terça-feira, janeiro 02, 2018

Firmeza de propósito - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 02/01

Contra as mentiras que têm sido ditas sobre a reforma da Previdência, as melhores armas são as informações corretas claramente divulgadas para a população e a firmeza de propósito do governo


A dificuldade do governo para obter os 308 votos na Câmara dos Deputados necessários à aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 287/2016, que trata da reforma da Previdência, deve-se, em grande medida, a uma campanha de falsidades astutamente engendrada por uma casta de privilegiados que, embora represente uma pequeníssima parcela da população, têm grande poder de mobilização e influência sobre o Congresso Nacional. Trata-se da elite do funcionalismo público.

Os argumentos falaciosos de que essa elite de servidores públicos lança mão para fazer valer os seus interesses de classe – muito distantes do interesse nacional – têm forte apelo junto à opinião pública, muito mais pela apreensão generalizada (e infundada) que causam do que pela honestidade da mensagem.

Deve-se reconhecer que, aos ouvidos do cidadão comum, ressoa com muito mais força, por exemplo, uma afirmação dizendo que “os trabalhadores irão morrer de trabalhar antes de se aposentarem”, caso a reforma da Previdência seja aprovada, do que as explicações a respeito da regra de transição prevista na PEC 287/2016, que estabelece que a idade mínima para a aposentadoria – 65 anos para homens e 62 anos para mulheres – só será alcançada, de fato, em 2038, daqui a duas décadas.

Sabedores do apelo que tal tipo de mensagem alarmista tem junto à opinião pública, partidos políticos de oposição ao governo propagam as mentiras ou distorcem as informações movidos tão somente por interesses político-eleitorais, demonstrando ter nenhum desvelo quanto à responsabilidade fiscal e ao futuro do País.

Devidamente informada sobre os riscos que a não aprovação da reforma da Previdência representa para a saúde financeira do Estado e, consequentemente, para a garantia de direitos, investimentos públicos em áreas essenciais e manutenção de programas sociais – sem contar a sustentabilidade do próprio sistema previdenciário –, a população, que não é boba, perceberá a natureza equitativa da proposta de reforma da Previdência, contra a qual se insurgem os mesmos grupos de pressão que há décadas lutam pela manutenção de seus privilégios sempre que o tema volta à agenda nacional.

Se abrandar a proposta de reforma da Previdência ora em discussão na Câmara dos Deputados, como vem sendo pressionado a fazer, o governo irá beneficiar 52% dos funcionários públicos federais, cerca de 380 mil servidores em atividade que ingressaram no serviço público até 2003 e contam com os benefícios de “integralidade” e “paridade”, ou seja, aposentam-se recebendo o último salário da carreira e recebem reajustes iguais aos dos servidores da ativa.

São privilégios como estes que a PEC 287/2016 tem o condão de acabar, derrubando junto com eles um muro invisível que hoje divide os brasileiros em duas classes de direitos: uns que estão sujeitos ao Regime Próprio de Previdência Social (RPPS) e outros, a imensa maioria dos trabalhadores, sujeitos ao Regime Geral da Previdência Social (RGPS). Uma clara afronta ao princípio da isonomia consagrado pela Constituição. “A reforma da Previdência, na versão que está hoje, afetará 9,5% da população brasileira, justamente as pessoas de maior renda”, disse Marcelo Caetano, secretário de Previdência do Ministério da Fazenda.

O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), já definiu que as discussões em plenário e a votação da PEC 287/2016 ficarão para fevereiro. Será benfazejo ao País se a parcela responsável dos parlamentares usar este tempo para informar suas bases quanto à imperiosa necessidade de aprovação da reforma da Previdência.

Contra as mentiras que têm sido ditas sobre a reforma da Previdência, essencial para a construção de um país mais justo e financeiramente equilibrado, as melhores armas são as informações corretas claramente divulgadas para a população e a firmeza de propósito do governo, que não deve se afastar do único conteúdo de reforma capaz de produzir os resultados que o País precisa.

