FOLHA DE SP - 24/01
Seja qual for o resultado do julgamento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), em Porto Alegre, o Brasil jamais será o mesmo.
O condenado a nove anos e meio pelo juiz Sergio Moro mobilizou todo um séquito de fiéis vassalos, dispostos, com o aval da alma mais honesta deste país, ao enfrentamento e desafio às leis que o julgarão.
Parlamentares não se ruborizam ao incitar os seguidores da seita à coação e mesmo à violência física contra os que apenas exercem um dever avalizado em nossa Constituição.
Lula paira acima do mais comum dos mortais; determina, como um déspota que sempre foi, que a lei deve curvar-se a ele, e não o contrário.
A irracionalidade faz tábula rasa de incontáveis depoimentos de antigos comparsas, que pedem provas, como se o "simples fato" de Lula e Marisa terem declarado, durante seis anos, ao Imposto de Renda o tríplex de Guarujá não passasse de uma articulada conspiração da "direita fascista".
Do macacão matreiramente maquiado de graxa ao alfaiate de grife Ricardo Almeida, o humilde operário, antes sofrido morador de uma residência de 40 m2, como relata o jurista Hélio Bicudo, um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores, deu o chamado salto de qualidade —e ponha qualidade.
Com inegável carisma, Lula soube catalisar como ninguém a carência histórica de nosso povo por um "pai dos pobres". Diante da ausência de consciência politica da maioria da população, ele a tornou refém do mais deslavado assistencialismo, contando com o apoio de intelectuais saudosos de uma falida ideologia "de esquerda" e de aplicados setores da igreja partidários da enigmática Teologia da Libertação.
Lamentavelmente, Lula poderia ter sido o maior líder popular, não só da história do país, mas de toda a América Latina, se não tivesse pretendido impor à nação um projeto indefinido de poder, utilizando para essa finalidade o aparelhamento partidário-ideológico da sociedade, esgarçando, estrategicamente, os limites que caracterizam uma democracia.
Evidentemente, Lula não inventou a corrupção, mas aperfeiçoou-a a níveis inimagináveis, usando-a como adestramento e cooptação de não tão renitentes adversários em praticamente todas as áreas de poder do país.
Mas, como imaginam as bem intencionadas Pollyanas de plantão, o comunismo não acabou com a queda do Muro de Berlim, apenas mudou o idioma e corte de cabelo e veio lançar seu alto poder de sedução à América Latina.
Para esse intento, Lula, com a cumplicidade de Fidel Castro (1926-2016) e de Hugo Chávez (1954-2013), criou o Foro de São Paulo em 1990, com o objetivo de debater a nova conjuntura pós-queda do Muro de Berlim. "Debater", leia-se, a articulação para dominar primeiro o maior e mais influente país da região, e a posterior subjugação de toda a América Latina.
Não era mais a tomada do poder pela luta armada; ressuscitaram Antonio Gramsci (1891-1937), uma pitada de fabianismo, a solerte infiltração nas universidades, com a escola com partido, e a consequente doutrinação do marxismo cultural, idiotizando e alienando setores expressivos de nossa juventude.
Mas os míopes seguidores de Lula esbravejam que Brahma —um de seus codinomes revelados nas incontáveis delações premiadas— realizou, como nunca dantes na história deste país, a inclusão social!
Como assim? Deixando um deficit de 13 milhões de desempregados, mais de 60 milhões de inadimplentes, milhares de postos de trabalho fechados, brutal aumento das dívidas interna e externa. Fatos! Mas sem "consistência" para seus hipnotizados aduladores!
Enfim, não é apenas Lula que estará sendo julgado, mas todo o seu "legado" que se tornará de difícil recuperação; não só a quebradeira econômica de seus governos e da "administração" de sua dileta afilhada, a inesquecível Dilma Rousseff, mas o resgate ético e moral de uma nação apática e humilhada.
CARLOS VEREZA, 77, é ator, diretor e autor de peças de teatro, com mais de 50 trabalhos desde o início da carreira, em 1959
quarta-feira, janeiro 24, 2018
Pensando alto - ROBERTO DAMATTA
O Globo - 24/01
O político enganador e poderoso algemado promove empatia porque não temos como fotografar o seu crime. Ele roubou ‘do governo’
Pensar alto, exteriorizando em palavras ou gestos o que está restrito ao interior da cabeça, é muito perigoso. Corre-se risco quando se fala o que se pensa e se pensa o que se fala. Pode dar prisão e morte — destruir reputações. Você pode ser chamado de esquerdista ou, como hoje é moda, de golpista e, pior que tudo, de liberal...
Livre da consciência, o pensamento é controlado, protocolado ou proibido. Nas ditaduras não se pode pensar. As cabeças autoritárias coroadas pelo êxito assumem que tomar partido é decidir.
Falamos em fake news sem prestar atenção a que elas são atos falhos, são sussurros mentais e, como as intrigas e calúnias, são descobertas incômodas — verdades verdadeiras. Expressões de desejos e de alternativas culturais suprimidas ou reprimidas. Não falo nem morto; se ele for condenado, morremos...
Muitas anedotas que circularam em regimes despóticos revelam isso claramente. No Brasil, muitas ressaltavam e extrema feiura, ausência de inteligência e de tato de alguns dos nossos ditadores. Na Alemanha do nacional-socialismo existe um verdadeiro cânone desses eventos imaginários, expressivos de desejos aprisionados. Eis um exemplo:
“Hitler e Goering estão olhando a paisagem do alto de uma estação de rádio em Berlim. Hitler revela que ele gostaria de fazer alguma coisa que abrisse um sorriso nos rostos tristes dos berlinenses. Goering pensa um pouco e sugere: ‘Por que você não pula?’”
Ouvida por nazistas, a piada deu interrogatório e perseguição. Os politicamente corretos não podiam admitir o humor que deixa “falar alto” e revela os interstícios. A filigrana onde os desejos lutam para sair porque denunciam a mistificação.
Certas piadas, senão todas, bem como o seu inverso — as calúnias e pragas que fazem sofrer e chorar —, são censuradas porque o “pensar alto” revela o lado dissimulado de um regime ou pessoa sagrada.
Pensar alto é um meio-termo entre o peso da verdade e o seu desvendamento. No meu longo e elaborado treinamento, cujo destino era ser pesquisador e professor, eu passei por muitos exercícios de controle do pensar alto. Uma vez assisti a uma conferência singularmente presunçosa sobre “teoria do parentesco” proferida por um pós-estruturalista francês no Museu Geral, onde trabalhava. Seu ponto de partida era genial: só há parentesco porque um homem se casa com uma mulher...
Meu professor adorou. Eu, porejando pusilanimidade, concordei, mas pensei baixinho com desmedida coragem: trata-se de uma besta quadrada! A quantas conferências e seminários idiotas eu assisti? Em quantas aulas e palestras eu mesmo disse lixo? Quantas vezes eu sufoquei o meu pensar alto? Perdi a conta...
Lembro-me de alguns conselhos recebidos nesta preparação para uma apropriada cultura da hipocrisia. Quando, no seu período préTrump, os Estados Unidos eram a América, meu mentor exigia que eu fosse direto ao ponto (go straight to the point!) arcando com todas as consequências, inclusive a de revelar a desonestidade intelectual do conferencista ou do autor. No Brasil, porém, onde discordar é tido como falta de consideração e de humanidade (errar é humano, persistir no erro é estar no lugar certo e ser superior!), aprendi o exato oposto: “Jamais, admoestou-me um mentor, diga o que você pensa!” Encaixei as duas lições e confesso a minha total insegurança entre o pensar alto e deixar de pensar.
Quando eu observo que um operador profissional de propinas está paradoxalmente “preso” na sua fazenda porque o Estado não tem tornozeleiras eletrônicas, eu penso alto: não seria melhor acabar com julgamentos de todas as ex-autoridades que continuam a gozar de suas majestades?
Queremos justiça, mas não gostamos de suas consequências: prisões, igualdade absoluta, isolamento e algemas. O político enganador e poderoso algemado promove empatia porque não temos como fotografar o seu crime. Ele roubou “do governo”, recebeu propinas, seus companheiros mais chegados o denunciaram abertamente, ele quebrou o Brasil, mas a “crise”, embora tremenda, é impessoal e abstrata. Ela é sentida e vivida, mas não pode ser presa e ninguém vai morrer por ela.
Pensando alto, o que conta no Brasil é a personificação. Milhares, porém, foram algemados a uma vida miserável por irresponsabilidade do governante, mas, ao vê-lo prestes a ser julgado e a receber o seu fim político, o coveiro de esperanças é transformado por alguns numa pobre vítima e num herói nacional. Tudo é falso e irreal. Trata-se, inclusive, de julgar o julgamento. Eis o dogma em estado puro. O assassínio do pensamento.
O político enganador e poderoso algemado promove empatia porque não temos como fotografar o seu crime. Ele roubou ‘do governo’
Pensar alto, exteriorizando em palavras ou gestos o que está restrito ao interior da cabeça, é muito perigoso. Corre-se risco quando se fala o que se pensa e se pensa o que se fala. Pode dar prisão e morte — destruir reputações. Você pode ser chamado de esquerdista ou, como hoje é moda, de golpista e, pior que tudo, de liberal...
Livre da consciência, o pensamento é controlado, protocolado ou proibido. Nas ditaduras não se pode pensar. As cabeças autoritárias coroadas pelo êxito assumem que tomar partido é decidir.
Falamos em fake news sem prestar atenção a que elas são atos falhos, são sussurros mentais e, como as intrigas e calúnias, são descobertas incômodas — verdades verdadeiras. Expressões de desejos e de alternativas culturais suprimidas ou reprimidas. Não falo nem morto; se ele for condenado, morremos...
Muitas anedotas que circularam em regimes despóticos revelam isso claramente. No Brasil, muitas ressaltavam e extrema feiura, ausência de inteligência e de tato de alguns dos nossos ditadores. Na Alemanha do nacional-socialismo existe um verdadeiro cânone desses eventos imaginários, expressivos de desejos aprisionados. Eis um exemplo:
“Hitler e Goering estão olhando a paisagem do alto de uma estação de rádio em Berlim. Hitler revela que ele gostaria de fazer alguma coisa que abrisse um sorriso nos rostos tristes dos berlinenses. Goering pensa um pouco e sugere: ‘Por que você não pula?’”
Ouvida por nazistas, a piada deu interrogatório e perseguição. Os politicamente corretos não podiam admitir o humor que deixa “falar alto” e revela os interstícios. A filigrana onde os desejos lutam para sair porque denunciam a mistificação.
Certas piadas, senão todas, bem como o seu inverso — as calúnias e pragas que fazem sofrer e chorar —, são censuradas porque o “pensar alto” revela o lado dissimulado de um regime ou pessoa sagrada.
Pensar alto é um meio-termo entre o peso da verdade e o seu desvendamento. No meu longo e elaborado treinamento, cujo destino era ser pesquisador e professor, eu passei por muitos exercícios de controle do pensar alto. Uma vez assisti a uma conferência singularmente presunçosa sobre “teoria do parentesco” proferida por um pós-estruturalista francês no Museu Geral, onde trabalhava. Seu ponto de partida era genial: só há parentesco porque um homem se casa com uma mulher...
Meu professor adorou. Eu, porejando pusilanimidade, concordei, mas pensei baixinho com desmedida coragem: trata-se de uma besta quadrada! A quantas conferências e seminários idiotas eu assisti? Em quantas aulas e palestras eu mesmo disse lixo? Quantas vezes eu sufoquei o meu pensar alto? Perdi a conta...
Lembro-me de alguns conselhos recebidos nesta preparação para uma apropriada cultura da hipocrisia. Quando, no seu período préTrump, os Estados Unidos eram a América, meu mentor exigia que eu fosse direto ao ponto (go straight to the point!) arcando com todas as consequências, inclusive a de revelar a desonestidade intelectual do conferencista ou do autor. No Brasil, porém, onde discordar é tido como falta de consideração e de humanidade (errar é humano, persistir no erro é estar no lugar certo e ser superior!), aprendi o exato oposto: “Jamais, admoestou-me um mentor, diga o que você pensa!” Encaixei as duas lições e confesso a minha total insegurança entre o pensar alto e deixar de pensar.
Quando eu observo que um operador profissional de propinas está paradoxalmente “preso” na sua fazenda porque o Estado não tem tornozeleiras eletrônicas, eu penso alto: não seria melhor acabar com julgamentos de todas as ex-autoridades que continuam a gozar de suas majestades?
Queremos justiça, mas não gostamos de suas consequências: prisões, igualdade absoluta, isolamento e algemas. O político enganador e poderoso algemado promove empatia porque não temos como fotografar o seu crime. Ele roubou “do governo”, recebeu propinas, seus companheiros mais chegados o denunciaram abertamente, ele quebrou o Brasil, mas a “crise”, embora tremenda, é impessoal e abstrata. Ela é sentida e vivida, mas não pode ser presa e ninguém vai morrer por ela.
Pensando alto, o que conta no Brasil é a personificação. Milhares, porém, foram algemados a uma vida miserável por irresponsabilidade do governante, mas, ao vê-lo prestes a ser julgado e a receber o seu fim político, o coveiro de esperanças é transformado por alguns numa pobre vítima e num herói nacional. Tudo é falso e irreal. Trata-se, inclusive, de julgar o julgamento. Eis o dogma em estado puro. O assassínio do pensamento.
Um amplo banco dos réus em Porto Alegre - FERNANDO EXMAN
Valor Econômico - 24/01
O julgamento de Lula pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, hoje, coloca o PT e seu pré-candidato à Presidência da República em desvantagem competitiva neste início de ano eleitoral. Não será apenas o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no entanto, quem estará no banco dos réus em Porto Alegre. Independentemente de sua decisão, o TRF-4 colocará em evidência o combate à corrupção no país, tema que representa um desafio a toda a classe política. Inclusive para Palácio do Planalto e para os partidos antagônicos ao PT.
Uma eventual condenação de Lula em segunda instância e o consequente início das discussões sobre seu enquadramento na Lei da Ficha Limpa são fatores que afligem a cúpula petista, o próprio ex-presidente e quem mais puder vir a recorrer das decisões do juiz Sergio Moro ao TRF-4. Mesmo assim, são fatos que não deixariam de mobilizar os militantes mais entusiasmados ou reduziriam o poder de Lula nas articulações entre os partidos de esquerda - seja para ampliar a base de apoio a uma candidatura própria como para turbinar uma chapa encabeçada por algum aliado.
Ao campo governista tampouco interessa que a temática da corrupção se mantenha no centro do debate. Partidos da base e seus principais dirigentes, os quais também serviram às administrações petistas e se serviram por muito tempo da Petrobras e de outras estatais antes de migrar para o governo Michel Temer, foram citados na Operação Lava-Jato e certamente serão confrontados por adversários e eleitores.
O próprio presidente da República tem padecido com a ojeriza da população a casos de corrupção envolvendo seus representantes. Não por causa da narrativa segundo a qual a eventual condenação de Lula seria mais um capítulo da suposta trama que levou ao impeachment de Dilma Rousseff, como gostaria o PT, mas porque a recuperação da popularidade de Temer e o aumento de sua força no processo sucessório passam necessariamente pela percepção da população em relação à legalidade dos atos praticados pelo presidente e a como o governo está combatendo irregularidades e a corrupção política.
É compreensível, portanto, que Temer tenha mencionado, em entrevista ao jornal "Folha de S. Paulo", que iniciará uma batalha por sua "recuperação moral" e não aceitará deixar o cargo com a pecha de quem "incorreu em falcatruas". Principalmente em um momento no qual até mesmo aliados passaram a argumentar que a reforma da Previdência Social não foi aprovada pela Câmara dos Deputados porque o Palácio do Planalto precisou mobilizar a base governista para barrar as duas denúncias apresentadas pela Procuradoria-Geral da República contra o presidente.
Autoridades do Palácio do Planalto estão atentas ao humor da população. Já chegaram sinais à Presidência de que, pelo menos nas ruas, a propaganda oficial conseguiu reduzir as críticas à reforma da Previdência. A mensagem de que a proposta combaterá privilégios, sobretudo no setor público, ganhou adeptos. Por outro lado, essas mesmas autoridades notaram que a corrupção lidera as críticas à atuação da administração federal entre quem desaprova o governo e é vista como uma das grandes causas da crise econômica enfrentada pelo país.
Temer teve seus piores índices de aprovação em meio às denúncias do Ministério Público e aos desgastes da base governista para barrá-las na Câmara dos Deputados. Na sequência, após a divulgação de diversos indicadores econômicos positivos, comemorou melhoras nas pesquisas de avaliação e observou, diante da tibieza dos pré-candidatos de centro, aliados defenderem a possibilidade de o próprio presidente entrar na disputa eleitoral a fim de defender o legado de seu governo.
Ainda é incerto o impacto do recente surto de febre amarela na avaliação do Executivo. Para desgosto do governo, a população em geral até agora não credita a Temer avanços econômicos como a queda da inflação e o crescimento da atividade. Mas algo que o governo tem certeza é que precisará mostrar aos cidadãos que o combate à corrupção é tratado com prioridade, para ser mais bem avaliado.
