realidade da Justiça brasileira é o favorecimento aos governos e a empresas e cidadãos endinheirados. As enferrujadas leis de processo permitem um sem-número de manobras que atrasam o fim de uma demanda. É irracional e inverossímil a quantidade permitida de recursos aos tribunais superiores. A decisão de um juiz de primeira instância nada vale. É só mise-en-scène.
Quem tem maior poder econômico protela o quanto pode o desfecho de uma ação. Poderá recorrer até a quarta instância. Nesse percurso, chega-se ao absurdo de haver, num único processo, mais de 20 recursos, com arcaicas denominações.
É bastante vantajoso protelar ao máximo o pagamento de dívidas aos consumidores e trabalhadores. Uma das causas determinantes dessa conduta são os baixos juros incidentes sobre débitos judiciais.
Se o comum dos mortais dever a um banco, pagará juros estratosféricos e diversos outros acréscimos. No Brasil, a taxa dos juros bancários tem ultrapassado os 150% por ano. Em situação inversa, bancos e empresas pagam juros bem inferiores quando arcam com débitos judiciais.
O Código Civil de 1916 estipulava juros legais de 0,5% ao mês ou 6% ao ano. Se formos estipular juros em contratos, a Lei da Usura somente permite o dobro da taxa legal. Logo, os juros só podiam ser contratados em patamares máximos de 1% ao mês ou 12% ao ano. O Código Civil de 2002 mandou aplicar aos juros legais a “taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional” (artigo 406). Serão de 1% ao mês ou 12% ao ano (artigo 161, § 1.º, do Código Tributário Nacional). Aplicados os limites da Lei da Usura, chegaremos aos patamares máximos de 2% ao mês ou 24% ao ano.
Negócio da China. Com essas taxas, compreendemos facilmente por que muitas empresas são más pagadoras de débitos declarados pela Justiça. É melhor especular com o valor da dívida no mercado financeiro.
O desembargador José Renato Nalini, ex-presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, assinalava há alguns anos: “Uma pessoa que tivesse falecido há 200 anos e hoje ressuscitasse sofreria uma grande surpresa em um banco, em um supermercado. Ela só se sentiria à vontade no Tribunal de Justiça, onde o ritual é o mesmo”.
Evoluímos um pouco, mas as tão festejadas reformas do Poder Judiciário (2004) e do Código de Processo Civil (2015) não solucionaram as distorções. Salienta o processualista Luiz Guilherme Marinoni que a morosidade dos processos lesa o princípio da igualdade, porque os mais carentes são as grandes vítimas dessa lentidão: “Embora (Giuseppe) Chiovenda houvesse anunciado, com absoluta clareza e invulgar elegância, que o processo deve dar a quem tem um direito tudo aquilo e exatamente aquilo que ele tem o direito de obter, e, ainda, que o processo não deve prejudicar o autor que tem razão, a doutrina jamais compreendeu, porque não quis enxergar o que se passava na realidade da vida, que o tempo do processo não é um ônus do autor”.
O cidadão fica ao deus-dará. Desavisado, xinga o juiz.
O Judiciário brasileiro ajuda governos e empresários a carregarem a cruz do desgoverno e más gestões...
* Doutor pela UFMG, professor universitário, é desembargador do Tribunal de Justiça de Minas Gerais
FOLHA DE SP - 05/02
Magistrados optam pelo silêncio ou escorregam em declarações desnecessárias
O dado impressiona: 43% dos juízes da cidade de São Paulo que recebem o auxílio-moradia possuem imóvel na capital. E 215 deles têm mais de um em seu nome.
Temos um campeão, o desembargador José Antonio de Paula Santos Neto, proprietário de 60 imóveis. Isso, 60, sendo alguns apartamentos em áreas nobres da capital, como Perdizes, Higienópolis e Morumbi.