Lula é o establishment - CARLOS ANDREAZZA

O Globo - 02/01

Leio com perplexidade análises que projetam no dia 24 de janeiro — data estabelecida para o julgamento de Lula em segunda instância — a solução do problema em que consiste o ex-presidente. Problema que, diga-se, a parcela do Brasil que, por exemplo, beatificou Cármen Lúcia criou (recriou) para todo o país, ao endossar bovinamente o enredo — escrito por Janot e seus meninos, e editado por Fachin — que criminalizou a atividade política e que, afinal, igualou a ação corrupta de grupos em busca de enriquecimento individual ao projeto autoritário de assalto ao Estado para permanência no poder, de captura da máquina pública para financiar a estrutura do partido, promovido pelo PT. Deu no que deu. Se rastejam todos os políticos na mesma lama, ora: aí se revitaliza aquele do qual o brasileiro se lembra, aquele experimentado, sob cujo governo — dane-se que origem da crise em que ainda nos afogamos — havia emprego e crédito fartos etc. Se são todos igualmente bandidos, Lula é o mais antigo e conhecido — espécie de segurança na hora de escolher um entre os marginais. Para ele, a lama é medicinal. E aí? O homem, carta fora do baralho em 2016, é hoje o melhor produto do jacobinismo de extração janotista, reerguido pela sanha dos justiceiros cuja estupidez agora faz de um Roberto Barroso — o Gilmar do mensalão — o herói na luta contra a impunidade. Parabéns! Essa é a caça às bruxas em decorrência da qual Lula ganhou de presente um discurso até para falar novamente em golpe: o de que derrubaram o governo popular para pôr no lugar um — segundo a narrativa da facção mais influente do Ministério Público — ainda mais criminoso.

Com esse texto sob medida para palanque, e com a fibra político-eleitoral que a ideia de resistência vende, ademais num ambiente conflagrado por tática desenhada pelo próprio “perseguido”, como supor que mais um julgamento — não importa em que instância — possa frear uma campanha que há meses testa limites e prospera? Como, aliás, não supor que a provável nova condenação não seja mais combustível à estratégia — fundamentada em vitimização e politização das ações judiciais — que o ex-presidente concebeu para si?

Faz tempo que o “problema Lula” deixou de ser matéria de tribunal. Daí meu assombro ante a expectativa de que a decisão de 24 de janeiro possa significar revés para o ex-presidente; de que a chancela do TRF-4 à sua condenação por Moro tenha a mais mínima chance de tirá-lo do jogo e clarear o tabuleiro de 2018. É como se não fosse talvez mesmo o oposto: mais uma etapa no projeto de judicialização do processo eleitoral, esse em que Lula investe para tentar se impor formalização de candidatura adentro, mas do qual sairá candidato mesmo que não possa ser.

Alguém duvida de que já nos confinamos a um pleito em que porção relevante do eleitorado — tanto maior quanto mais próximo do dia 7 de outubro Lula for impedido de disputar — votará em desagravo a um cidadão legalmente culpado? De que a eleição do próximo presidente será em parte um plebiscito sobre a tal injustiça cometida contra Lula?

Este é o Brasil: país em que um indivíduo condenado pela Justiça lidera todas as pesquisas, sujeito cuja eventual (improvável) prisão representaria força eleitoral poderosa a ponto de lhe recuperar a capacidade de transferir votos como para Dilma Rousseff. Eis um ponto relevante — a força de Lula para levantar outro poste. As mesmas pesquisas indicam que — embora ainda considerável — já não é a mesma. É verdade. Mas verdadeiro também é que, uma vez sem Lula, o PT não terá candidato — a ser de todo construído — como Dilma. Jaques Wagner, por exemplo. Um político profissional, que governou a Bahia por dois mandatos e cuja proeminência eleitoral no Nordeste pode compensar fração da perda de alcance do ex-presidente para terceirizar votos. Que o leitor não se iluda: o candidato do PT — Lula ou não — estará no segundo turno. Lula ou não, Lula será.

Há mais a ser considerado.

Não são poucos os agentes políticos — inclusive adversários — que torcem (trabalham) por Lula em 2018. Não para que vença a eleição (se acontecer, porém, paciência); mas a que chegue a outubro livre para disputá-la. O que está na mesa é a conservação do sistema; circunstância em que pouco interessará a saúde do país. Convém atentar para a agenda tanto do STF — principal garantidor da insegurança jurídica no Brasil — quanto do TSE. Não é só a presumível revisão da jurisprudência que hoje autoriza o cumprimento de pena após condenação em segunda instância; mas também a possibilidade de que se afrouxem os critérios de inelegibilidade definidos na lei da Ficha Limpa.

Lula é a força em função da qual todos os atores políticos se organizam: a âncora de previsibilidade eleitoral, que confere memória à disputa e interdita brechas à ascensão de outsiders. Mas não somente; pois também é o termômetro que afere a temperatura da Lava-Jato. O cálculo sobre sua sobrevivência é ciência exata: se, com tudo que corre contra si, condenado em primeira instância, sentença virtualmente confirmada em segunda, sujeito a ser ainda (provavelmente neste ano) apenado no processo relativo ao sítio de Atibaia, conseguir concorrer à Presidência, terá sido porque a operação fracassou. O raciocínio consequente é óbvio: se ele — ainda que derrotado nas urnas — vencer, ninguém mais cairá.