O presidente da República, na ótica da população, também responde pelos atos de integrantes de sua equipe e deve se responsabilizar pessoalmente pelo combate a malfeitos denunciados. Dilma Rousseff, por exemplo, viveu o ápice de sua popularidade em razão da "faxina" que conduziu em seu governo. A ex-presidente demitiu diversos ministros, afastando as denúncias do Palácio do Planalto. Tal comportamento, no entanto, contrariou partidos aliados, risco que Temer não está disposto a correr.
Dois episódios recentes simbolizam os desafios do Palácio do Planalto. Depois de demorar a agir para enquadrar a Caixa Econômica Federal nas regras que buscam reduzir o poder de influência dos partidos políticos em empresas estatais, o governo se viu obrigado a afastar vice-presidentes do banco. Por óbvio, a repercussão entre as siglas aliadas que indicaram esses executivos demitidos é negativa. O potencial dividendo político a ser obtido com medida, contudo, será incerto por um bom tempo.
Saindo do capital e indo para a área do Trabalho, Temer enfrenta dificuldades inesperadas para efetivar a nomeação da deputada Cristiane Brasil (PTB-RJ) para o primeiro escalão. E autoridades do governo vislumbram ainda mais desgastes na Justiça em futuras nomeações, uma vez que Temer receberá indicações dos partidos aliados quando precisar substituir os ministros que concorrerão a cargos eletivos.
Lula e seus aliados podem até ter razão em algumas críticas que fazem aos processos enfrentados pelo ex-presidente, mas de qualquer forma serão os mais expostos ao julgamento popular nos próximos dias. Mesmo assim, não são os únicos no meio político que têm algo a perder com a eventual dominância da agenda do combate à corrupção no debate eleitoral.
O julgamento de Lula pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, hoje, coloca o PT e seu pré-candidato à Presidência da República em desvantagem competitiva neste início de ano eleitoral. Não será apenas o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no entanto, quem estará no banco dos réus em Porto Alegre. Independentemente de sua decisão, o TRF-4 colocará em evidência o combate à corrupção no país, tema que representa um desafio a toda a classe política. Inclusive para Palácio do Planalto e para os partidos antagônicos ao PT.
Uma eventual condenação de Lula em segunda instância e o consequente início das discussões sobre seu enquadramento na Lei da Ficha Limpa são fatores que afligem a cúpula petista, o próprio ex-presidente e quem mais puder vir a recorrer das decisões do juiz Sergio Moro ao TRF-4. Mesmo assim, são fatos que não deixariam de mobilizar os militantes mais entusiasmados ou reduziriam o poder de Lula nas articulações entre os partidos de esquerda - seja para ampliar a base de apoio a uma candidatura própria como para turbinar uma chapa encabeçada por algum aliado.
Ao campo governista tampouco interessa que a temática da corrupção se mantenha no centro do debate. Partidos da base e seus principais dirigentes, os quais também serviram às administrações petistas e se serviram por muito tempo da Petrobras e de outras estatais antes de migrar para o governo Michel Temer, foram citados na Operação Lava-Jato e certamente serão confrontados por adversários e eleitores.
O próprio presidente da República tem padecido com a ojeriza da população a casos de corrupção envolvendo seus representantes. Não por causa da narrativa segundo a qual a eventual condenação de Lula seria mais um capítulo da suposta trama que levou ao impeachment de Dilma Rousseff, como gostaria o PT, mas porque a recuperação da popularidade de Temer e o aumento de sua força no processo sucessório passam necessariamente pela percepção da população em relação à legalidade dos atos praticados pelo presidente e a como o governo está combatendo irregularidades e a corrupção política.
É compreensível, portanto, que Temer tenha mencionado, em entrevista ao jornal "Folha de S. Paulo", que iniciará uma batalha por sua "recuperação moral" e não aceitará deixar o cargo com a pecha de quem "incorreu em falcatruas". Principalmente em um momento no qual até mesmo aliados passaram a argumentar que a reforma da Previdência Social não foi aprovada pela Câmara dos Deputados porque o Palácio do Planalto precisou mobilizar a base governista para barrar as duas denúncias apresentadas pela Procuradoria-Geral da República contra o presidente.
Autoridades do Palácio do Planalto estão atentas ao humor da população. Já chegaram sinais à Presidência de que, pelo menos nas ruas, a propaganda oficial conseguiu reduzir as críticas à reforma da Previdência. A mensagem de que a proposta combaterá privilégios, sobretudo no setor público, ganhou adeptos. Por outro lado, essas mesmas autoridades notaram que a corrupção lidera as críticas à atuação da administração federal entre quem desaprova o governo e é vista como uma das grandes causas da crise econômica enfrentada pelo país.
Temer teve seus piores índices de aprovação em meio às denúncias do Ministério Público e aos desgastes da base governista para barrá-las na Câmara dos Deputados. Na sequência, após a divulgação de diversos indicadores econômicos positivos, comemorou melhoras nas pesquisas de avaliação e observou, diante da tibieza dos pré-candidatos de centro, aliados defenderem a possibilidade de o próprio presidente entrar na disputa eleitoral a fim de defender o legado de seu governo.
Ainda é incerto o impacto do recente surto de febre amarela na avaliação do Executivo. Para desgosto do governo, a população em geral até agora não credita a Temer avanços econômicos como a queda da inflação e o crescimento da atividade. Mas algo que o governo tem certeza é que precisará mostrar aos cidadãos que o combate à corrupção é tratado com prioridade, para ser mais bem avaliado.
O presidente da República, na ótica da população, também responde pelos atos de integrantes de sua equipe e deve se responsabilizar pessoalmente pelo combate a malfeitos denunciados. Dilma Rousseff, por exemplo, viveu o ápice de sua popularidade em razão da "faxina" que conduziu em seu governo. A ex-presidente demitiu diversos ministros, afastando as denúncias do Palácio do Planalto. Tal comportamento, no entanto, contrariou partidos aliados, risco que Temer não está disposto a correr.
Dois episódios recentes simbolizam os desafios do Palácio do Planalto. Depois de demorar a agir para enquadrar a Caixa Econômica Federal nas regras que buscam reduzir o poder de influência dos partidos políticos em empresas estatais, o governo se viu obrigado a afastar vice-presidentes do banco. Por óbvio, a repercussão entre as siglas aliadas que indicaram esses executivos demitidos é negativa. O potencial dividendo político a ser obtido com medida, contudo, será incerto por um bom tempo.
Saindo do capital e indo para a área do Trabalho, Temer enfrenta dificuldades inesperadas para efetivar a nomeação da deputada Cristiane Brasil (PTB-RJ) para o primeiro escalão. E autoridades do governo vislumbram ainda mais desgastes na Justiça em futuras nomeações, uma vez que Temer receberá indicações dos partidos aliados quando precisar substituir os ministros que concorrerão a cargos eletivos.
Lula e seus aliados podem até ter razão em algumas críticas que fazem aos processos enfrentados pelo ex-presidente, mas de qualquer forma serão os mais expostos ao julgamento popular nos próximos dias. Mesmo assim, não são os únicos no meio político que têm algo a perder com a eventual dominância da agenda do combate à corrupção no debate eleitoral.
Dinheiro não liga para Lula e bananas - VINICIUS TORRES FREIRE
FOLHA DE SP - 24/01
NA VÉSPERA do juízo final de Lula da Silva, ocorreu um mero alvoroço de cassino nos mercados e uma baixa puxada em parte pelo tombo das ações da Vale, que tropeçaram no preço caído do ferro.
No mais, até aqui chegamos sem que os grandes negociantes de dinheiro dessem trela para esta nova fase da rebananização do país. Parecem indiferentes ao risco de prejuízo devido a reviravoltas que podem acontecer mesmo depois de fechadas as urnas, no mais dramático dos casos.
Como diz um administrador de um fundo americano que coloca muito dinheiro aqui, "a gente está sempre com um dedo no gatilho, para vender Brasil e recomprar na baixa, mas por enquanto não temos no radar um evento 2002 [quando houve grande desvalorização dos ativos brasileiros. Comprados na baixa horrível, renderam bilhões a quem acreditou na recuperação depois da posse de Lula]".
A rebananização vem pelo menos desde 2014. Uma nova fase de regressão começaria com a tentativa de Lula, condenado, manter-se candidato, no limite chegando a vencer a eleição e sendo então impugnado. Não se trata aqui de juízo sobre a justeza do julgamento, mas apenas de possíveis consequências práticas.
A luta de Lula pela sobrevivência seria além do mais temperada pela difusão ainda maior dos sentimentos de escárnio, cinismo e ódio políticos. Michel Temer e Aécio Neves, para citar nomes mais notórios, continuam no jogo, assim como a mais de centena de parlamentares e ministros na fila lerda do petrolão no Supremo.
Para quem se ocupa apenas de dinheiro, no entanto, o que importa é a presença possível de Lula na disputa em outubro e os rearranjos que tal incerteza pode causar no quadro geral de candidaturas, enrolado mesmo sem o ex-presidente. Uma consciência súbita do enrosco provocaria alguma retranca extra no crédito ou quem sabe paniquitos.
Preços e outros indicadores do mercado financeiro parecem ignorar a possibilidade de turumbamba, repita-se. É possível que a conversa sobre tal risco seja inócua, que seja calada pela massa de dinheiro que impulsiona mercados pelo mundo.
A crença média e de várias das maiores figuras da praça do mercado continua a ser, ao menos da boca para fora: 1) crescimento de mais de 2,5% do PIB; 2) vitória de candidato mais ou menos liberal (por convicção ou adesão pragmática); 3) suave continuação da euforia financeira mundial até 2019, também o credo de bancões pelo mundo.
O risco de aplicar dinheiro no Brasil caiu a quase um terço do que era no início de 2016 (medido pelo CDS) ou a quase metade (se medido pela diferença do que pagam governos de Brasil e Estados Unidos por empréstimos de dez anos).
Mesmo o grampo de Temer causou apenas remelexo provisório na finança; o rebaixamento da notinha de crédito do Brasil, nem isso. Houve grande empresário e grande financista que se surpreendeu com a calmaria, atribuída depois ao doping da dinheirama que vem de fora.
Mas por que o dinheiro grosso do mundo (parte dele de brasileiros lá fora) não liga para o risco político? Assim como o fazem partidos e empresas, quem sabe espere para ver qual vai ser a cara inicial do bicho que vai dar na política e no crescimento do PIB. Até abril?
NA VÉSPERA do juízo final de Lula da Silva, ocorreu um mero alvoroço de cassino nos mercados e uma baixa puxada em parte pelo tombo das ações da Vale, que tropeçaram no preço caído do ferro.
No mais, até aqui chegamos sem que os grandes negociantes de dinheiro dessem trela para esta nova fase da rebananização do país. Parecem indiferentes ao risco de prejuízo devido a reviravoltas que podem acontecer mesmo depois de fechadas as urnas, no mais dramático dos casos.
Como diz um administrador de um fundo americano que coloca muito dinheiro aqui, "a gente está sempre com um dedo no gatilho, para vender Brasil e recomprar na baixa, mas por enquanto não temos no radar um evento 2002 [quando houve grande desvalorização dos ativos brasileiros. Comprados na baixa horrível, renderam bilhões a quem acreditou na recuperação depois da posse de Lula]".
A rebananização vem pelo menos desde 2014. Uma nova fase de regressão começaria com a tentativa de Lula, condenado, manter-se candidato, no limite chegando a vencer a eleição e sendo então impugnado. Não se trata aqui de juízo sobre a justeza do julgamento, mas apenas de possíveis consequências práticas.
A luta de Lula pela sobrevivência seria além do mais temperada pela difusão ainda maior dos sentimentos de escárnio, cinismo e ódio políticos. Michel Temer e Aécio Neves, para citar nomes mais notórios, continuam no jogo, assim como a mais de centena de parlamentares e ministros na fila lerda do petrolão no Supremo.
Para quem se ocupa apenas de dinheiro, no entanto, o que importa é a presença possível de Lula na disputa em outubro e os rearranjos que tal incerteza pode causar no quadro geral de candidaturas, enrolado mesmo sem o ex-presidente. Uma consciência súbita do enrosco provocaria alguma retranca extra no crédito ou quem sabe paniquitos.
Preços e outros indicadores do mercado financeiro parecem ignorar a possibilidade de turumbamba, repita-se. É possível que a conversa sobre tal risco seja inócua, que seja calada pela massa de dinheiro que impulsiona mercados pelo mundo.
A crença média e de várias das maiores figuras da praça do mercado continua a ser, ao menos da boca para fora: 1) crescimento de mais de 2,5% do PIB; 2) vitória de candidato mais ou menos liberal (por convicção ou adesão pragmática); 3) suave continuação da euforia financeira mundial até 2019, também o credo de bancões pelo mundo.
O risco de aplicar dinheiro no Brasil caiu a quase um terço do que era no início de 2016 (medido pelo CDS) ou a quase metade (se medido pela diferença do que pagam governos de Brasil e Estados Unidos por empréstimos de dez anos).
Mesmo o grampo de Temer causou apenas remelexo provisório na finança; o rebaixamento da notinha de crédito do Brasil, nem isso. Houve grande empresário e grande financista que se surpreendeu com a calmaria, atribuída depois ao doping da dinheirama que vem de fora.
Mas por que o dinheiro grosso do mundo (parte dele de brasileiros lá fora) não liga para o risco político? Assim como o fazem partidos e empresas, quem sabe espere para ver qual vai ser a cara inicial do bicho que vai dar na política e no crescimento do PIB. Até abril?
É hora de votar a Previdência - FERNANDO DANTAS
ESTADÃO - 24/01
Mesmo com alto risco de derrota, Temer deveria fazer tudo para que reforma previdenciária seja votada na Câmara em fevereiro.
O governo divulgou na terça-feira, 23/1, o déficit recorde da Previdência em 2017, que atingiu a marca de R$ 268,8 bilhões. O número abrange tanto o Regime Próprio de Previdência Social (RPPS), referente aos servidores federais de todos os Poderes da República, com saldo negativo de R$ 86,3 bilhões; quanto o Regime Geral de Previdência Social (RGPS), dos trabalhadores regidos pela CLT, basicamente aqueles do setor privado – neste caso, o déficit foi de R$ 182,4 bilhões. Incluindo o déficit previdenciário do funcionalismo dos Estados e municípios, é provável que o rombo ultrapasse bem o nível de R$ 300 bilhões.
No último ano, a qualidade da discussão sobre a reforma da Previdência no Brasil mudou para melhor. Ainda há, claro, os nichos corporativistas que negam a existência de déficit da Previdência, o que é um erro contábil e principalmente uma enganação econômica. Se, por decreto, metade da arrecadação do Brasil fosse carimbada como receita da Previdência, de um dia para o outro haveria um superávit substancial, sem que a dramática situação fiscal tenha mudado um centímetro.
O que importa, claro, é o gasto previdenciário total como proporção do PIB, e relacionado à proporção de idosos na população. Nesse caso, como já se demonstrou à exaustão, o Brasil gasta o mesmo que o Japão, que tem o triplo de idosos. O adendo de filme de terror é que, em três ou quatro décadas, o Brasil terá a mesma proporção de idosos que o Japão tem hoje. E aí mal dá para pensar qual será o gasto previdenciário como proporção do PIB se mantidas as regras atuais.
O governo Temer, por sua parte, removeu da reforma da Previdência praticamente tudo que fosse contenção de benefícios para os não-ricos (mesmo quando estes benefícios são claramente insustentáveis do ponto de vista fiscal). Adicionalmente, concentrou sua retórica e publicidade oficial no caráter de correção de injustiças, que foi o que restou na atual versão da reforma. É verdade que a proposta no seu presente formato não ataca todas as injustiças, como, por exemplo, o regime superdeficitário dos militares.
De qualquer forma, os pontos básicos da reforma são a imposição muito gradativa da idade mínima de 62 e 65 anos para, respectivamente, homens e mulheres do RGPS, o que atinge a parcela de maiores rendimentos que consegue se aposentar por tempo de contribuição.
Além disso, a reforma dá passos adicionais para corrigir a principal injustiça do sistema previdenciário brasileiro: as condições excepcionalmente privilegiadas para se aposentar e deixar pensões dos funcionários públicos civis e militares que ingressaram no serviço antes de 2013 – e ainda mais espantosamente privilegiadas para os que ingressaram no serviço público antes de 2003.
Nada se pode fazer, evidentemente, em relação aos que já gozam de aposentadorias e pensões pelo RPPS, detendo benefícios petreamente garantidos pelo supremo princípio da República desde a redemocratização, o direito adquirido a fatias do orçamento público.
A persistente luta do governo Temer pela reforma da Previdência e a guinada na retórica oficial, da ênfase na inviabilidade fiscal para o foco nas injustiças, parece ter produzido um efeito não desprezível na opinião pública. A reforma continua a ser rejeitada pela maioria da população, mas a minoria que a apoia vem crescendo, e de maneira que parece consistente.
De qualquer forma, nada parece indicar que a proposta de emenda constitucional seja aprovada em primeiro turno na Câmara no início de fevereiro, de acordo com o cronograma estipulado. Faltam cerca de 50 votos, dizem os especialistas de dentro e de fora do Congresso.