As informações acima foram reveladas pela Folha no domingo (4). Desde a semana passada, uma série de reportagens publicadas pelo jornal tem mostrado a aberração em que se transformou esse benefício.
O Judiciário, que deveria ser um exemplo de conduta ética, parece não estar nem aí para seu desgaste. Amparados por uma liminar de um colega, o ministro Luiz Fux, do STF, juízes atropelam o bom senso moral em troca de um bônus salarial (que é o que virou o auxílio-moradia) que não faz qualquer sentido.
O mau exemplo vem de cima. Somente em Brasília 26 ministros de tribunais superiores (STJ, TST e STM) recebem o auxílio-moradia mensalmente mesmo sendo donos de imóveis de alto padrão e em zonas valorizadas da capital federal.
Chama a atenção também a reação dos nobres magistrados às informações divulgadas. Ou silenciam ou escorregam em declarações desnecessárias. Nenhum deles até agora colocou a mão na consciência e anunciou que abriria mão da ajudinha de R$ 4.378 no salário.
Dois argumentos de defesa predominam. Um é que o privilégio é legal. O outro é que a remuneração da categoria está defasada e o benefício é um jeitinho para cobrir o buraco. Esse segundo foi usado por Sergio Moro, que ganha auxílio, apesar de ser dono de imóvel em Curitiba.
Nenhuma versão convence. A da defasagem beira o escárnio. É um salvo-conduto para que os brasileiros com salários supostamente desvalorizados deem de espertos, driblando a moralidade para engordar o seu contracheque no fim do mês.
ESTADÃO - 05/02
Incapaz de mostrar a inocência do seu líder, a legenda em frangalhos deseja que o povo acredite que as instituições nacionais são frágeis
Diante da contundência e da clareza com que o Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4) confirmou o veredicto condenatório do sr. Lula da Silva por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, há quem venha alertando para o risco de que o réu seja transformado em mártir. De acordo com essa opinião, melhor seria que o cacique petista pudesse participar tranquilamente das eleições e, principalmente, que a Justiça não tentasse levá-lo à cadeia. Uma atuação forte da Justiça contra este singularíssimo réu, dizem essas vozes, poderia suscitar uma convulsão política e social, criando desnecessariamente um grave perigo para o País.
Tal opinião é absolutamente infundada. É palpite infeliz. No processo relativo ao triplex do Guarujá, a Justiça proferiu duríssima decisão contra o sr. Lula da Silva – foi condenado a 12 anos e 1 mês de prisão em regime fechado pelo TRF-4 – e não houve qualquer reação popular a favor do réu petista. O que se viu foi apenas o protesto minguado de alguns petistas, que manifestaram, mais do que uma improvável convicção relativa à inocência do réu, o desespero de quem vê o seu demiurgo envolto em aviltantes tramoias de corrupção.
A crença de que Lula se transformará num mártir caso a Justiça não lhe dê um tratamento especial – no mínimo, que o Poder Judiciário não se furte a ponderar previamente supostos efeitos políticos das decisões envolvendo o ex-presidente petista – é justamente o que o interessado maior nessa patranha espera que aconteça, pois é a única salvação que parece lhe restar.
Esgotados os frágeis argumentos jurídicos de sua defesa, o sr. Lula da Silva apela para a farsa política, dando a entender que seria mais poderoso do que as instituições do País. O medo de que Lula seja transformado em mártir não é, assim, consequência de uma preocupação com o interesse nacional e a ordem pública. É a velha manipulação petista da realidade, numa canhestra tentativa de mais uma vez enganar a população. O engodo é evidente. Incapaz de mostrar a inocência do seu líder ante a condenação em segunda instância por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, a legenda em frangalhos deseja que o povo acredite que as instituições nacionais são frágeis e, portanto, não devem ousar enfrentar o mito Lula.