Lula é o indulto de Natal do establishment projetado para 2018.

Feminismo de hoje é tão reacionário quanto o machismo neandertal - JOÃO PEREIRA COUTINHO

FOLHA DE SP - 02/01


Passei as festividades natalinas lendo Camille Paglia. Não sei se é pecado. Talvez seja. Mas que alegria –e que prazer!– ler uma feminista com atividade cerebral completa, que não se limita a defender a dignidade das mulheres –mas a dos homens também.

O título da sua coletânea de ensaios –"Free Women, Free Men: Sex, Gender, Feminism" (libertem mulheres, libertem homens: sexo, gênero e feminismo)– diz tudo: queremos uma sociedade de mulheres e homens livres –ou uma farsa infantil onde as mulheres são tratadas como espécies protegidas e os homens como selvagens inimputáveis?

O feminismo de Paglia, que provoca horrores mil nas "neofeministas", pode parecer demasiado severo para a sensibilidade histérica dos nossos dias. Mas subscrevo esse feminismo, não apenas por razões intelectuais –mas pessoais.

Cresci entre mulheres. Vivo entre elas. E quando relembro as mulheres da minha vida todas elas parecem encarnar o ideal de Paglia. Independentes. Irônicas. Corajosas. Que, sem surpresas, sempre gostaram de partilhar o espaço com homens adultos, dignos, refinados.

Para Paglia, o novo feminismo abandonou esse imperativo de exigência para que as mulheres sejam "amazonas", ou seja, senhoras da sua liberdade. Transformou as mulheres em seres débeis e vulneráveis, que devem ser constantemente protegidas de um mundo hostil e predatório.

Nota importante: Paglia não nega que o mundo é hostil e predatório. Sempre foi, sempre será. Ela apenas reafirma que as mulheres devem aprender a lidar com isso, não a retirar-se da arena como seres assustadiços.

Infelizmente, a voz de Camille Paglia foi abafada pela cultura da vitimização reinante. A Europa, nesse quesito, é terra devastada.

Leio na imprensa que a virada do ano em Berlim teve, pela primeira vez, uma "zona segura" para as mulheres. Em 2016, centenas foram abusadas por homens de "aparência árabe e norte-africana". Em 2017, houve uma espécie de "resort" para as espécies femininas que se sintam ameaçadas –e com a presença permanente da Cruz Vermelha.

Pode parecer piada. Ou cenário de guerra. Não é. As autoridades do país entenderam que a melhor forma de proteger as senhoras é pela segregação social (como nos países islâmicos). Será preciso elaborar sobre a aberração?

O papel de uma sociedade política civilizada não passa pela separação dos sexos. Passa pela garantia de segurança e ordem para todos. E de punição exemplar para os criminosos, independentemente da etnia, religião ou tara privada.

Será que a única coisa que o feminismo do século 21 tem para oferecer às mulheres é uma jaula? E não será essa oferta um insulto e uma degradação das próprias mulheres?

Mas a Alemanha não é caso isolado. Na Suécia, há uma nova lei a caminho para punir a violação. O premiê Stefan Löfven fala em "reforma histórica" –e eu tremo: relações sexuais, só com "consentimento explícito". Mas de que "consentimento" falamos? Verbal? Gestual? Só vejo uma forma de produzir uma prova de inocência irrefutável: um documento escrito.

Imagino: dois amantes, em momento de excitação. Subitamente, um deles para o andamento da dança e entrega um formulário para ser preenchido e assinado pela donzela arfante.

Dizer que isso é um dramático "turn-off" é um eufemismo. Mas não é um eufemismo declarar que uma lei dessas, mesmo na versão oral ("sim, declaro solenemente que tens a minha autorização para contatos fálico-vaginais"), é uma caricatura grotesca da intimidade entre adultos.

Será que a única coisa que o feminismo do século 21 tem para oferecer às mulheres é um papel e uma lapiseira?

Não tenho filhas. Se tivesse, Camille Paglia seria leitura obrigatória. Só para que elas aprendessem que as mulheres não são vítimas naturais de um mundo que existe para as amedrontar ou violar.

As mulheres devem ser mulheres: livres, independentes, conscientes do seu poder sexual, capazes de avaliar os riscos (e os homens) sem a mão paternalista de outras mulheres (ou de outros homens) que gostam de defender as suas "honras".