O governo Temer, entretanto, deveria fazer tudo para colocar a reforma da Previdência em votação em fevereiro, mesmo que a derrota seja mais provável.
O presidente já emplacou uma parte substancial da sua agenda reformista na área econômica, e deveria estar preocupado com o seu legado, e não com qualquer mirabolante plano de candidatura própria. Um legado é composto basicamente de realizações concretas, mas também pode incluir boas propostas que não foram implementadas por motivos alheios à vontade do presidente. Neste caso, não se deixa uma mudança realizada, mas pelo menos fica um caminho para uma mudança a se realizar.
A mensagem final antes do voto deveria ser a de que a reforma da Previdência será benéfica para qualquer presidente que venha a ser eleito em 2018, que ganhará um alento fiscal para poder dar a partida de forma menos sufocante a partir de 2019.
O voto da reforma da Previdência em fevereiro terá o mérito de jogar nas costas do Congresso, e de cada deputado federal, a responsabilidade por aprovar ou rejeitar uma mudança que é vista como absolutamente essencial pelos melhores quadros técnicos dos dois principais partidos que se revezam no poder federal desde 1995, PT e PSDB.
Sem uma maior responsabilização do Legislativo pela governança nacional, dificilmente o Brasil terá condições de escapar aos ciclos de populismo, crise e arrumação da casa que caracterizam sua história econômica, e que mantêm o País enredado na armadilha da renda média.
É hora de a democracia brasileira amadurecer, e de seus atores assumirem a responsabilidade pelos seus atos. Adiar mais uma vez a votação reforma da Previdência fará mal para o País, qualquer que seja o resultado na Câmara dos Deputados. (fernando.dantas@estadao.com)
Fernando Dantas é colunista do Broadcast
Mesmo com alto risco de derrota, Temer deveria fazer tudo para que reforma previdenciária seja votada na Câmara em fevereiro.
O governo divulgou na terça-feira, 23/1, o déficit recorde da Previdência em 2017, que atingiu a marca de R$ 268,8 bilhões. O número abrange tanto o Regime Próprio de Previdência Social (RPPS), referente aos servidores federais de todos os Poderes da República, com saldo negativo de R$ 86,3 bilhões; quanto o Regime Geral de Previdência Social (RGPS), dos trabalhadores regidos pela CLT, basicamente aqueles do setor privado – neste caso, o déficit foi de R$ 182,4 bilhões. Incluindo o déficit previdenciário do funcionalismo dos Estados e municípios, é provável que o rombo ultrapasse bem o nível de R$ 300 bilhões.
No último ano, a qualidade da discussão sobre a reforma da Previdência no Brasil mudou para melhor. Ainda há, claro, os nichos corporativistas que negam a existência de déficit da Previdência, o que é um erro contábil e principalmente uma enganação econômica. Se, por decreto, metade da arrecadação do Brasil fosse carimbada como receita da Previdência, de um dia para o outro haveria um superávit substancial, sem que a dramática situação fiscal tenha mudado um centímetro.
O que importa, claro, é o gasto previdenciário total como proporção do PIB, e relacionado à proporção de idosos na população. Nesse caso, como já se demonstrou à exaustão, o Brasil gasta o mesmo que o Japão, que tem o triplo de idosos. O adendo de filme de terror é que, em três ou quatro décadas, o Brasil terá a mesma proporção de idosos que o Japão tem hoje. E aí mal dá para pensar qual será o gasto previdenciário como proporção do PIB se mantidas as regras atuais.
O governo Temer, por sua parte, removeu da reforma da Previdência praticamente tudo que fosse contenção de benefícios para os não-ricos (mesmo quando estes benefícios são claramente insustentáveis do ponto de vista fiscal). Adicionalmente, concentrou sua retórica e publicidade oficial no caráter de correção de injustiças, que foi o que restou na atual versão da reforma. É verdade que a proposta no seu presente formato não ataca todas as injustiças, como, por exemplo, o regime superdeficitário dos militares.
De qualquer forma, os pontos básicos da reforma são a imposição muito gradativa da idade mínima de 62 e 65 anos para, respectivamente, homens e mulheres do RGPS, o que atinge a parcela de maiores rendimentos que consegue se aposentar por tempo de contribuição.
Além disso, a reforma dá passos adicionais para corrigir a principal injustiça do sistema previdenciário brasileiro: as condições excepcionalmente privilegiadas para se aposentar e deixar pensões dos funcionários públicos civis e militares que ingressaram no serviço antes de 2013 – e ainda mais espantosamente privilegiadas para os que ingressaram no serviço público antes de 2003.
Nada se pode fazer, evidentemente, em relação aos que já gozam de aposentadorias e pensões pelo RPPS, detendo benefícios petreamente garantidos pelo supremo princípio da República desde a redemocratização, o direito adquirido a fatias do orçamento público.
A persistente luta do governo Temer pela reforma da Previdência e a guinada na retórica oficial, da ênfase na inviabilidade fiscal para o foco nas injustiças, parece ter produzido um efeito não desprezível na opinião pública. A reforma continua a ser rejeitada pela maioria da população, mas a minoria que a apoia vem crescendo, e de maneira que parece consistente.
De qualquer forma, nada parece indicar que a proposta de emenda constitucional seja aprovada em primeiro turno na Câmara no início de fevereiro, de acordo com o cronograma estipulado. Faltam cerca de 50 votos, dizem os especialistas de dentro e de fora do Congresso.
O governo Temer, entretanto, deveria fazer tudo para colocar a reforma da Previdência em votação em fevereiro, mesmo que a derrota seja mais provável.
O presidente já emplacou uma parte substancial da sua agenda reformista na área econômica, e deveria estar preocupado com o seu legado, e não com qualquer mirabolante plano de candidatura própria. Um legado é composto basicamente de realizações concretas, mas também pode incluir boas propostas que não foram implementadas por motivos alheios à vontade do presidente. Neste caso, não se deixa uma mudança realizada, mas pelo menos fica um caminho para uma mudança a se realizar.
A mensagem final antes do voto deveria ser a de que a reforma da Previdência será benéfica para qualquer presidente que venha a ser eleito em 2018, que ganhará um alento fiscal para poder dar a partida de forma menos sufocante a partir de 2019.
O voto da reforma da Previdência em fevereiro terá o mérito de jogar nas costas do Congresso, e de cada deputado federal, a responsabilidade por aprovar ou rejeitar uma mudança que é vista como absolutamente essencial pelos melhores quadros técnicos dos dois principais partidos que se revezam no poder federal desde 1995, PT e PSDB.
Sem uma maior responsabilização do Legislativo pela governança nacional, dificilmente o Brasil terá condições de escapar aos ciclos de populismo, crise e arrumação da casa que caracterizam sua história econômica, e que mantêm o País enredado na armadilha da renda média.
É hora de a democracia brasileira amadurecer, e de seus atores assumirem a responsabilidade pelos seus atos. Adiar mais uma vez a votação reforma da Previdência fará mal para o País, qualquer que seja o resultado na Câmara dos Deputados. (fernando.dantas@estadao.com)
Fernando Dantas é colunista do Broadcast
Não parece razoável imaginar uma saída rápida da recessão de 2014-2016 - ALEXANDRE SCHWARTSMAN
FOLHA DE SP - 24/01
De 1980 para cá, período para o qual dispomos de dados razoavelmente consistentes para o PIB trimestral, o Brasil passou por oito recessões, segundo o belo trabalho de datação dos ciclos econômicos realizado pelo Codace.
Em 49 desses 151 trimestres estivemos em recessão, instabilidade que, se não é causa última do nosso fraco desempenho do ponto de vista de crescimento, certamente ajuda a entender fenômenos como a cautela empresarial no que diz respeito a decisões de investimento.
Parafraseando Tolstói, porém, a cada recessão somos infelizes de uma maneira. Das oito mapeadas pelo Codace (Comitê de Datação de Ciclos Econômicos), cinco foram ou breves ou pouco profundas, quando não breves e pouco profundas.
Apenas três delas, portanto, tiveram a honra de serem, simultaneamente, longas e profundas: a associada à crise da dívida externa no início dos anos 1980; a que conjugou o desastroso fim do governo Sarney à não menos desastrosa política econômica do governo Collor; e, finalmente, a herança da Nova Matriz do governo Dilma, da qual emergimos apenas no começo do ano passado.
Nesses três casos a queda do PIB ficou ao redor de 8,5% e sua duração variou de 9 a 11 trimestres. Já no que tange às recessões menos graves, a queda do PIB variou de 1% a 6% (a recessão de 2008-09, mas que durou apenas dois trimestres), média de 3%, com duração entre dois e seis trimestres (em média, pouco menos de um ano).
Não chega a ser surpreendente, portanto, a diferença entre os dois tipos de recessão no que se refere à recuperação da economia.
Definindo, de maneira um tanto arbitrária, a recuperação como o retorno aos níveis de produto observados imediatamente antes da recessão, observa-se que, no caso das recessões moderadas, o prazo fica entre 2 e 3 trimestres após o fim da recessão, ou seja, uma recuperação bastante rápida.
Contudo, nos dois exemplos de recessões longas e profundas, a retomada dos níveis de produção anteriores à crise demorou 7 e 10 trimestres.
Em que pese o tamanho limitado da amostra, nossa experiência com as grandes recessões aponta para uma recuperação bem mais demorada, em parte pela própria distância maior em relação ao pico anterior, mas também por causa de uma velocidade de escape que parece ser bem menor do que no caso das recessões moderadas (com somente duas observações a média deve ser tratada com muita cautela).
O motivo por trás da lentidão aparente requer um tanto mais de estudo (a começar por dados mais detalhados de contas nacionais), embora haja candidatos óbvios ao papel de vilão da história (enorme capacidade ociosa, elevado endividamento de famílias e empresas, e crises políticas, entre outros).
Isto dito, porém, à luz da história dos últimos 38 anos, não parece razoável imaginar uma saída rápida da recessão de 2014-2016. Pelo contrário, os dados disponíveis até agora apontam para um padrão de recuperação muito semelhante ao das grandes recessões de 1981-83 e 1989-92, isto é, o retorno ao pico anterior à crise provavelmente apenas em 2019.
Nesse sentido, apenas a famigerada desonestidade daqueles mesmos que juravam que a recessão não seria superada pode explicar a nova trincheira, que agora reclama da velocidade da recuperação, ignorando tanto a história como os estragos causados por sua própria política desastrosa.
De 1980 para cá, período para o qual dispomos de dados razoavelmente consistentes para o PIB trimestral, o Brasil passou por oito recessões, segundo o belo trabalho de datação dos ciclos econômicos realizado pelo Codace.
Em 49 desses 151 trimestres estivemos em recessão, instabilidade que, se não é causa última do nosso fraco desempenho do ponto de vista de crescimento, certamente ajuda a entender fenômenos como a cautela empresarial no que diz respeito a decisões de investimento.
Parafraseando Tolstói, porém, a cada recessão somos infelizes de uma maneira. Das oito mapeadas pelo Codace (Comitê de Datação de Ciclos Econômicos), cinco foram ou breves ou pouco profundas, quando não breves e pouco profundas.
Apenas três delas, portanto, tiveram a honra de serem, simultaneamente, longas e profundas: a associada à crise da dívida externa no início dos anos 1980; a que conjugou o desastroso fim do governo Sarney à não menos desastrosa política econômica do governo Collor; e, finalmente, a herança da Nova Matriz do governo Dilma, da qual emergimos apenas no começo do ano passado.
Nesses três casos a queda do PIB ficou ao redor de 8,5% e sua duração variou de 9 a 11 trimestres. Já no que tange às recessões menos graves, a queda do PIB variou de 1% a 6% (a recessão de 2008-09, mas que durou apenas dois trimestres), média de 3%, com duração entre dois e seis trimestres (em média, pouco menos de um ano).
Não chega a ser surpreendente, portanto, a diferença entre os dois tipos de recessão no que se refere à recuperação da economia.
Definindo, de maneira um tanto arbitrária, a recuperação como o retorno aos níveis de produto observados imediatamente antes da recessão, observa-se que, no caso das recessões moderadas, o prazo fica entre 2 e 3 trimestres após o fim da recessão, ou seja, uma recuperação bastante rápida.
Contudo, nos dois exemplos de recessões longas e profundas, a retomada dos níveis de produção anteriores à crise demorou 7 e 10 trimestres.
Em que pese o tamanho limitado da amostra, nossa experiência com as grandes recessões aponta para uma recuperação bem mais demorada, em parte pela própria distância maior em relação ao pico anterior, mas também por causa de uma velocidade de escape que parece ser bem menor do que no caso das recessões moderadas (com somente duas observações a média deve ser tratada com muita cautela).
O motivo por trás da lentidão aparente requer um tanto mais de estudo (a começar por dados mais detalhados de contas nacionais), embora haja candidatos óbvios ao papel de vilão da história (enorme capacidade ociosa, elevado endividamento de famílias e empresas, e crises políticas, entre outros).
Isto dito, porém, à luz da história dos últimos 38 anos, não parece razoável imaginar uma saída rápida da recessão de 2014-2016. Pelo contrário, os dados disponíveis até agora apontam para um padrão de recuperação muito semelhante ao das grandes recessões de 1981-83 e 1989-92, isto é, o retorno ao pico anterior à crise provavelmente apenas em 2019.
Nesse sentido, apenas a famigerada desonestidade daqueles mesmos que juravam que a recessão não seria superada pode explicar a nova trincheira, que agora reclama da velocidade da recuperação, ignorando tanto a história como os estragos causados por sua própria política desastrosa.
O vendedor de greves - JOSÉ NÊUMANNE
ESTADÃO - 24/01
Esforço para livrar Lula da lei prejudica mais a democracia do que as mentiras que ele diz
Sábado, o País ficou sabendo que o presidente Temer não se intromete em assuntos do Judiciário, mas resolveu meter sua colher imprópria no julgamento de Lula, hoje, no Tribunal Federal Regional da 4.ª Região (TRF-4), em Porto Alegre. À pergunta formulada em entrevista exclusiva pelos repórteres da Folha de S.Paulo Gustavo Uribe e Marcos Augusto Gonçalves sobre como vê o julgamento e se seria melhor que o réu concorresse nas eleições este ano, o presidente respondeu: “Não posso dizer uma coisa que está sob apreciação no TRF. Agora, acho que se o Lula participar, será uma coisa democrática, o povo vai dizer se quer ou não. Convenhamos, se fosse derrotado politicamente, é melhor do que ser derrotado (na Justiça) porque foi vitimizado. A vitimização não é boa para o país e para um ex-presidente”. Pois, segundo Temer, caso Lula seja impedido de se candidatar, isso vai “agitar o meio político”. Ora!
Não é o caso de aqui citar devotos, correligionários e parasitas oportunistas que sonham se coligar com Lula no pleito. Mas, sim, destacar figurões do governo e da oposição – Fernando Henrique Cardoso, Geraldo Alckmin, João Doria, Beto Richa, Ronaldo Caiado, Rodrigo Maia, Raul Jungmann – e vários interessados que dispararam esse mesmo truísmo absurdo e suspeito. No Estado de Direito, vigente no Brasil, não há a hipótese de candidatos escolherem que adversários preferem para a disputa. Ou há?
Eles deveriam é atentar para o pronunciamento de um eventual beneficiário da condenação do ex-líder metalúrgico hoje, o ex-governador do Ceará Ciro Gomes, presidenciável do PDT. Ciro disse que torce pela absolvição de Lula, mas se negou a crer que haja uma conspiração política no Poder Judiciário contra o petista. Em rara prova de lucidez, o ex-ministro do próprio disse que imaginar um complô “ofende a inteligência média do País”. E ainda advertiu que “a consequência inevitável desta constatação teria desdobramentos tão graves que a um democrata e republicano só restaria a insurgência revolucionária”. É isso aí!
Contrariando sua vocação de trânsfuga contumaz, ele é fiel ao juramento de cumprir e defender as leis do País, feito quando assumiu o governo do Ceará, em 1991. Ao contrário, o presidente e alguns citados, ainda vigente o juramento, cometem delito de lesa-pátria, rasgam a Constituição e posam de generosos e benevolentes. Segundo meu avô, de esmola grande cego desconfia. Não é o caso desses que se fingem de cegos para se dar bem no futuro, caso tenham de se submeter ao Estado de Direito, no qual todos têm de seguir a lei.
Quem canoniza o réu investe no falso conceito de que voto substitui Justiça e cancela penas, como pregava Antônio Carlos Magalhães à época do mensalão. E deu no que deu!
Nisso, aliás, todos eles têm no condenado a nove anos e meio de cadeia por corrupção passiva e lavagem de dinheiro a mais completa síntese de campeões da patranha, celebrados nas figuras de João Grilo e Chicó na obra-prima da comédia popular brasileira O Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna. Basta lembrar que todos manifestam temer uma convulsão social com a eventual confirmação da condenação do Pedro Malasartes dos palanques e palácios. Afinal, ele seria o mais popular líder político do Brasil em todos os tempos. É mesmo? Por que, então, Lula não viaja em aviões de carreira como os mortais comuns e só comparece a eventos controlados pela militância cega por devoção e paixão?