O bom funcionamento da Justiça não produz mártires. Quando o Poder Judiciário atua de forma isenta, aplicando a lei equanimemente, não há alvoroços políticos e sociais. O resultado, na verdade, é um ambiente de mais segurança, mais serenidade, mais racionalidade; enfim, mais paz. Foi o que se viu após o julgamento da 8.ª Turma do TRF-4.
Deixar de aplicar a lei ao réu Lula com receio de efeitos políticos seria um vergonhoso desrespeito ao Estado Democrático de Direito, pois significaria transigir num de seus pontos basilares: o princípio de que todos são iguais perante a lei. Não cabem exceções à lei.
Além disso, não aplicar a lei por medo do mártir só reforçaria a fantasia de que o sr. Lula da Silva está acima da lei e das instituições. No ambiente próprio da República, onde a lei se aplica a todos, não florescem mártires nem mitos. Tais figuras só vivem fora dos limites legais.
É muito importante para o País que a história política de Lula não represente qualquer exemplo de imunidade face aos crimes comuns que ele cometeu. O que a população mais almeja em suas constantes manifestações contra a corrupção e a impunidade é a igualdade do tratamento dado a humildes e a poderosos.
Se a Nação deseja trilhar caminhos de normalidade republicana e democrática, deve de uma vez por todas parar de flertar com esses raciocínios que responsabilizam a aplicação da lei por fantasiosas desordens sociais ou políticas. Se a lei diz que o sr. Lula da Silva, por força de seus atos criminosos, deve, em vez de ser candidato, ir para a cadeia, o melhor para o País é que, como todo cidadão, ele seja submetido à lei. Afinal, sem a espada e a venda, a Justiça nada é.
ESTADÃO - 05/02
A agenda nacional deveria estar integralmente ocupada por debates acerca de grandes temas
A vida nacional parece travada por um estado de torpor, como se o País vivesse à espera da próxima miríade de crises que se interpõem entre uma nação que deseja apenas viver em segurança, trabalhar, educar os seus filhos, produzir, enfim, desenvolver-se, e a construção de um saudável ambiente político em que vicejem as condições para que aqueles justos desejos se materializem para cidadãos e empresas.
É fundamental deixar claro que por “saudável” não se deve entender “pacífico”. É próprio da política, dada a complexidade de seu exercício diário, sobretudo em regimes democráticos como o nosso, passar por constantes fricções. Só as ditaduras são monocórdias. Entretanto, é a política, e tão somente a política, o principal meio de costura da infinidade de interesses que animam todos os estratos que compõem o tecido social. Sem a boa política, restam apenas os autoritários, os populistas, os vendedores de sonhos irresponsáveis que a médio prazo só aprofundam as fissuras, em vez de repará-las.
O problema no caso brasileiro, no entanto, não se deve às disputas próprias da política, fundamentais para o vigor da democracia. Em que pese a ação deletéria dos maus políticos, trata-se, antes de tudo, de um estado de indiscriminada criminalização da política. A democracia dispõe dos meios legítimos para lidar com aqueles que traem a confiança dos eleitores. Mas, quando paira sobre todos uma carregada nuvem de suspeição, é mais difícil distinguir os bons e os maus. Pavimenta-se, assim, o terreno para salvadores de ocasião e oportunistas.
Tome-se como exemplo a campanha engendrada por alguns membros do Poder Judiciário e do Ministério Público para desqualificar os políticos indistintamente, criando um clima de constante apatia e desesperança na população que serve para desacreditar a política como um todo. Deste modo, susta-se o avanço do País por meio da interrupção das discussões dos temas de real interesse da Nação até que a crise da hora seja transposta.
Nos últimos anos, projetos do mais relevante interesse público, como a reforma da Previdência, a reforma tributária e a reforma política, têm sido negligenciados porque uma enorme quantidade de energia da Nação é drenada pelas crises que se sucedem sem perspectiva de fim. É preciso virar a página e avançar.