"Defender a honra?" Precisamente. O feminismo contemporâneo é tão reacionário como o machismo neandertal: ambos tratam as mulheres com a mesma condescendência. Ambos olham para as mulheres como o "sexo fraco".

É o eterno retorno.

A falsa luta de classes - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 02/01/18

A atual versão de Lula só engana quem se recusa obsessivamente a enxergá-lo como o falastrão que é


Os petistas e seus associados nos sindicatos e nos soi-disant “movimentos sociais” há muito sustentam a farsa segundo a qual representam a “classe trabalhadora” na luta contra o “capital”. Como já ficou claro para boa parte dos brasileiros, essa fraude se presta apenas a esconder o verdadeiro e único objetivo da tigrada: tomar o poder e transformar o Estado em provedor permanente de renda para os ergofóbicos travestidos de líderes populares, em associação com empresários muito interessados no capitalismo sem riscos que um regime assim naturalmente oferece. Foi o que aconteceu na trevosa era lulopetista.

Portanto, fora do discurso caviloso dos radicais de ocasião, nada havia remotamente assemelhado a uma “luta de classes” na época em que Lula da Silva e Dilma Rousseff estavam no governo. Luta havia, mas era a dos oportunistas contra os brasileiros que desejam apenas trabalhar e pagar suas contas, prejudicados por um Estado que, sob o disfarce da defesa de “direitos sociais”, drena escassos recursos públicos para uns poucos privilegiados.

Defenestrados do poder em razão do impeachment de Dilma, os petistas trataram de atribuir vigor renovado à empulhação da tal “luta de classes”. O líder do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), João Pedro Stédile, por exemplo, disse que, “pela primeira vez na história do Brasil, teremos uma eleição que será a luta de classes em seu sentido mais claro de luta ideológica: de um lado algum candidato do capital, e do nosso lado, Lula”. Segundo Stédile, “o embate na campanha será tremendo, será uma verdadeira guerra ideológica”, e nesse confronto “Lula tornou-se expressão do atual momento da luta de classes e da vontade dos movimentos populares”.

O conceito marxista de “luta de classes”, que reduz a complexidade do mundo do trabalho ao termo “proletariado” e elimina o indivíduo como sujeito histórico, transformou-se no Brasil em muleta intelectual que tudo explica – pelo menos para quem prefere o conforto da ideologia ao labor da razão. Tal simplificação grosseira se presta exclusivamente a mobilizar a militância, impulsionada pela ideia de que participa de um confronto transcendental que serve como “motor da história”, do qual resultará, segundo a profecia marxista, a igualdade absoluta entre os homens.

Quem conhece um pouco de história e de Lula da Silva, porém, percebe de saída que se trata de uma patacoada. O chefão petista não é e nunca foi de esquerda, muito menos revolucionário. O ex-líder sindical construiu sua carreira política como um pragmático, que tem um discurso pronto para cada tipo de plateia que se dispõe a ouvi-lo – ele mesmo já se qualificou como uma “metamorfose ambulante” e já declarou admiração por Hitler, o tirano, e por Gandhi, o pacifista. Na atual campanha eleitoral, Lula grita contra os “golpistas”, mas não se envergonha de aliar-se a vários dos políticos que ajudaram a derrubar Dilma Rousseff. Portanto, a atual versão de Lula, que pretende ressuscitar a “luta de classes” na forma de um confronto entre ricos e pobres, só engana quem se recusa obsessivamente a enxergá-lo como o falastrão que é.

Os únicos propósitos de Lula neste momento são, nesta ordem, livrar-se da cadeia e manter a militância petista nas ruas para salvar com o seu – dele povão, e nunca da elite dirigente lulopetista, que tem ojeriza a qualquer esforço – suor o que resta do potencial eleitoral de seu partido, miseravelmente comprometido em razão dos escândalos de corrupção e do desastre econômico causado pelo governo Dilma.

Para isso, vale até mesmo instigar seus simpatizantes a causar tumultos no dia 24 de janeiro, quando está marcado o julgamento em segunda instância de Lula. “A hora é de ação, e não de palavras. De transformar a fúria, a revolta, a indignação e mesmo o ódio em energia, para a luta e o combate”, escreveu José Dirceu, outro revolucionário de fancaria. Apelar à surrada “luta de classes”, na qual Lula jamais acreditou, tornou-se assim, ironicamente, a única alternativa para o chefão petista. Seria cômico, não fossem Lula, Dirceu e a tigrada o que são.