Lula ascendeu entre heróis nacionais como líder das greves de metalúrgicos do ABC paulista em plena ditadura militar, da qual foi vítima. Na verdade, como está explicado no meu livro O que Sei de Lula (Topbooks, 2011), ele teve no general Golbery do Couto e Silva seu propulsor no início da carreira de dirigente. O criador do Serviço Nacional de Informações usou sua liderança carismática para impedir que Brizola empolgasse os movimentos sindicais e solapasse o regime.
Emílio Odebrecht, pai de Marcelo, citado nas delações de 77 executivos de sua empresa e de quem Lula é o “Amigo” da tal lista, contou ao depor na delação premiada a procuradores federais da Lava Jato, a mais bem-sucedida operação policial e judicial da História, que Lula impediu greves em empresas suas, tendo recebido dinheiro para fazê-lo.
Foi nesse ínterim que Lula virou santo popular, por ter sido preso e processado após a intervenção no sindicato que presidiu nos anos 70 e 80. Mas sua passagem pela carceragem do Dops paulista à época da ditadura foi mais confortável que a de outros companheiros de cela, conforme testemunho do delegado Romeu Tuma Jr., secretário nacional de Justiça no primeiro governo Lula e filho do policial homônimo, em Assassinato de Reputações (Topbooks, 2013). Tuma relata que o falso mártir foi agente de informações do pai, a quem contava os segredos do movimento grevista. Se Odebrecht e Tuma não mentiram, em vez de vítima, o seis vezes réu de hoje foi, de fato, o que os colegas sindicalistas chamariam, à época, de “traíra” dos trabalhadores e “dedo-duro” dos militantes de esquerda, que sempre o endeusaram. Ninguém, até agora, desmentiu na Justiça os depoimentos aqui citados.
Em périplos pelo País, Lula conta lorotas que mais se acomodariam em narrativas das aventuras de grandes mentirosos do folclore. Como no caso recente em que algum intelectualoide do auditório do teatro Oi Leblon, núcleo de rebeldia juvenil na ditadura sob o nome de Casa Grande, lhe soprou que o assassino de Antônio Conselheiro foi ancestral do presidente do TRF-4, em que hoje está sendo julgado. De fato, o tio-trisavô de Thompson Flores era coronel, não general, e morreu três meses antes do beato de Canudos.
Essa foi apenas uma piada mentirosa e sem graça. Mais graves são as patranhas misericordiosas de pretensos adversários, como Temer, que põem as instituições em risco para tornar um mentiroso serial acima da lei e fora da democracia.
*Jornalista, poeta e escritor
Esforço para livrar Lula da lei prejudica mais a democracia do que as mentiras que ele diz
Sábado, o País ficou sabendo que o presidente Temer não se intromete em assuntos do Judiciário, mas resolveu meter sua colher imprópria no julgamento de Lula, hoje, no Tribunal Federal Regional da 4.ª Região (TRF-4), em Porto Alegre. À pergunta formulada em entrevista exclusiva pelos repórteres da Folha de S.Paulo Gustavo Uribe e Marcos Augusto Gonçalves sobre como vê o julgamento e se seria melhor que o réu concorresse nas eleições este ano, o presidente respondeu: “Não posso dizer uma coisa que está sob apreciação no TRF. Agora, acho que se o Lula participar, será uma coisa democrática, o povo vai dizer se quer ou não. Convenhamos, se fosse derrotado politicamente, é melhor do que ser derrotado (na Justiça) porque foi vitimizado. A vitimização não é boa para o país e para um ex-presidente”. Pois, segundo Temer, caso Lula seja impedido de se candidatar, isso vai “agitar o meio político”. Ora!
Não é o caso de aqui citar devotos, correligionários e parasitas oportunistas que sonham se coligar com Lula no pleito. Mas, sim, destacar figurões do governo e da oposição – Fernando Henrique Cardoso, Geraldo Alckmin, João Doria, Beto Richa, Ronaldo Caiado, Rodrigo Maia, Raul Jungmann – e vários interessados que dispararam esse mesmo truísmo absurdo e suspeito. No Estado de Direito, vigente no Brasil, não há a hipótese de candidatos escolherem que adversários preferem para a disputa. Ou há?
Eles deveriam é atentar para o pronunciamento de um eventual beneficiário da condenação do ex-líder metalúrgico hoje, o ex-governador do Ceará Ciro Gomes, presidenciável do PDT. Ciro disse que torce pela absolvição de Lula, mas se negou a crer que haja uma conspiração política no Poder Judiciário contra o petista. Em rara prova de lucidez, o ex-ministro do próprio disse que imaginar um complô “ofende a inteligência média do País”. E ainda advertiu que “a consequência inevitável desta constatação teria desdobramentos tão graves que a um democrata e republicano só restaria a insurgência revolucionária”. É isso aí!
Contrariando sua vocação de trânsfuga contumaz, ele é fiel ao juramento de cumprir e defender as leis do País, feito quando assumiu o governo do Ceará, em 1991. Ao contrário, o presidente e alguns citados, ainda vigente o juramento, cometem delito de lesa-pátria, rasgam a Constituição e posam de generosos e benevolentes. Segundo meu avô, de esmola grande cego desconfia. Não é o caso desses que se fingem de cegos para se dar bem no futuro, caso tenham de se submeter ao Estado de Direito, no qual todos têm de seguir a lei.
Quem canoniza o réu investe no falso conceito de que voto substitui Justiça e cancela penas, como pregava Antônio Carlos Magalhães à época do mensalão. E deu no que deu!
Nisso, aliás, todos eles têm no condenado a nove anos e meio de cadeia por corrupção passiva e lavagem de dinheiro a mais completa síntese de campeões da patranha, celebrados nas figuras de João Grilo e Chicó na obra-prima da comédia popular brasileira O Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna. Basta lembrar que todos manifestam temer uma convulsão social com a eventual confirmação da condenação do Pedro Malasartes dos palanques e palácios. Afinal, ele seria o mais popular líder político do Brasil em todos os tempos. É mesmo? Por que, então, Lula não viaja em aviões de carreira como os mortais comuns e só comparece a eventos controlados pela militância cega por devoção e paixão?
Lula ascendeu entre heróis nacionais como líder das greves de metalúrgicos do ABC paulista em plena ditadura militar, da qual foi vítima. Na verdade, como está explicado no meu livro O que Sei de Lula (Topbooks, 2011), ele teve no general Golbery do Couto e Silva seu propulsor no início da carreira de dirigente. O criador do Serviço Nacional de Informações usou sua liderança carismática para impedir que Brizola empolgasse os movimentos sindicais e solapasse o regime.
Emílio Odebrecht, pai de Marcelo, citado nas delações de 77 executivos de sua empresa e de quem Lula é o “Amigo” da tal lista, contou ao depor na delação premiada a procuradores federais da Lava Jato, a mais bem-sucedida operação policial e judicial da História, que Lula impediu greves em empresas suas, tendo recebido dinheiro para fazê-lo.
Foi nesse ínterim que Lula virou santo popular, por ter sido preso e processado após a intervenção no sindicato que presidiu nos anos 70 e 80. Mas sua passagem pela carceragem do Dops paulista à época da ditadura foi mais confortável que a de outros companheiros de cela, conforme testemunho do delegado Romeu Tuma Jr., secretário nacional de Justiça no primeiro governo Lula e filho do policial homônimo, em Assassinato de Reputações (Topbooks, 2013). Tuma relata que o falso mártir foi agente de informações do pai, a quem contava os segredos do movimento grevista. Se Odebrecht e Tuma não mentiram, em vez de vítima, o seis vezes réu de hoje foi, de fato, o que os colegas sindicalistas chamariam, à época, de “traíra” dos trabalhadores e “dedo-duro” dos militantes de esquerda, que sempre o endeusaram. Ninguém, até agora, desmentiu na Justiça os depoimentos aqui citados.
Em périplos pelo País, Lula conta lorotas que mais se acomodariam em narrativas das aventuras de grandes mentirosos do folclore. Como no caso recente em que algum intelectualoide do auditório do teatro Oi Leblon, núcleo de rebeldia juvenil na ditadura sob o nome de Casa Grande, lhe soprou que o assassino de Antônio Conselheiro foi ancestral do presidente do TRF-4, em que hoje está sendo julgado. De fato, o tio-trisavô de Thompson Flores era coronel, não general, e morreu três meses antes do beato de Canudos.
Essa foi apenas uma piada mentirosa e sem graça. Mais graves são as patranhas misericordiosas de pretensos adversários, como Temer, que põem as instituições em risco para tornar um mentiroso serial acima da lei e fora da democracia.
*Jornalista, poeta e escritor
Além da dúvida razoável - MERVAL PEREIRA
O Globo - 24/01
Juízes aceitam provas “além da dúvida razoável”. O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), que julga hoje o recurso do ex-presidente Lula contra a condenação pelo juiz Sergio Moro por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do tríplex do Guarujá, absolveu apenas cinco dos 77 condenados na primeira instância de Curitiba em quase quatro anos de Operação Lava-Jato.
O índice de confirmação das sentenças condenatórias da primeira instância em Curitiba na 8ª Turma é de 93,5%. Os desembargadores do TRF-4 aumentaram em 218 anos o tempo de prisão estipulado pelo juiz Sergio Moro desde o início da Operação Lava-Jato, em fevereiro de 2014. Em 11 vezes a pena foi diminuída, numa redução de 73 anos de prisão.
O caso mais notório de absolvição é o do ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto. Nos dois processos em que foi absolvido pelo TRF-4, houve uma divergência na avaliação da prova e da interpretação da lei. O juiz Moro considerou que havia provas que corroboravam os depoimentos de cinco colaboradores.
Vários depoimentos confirmando a corrupção e o envolvimento de João Vaccari, a prova do dinheiro para o diretor da Petrobras e a prova do dinheiro ao partido. O desembargador Leandro Paulsen, que foi quem puxou a divergência ao relatório de João Pedro Gebran Neto favorável à condenação por Moro, considerou que não havia provas que corroborassem as delações, e foi seguido pelo desembargador Victor Laus.
Na prática, é inútil querer tirar ilações de decisões anteriores dos três juízes do TRF-4, pois, como deve ser, cada caso é um caso. Mas há uma definição, que se encontra nas sentenças de casos recentes, que parece nortear suas decisões. O desembargador federal do TRF-4 João Pedro Gebran Neto, relator dos casos da Lava-Jato no tribunal de apelação, disse em palestra em Buenos Aires que “acabou a ingenuidade” nos julgamentos de casos de corrupção, nos quais não se deve esperar uma “prova insofismável” para, eventualmente, condenar um acusado.
Para Gebran, os juízes brasileiros agora consideram suficiente uma “prova acima de dúvida razoável”, desde que seja possível identificar uma “convergência” nos elementos probatórios de determinado processo. Essa é uma tese utilizada cada vez mais no Brasil, que tem origem na Suprema Corte dos Estados Unidos, que estabeleceu doutrina segundo a qual toda pessoa é presumida inocente até que sua culpa seja provada “além de dúvida razoável”.
No terceiro julgamento, que dobrou a pena de Vaccari, o desembargador Leandro Paulsen, que votara pela absolvição nos dois processos anteriores, concluiu que “neste, pela primeira vez, há declarações de delatores, depoimentos de testemunhas, depoimentos de corréus que à época não haviam celebrado qualquer acordo com o Ministério Público Federal e, especialmente, provas de corroboração apontando, acima de qualquer dúvida razoável, no sentido de que Vaccari é autor de crimes de corrupção especificamente descritos na inicial acusatória”.
A defesa de Lula bate-se na tese de que não há provas de que o tríplex do Guarujá seja dele, porque não está registrado no seu nome, mas na sentença condenatória o juiz Sergio Moro acusa diretamente: “O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi beneficiado materialmente por débitos da conta geral de propinas, com a atribuição a ele e à sua esposa, sem o pagamento do preço correspondente, de um apartamento tríplex, e com a realização de custosas reformas no apartamento, às expensas do Grupo OAS”.
“(...) Estima o MPF os valores da vantagem indevida em cerca de R$ 2.424.991, assim discriminada: R$ 1.147.770 correspondentes à diferença entre o valor pago e o preço do apartamento entregue e R$ 1.277.221 em reformas e na aquisição de bens para o apartamento.”
O procurador regional Maurício Gotardo Gerum, representante do Ministério Público Federal no julgamento de hoje, pedirá o aumento da pena, pois considera que houve mais de um crime cometido por Lula. Segundo ele, “o fato de o apartamento não estar formalmente registrado em nome do ex-presidente não quer dizer que a ele não pertença, e a instrução demonstrou que esta foi a forma utilizada para camuflar a real propriedade do bem”.
Para Gerum, está “suficientemente comprovado que a empreiteira OAS reformou e mobiliou, às suas expensas, imóvel pertencente a Luiz Inácio Lula da Silva, tudo dentro do contexto de corrupção existente na Petrobras.” Além da delação do presidente da OAS Léo Pinheiro e de executivos que trabalharam no projeto, há farto material sobre a presença de Lula, dona Marisa e filhos no acompanhamento das obras e, até mesmo, fotos da mudança da família ao fim do mandato presidencial, com parte dos pertences sendo encaminhada para a “praia” e outra para “o sítio”, de Atibaia, que é objeto de outro processo.
Juízes aceitam provas “além da dúvida razoável”. O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), que julga hoje o recurso do ex-presidente Lula contra a condenação pelo juiz Sergio Moro por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do tríplex do Guarujá, absolveu apenas cinco dos 77 condenados na primeira instância de Curitiba em quase quatro anos de Operação Lava-Jato.
O índice de confirmação das sentenças condenatórias da primeira instância em Curitiba na 8ª Turma é de 93,5%. Os desembargadores do TRF-4 aumentaram em 218 anos o tempo de prisão estipulado pelo juiz Sergio Moro desde o início da Operação Lava-Jato, em fevereiro de 2014. Em 11 vezes a pena foi diminuída, numa redução de 73 anos de prisão.
O caso mais notório de absolvição é o do ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto. Nos dois processos em que foi absolvido pelo TRF-4, houve uma divergência na avaliação da prova e da interpretação da lei. O juiz Moro considerou que havia provas que corroboravam os depoimentos de cinco colaboradores.
Vários depoimentos confirmando a corrupção e o envolvimento de João Vaccari, a prova do dinheiro para o diretor da Petrobras e a prova do dinheiro ao partido. O desembargador Leandro Paulsen, que foi quem puxou a divergência ao relatório de João Pedro Gebran Neto favorável à condenação por Moro, considerou que não havia provas que corroborassem as delações, e foi seguido pelo desembargador Victor Laus.
Na prática, é inútil querer tirar ilações de decisões anteriores dos três juízes do TRF-4, pois, como deve ser, cada caso é um caso. Mas há uma definição, que se encontra nas sentenças de casos recentes, que parece nortear suas decisões. O desembargador federal do TRF-4 João Pedro Gebran Neto, relator dos casos da Lava-Jato no tribunal de apelação, disse em palestra em Buenos Aires que “acabou a ingenuidade” nos julgamentos de casos de corrupção, nos quais não se deve esperar uma “prova insofismável” para, eventualmente, condenar um acusado.
Para Gebran, os juízes brasileiros agora consideram suficiente uma “prova acima de dúvida razoável”, desde que seja possível identificar uma “convergência” nos elementos probatórios de determinado processo. Essa é uma tese utilizada cada vez mais no Brasil, que tem origem na Suprema Corte dos Estados Unidos, que estabeleceu doutrina segundo a qual toda pessoa é presumida inocente até que sua culpa seja provada “além de dúvida razoável”.
No terceiro julgamento, que dobrou a pena de Vaccari, o desembargador Leandro Paulsen, que votara pela absolvição nos dois processos anteriores, concluiu que “neste, pela primeira vez, há declarações de delatores, depoimentos de testemunhas, depoimentos de corréus que à época não haviam celebrado qualquer acordo com o Ministério Público Federal e, especialmente, provas de corroboração apontando, acima de qualquer dúvida razoável, no sentido de que Vaccari é autor de crimes de corrupção especificamente descritos na inicial acusatória”.
A defesa de Lula bate-se na tese de que não há provas de que o tríplex do Guarujá seja dele, porque não está registrado no seu nome, mas na sentença condenatória o juiz Sergio Moro acusa diretamente: “O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi beneficiado materialmente por débitos da conta geral de propinas, com a atribuição a ele e à sua esposa, sem o pagamento do preço correspondente, de um apartamento tríplex, e com a realização de custosas reformas no apartamento, às expensas do Grupo OAS”.
“(...) Estima o MPF os valores da vantagem indevida em cerca de R$ 2.424.991, assim discriminada: R$ 1.147.770 correspondentes à diferença entre o valor pago e o preço do apartamento entregue e R$ 1.277.221 em reformas e na aquisição de bens para o apartamento.”
O procurador regional Maurício Gotardo Gerum, representante do Ministério Público Federal no julgamento de hoje, pedirá o aumento da pena, pois considera que houve mais de um crime cometido por Lula. Segundo ele, “o fato de o apartamento não estar formalmente registrado em nome do ex-presidente não quer dizer que a ele não pertença, e a instrução demonstrou que esta foi a forma utilizada para camuflar a real propriedade do bem”.