A agenda nacional deveria estar integralmente ocupada por debates acerca de grandes temas, acerca de projetos voltados para o crescimento econômico, para a melhoria da oferta de serviços públicos como saúde, educação e segurança, projetos que reduzam o crônico déficit de infraestrutura do País, que constantemente desafia a nossa capacidade de crescer.
É fundamental a retomada da agenda de projetos essenciais para o desenvolvimento do País, a começar pela votação da reforma da Previdência.
Não menos importante é a reforma política, há muito tida como a solução para as distorções de nosso sistema eleitoral. Está na Câmara dos Deputados o projeto que institui o voto distrital misto nas eleições proporcionais a partir de 2020, já aprovado no Senado. Sozinho, este projeto não tem o condão de resolver todos os vícios de nossa democracia representativa, mas é sem dúvida um bom começo. Outras iniciativas destinadas a melhorar o ambiente econômico e político e assegurar o crescimento poderiam ser citadas.
Não obstante as sucessivas crises havidas nos últimos dois anos, é importante registrar os significativos avanços na pauta apresentada pelo Executivo e sustentada pelo Legislativo, como foram a aprovação da reforma trabalhista, a reforma do ensino médio e a fixação de um limite constitucional para os gastos públicos.
Isso mostra que com empenho e boa vontade é possível superar as armadilhas instaladas por aqueles que sobrepõem seus interesses corporativos ao interesse público e avançar nos projetos que, de fato, levarão o País ao patamar de desenvolvimento há muito esperado.
FOLHA DE SP - 05/02
Magistrados e outros altos funcionários parecem desconhecer limites do Orçamento
Um casal de juízes recebe dois auxílios-moradia do erário, embora os dois magistrados morem no mesmo imóvel, próprio, na cidade em que trabalham.
Esta é a situação dos juízes Marcelo e Simone Bretas, o primeiro conhecido pelas sentenças relativas à Lava Jato no Rio de Janeiro, e o casal agora citado como exemplo no debate acerca das regalias concedidas à elite do funcionalismo.
Não há, decerto, justificativa republicana para privilégios do gênero, artifícios burocráticos com roupagem legal que têm o mero objetivo de disfarçar aumentos de renda e despesa pública.
O juiz Sergio Moro, também celebrizado pelas penas aplicadas a corruptos e corruptores, disse que o auxílio-moradia compensa a ausência de reajuste dos vencimentos desde 2015 uma reparação à qual a enorme maioria dos brasileiros sujeita à crise econômica do período não teve direito.
Excetuados os casos de demandas excepcionais e custosas do serviço público, o rendimento do trabalho dos funcionários do Estado deveria se limitar à rubrica do salário. Em caso de exigência de transferência para locais remotos e de infraestrutura precária ou de viagens a trabalho, cabem indenizações temporárias. E só.
Quanto ao mais, os tais penduricalhos não passam de artifício para driblar o teto salarial do funcionalismo, de R$ 33,8 mil mensais. Juízes, entre outros privilegiados, recebem auxílio para alimentação, educação, moradia e enterro.
Nem se mencionem os casos de extravagâncias como férias extensas, carros, motoristas e aposentadorias especiais, tanto em valor quanto em precocidade.
Note-se que apenas o valor do auxílio-moradia, quase de R$ 4.400 ao mês, supera os rendimentos do trabalho de cerca de 90% da população brasileira.
A República pode ser uma ideia estranha para a casta, assim como o é o conceito de escassez de recursos. Não raro, magistrados concedem direitos, para si ou outros, que extrapolam a capacidade orçamentária dos governos.
Em caso de crise, como no Rio de Janeiro, reservam-se prioridade nos pagamentos. Em uma União quase falida, compõem os órgãos de Estado que mais ignoram o teto constitucional dos gastos
Espera-se que o Supremo Tribunal Federal julgue, em março, as diretrizes para a concessão do auxílio-moradia. Ainda que se dê fim à farra atual, restará uma longa lista de expedientes empregados para elevar além do razoável os vencimentos no serviço público.
Não se discute que magistrados e outros funcionários de alta qualificação devem ser bem remunerados. Entretanto é preciso que se levem em conta os limites da renda do país e da arrecadação tributária. Como proporção da economia nacional, o Judiciário brasileiro está, como mostram as estatísticas, entre os mais caros do mundo.
O Globo - 05/02
O teto melhorou as expectativas do mercado e deu perspectiva para as contas públicas
A Previdência, devido à resistência de governos e políticos em adaptá-la ao fenômeno demográfico mundial de envelhecimento da população, tem há muito tempo propensão a produzir déficits crescentes. O próprio engessamento orçamentário, com a fixação de percentuais fixos para despesas como na Saúde e na Educação, cedo ou tarde complicaria de vez o trabalho do gestor público. Assim como a indexação de várias despesas consideradas como sociais, caso das aposentadorias e pensões. As barbeiragens da política econômica lulopetista da “nova matriz macroeconômica”, lançada no final do segundo governo Lula e levada ao paroxismo por Dilma Rousseff, colocaram a economia brasileira na maior recessão da História (quase 8% no biênio 2015/26, 14 milhões de desempregados e inflação em alta), numa crise fiscal jamais vista.
Impedida Dilma Rousseff pelo Congresso, por atropelar a Lei de Responsabilidade Fiscal, coube ao novo governo, do vice Michel Temer, e sua equipe econômica tomarem medidas para conter gastos e que, de forma muito rápida, mudassem, ou atenuassem, a expectativa de insolvência do Tesouro. A proposta de reforma da Previdência era inevitável, e, para funcionar como um freio nos gastos, aprovou-se emenda constitucional para impedir que o total das despesas primárias (exceto as financeiras) ultrapasse um teto calculado pelo limite anterior acrescido da inflação. Este teto, de duas décadas de vigência, passou a funcionar como uma espécie de farol para sinalizar a necessidade de ajustes nos gastos. Também para forçar escolhas pelos políticos, algo inédito em um país em que se acha que a capacidade de gasto do Estado é infinita. Como o teto é do total das despesas, para se despender em uma rubrica do Orçamento, deve-se cortar em outra. Antes, como, por ideologia, o próprio governo Dilma não tinha maiores preocupações com déficits fiscais, as despesas vinham crescendo mais que o próprio PIB e a arrecadação tributária. Na verdade, a tendência é antiga, mas agravou-se com a “nova matriz” e quebrou o Estado. Por isso, a nota de crédito do Brasil tem caído — o que significa juros mais elevados nos financiamentos externos a projetos no país.
O teto, que passou a vigorar em 2017, foi obedecido e deverá sê-lo este ano. Mas com a ajuda do BNDES, na devolução de parte dos R$ 500 bilhões que o Tesouro, de forma irresponsável, levantou no mercado para injetar no banco, dentro da filosofia da “nova matriz”. Tem havido receitas extraordinárias que também auxiliam, e a própria retomada, mesmo lenta da economia, contribui. Além de tudo, o governo, por determinação constitucional, não pode se endividar para pagar despesas de custeio, apenas gastos de capital e investimentos. Chama-se “regra de ouro” e deverá ser descumprida em 2019, a depender do novo governo. O teto, não se discute, melhorou as expectativas do mercado e deu perspectiva para as contas públicas. Mas, se não começar a reforma da Previdência, o ajuste terá de ser duro, forçado pelo teto constitucional e para evitar a volta da inflação, o que transformará em pó os ganhos que os pobres tiveram nos últimos 20 anos.