Para Gerum, está “suficientemente comprovado que a empreiteira OAS reformou e mobiliou, às suas expensas, imóvel pertencente a Luiz Inácio Lula da Silva, tudo dentro do contexto de corrupção existente na Petrobras.” Além da delação do presidente da OAS Léo Pinheiro e de executivos que trabalharam no projeto, há farto material sobre a presença de Lula, dona Marisa e filhos no acompanhamento das obras e, até mesmo, fotos da mudança da família ao fim do mandato presidencial, com parte dos pertences sendo encaminhada para a “praia” e outra para “o sítio”, de Atibaia, que é objeto de outro processo.
O 24 de janeiro de Lula - ELIO GASPARI
O GLOBO/FOLHA DE SP - 24/01
No julgamento do TRF-4 estarão um homem, suas metamorfoses e um ciclo que começou no dia de hoje, há 39 anos
Julgamento fecha ciclo da vida política do país. Só quando o dia terminar é que se saberá o resultado do julgamento de Lula no TRF-4. 3 a 0? 2 a 1? Passarão alguns meses para que se chegue ao desfecho de todos os recursos que a lei permite, e aí fica embutida outra pergunta: o retrato de Lula estará na urna eletrônica no dia 7 de outubro?
Hoje fecha-se um ciclo da vida política brasileira, o da ideia de um partido de trabalhadores, que resultou na criação do PT. Fecha-se um ciclo, e começa outro, pois nem Lula nem o PT acabarão.
Exatamente no dia 24 de janeiro de 1979, no Colégio Salesiano da cidade paulista de Lins, um congresso de metalúrgicos aprovou uma tese “chamando todos os trabalhadores brasileiros a se unificarem na construção de seu partido, o Partido dos Trabalhadores”. Criou-se uma comissão para cuidar do assunto, e nela estava Jacó Bittar, do Sindicato dos Petroleiros de Paulínia.
Lula, a estrela desse renascimento do sindicalismo, explicou a essência da iniciativa: “Pouca gente está mais preparada que a classe trabalhadora para assumir uma responsabilidade política deste nível. Não podemos ficar esperando a democracia das elites. Os trabalhadores não devem confundir o Partido dos Trabalhadores com o PTB, MDB ou Arena.” (A Arena era o partido do regime agonizante, virou PDS, PFL e, mais tarde, DEM.)
No poder, o Partido dos Trabalhadores foi o partido de alguns trabalhadores. A primeira proposta do Congresso de Lins era a “total desvinculação dos órgãos sindicais do aparelho estatal, ponto fundamental para o desenvolvimento da vida sindical”. O imposto sindical, que sustenta cartórios de patrões e empregados, foi preservado nos 14 anos de poder petista. Extinguiu-o a reforma trabalhista de Michel Temer.
Do grupo de Lins, Jacó Bittar, o “Turcão”, elegeu-se prefeito de Campinas em 1988 e dois anos depois deixou o PT. Foi condenado em duas instâncias por atos de improbidade administrativa.
Depois da vitória petista de 2002, Lula colocou Bittar no conselho do fundo de pensão da Petrobras. Dois anos depois, ele ganhou uma Bolsa Ditadura de R$ 7 mil mensais por conta de sua demissão da Petrobras. Seus dois filhos, Fernando e Kalil, associaram-se a Fábio Luís Lula da Silva, o Lulinha, em empresas de entretenimento e tecnologia digital mimadas com contratos de operadoras de telefonia. Nelas, Lulinha teve um rendimento de R$ 5,2 milhões entre 2004 e 2014.
Fernando Bittar é um dos donos da propriedade onde está o sítio Santa Bárbara, em Atibaia. Lá, a Odebrecht gastou R$ 700 mil em obras, e a OAS pagou a cozinha. Nos armários de uma das quatro suítes da casa havia roupas com as iniciais de Lula. Isso e mais uma agenda com seu nome achada numa sala.
Veículos a serviço de Lula estiveram no sítio 270 vezes. Entre 2012 e 2016, sete servidores que trabalham com ele receberam 1.090 diárias por terem ido a Atibaia. Cerca de 50 e-mails de funcionários do sítio e do Instituto Lula relacionam o ex-presidente com a propriedade. Num deles, cuidava-se de identificar o bicho que comera os marrecos do lago. Teria sido uma jaguatirica.
Lula assegura que a propriedade não é dele. Esse sítio nada tem a ver com o apartamento do Guarujá que, segundo Lula, também não é dele. O processo de Atibaia ainda está com o juiz Sergio Moro.
Há dois anos ladrões entraram no sítio, levando vinhos e charutos. Foram presos dois suspeitos, mas a queixa foi retirada.
No julgamento do TRF-4 estarão um homem, suas metamorfoses e um ciclo que começou no dia de hoje, há 39 anos
Julgamento fecha ciclo da vida política do país. Só quando o dia terminar é que se saberá o resultado do julgamento de Lula no TRF-4. 3 a 0? 2 a 1? Passarão alguns meses para que se chegue ao desfecho de todos os recursos que a lei permite, e aí fica embutida outra pergunta: o retrato de Lula estará na urna eletrônica no dia 7 de outubro?
Hoje fecha-se um ciclo da vida política brasileira, o da ideia de um partido de trabalhadores, que resultou na criação do PT. Fecha-se um ciclo, e começa outro, pois nem Lula nem o PT acabarão.
Exatamente no dia 24 de janeiro de 1979, no Colégio Salesiano da cidade paulista de Lins, um congresso de metalúrgicos aprovou uma tese “chamando todos os trabalhadores brasileiros a se unificarem na construção de seu partido, o Partido dos Trabalhadores”. Criou-se uma comissão para cuidar do assunto, e nela estava Jacó Bittar, do Sindicato dos Petroleiros de Paulínia.
Lula, a estrela desse renascimento do sindicalismo, explicou a essência da iniciativa: “Pouca gente está mais preparada que a classe trabalhadora para assumir uma responsabilidade política deste nível. Não podemos ficar esperando a democracia das elites. Os trabalhadores não devem confundir o Partido dos Trabalhadores com o PTB, MDB ou Arena.” (A Arena era o partido do regime agonizante, virou PDS, PFL e, mais tarde, DEM.)
No poder, o Partido dos Trabalhadores foi o partido de alguns trabalhadores. A primeira proposta do Congresso de Lins era a “total desvinculação dos órgãos sindicais do aparelho estatal, ponto fundamental para o desenvolvimento da vida sindical”. O imposto sindical, que sustenta cartórios de patrões e empregados, foi preservado nos 14 anos de poder petista. Extinguiu-o a reforma trabalhista de Michel Temer.
Do grupo de Lins, Jacó Bittar, o “Turcão”, elegeu-se prefeito de Campinas em 1988 e dois anos depois deixou o PT. Foi condenado em duas instâncias por atos de improbidade administrativa.
Depois da vitória petista de 2002, Lula colocou Bittar no conselho do fundo de pensão da Petrobras. Dois anos depois, ele ganhou uma Bolsa Ditadura de R$ 7 mil mensais por conta de sua demissão da Petrobras. Seus dois filhos, Fernando e Kalil, associaram-se a Fábio Luís Lula da Silva, o Lulinha, em empresas de entretenimento e tecnologia digital mimadas com contratos de operadoras de telefonia. Nelas, Lulinha teve um rendimento de R$ 5,2 milhões entre 2004 e 2014.
Fernando Bittar é um dos donos da propriedade onde está o sítio Santa Bárbara, em Atibaia. Lá, a Odebrecht gastou R$ 700 mil em obras, e a OAS pagou a cozinha. Nos armários de uma das quatro suítes da casa havia roupas com as iniciais de Lula. Isso e mais uma agenda com seu nome achada numa sala.
Veículos a serviço de Lula estiveram no sítio 270 vezes. Entre 2012 e 2016, sete servidores que trabalham com ele receberam 1.090 diárias por terem ido a Atibaia. Cerca de 50 e-mails de funcionários do sítio e do Instituto Lula relacionam o ex-presidente com a propriedade. Num deles, cuidava-se de identificar o bicho que comera os marrecos do lago. Teria sido uma jaguatirica.
Lula assegura que a propriedade não é dele. Esse sítio nada tem a ver com o apartamento do Guarujá que, segundo Lula, também não é dele. O processo de Atibaia ainda está com o juiz Sergio Moro.
Há dois anos ladrões entraram no sítio, levando vinhos e charutos. Foram presos dois suspeitos, mas a queixa foi retirada.
Divergência no julgamento de Lula no TRF4 pode causar racha inédito na Lava Jato - FERNANDO MATIAS
GAZETA DO POVO -PR - 24/01
Absolvição ou ao menos um voto pela inocência do petista representará a maior divergência judicial dentro da operação desde que ela começou, em 2014, com um potencial enorme de desgastar a investigação
A absolvição do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ou o voto a favor dele de apenas um dos três desembargadores que vão julgá-lo nesta quarta-feira (24), no Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4), pode abrir um flanco na Lava Jato, o maior desde que a investigação foi deflagrada, em março de 2014. Se isso ocorrer, a operação tende a sofrer desgaste. Afinal, seria a mais importante divergência dentro da própria operação: alguém que faz parte do processo entendeu que Lula, acusado de ser o chefe do esquema de corrupção, é inocente.
“Se [a tese da inocência do ex-presidente] for confirmada por pelo menos um desembargador, Lula reforça o seu discurso [contra a Lava Jato]”, diz Elve Cenci, professor de ética e filosofia política da Universidade Estadual de Londrina (UEL), no Norte do Paraná.
Voto a favor de Lula abalaria a coesão interna da Lava Jato
A Lava Jato sempre foi alvo de críticas externas de políticos e juristas. Mas, internamente, tem mantido sua coesão. O TRF-4, que revisa as sentenças do juiz Sergio Moro, até agora absolveu apenas cinco dos 77 condenados em primeira instância. Pela importância do caso de Lula, qualquer que seja a divergência no julgamento vai abrir o mais rumoroso desentendimento judicial entre Moro e a segunda instância.
Certamente Lula e o PT vão explorar essa divergência, por menor que seja. E acirrar as críticas à Lava Jato. “Não tenho grandes ilusões em relação ao julgamento. Dois a um [pela condenação] já seria uma vitória”, disse na segunda-feira (22) Gilberto Carvalho, chefe de gabinete da Presidência no governo Lula.
Crescimento das críticas provocou perda de popularidade da operação
O crescimento dos questionamentos e críticas à Lava Jato provocou a perda de parte da popularidade que a operação tinha no seu início. “A Lava Jato já teve um apoio maior da população”, diz Elve Cenci.
Pesquisas de opinião confirmam isso. Em setembro de 2016, pesquisa do Instituto Ipsos mostrou que a atuação de Moro, principal personagem da operação, era aprovada por 55% dos brasileiros e reprovada por apenas 27%.
Um ano depois, em setembro de 2017, o mesmo Ipsos revelou o crescimento dos insatisfeitos com o juiz. Naquela ocasião, os brasileiros estavam divididos sobre a atuação de Moro: 48% dos brasileiros aprovavam a sua atuação e 45% a desaprovavam – um empate técnico, considerando que a margem de erro do levantamento é de 3 pontos porcentuais para mais ou para menos.
Para se defender, Lava Jato entrou no campo político. E aumentaram os questionamentos
A perda de parte do prestígio popular da Lava Jato também veio acompanhada do aumento da atuação política dos próprios integrantes da operação. Eles afirmavam agir em nome da defesa da Lava Jato. Mas, ao pisar no campo da política, também provocaram o crescimento dos questionamentos ao seu trabalho.
Um momento marcante da atuação política da Lava Jato foi a divulgação pelo juiz Sergio Moro da escuta telefônica em que Lula conversava com a então presidente Dilma Rousseff sobre a nomeação dele como ministro da Casa Civil. A revelação do grampo foi feita em 17 de março de 2016, um dia antes de a operação completar dois anos. Foi o passo político mais arriscado da Lava Jato.
Elve Cenci avalia que Moro liberou aquele áudio para conquistar o apoio da população e da mídia para a Lava Jato. A divulgação do grampo teve ainda um efeito político fundamental: tornou praticamente impossível para Dilma impedir o impeachment.
A publicação da escuta levou Lula a ter sua nomeação para o governo barrada pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), por tentativa de obstrução de Justiça. Para Mendes, o objetivo de Lula e Dilma seria garantir foro privilegiado ao ex-presidente, para “fugir” de Moro. Sem Lula no Planalto, Dilma perdeu sua última aposta para articular politicamente a sua permanência na Presidência.
“De certo modo, o Moro chamou o Lula para o debate político naquele episódio do vazamento da conversa com a Dilma”, diz Elve Cenci. A Lava Jato venceu a batalha. Mas não necessariamente a guerra. “A política é o campo onde Lula é mestre”, lembra o professor da UEL.
Manifestações e ações políticas de integrantes da Lava Jato se intensificaram
Desde a divulgação do grampo de Lula e Dilma, integrantes da Lava Jato intensificaram suas manifestações e atitudes políticas, seja em defesa da operação ou das causas em que acreditam. Em 29 de março de 2016, o Ministério Público Federal (MPF) entregou ao Congresso o projeto de lei de iniciativa popular das Dez Medidas de Combate à Corrupção.
Em setembro daquele ano, o coordenador da Lava Jato no MPF do Paraná, o procurador Deltan Dallagnol, exibiu o polêmico Powerpoint em que acusava Lula de chefiar o esquema de corrupção da Petrobras – embora a denúncia formal à Justiça fosse apenas pelo caso do tríplex do Guarujá (SP), processo que será julgado agora pelo TRF4. O Powerpoint acabou sendo um marco do que os críticos da Lava Jato afirmaram ser a “espetacularização” da operação em busca dos holofotes da imprensa.
Já o juiz Moro chegou a participar no plenário do Senado, em dezembro de 2016, de uma discussão sobre o projeto de lei que muda as regras para o crime de abuso de autoridade, visto pelos integrantes da operação como uma ofensiva contra a Lava Jato.
Ao chegar a outros partidos, Lava Jato transformou “amigos” em “inimigos”
As novas frentes de investigações, que passaram a ter como foco lideranças dos principais partidos de sustentação do governo Temer (como o PMDB e o PSDB), também ampliaram os questionamentos contra a Lava Jato da parte de políticos que até então vinham defendendo a operação porque ela atingia principalmente o PT.
Houve reação política de procuradores da força-tarefa. Alguns deles intensificaram o uso das redes sociais para denunciar as ameaças que os políticos de modo geral representam para a operação.
Esse tipo de comportamento, além de críticas, foi alvo de uma reprimenda dentro do próprio MPF. Em dezembro do ano passado, a Corregedoria do Conselho Nacional do Ministério Público recomendou que o procurador Carlos Lima, da Lava Jato no Paraná, deixasse de expressar publicamente suas opiniões sobre políticos, partidos e investigados pela operação para preservar “a integridade, a solidez, a isenção e a credibilidade” da instituição. Carlos Lima é o integrantes da força-tarefa mais ativo nas redes sociais.
Já Moro, embora mais contido, não deixa de emitir opiniões por meio de pronunciamentos em palestras e eventos para os quais era convidado. E costuma ser alvo de questionamentos por isso.
Absolvição ou ao menos um voto pela inocência do petista representará a maior divergência judicial dentro da operação desde que ela começou, em 2014, com um potencial enorme de desgastar a investigação
A absolvição do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ou o voto a favor dele de apenas um dos três desembargadores que vão julgá-lo nesta quarta-feira (24), no Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4), pode abrir um flanco na Lava Jato, o maior desde que a investigação foi deflagrada, em março de 2014. Se isso ocorrer, a operação tende a sofrer desgaste. Afinal, seria a mais importante divergência dentro da própria operação: alguém que faz parte do processo entendeu que Lula, acusado de ser o chefe do esquema de corrupção, é inocente.
“Se [a tese da inocência do ex-presidente] for confirmada por pelo menos um desembargador, Lula reforça o seu discurso [contra a Lava Jato]”, diz Elve Cenci, professor de ética e filosofia política da Universidade Estadual de Londrina (UEL), no Norte do Paraná.
Voto a favor de Lula abalaria a coesão interna da Lava Jato
A Lava Jato sempre foi alvo de críticas externas de políticos e juristas. Mas, internamente, tem mantido sua coesão. O TRF-4, que revisa as sentenças do juiz Sergio Moro, até agora absolveu apenas cinco dos 77 condenados em primeira instância. Pela importância do caso de Lula, qualquer que seja a divergência no julgamento vai abrir o mais rumoroso desentendimento judicial entre Moro e a segunda instância.
Certamente Lula e o PT vão explorar essa divergência, por menor que seja. E acirrar as críticas à Lava Jato. “Não tenho grandes ilusões em relação ao julgamento. Dois a um [pela condenação] já seria uma vitória”, disse na segunda-feira (22) Gilberto Carvalho, chefe de gabinete da Presidência no governo Lula.
Crescimento das críticas provocou perda de popularidade da operação
O crescimento dos questionamentos e críticas à Lava Jato provocou a perda de parte da popularidade que a operação tinha no seu início. “A Lava Jato já teve um apoio maior da população”, diz Elve Cenci.
Pesquisas de opinião confirmam isso. Em setembro de 2016, pesquisa do Instituto Ipsos mostrou que a atuação de Moro, principal personagem da operação, era aprovada por 55% dos brasileiros e reprovada por apenas 27%.
Um ano depois, em setembro de 2017, o mesmo Ipsos revelou o crescimento dos insatisfeitos com o juiz. Naquela ocasião, os brasileiros estavam divididos sobre a atuação de Moro: 48% dos brasileiros aprovavam a sua atuação e 45% a desaprovavam – um empate técnico, considerando que a margem de erro do levantamento é de 3 pontos porcentuais para mais ou para menos.
Para se defender, Lava Jato entrou no campo político. E aumentaram os questionamentos
A perda de parte do prestígio popular da Lava Jato também veio acompanhada do aumento da atuação política dos próprios integrantes da operação. Eles afirmavam agir em nome da defesa da Lava Jato. Mas, ao pisar no campo da política, também provocaram o crescimento dos questionamentos ao seu trabalho.
Um momento marcante da atuação política da Lava Jato foi a divulgação pelo juiz Sergio Moro da escuta telefônica em que Lula conversava com a então presidente Dilma Rousseff sobre a nomeação dele como ministro da Casa Civil. A revelação do grampo foi feita em 17 de março de 2016, um dia antes de a operação completar dois anos. Foi o passo político mais arriscado da Lava Jato.
Elve Cenci avalia que Moro liberou aquele áudio para conquistar o apoio da população e da mídia para a Lava Jato. A divulgação do grampo teve ainda um efeito político fundamental: tornou praticamente impossível para Dilma impedir o impeachment.
A publicação da escuta levou Lula a ter sua nomeação para o governo barrada pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), por tentativa de obstrução de Justiça. Para Mendes, o objetivo de Lula e Dilma seria garantir foro privilegiado ao ex-presidente, para “fugir” de Moro. Sem Lula no Planalto, Dilma perdeu sua última aposta para articular politicamente a sua permanência na Presidência.
“De certo modo, o Moro chamou o Lula para o debate político naquele episódio do vazamento da conversa com a Dilma”, diz Elve Cenci. A Lava Jato venceu a batalha. Mas não necessariamente a guerra. “A política é o campo onde Lula é mestre”, lembra o professor da UEL.
Manifestações e ações políticas de integrantes da Lava Jato se intensificaram
Desde a divulgação do grampo de Lula e Dilma, integrantes da Lava Jato intensificaram suas manifestações e atitudes políticas, seja em defesa da operação ou das causas em que acreditam. Em 29 de março de 2016, o Ministério Público Federal (MPF) entregou ao Congresso o projeto de lei de iniciativa popular das Dez Medidas de Combate à Corrupção.
Em setembro daquele ano, o coordenador da Lava Jato no MPF do Paraná, o procurador Deltan Dallagnol, exibiu o polêmico Powerpoint em que acusava Lula de chefiar o esquema de corrupção da Petrobras – embora a denúncia formal à Justiça fosse apenas pelo caso do tríplex do Guarujá (SP), processo que será julgado agora pelo TRF4. O Powerpoint acabou sendo um marco do que os críticos da Lava Jato afirmaram ser a “espetacularização” da operação em busca dos holofotes da imprensa.
Já o juiz Moro chegou a participar no plenário do Senado, em dezembro de 2016, de uma discussão sobre o projeto de lei que muda as regras para o crime de abuso de autoridade, visto pelos integrantes da operação como uma ofensiva contra a Lava Jato.
Ao chegar a outros partidos, Lava Jato transformou “amigos” em “inimigos”
As novas frentes de investigações, que passaram a ter como foco lideranças dos principais partidos de sustentação do governo Temer (como o PMDB e o PSDB), também ampliaram os questionamentos contra a Lava Jato da parte de políticos que até então vinham defendendo a operação porque ela atingia principalmente o PT.
Houve reação política de procuradores da força-tarefa. Alguns deles intensificaram o uso das redes sociais para denunciar as ameaças que os políticos de modo geral representam para a operação.
Esse tipo de comportamento, além de críticas, foi alvo de uma reprimenda dentro do próprio MPF. Em dezembro do ano passado, a Corregedoria do Conselho Nacional do Ministério Público recomendou que o procurador Carlos Lima, da Lava Jato no Paraná, deixasse de expressar publicamente suas opiniões sobre políticos, partidos e investigados pela operação para preservar “a integridade, a solidez, a isenção e a credibilidade” da instituição. Carlos Lima é o integrantes da força-tarefa mais ativo nas redes sociais.
Já Moro, embora mais contido, não deixa de emitir opiniões por meio de pronunciamentos em palestras e eventos para os quais era convidado. E costuma ser alvo de questionamentos por isso.
O julgamento de Lula - EDITORIAL O ESTADÃO
ESTADÃO - 24/01
Lula e seus adoradores querem que os brasileiros acreditem que está no banco dos réus não um homem comum, mas 'o maior líder popular da história deste país'
Em junho de 2009, quando José Sarney, então presidente do Senado, vivia o escândalo das nomeações de parentes e da criação de cargos por atos secretos, o então presidente da República, Lula da Silva, saiu-se com esta: “Sarney tem história no Brasil suficiente para que não seja tratado como se fosse uma pessoa comum”. Para o petista, Sarney não poderia, em razão de alegados bons serviços prestados à Nação, ser alvo de denúncias cabeludas como aquelas. À época, interpretou-se que a enfática defesa de Lula tinha como objetivo preservar o aliado Sarney, fundamental, segundo seu raciocínio, para blindar seu governo no Congresso e para levar o PMDB a apoiar a candidatura de Dilma Rousseff à Presidência, no ano seguinte.
Mas havia um outro objetivo, que agora, passados quase dez anos, se desenha nitidamente: Lula pretendia instilar no imaginário nacional a ideia de que há figuras políticas tão fundamentais para a história do País – a começar por ele próprio, é claro – que não podem ser tratadas como pessoas comuns, sujeitas aos rigores da lei.
É nisso que hoje Lula e seus adoradores querem que os brasileiros acreditem: que está no banco dos réus não um homem comum, mas “o maior líder popular da história deste país”, conforme costuma bradar seu séquito de bajuladores; logo, quem quer que decida investigá-lo, julgá-lo e eventualmente condená-lo só pode ser considerado um inimigo da pátria, do povo e da própria democracia.
É preciso deixar claro, de uma vez por todas, que quem estará sendo julgado hoje em Porto Alegre, pelos desembargadores do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região, não é o grande redentor dos pobres, o demiurgo de Garanhuns, a viva alma mais honesta do País, e sim, simplesmente, um político condenado em primeira instância pelo crime de corrupção, que teve plenamente assegurada sua defesa e que recorre da sentença conforme lhe faculta o melhor direito.
Não se trata de uma questão moral, como querem fazer crer os petistas. Por esse critério, Lula já está condenado há muito tempo, desde que liderou um governo e um partido que mergulharam fundo na corrupção – protagonizando os maiores escândalos da história nacional e contribuindo decisivamente para a desmoralização da política – e desde que criou deliberadamente as condições para que o Brasil afundasse em recessão, inflação alta e desemprego.
Lula não está sendo julgado porque é líder das pesquisas de intenção de voto para presidente nem porque teria feito um governo para os pobres e contrariado as elites, como discursam os petistas. Lula está sendo julgado porque, conforme a sentença do juiz Sérgio Moro ora em revisão no Tribunal Regional Federal da 4.ª Região, “recebeu vantagem indevida” e “ocultou e dissimulou vantagem indevida recebida em decorrência do cargo de presidente da República”, no contexto “de um esquema de corrupção sistêmica na Petrobrás e de uma relação espúria entre ele o Grupo OAS”, razão pela qual “agiu (...) com culpabilidade extremada”. Moro acrescentou, como se necessário fosse diante da histeria petista, que, “em síntese e tratando a questão de maneira muito objetiva, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva não está sendo julgado por sua opinião política e também não se encontram em avaliação as políticas por ele adotadas durante o período de seu governo”.
Os petistas, contudo, são incansáveis na sua mendacidade. Os mesmos militantes e dirigentes do PT que já declararam sua integral solidariedade ao ditador venezuelano Nicolás Maduro consideram que está estabelecido no Brasil um “estado de exceção”. Segundo eles, essa “ditadura jurídico-midiática” começou com o “golpe” do impeachment de Dilma Rousseff e culminará com a eventual cassação do direito de Lula de se candidatar à Presidência. Logo, uma decisão contrária a Lula no julgamento de hoje será interpretada pelo departamento de agitprop petista como um crime de lesa-pátria e, por que não?, de lesa-majestade.
Felizmente, toda a arenga petista desde o impeachment não tem impressionado os que têm a tarefa de julgar os crimes cometidos durante os trágicos anos do PT no poder. A eles continua a caber somente uma missão: fazer cumprir rigorosamente a lei.
Lula e seus adoradores querem que os brasileiros acreditem que está no banco dos réus não um homem comum, mas 'o maior líder popular da história deste país'
Em junho de 2009, quando José Sarney, então presidente do Senado, vivia o escândalo das nomeações de parentes e da criação de cargos por atos secretos, o então presidente da República, Lula da Silva, saiu-se com esta: “Sarney tem história no Brasil suficiente para que não seja tratado como se fosse uma pessoa comum”. Para o petista, Sarney não poderia, em razão de alegados bons serviços prestados à Nação, ser alvo de denúncias cabeludas como aquelas. À época, interpretou-se que a enfática defesa de Lula tinha como objetivo preservar o aliado Sarney, fundamental, segundo seu raciocínio, para blindar seu governo no Congresso e para levar o PMDB a apoiar a candidatura de Dilma Rousseff à Presidência, no ano seguinte.
Mas havia um outro objetivo, que agora, passados quase dez anos, se desenha nitidamente: Lula pretendia instilar no imaginário nacional a ideia de que há figuras políticas tão fundamentais para a história do País – a começar por ele próprio, é claro – que não podem ser tratadas como pessoas comuns, sujeitas aos rigores da lei.
É nisso que hoje Lula e seus adoradores querem que os brasileiros acreditem: que está no banco dos réus não um homem comum, mas “o maior líder popular da história deste país”, conforme costuma bradar seu séquito de bajuladores; logo, quem quer que decida investigá-lo, julgá-lo e eventualmente condená-lo só pode ser considerado um inimigo da pátria, do povo e da própria democracia.
É preciso deixar claro, de uma vez por todas, que quem estará sendo julgado hoje em Porto Alegre, pelos desembargadores do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região, não é o grande redentor dos pobres, o demiurgo de Garanhuns, a viva alma mais honesta do País, e sim, simplesmente, um político condenado em primeira instância pelo crime de corrupção, que teve plenamente assegurada sua defesa e que recorre da sentença conforme lhe faculta o melhor direito.
Não se trata de uma questão moral, como querem fazer crer os petistas. Por esse critério, Lula já está condenado há muito tempo, desde que liderou um governo e um partido que mergulharam fundo na corrupção – protagonizando os maiores escândalos da história nacional e contribuindo decisivamente para a desmoralização da política – e desde que criou deliberadamente as condições para que o Brasil afundasse em recessão, inflação alta e desemprego.
Lula não está sendo julgado porque é líder das pesquisas de intenção de voto para presidente nem porque teria feito um governo para os pobres e contrariado as elites, como discursam os petistas. Lula está sendo julgado porque, conforme a sentença do juiz Sérgio Moro ora em revisão no Tribunal Regional Federal da 4.ª Região, “recebeu vantagem indevida” e “ocultou e dissimulou vantagem indevida recebida em decorrência do cargo de presidente da República”, no contexto “de um esquema de corrupção sistêmica na Petrobrás e de uma relação espúria entre ele o Grupo OAS”, razão pela qual “agiu (...) com culpabilidade extremada”. Moro acrescentou, como se necessário fosse diante da histeria petista, que, “em síntese e tratando a questão de maneira muito objetiva, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva não está sendo julgado por sua opinião política e também não se encontram em avaliação as políticas por ele adotadas durante o período de seu governo”.
Os petistas, contudo, são incansáveis na sua mendacidade. Os mesmos militantes e dirigentes do PT que já declararam sua integral solidariedade ao ditador venezuelano Nicolás Maduro consideram que está estabelecido no Brasil um “estado de exceção”. Segundo eles, essa “ditadura jurídico-midiática” começou com o “golpe” do impeachment de Dilma Rousseff e culminará com a eventual cassação do direito de Lula de se candidatar à Presidência. Logo, uma decisão contrária a Lula no julgamento de hoje será interpretada pelo departamento de agitprop petista como um crime de lesa-pátria e, por que não?, de lesa-majestade.
Felizmente, toda a arenga petista desde o impeachment não tem impressionado os que têm a tarefa de julgar os crimes cometidos durante os trágicos anos do PT no poder. A eles continua a caber somente uma missão: fazer cumprir rigorosamente a lei.
Lula, 2ª instância - EDITORIAL FOLHA DE SP
FOLHA DE SP - 24/01
A esta altura dos acontecimentos, seria ingenuidade pedir equilíbrio, comedimento ou tolerância aos grupos mobilizados em torno do julgamento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em Porto Alegre.
Ainda que natural em alguma medida, dadas as dimensões do personagem, a politização do processo rompeu os limites do razoável –com o impulso decisivo do próprio réu, claro, mas não só dele.
Sentenciado em primeira instância a nove anos e seis meses de prisão, por corrupção e lavagem de dinheiro, Lula tem todo o direito de se dizer inocente e criticar a decisão da Justiça. Sua pregação, porém, é de outra natureza.
O líder petista, que misturou a defesa de sua biografia e a pretensão de candidatar-se novamente à Presidência, insufla a militância com a tese tresloucada de que é vítima de uma conspiração tramada pelas instituições jurídico-policiais e pela imprensa.
Aliados equiparam a eventual inelegibilidade a um "golpe", associando-a, por meio do surrado artifício retórico, ao impeachment de Dilma Rousseff. Chega-se, assim, à antessala da incitação ao confronto –e a cúpula do PT, a começar pela presidente da sigla, não mostra preocupação em evitar o tom beligerante.
Do lado oposto, há decerto um sentimento antilulista, por vezes radicalizado, que se fortaleceu nos anos de desastre econômico e investigações da Lava Jato.
Ademais, ampla parcela da opinião pública, movida por justa indignação com os desmandos, pede punições severas e imediatas aos políticos sob suspeita, nem sempre com a devida atenção a trâmites jurídicos e garantias legais.
Seja qual for a decisão do TRF-4, resta esperar que o tempo depure o evento da dramaticidade hoje exacerbada. Não está em jogo a democracia do país, como querem uns, nem o combate à corrupção na política, como temem outros.
A ação referente ao famigerado apartamento em Guarujá envolve, sem dúvida, boa dose de complexidade na interpretação das provas colhidas. O processo, não por acaso, passa por um segundo exame, que não será o último.
Se as somas do caso não parecem vultosas diante dos desvios bilionários na Petrobras, o ex-presidente tampouco encena com credibilidade o papel de vítima. Sobram evidências de que suas relações com as grandes empreiteiras feriram, na hipótese mais branda, a ética republicana.
Ainda mais inegável é o gigantesco esquema criminoso que operou em seu governo –e desafia a credulidade imaginar que tudo se passava sem o conhecimento do chefe do partido e do Executivo.
Réu em outra meia dúzia de ações, Lula conta com a intenção de voto de um terço dos eleitores, o que o torna, absolvido ou não, ator central na disputa pelo Planalto. Nem isso nem a preferência dos que querem vê-lo preso afetam, porém, a legitimidade da sentença que se aguarda nesta quarta (24).
A esta altura dos acontecimentos, seria ingenuidade pedir equilíbrio, comedimento ou tolerância aos grupos mobilizados em torno do julgamento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em Porto Alegre.
Ainda que natural em alguma medida, dadas as dimensões do personagem, a politização do processo rompeu os limites do razoável –com o impulso decisivo do próprio réu, claro, mas não só dele.
Sentenciado em primeira instância a nove anos e seis meses de prisão, por corrupção e lavagem de dinheiro, Lula tem todo o direito de se dizer inocente e criticar a decisão da Justiça. Sua pregação, porém, é de outra natureza.
O líder petista, que misturou a defesa de sua biografia e a pretensão de candidatar-se novamente à Presidência, insufla a militância com a tese tresloucada de que é vítima de uma conspiração tramada pelas instituições jurídico-policiais e pela imprensa.
Aliados equiparam a eventual inelegibilidade a um "golpe", associando-a, por meio do surrado artifício retórico, ao impeachment de Dilma Rousseff. Chega-se, assim, à antessala da incitação ao confronto –e a cúpula do PT, a começar pela presidente da sigla, não mostra preocupação em evitar o tom beligerante.
Do lado oposto, há decerto um sentimento antilulista, por vezes radicalizado, que se fortaleceu nos anos de desastre econômico e investigações da Lava Jato.