ESTADÃO - 05/02
O crescimento econômico poderá elevar a arrecadação tributária, mas em volume insuficiente para compensar a expansão dos gastos obrigatórios
Por segurança, o governo vai bloquear R$ 16,2 bilhões do Orçamento deste ano, enquanto espera novas informações – e novos fatos – para avaliar mais claramente a evolução de receitas e despesas nos próximos meses. Quase metade do bloqueio, ou R$ 8 bilhões, é justificada pela incerteza quanto à privatização da Eletrobrás, dependente da aprovação de um projeto de lei. Apesar das dúvidas, algumas muito importantes, o ministro do Planejamento, Dyogo Oliveira, mostrou-se tranquilo quanto a três pontos. Primeiro, será possível manter o déficit primário dentro do limite de R$ 159 bilhões, talvez em R$ 154,8 bilhões. Segundo, será respeitado o teto de gastos. Terceiro, será preservada a regra de ouro, a proibição de tomar empréstimos para cobrir despesas de custeio, como a folha de pessoal. Mas essa regra, profetizou, será quebrada a partir de 2019 e será preciso pensar numa saída legal.
A saída, no entanto, apenas ajudará o governo a enfrentar uma emergência, sem resolver o enorme problema das contas públicas. Com base na Constituição, o Executivo poderá ser autorizado, por maioria absoluta, a obter financiamento superior às despesas de capital. Em outras palavras, crédito para enfrentar gastos de custeio. Mas o desafio real continuará assombrando a administração.
O crescimento econômico poderá elevar a arrecadação tributária, mas em volume insuficiente para compensar a expansão dos gastos obrigatórios, a começar pelos benefícios previdenciários.
O ministro do Planejamento tem razões fortíssimas para insistir na aprovação, tão cedo quanto possível, da reforma da Previdência. Embora muito importante, a aprovação dessa mudança, no entanto, ainda será apenas um primeiro passo. Será preciso ir mais longe para desengessar e racionalizar as finanças públicas, mas o governo, por enquanto, nem avança nessa discussão. Consertar o sistema de aposentadorias já será um avanço considerável, apesar de insuficiente. Falta convencer os partidos a cuidar do assunto com responsabilidade e, é claro, alguma visão dos interesses nacionais.
Pelo menos neste ano o governo ainda poderá administrar as finanças federais mesmo sem a Previdência reformada. Mas ainda será preciso vencer incertezas importantes. Em outras condições, anunciar no começo do ano um decreto de programação orçamentária seria um ato rotineiro, imposto pela prudência. Algum bloqueio provisório de despesas – o famoso contingenciamento – seria parte de um ritual bem conhecido. Convém ter cuidado no começo do ano e ir devagar nos gastos até o cenário ficar mais claro. Mas desta vez o anúncio realizado pelo ministro do Planejamento pouco tem de rotineiro.
A rotina consistiu, essencialmente, na atualização das projeções econômicas. O crescimento econômico, estimado em 2,5% no projeto de lei orçamentária, foi revisto para 3%. A inflação esperada passou de 4,2% para 3,9%. Outros parâmetros também foram reavaliados sem grandes mudanças. Novas perspectivas naturalmente resultaram em ajustes nas projeções de gastos e receitas, com efeito geral levemente positivo para o governo. Se sobraram incertezas, foram essencialmente políticas.
As projeções do governo permanecem afetadas principalmente pela insegurança quanto à privatização da Eletrobrás e ao adiamento do reajuste do funcionalismo. Esse adiamento, suspenso por liminar do ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal, ainda poderá vigorar, mas esse resultado é incerto. Se tudo correr bem, o bloqueio de recursos poderá ser suspenso nos próximos meses e a execução orçamentária ficará bem menos apertada. O recebimento de R$ 130 bilhões do BNDES – dinheiro transferido pelo Tesouro na fase de generosa distribuição de favores – ajudará o governo a respeitar todos os limites. Mas a segurança – se couber essa palavra – pouco vai durar. Logo será preciso cuidar das diretrizes orçamentárias para 2019. Hoje, as perspectivas são de enormes problemas fiscais para o próximo governo. Avançar na pauta de reformas será um início de solução – se houver, em Brasília, um grupo razoável de políticos interessados no assunto.