Ademais, ampla parcela da opinião pública, movida por justa indignação com os desmandos, pede punições severas e imediatas aos políticos sob suspeita, nem sempre com a devida atenção a trâmites jurídicos e garantias legais.
Seja qual for a decisão do TRF-4, resta esperar que o tempo depure o evento da dramaticidade hoje exacerbada. Não está em jogo a democracia do país, como querem uns, nem o combate à corrupção na política, como temem outros.
A ação referente ao famigerado apartamento em Guarujá envolve, sem dúvida, boa dose de complexidade na interpretação das provas colhidas. O processo, não por acaso, passa por um segundo exame, que não será o último.
Se as somas do caso não parecem vultosas diante dos desvios bilionários na Petrobras, o ex-presidente tampouco encena com credibilidade o papel de vítima. Sobram evidências de que suas relações com as grandes empreiteiras feriram, na hipótese mais branda, a ética republicana.
Ainda mais inegável é o gigantesco esquema criminoso que operou em seu governo –e desafia a credulidade imaginar que tudo se passava sem o conhecimento do chefe do partido e do Executivo.
Réu em outra meia dúzia de ações, Lula conta com a intenção de voto de um terço dos eleitores, o que o torna, absolvido ou não, ator central na disputa pelo Planalto. Nem isso nem a preferência dos que querem vê-lo preso afetam, porém, a legitimidade da sentença que se aguarda nesta quarta (24).
Equívocos em torno do julgamento de Lula - EDITORIAL O GLOBO
O Globo - 24/01
É ilusória a tese de que seria melhor o ex-presidente ser punido pelas urnas, porque não se pode imaginar que o Poder Judiciário deixe de cumprir sua função
O julgamento de hoje, em segunda instância, do recurso do ex-presidente Lula contra sua condenação por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no processo do tríplex de Guarujá, é motivo de muita desinformação, devido aos embates políticos que o cercam.
Afinal, a depender da decisão dos três desembargadores do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), responsáveis pelo julgamento de recursos contra veredictos do juiz Sergio Moro, de Curitiba, no processo da LavaJato, as eleições deste ano tomarão um rumo ou outro.
Caso os juízes confirmem a condenação por unanimidade, é quase certo que Lula estará fora das urnas de outubro, e ficará por oito anos inelegível, conforme estabelece a Lei da Ficha Limpa, sancionada pelo ex-presidente em 2010.
Se o resultado for de dois a um, contra Lula, o ex-presidente, que promete recorrer em qualquer hipótese, terá mais espaço de manobra na evidente intenção de empurrar ao máximo o desfecho do processo para as proximidades da eleição e, assim, aumentar ainda mais a pressão política sobre a Justiça. O que não significa que deixará de ser condenado do mesmo jeito. Mas a estratégia é constranger os juízes, o que é inaceitável no estado democrático de direito.
Na tentativa que beira o desespero na defesa do cliente, mas legítima no Direito, advogados de Lula bateram recorde em petições impetradas na Justiça. Foram, só neste processo, 78, ou uma a cada seis dias, conforme revelou O GLOBO. Na Lava-Jato, por enquanto, nem o hiperativo Eduardo Cunha chegou lá.
A militância, característica do lulopetismo, corrente carismática e sectária dentro do PT, também reage. Destacam-se as ameaças da presidente da legenda, senadora Gleisi Hoffmann (PR), de que precisará haver “mortes” para prenderem o ex-presidente — um desfecho normal nos processos —, e do seu colega de Senado, Lindbergh Farias (RJ), que exortou companheiros a se prepararem para “brigas de rua” .
Depois voltaram atrás, mas as declarações infelizes apenas refletem, além do conhecido espírito autoritário, o pessimismo dos lulopetistas diante do julgamento. No caso de Gleisi Hoffmann, ela própria é ré num dos processos sobre desvio de dinheiro público.
Em nenhum momento, Lula e PT demonstraram respeito às instituições — e continuarão, por certo, a não demonstrar. E, além da intenção da politização extrema deste e dos outros processos, há movimentos claros para, como sempre, vitimizar-se o ex-presidente. Daí ser ilusória e equivocada a tese compartilhada por Fernando Henrique Cardoso e pelo governador Geraldo Alckmin, entre outros, de que o melhor seria derrotar Lula nas urnas, para evitar o jogo político da vitimização. Ora, ele jogará sempre este jogo. E, além disso, não se pode prescindir do papel que a Justiça e o Ministério Público precisam cumprir neste caso ou em qualquer outro que envolva corrupção na política. Como, de resto, em qualquer crime, num Brasil cansado da impunidade de poderosos.
Não se pode transigir no princípio republicano de que a lei vale para todos. Nunca, muito menos no momento em que o país vive. O julgamento de hoje precisa ser colocado neste contexto.
É ilusória a tese de que seria melhor o ex-presidente ser punido pelas urnas, porque não se pode imaginar que o Poder Judiciário deixe de cumprir sua função
O julgamento de hoje, em segunda instância, do recurso do ex-presidente Lula contra sua condenação por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no processo do tríplex de Guarujá, é motivo de muita desinformação, devido aos embates políticos que o cercam.
Afinal, a depender da decisão dos três desembargadores do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), responsáveis pelo julgamento de recursos contra veredictos do juiz Sergio Moro, de Curitiba, no processo da LavaJato, as eleições deste ano tomarão um rumo ou outro.
Caso os juízes confirmem a condenação por unanimidade, é quase certo que Lula estará fora das urnas de outubro, e ficará por oito anos inelegível, conforme estabelece a Lei da Ficha Limpa, sancionada pelo ex-presidente em 2010.
Se o resultado for de dois a um, contra Lula, o ex-presidente, que promete recorrer em qualquer hipótese, terá mais espaço de manobra na evidente intenção de empurrar ao máximo o desfecho do processo para as proximidades da eleição e, assim, aumentar ainda mais a pressão política sobre a Justiça. O que não significa que deixará de ser condenado do mesmo jeito. Mas a estratégia é constranger os juízes, o que é inaceitável no estado democrático de direito.
Na tentativa que beira o desespero na defesa do cliente, mas legítima no Direito, advogados de Lula bateram recorde em petições impetradas na Justiça. Foram, só neste processo, 78, ou uma a cada seis dias, conforme revelou O GLOBO. Na Lava-Jato, por enquanto, nem o hiperativo Eduardo Cunha chegou lá.
A militância, característica do lulopetismo, corrente carismática e sectária dentro do PT, também reage. Destacam-se as ameaças da presidente da legenda, senadora Gleisi Hoffmann (PR), de que precisará haver “mortes” para prenderem o ex-presidente — um desfecho normal nos processos —, e do seu colega de Senado, Lindbergh Farias (RJ), que exortou companheiros a se prepararem para “brigas de rua” .
Depois voltaram atrás, mas as declarações infelizes apenas refletem, além do conhecido espírito autoritário, o pessimismo dos lulopetistas diante do julgamento. No caso de Gleisi Hoffmann, ela própria é ré num dos processos sobre desvio de dinheiro público.
Em nenhum momento, Lula e PT demonstraram respeito às instituições — e continuarão, por certo, a não demonstrar. E, além da intenção da politização extrema deste e dos outros processos, há movimentos claros para, como sempre, vitimizar-se o ex-presidente. Daí ser ilusória e equivocada a tese compartilhada por Fernando Henrique Cardoso e pelo governador Geraldo Alckmin, entre outros, de que o melhor seria derrotar Lula nas urnas, para evitar o jogo político da vitimização. Ora, ele jogará sempre este jogo. E, além disso, não se pode prescindir do papel que a Justiça e o Ministério Público precisam cumprir neste caso ou em qualquer outro que envolva corrupção na política. Como, de resto, em qualquer crime, num Brasil cansado da impunidade de poderosos.
Não se pode transigir no princípio republicano de que a lei vale para todos. Nunca, muito menos no momento em que o país vive. O julgamento de hoje precisa ser colocado neste contexto.
A lição do ministro Martins - EDITORIAL O ESTADÃO
ESTADÃO - 24/01
De todas as decisões sobre o caso Cristiane Brasil, a única que reafirma a segurança do direito é a de Humberto Martins, do STJ
Ao cassar a liminar concedida pelo vice-presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Humberto Martins, que autorizava a deputada Cristiane Brasil (PTB-RJ) a assumir o Ministério do Trabalho, a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, alegou que ele teria tomado uma “decisão precária”. Também afirmou que o ministro não teria divulgado seu despacho na íntegra. E deu a ele o prazo de 15 dias para se justificar.
Originariamente, a deputada Cristiane Brasil foi impedida de assumir a pasta do Trabalho por uma decisão do juiz da 4.ª Vara Federal de Niterói, acolhendo uma ação popular. Ao julgar em segunda instância o recurso impetrado pela Advocacia-Geral da União (AGU), o presidente em exercício do Tribunal Regional Federal da 2.ª Região (TRF-2) o rejeitou. A AGU só teve sucesso quando bateu às portas do STJ, mas o êxito durou pouco por causa da decisão de Cármen Lúcia.
O ministro Humberto Martins prontamente refutou os argumentos da presidente do STF. No ofício que enviou a ela, o vice-presidente do STJ informa que, ao contrário do que disse Cármen Lúcia, ele não só divulgou a íntegra de seu despacho na internet, logo após assiná-lo, como também autorizou a Coordenadoria da Corte Especial do STJ – que “funciona de modo contínuo” – a distribuí-lo a quem quisesse.
Mais importante ainda foram suas informações sobre os critérios que o levaram a autorizar a deputada Cristiane Brasil a assumir a pasta do Trabalho. Ao cassar a liminar por ele concedida, a presidente do STF afirmou que, embora o inciso I do artigo 84 da Constituição classifique a nomeação e exoneração de ministros de Estado como sendo de competência privativa do presidente da República, esse dispositivo tem sua interpretação condicionada pelo artigo 37, segundo o qual a administração pública direta é obrigada a respeitar, entre outros, o princípio da moralidade. Assim, como a parlamentar fluminense já foi condenada judicialmente a pagar dívidas trabalhistas, o presidente Michel Temer não poderia tê-la indicado para o Ministério do Trabalho, afirmou Cármen Lúcia, repetindo o que havia sido dito pelo juiz de Niterói e pelo presidente em exercício do TRF-2.
O ministro Humberto Martins refutou esses argumentos. Segundo ele, por ser vago e indeterminado, o princípio constitucional da moralidade depende de leis infraconstitucionais para ser aplicado. São essas leis que “estabelecem parâmetros através dos quais se torna possível avaliar nos casos concretos a boa-fé do agente público e sua lealdade para com o funcionamento das instituições”. E, além dessa legislação infraconstitucional ser clara, disse ele, o próprio STF já firmou jurisprudência nesse sentido. Portanto, uma vez que o princípio da moralidade não é autoaplicável, nem o juiz de Niterói, nem o desembargador do TRF-2 e muito menos a presidente do STF poderiam ter suspendido a nomeação da deputada petebista para a pasta do Trabalho, já que não levaram em conta a legislação infraconstitucional. “A moralidade administrativa consiste numa específica modalidade de ética, cuja construção requer necessariamente a análise do quadro normativo existente”, quadro esse que permite ao presidente da República dar posse à pessoa indicada para o Ministério do Trabalho – concluiu o vice-presidente do STJ. De todas essas decisões divergentes entre diferentes instâncias judiciais, a única que reafirma a segurança do direito é, justamente, a dele. Além de açodadas, as demais pecam pela falta de fundamento legal.
Como terá de substituir pelo menos 14 ministros de Estado, que deixarão o cargo até abril para disputar as eleições, o presidente Michel Temer temia que as liminares concedidas contra a posse de Cristiane Brasil abrissem um perigoso precedente, comprometendo futuras nomeações. Os argumentos do ministro Humberto Martins, que serão apreciados pelo plenário do STF quando julgar o recurso da AGU contra a liminar suspensa por Cármen Lúcia, evitam um cenário de incerteza não só jurídica, mas, principalmente, institucional.
De todas as decisões sobre o caso Cristiane Brasil, a única que reafirma a segurança do direito é a de Humberto Martins, do STJ
Ao cassar a liminar concedida pelo vice-presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Humberto Martins, que autorizava a deputada Cristiane Brasil (PTB-RJ) a assumir o Ministério do Trabalho, a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, alegou que ele teria tomado uma “decisão precária”. Também afirmou que o ministro não teria divulgado seu despacho na íntegra. E deu a ele o prazo de 15 dias para se justificar.
Originariamente, a deputada Cristiane Brasil foi impedida de assumir a pasta do Trabalho por uma decisão do juiz da 4.ª Vara Federal de Niterói, acolhendo uma ação popular. Ao julgar em segunda instância o recurso impetrado pela Advocacia-Geral da União (AGU), o presidente em exercício do Tribunal Regional Federal da 2.ª Região (TRF-2) o rejeitou. A AGU só teve sucesso quando bateu às portas do STJ, mas o êxito durou pouco por causa da decisão de Cármen Lúcia.
O ministro Humberto Martins prontamente refutou os argumentos da presidente do STF. No ofício que enviou a ela, o vice-presidente do STJ informa que, ao contrário do que disse Cármen Lúcia, ele não só divulgou a íntegra de seu despacho na internet, logo após assiná-lo, como também autorizou a Coordenadoria da Corte Especial do STJ – que “funciona de modo contínuo” – a distribuí-lo a quem quisesse.
Mais importante ainda foram suas informações sobre os critérios que o levaram a autorizar a deputada Cristiane Brasil a assumir a pasta do Trabalho. Ao cassar a liminar por ele concedida, a presidente do STF afirmou que, embora o inciso I do artigo 84 da Constituição classifique a nomeação e exoneração de ministros de Estado como sendo de competência privativa do presidente da República, esse dispositivo tem sua interpretação condicionada pelo artigo 37, segundo o qual a administração pública direta é obrigada a respeitar, entre outros, o princípio da moralidade. Assim, como a parlamentar fluminense já foi condenada judicialmente a pagar dívidas trabalhistas, o presidente Michel Temer não poderia tê-la indicado para o Ministério do Trabalho, afirmou Cármen Lúcia, repetindo o que havia sido dito pelo juiz de Niterói e pelo presidente em exercício do TRF-2.
O ministro Humberto Martins refutou esses argumentos. Segundo ele, por ser vago e indeterminado, o princípio constitucional da moralidade depende de leis infraconstitucionais para ser aplicado. São essas leis que “estabelecem parâmetros através dos quais se torna possível avaliar nos casos concretos a boa-fé do agente público e sua lealdade para com o funcionamento das instituições”. E, além dessa legislação infraconstitucional ser clara, disse ele, o próprio STF já firmou jurisprudência nesse sentido. Portanto, uma vez que o princípio da moralidade não é autoaplicável, nem o juiz de Niterói, nem o desembargador do TRF-2 e muito menos a presidente do STF poderiam ter suspendido a nomeação da deputada petebista para a pasta do Trabalho, já que não levaram em conta a legislação infraconstitucional. “A moralidade administrativa consiste numa específica modalidade de ética, cuja construção requer necessariamente a análise do quadro normativo existente”, quadro esse que permite ao presidente da República dar posse à pessoa indicada para o Ministério do Trabalho – concluiu o vice-presidente do STJ. De todas essas decisões divergentes entre diferentes instâncias judiciais, a única que reafirma a segurança do direito é, justamente, a dele. Além de açodadas, as demais pecam pela falta de fundamento legal.
Como terá de substituir pelo menos 14 ministros de Estado, que deixarão o cargo até abril para disputar as eleições, o presidente Michel Temer temia que as liminares concedidas contra a posse de Cristiane Brasil abrissem um perigoso precedente, comprometendo futuras nomeações. Os argumentos do ministro Humberto Martins, que serão apreciados pelo plenário do STF quando julgar o recurso da AGU contra a liminar suspensa por Cármen Lúcia, evitam um cenário de incerteza não só jurídica, mas, principalmente, institucional.
Saúde abalada - EDITORIAL FOLHA DE SP
FOLHA DE SP - 24/01
A epidemia de processos judiciais na área da assistência médica, que antes parecia afetar preferencialmente o Sistema Único de Saúde (SUS), grassa também entre planos particulares de atendimento.
Levantamento da Faculdade de Medicina da USPmostrou que só no Tribunal de Justiça de São Paulo mais que quadruplicou o número de casos julgados, de 2011 a 2017.
Naquele ano haviam sido pouco mais de 7.000 decisões de primeira e de segunda instâncias. No ano passado elas foram proferidas em mais de 30 mil processos. Isso se deu num período em que encolheu o universo de beneficiários, acompanhando tendência nacional criada pela recessão.
De mais de 17,6 milhões de segurados em 2011, o sistema particular perdeu na base paulista 280 mil clientes. Na comparação com o pico de adesão, em 2014, quando eram 18,6 milhões os usuários, a queda foi de mais de 1,2 milhão.
A queixa mais frequente contra os planos se refere a exclusão de coberturas ou negativas de atendimentos, foco de 40% das causas. As demandas abrangem principalmente internações, cirurgias e tratamentos de câncer negados. Em seguida vêm as questões sobre mensalidades (24%).
A relação entre beneficiários e provedores de seguro saúde tem sido notoriamente contenciosa. É lamentável que o Estado brasileiro não consiga disciplinar os contratos com mais eficiência.
Parece contribuir para a proliferação de processos o crescimento, em anos recentes, de planos empresariais mais baratos, conhecidos como falsos coletivos. Eles contam 10% do mercado e têm cláusulas mais restritivas.
Certamente há contratos desequilibrados, além de práticas enganosas de venda, com omissão deliberada de condições de serviço incompatíveis com as expectativas de cobertura do cliente.
Contudo, soa também sintomático o predomínio de decisões desfavoráveis aos planos: em 92% dos casos o juiz acata integral ou parcialmente a queixa do segurado.
Essa alta taxa de sucesso alimenta a cultura litigante no setor. Este, a continuar assim, terminará por inviabilizar-se economicamente, numa escalada de custos e cobranças que a ninguém interessa.
A epidemia de processos judiciais na área da assistência médica, que antes parecia afetar preferencialmente o Sistema Único de Saúde (SUS), grassa também entre planos particulares de atendimento.
Levantamento da Faculdade de Medicina da USPmostrou que só no Tribunal de Justiça de São Paulo mais que quadruplicou o número de casos julgados, de 2011 a 2017.
Naquele ano haviam sido pouco mais de 7.000 decisões de primeira e de segunda instâncias. No ano passado elas foram proferidas em mais de 30 mil processos. Isso se deu num período em que encolheu o universo de beneficiários, acompanhando tendência nacional criada pela recessão.
De mais de 17,6 milhões de segurados em 2011, o sistema particular perdeu na base paulista 280 mil clientes. Na comparação com o pico de adesão, em 2014, quando eram 18,6 milhões os usuários, a queda foi de mais de 1,2 milhão.
A queixa mais frequente contra os planos se refere a exclusão de coberturas ou negativas de atendimentos, foco de 40% das causas. As demandas abrangem principalmente internações, cirurgias e tratamentos de câncer negados. Em seguida vêm as questões sobre mensalidades (24%).
A relação entre beneficiários e provedores de seguro saúde tem sido notoriamente contenciosa. É lamentável que o Estado brasileiro não consiga disciplinar os contratos com mais eficiência.
Parece contribuir para a proliferação de processos o crescimento, em anos recentes, de planos empresariais mais baratos, conhecidos como falsos coletivos. Eles contam 10% do mercado e têm cláusulas mais restritivas.
Certamente há contratos desequilibrados, além de práticas enganosas de venda, com omissão deliberada de condições de serviço incompatíveis com as expectativas de cobertura do cliente.
Contudo, soa também sintomático o predomínio de decisões desfavoráveis aos planos: em 92% dos casos o juiz acata integral ou parcialmente a queixa do segurado.
Essa alta taxa de sucesso alimenta a cultura litigante no setor. Este, a continuar assim, terminará por inviabilizar-se economicamente, numa escalada de custos e cobranças que a ninguém interessa.
Déficit em alta ilustra reforma da Previdência - EDITORIAL O GLOBO
O Globo 24/01
Por ainda estarmos a pouco mais de uma semana do fim do recesso do Congresso, os senhores e senhoras deputados e senadores têm algum tempo para analisar com calma os números do déficit de 2017 da Previdência dos assalariados do setor privado (INSS) e dos servidores da União (Regime Próprio, incluindo militares), divulgados segunda-feira.
Mais uma chance de, afinal, os parlamentares entenderem o tamanho do problema fiscal do país, que se agrava a cada momento, antes de a Câmara começar a votar a proposta de reforma previdenciária do governo, o que está previsto para 19 de fevereiro.
Não é preciso ter alto conhecimento de matemática, basta alguma capacidade de raciocínio lógico para entender que o fenômeno demográfico do envelhecimento da população empurra o Brasil, ou qualquer outro país, para atualizar os sistemas de seguridade. Em duas direções: a fim de manter a mão de obra ativa o maior tempo possível contribuindo para o sistema e para combater disparidades.
O Brasil está ainda em meio à mais séria crise fiscal da história, causada pela aplicação do manual lulopetista de política econômica, tudo agravado por um sistema previdenciário com sérios desequilíbrios estruturais e um Orçamento engessado, com muitas despesas indexadas. Mas ainda há tempo de evitar a falência do Tesouro.
Os dois sistemas somados produziram um buraco no Tesouro, no ano passado, de R$ 268,7 bilhões, equivalentes às despesas de todos os ministérios, com exceção de Previdência, Saúde e Educação.
Funciona como um buraco negro cósmico: este déficit atrai parcelas crescentes da arrecadação, à medida que mais pessoas se aposentam —, e não existe nova arrecadação para financiar estes custos adicionais. Na cifra bilionária não está contabilizado o déficit de estados e municípios. Portanto, o rombo é maior.
O resultado no vermelho do INSS, de R$183,9 bilhões, foi 18,7% maior que o de 2016. O dos servidores federais e militares, de R$ 86,3 bilhões, significou uma elevação de 11,9%. Isso, enquanto a economia estava em recessão, e o recolhimento de impostos encolhia. Inevitável que o déficit cresça, bem como a dívida pública, hoje sem controle (aproxima-se de 80% do PIB).
A reforma proposta, mesmo menor que a versão original, é importante para começar a corrigir desequilíbrios estruturais; não atinge as pessoas de renda mais baixa, e ainda é suave na transição do regime de aposentadoria por tempo de contribuição para o de limite de idade.
Para homens, ele será de 65 anos, e 62 para as mulheres. Porém, com uma transição lenta, a ponto de esses limites só serem exigidos daqui a 20 anos. Ainda é possível não haver tratamento de choque. Mas, à medida que o tempo passa, a reforma será mais dura.
Por ainda estarmos a pouco mais de uma semana do fim do recesso do Congresso, os senhores e senhoras deputados e senadores têm algum tempo para analisar com calma os números do déficit de 2017 da Previdência dos assalariados do setor privado (INSS) e dos servidores da União (Regime Próprio, incluindo militares), divulgados segunda-feira.
Mais uma chance de, afinal, os parlamentares entenderem o tamanho do problema fiscal do país, que se agrava a cada momento, antes de a Câmara começar a votar a proposta de reforma previdenciária do governo, o que está previsto para 19 de fevereiro.
Não é preciso ter alto conhecimento de matemática, basta alguma capacidade de raciocínio lógico para entender que o fenômeno demográfico do envelhecimento da população empurra o Brasil, ou qualquer outro país, para atualizar os sistemas de seguridade. Em duas direções: a fim de manter a mão de obra ativa o maior tempo possível contribuindo para o sistema e para combater disparidades.
O Brasil está ainda em meio à mais séria crise fiscal da história, causada pela aplicação do manual lulopetista de política econômica, tudo agravado por um sistema previdenciário com sérios desequilíbrios estruturais e um Orçamento engessado, com muitas despesas indexadas. Mas ainda há tempo de evitar a falência do Tesouro.
Os dois sistemas somados produziram um buraco no Tesouro, no ano passado, de R$ 268,7 bilhões, equivalentes às despesas de todos os ministérios, com exceção de Previdência, Saúde e Educação.
Funciona como um buraco negro cósmico: este déficit atrai parcelas crescentes da arrecadação, à medida que mais pessoas se aposentam —, e não existe nova arrecadação para financiar estes custos adicionais. Na cifra bilionária não está contabilizado o déficit de estados e municípios. Portanto, o rombo é maior.
O resultado no vermelho do INSS, de R$183,9 bilhões, foi 18,7% maior que o de 2016. O dos servidores federais e militares, de R$ 86,3 bilhões, significou uma elevação de 11,9%. Isso, enquanto a economia estava em recessão, e o recolhimento de impostos encolhia. Inevitável que o déficit cresça, bem como a dívida pública, hoje sem controle (aproxima-se de 80% do PIB).
A reforma proposta, mesmo menor que a versão original, é importante para começar a corrigir desequilíbrios estruturais; não atinge as pessoas de renda mais baixa, e ainda é suave na transição do regime de aposentadoria por tempo de contribuição para o de limite de idade.
Para homens, ele será de 65 anos, e 62 para as mulheres. Porém, com uma transição lenta, a ponto de esses limites só serem exigidos daqui a 20 anos. Ainda é possível não haver tratamento de choque. Mas, à medida que o tempo passa, a reforma será mais dura.
Julgamento não é comício - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR
GAZETA DO POVO - PR - 24/01
Por mais que petistas queiram descrever o 24 de janeiro como uma etapa da disputa eleitoral, o TRF4 não está decidindo se Lula pode ou não ser candidato à Presidência
Já que Bono Vox não veio, restou aos petistas que se aglomeram em Porto Alegre realizar uma série de atos, setorizados ou multitudinários, na tentativa de demonstrar algum apoio popular – naquela ilusão que enxerga uma suposta adesão da população naquilo que não passa da presença maciça de “movimentos sociais” alinhados ao petismo – ao ex-presidente Lula, que terá seu recurso julgado nesta quarta-feira pelo Tribunal Regional Federal da 4.ª Região no caso do tríplex, pelo qual foi condenado a nove anos e meio de prisão pelo juiz Sergio Moro. O principal desses atos contou com a presença do próprio Lula, no fim da tarde de terça-feira. O ex-presidente que se gaba de ter feito “o pobre viajar de avião”, motivo pelo qual a “elite” desejaria derrubá-lo, preferiu não testar sua popularidade nos aeroportos e evitou voos comerciais, indo à capital gaúcha em um avião fretado.
Como afirmamos recentemente neste espaço, a estratégia petista é transformar o julgamento em um espetáculo, politizando-ao ao máximo – truque no qual, infelizmente, alguns movimentos contrários ao petismo também caíram, organizando seus próprios eventos de rua como se fosse dia de jogo da seleção brasileira pela Copa do Mundo. A natureza do que ocorrerá dentro da sede do TRF4, no entanto, nada tem de política; por mais que petistas queiram descrever o 24 de janeiro como uma etapa da disputa eleitoral de 2018, os desembargadores da 8.ª Turma não estão decidindo se Lula pode ou não ser candidato à Presidência, mas se a sentença dada por Moro em julho do ano passado está correta ou não – em outras palavras, se Lula é ou não culpado dos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro que lhe são imputados.
O petismo age como se as aglomerações em defesa de Lula tivessem alguma precedência jurídica ou moral sobre a decisão do TRF4
Mas isso é o de menos no discurso petista. Claro, não faltam as afirmações de que Lula é inocente, mas a maioria das manifestações das lideranças petistas se refere à participação do ex-presidente no pleito de outubro, cunhando-se para isso o slogan “eleição sem Lula é golpe”, como se houvesse um direito inalienável à participação na disputa eleitoral deste ano, e que estaria sendo violado caso o ex-presidente, devido a uma condenação judicial proferida por colegiado em processo criminal, ficasse impedido de concorrer. Ora, violação ocorreria se Lula pudesse concorrer mesmo com uma eventual condenação que o tornaria inelegível pela Lei da Ficha Limpa – mas é exatamente esse o plano dos petistas em caso de decisão desfavorável no TRF4, e isso o partido admite abertamente.
Daí a necessidade de “antecipar” o processo eleitoral – coisa, aliás, que Lula já tem feito, correndo o país em campanha disfarçada de “caravana” –, chamando a militância a Porto Alegre em uma tentativa de contrapor os milhares de manifestantes aos três desembargadores e ao que consta nos autos do processo e na sentença de Moro, como se as aglomerações em defesa de Lula tivessem alguma precedência jurídica ou moral sobre a decisão do TRF4 ou como se o julgamento tivesse qualquer relação, em sua essência, com a eleição de outubro. Essa espetacularização, ainda por cima temperada com ameaças de violência física em caso de confirmação da condenação de Lula, também custa caro aos destruídos cofres gaúchos, que terão de bancar um aparato de segurança que seria desnecessário caso os petistas resolvessem simplesmente deixar os magistrados fazerem seu trabalho em paz, “resistindo” às suas decisões apenas com os instrumentos que a lei lhes faculta, como os recursos ao próprio TRF4 e aos tribunais superiores.
Neste 24 de janeiro, a 8.ª Turma do TRF4 fará algo que, para os desembargadores, é costumeiro: analisar um recurso de alguém que foi condenado em primeira instância em um processo criminal. Sim, o réu é um ex-presidente da República, candidato declarado à Presidência em 2018 e ainda capaz de arrastar multidões. João Pedro Gebran Neto, Leandro Paulsen e Victor Laus sabem disso mais que ninguém, mas esse fato em nada muda a maneira como os desembargadores agirão. A lei é igual para todos e assim deve ser aplicada. Quem pretende outra coisa são os que enxergam Lula como um semideus que não precisa se curvar a irrelevâncias como a lei, a Justiça e o Estado Democrático de Direito, e apostam na força e na pressão para prevalecer.
Por mais que petistas queiram descrever o 24 de janeiro como uma etapa da disputa eleitoral, o TRF4 não está decidindo se Lula pode ou não ser candidato à Presidência
Já que Bono Vox não veio, restou aos petistas que se aglomeram em Porto Alegre realizar uma série de atos, setorizados ou multitudinários, na tentativa de demonstrar algum apoio popular – naquela ilusão que enxerga uma suposta adesão da população naquilo que não passa da presença maciça de “movimentos sociais” alinhados ao petismo – ao ex-presidente Lula, que terá seu recurso julgado nesta quarta-feira pelo Tribunal Regional Federal da 4.ª Região no caso do tríplex, pelo qual foi condenado a nove anos e meio de prisão pelo juiz Sergio Moro. O principal desses atos contou com a presença do próprio Lula, no fim da tarde de terça-feira. O ex-presidente que se gaba de ter feito “o pobre viajar de avião”, motivo pelo qual a “elite” desejaria derrubá-lo, preferiu não testar sua popularidade nos aeroportos e evitou voos comerciais, indo à capital gaúcha em um avião fretado.
Como afirmamos recentemente neste espaço, a estratégia petista é transformar o julgamento em um espetáculo, politizando-ao ao máximo – truque no qual, infelizmente, alguns movimentos contrários ao petismo também caíram, organizando seus próprios eventos de rua como se fosse dia de jogo da seleção brasileira pela Copa do Mundo. A natureza do que ocorrerá dentro da sede do TRF4, no entanto, nada tem de política; por mais que petistas queiram descrever o 24 de janeiro como uma etapa da disputa eleitoral de 2018, os desembargadores da 8.ª Turma não estão decidindo se Lula pode ou não ser candidato à Presidência, mas se a sentença dada por Moro em julho do ano passado está correta ou não – em outras palavras, se Lula é ou não culpado dos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro que lhe são imputados.
O petismo age como se as aglomerações em defesa de Lula tivessem alguma precedência jurídica ou moral sobre a decisão do TRF4
Mas isso é o de menos no discurso petista. Claro, não faltam as afirmações de que Lula é inocente, mas a maioria das manifestações das lideranças petistas se refere à participação do ex-presidente no pleito de outubro, cunhando-se para isso o slogan “eleição sem Lula é golpe”, como se houvesse um direito inalienável à participação na disputa eleitoral deste ano, e que estaria sendo violado caso o ex-presidente, devido a uma condenação judicial proferida por colegiado em processo criminal, ficasse impedido de concorrer. Ora, violação ocorreria se Lula pudesse concorrer mesmo com uma eventual condenação que o tornaria inelegível pela Lei da Ficha Limpa – mas é exatamente esse o plano dos petistas em caso de decisão desfavorável no TRF4, e isso o partido admite abertamente.
Daí a necessidade de “antecipar” o processo eleitoral – coisa, aliás, que Lula já tem feito, correndo o país em campanha disfarçada de “caravana” –, chamando a militância a Porto Alegre em uma tentativa de contrapor os milhares de manifestantes aos três desembargadores e ao que consta nos autos do processo e na sentença de Moro, como se as aglomerações em defesa de Lula tivessem alguma precedência jurídica ou moral sobre a decisão do TRF4 ou como se o julgamento tivesse qualquer relação, em sua essência, com a eleição de outubro. Essa espetacularização, ainda por cima temperada com ameaças de violência física em caso de confirmação da condenação de Lula, também custa caro aos destruídos cofres gaúchos, que terão de bancar um aparato de segurança que seria desnecessário caso os petistas resolvessem simplesmente deixar os magistrados fazerem seu trabalho em paz, “resistindo” às suas decisões apenas com os instrumentos que a lei lhes faculta, como os recursos ao próprio TRF4 e aos tribunais superiores.
Neste 24 de janeiro, a 8.ª Turma do TRF4 fará algo que, para os desembargadores, é costumeiro: analisar um recurso de alguém que foi condenado em primeira instância em um processo criminal. Sim, o réu é um ex-presidente da República, candidato declarado à Presidência em 2018 e ainda capaz de arrastar multidões. João Pedro Gebran Neto, Leandro Paulsen e Victor Laus sabem disso mais que ninguém, mas esse fato em nada muda a maneira como os desembargadores agirão. A lei é igual para todos e assim deve ser aplicada. Quem pretende outra coisa são os que enxergam Lula como um semideus que não precisa se curvar a irrelevâncias como a lei, a Justiça e o Estado Democrático de Direito, e apostam na força e na pressão para prevalecer.