quarta-feira, novembro 08, 2017

Brasil, um país de Luislindas - ALEXANDRE SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 08/11

O artigo 37, inciso XI, da Constituição Federal estabelece um teto salarial para o funcionalismo: "O subsídio mensal, em espécie, dos ministros do Supremo Tribunal Federal".

Apesar disso, a ministra dos Direitos Humanos, Luislinda Valois, foi manchete de vários jornais em razão de seu requerimento à Casa Civil, pedindo que fosse somado à sua aposentadoria como desembargadora (R$ 30,5 mil/mês) também o salário integral de ministra (R$ 30,9 mil/mês), o que traria seu ganho mensal para R$ 61,4 mil/mês, ultrapassando, em muito, os vencimentos dos ministros do STF (R$ 33,7 mil/mês).

O "argumento" da ministra (entre outros de validade tão duvidosa quanto se "vestir com dignidade") é que, devido ao teto, seu trabalho no ministério acrescenta "apenas" R$ 3.300/mês a seu rendimento, o que, no seu imparcial entendimento, configuraria trabalho análogo à escravidão, pois "todo o mundo sabe que quem trabalha sem receber é escravo".

Noto somente que o rendimento adicional da ministra supera, com folga, a média de todos os trabalhadores brasileiros, R$ 2.100/mês, e equivale à média da categoria com maior rendimento, o funcionalismo.

Da mesma forma, não podemos deixar passar que ninguém a forçou a assumir um ministério; nesse sentido, sua decisão se equipara à de milhares de pessoas que se dedicam ao trabalho voluntário, sem receber nada, e que, certamente, não se consideram escravas.

Não é esse, porém, o ponto central da coluna, por mais escandalosa que seja sua atitude. Em parte porque o fiasco de seu pedido —consequência da exposição à mídia— é a exceção, não a regra, em casos como esses.

Em agosto deste ano, houve também notícias sobre juízes cujos vencimentos superavam o teto constitucional, por força de vantagens eventuais, indenizações e demais penduricalhos que, por entendimento, vejam só, da própria Justiça, não estariam sujeitos a limitação do teto. E, diga-se de passagem, uma breve busca pelo Google nota casos similares em 2016, 2015, 2014...

Mais relevante ainda é que tais casos ainda não correspondem, nem de longe, à totalidade dos privilégios que tipicamente são conferidos pelo setor público a grupos próximos ao poder.

A triste verdade é que a sociedade brasileira se tornou, e não de hoje, prisioneira de um círculo vicioso de caça à renda (a melhor tradução que vi para rent-seeking ).

"Renda", no sentido econômico do termo, representa a remuneração a algum insumo acima do valor que seria necessário para mantê-lo empregado nas condições atuais. Parece abstrato, mas os exemplos abundam: de licenças para táxis (um caso bastante atual, a propósito) à proteção contra concorrência internacional, passando por subsídios e toda sorte de privilégios.

A caça à renda representa um imenso jogo de rouba-monte, com o agravante de que sua prática contribui para reduzir o tamanho do monte, pois recursos reais da sociedade são utilizados para esse fim, e não para a produção, além de tipicamente favorecer setores menos produtivos. Embora possa enriquecer alguns de seus participantes, esse jogo empobrece as sociedades que o praticam.

Curioso mesmo, porém, é como economistas autodenominados "progressistas" se engajam facilmente na defesa da caça à renda. Eu já passei da idade de achar que se trata apenas de ingenuidade.

Miller envia e-mail a Miller (!) que evidencia que ações contra Temer e Aécio foram mesmo armações - REINALDO AZEVEDO

REDE TV/UOL - 08/11
Mensagem deixa claro que, no dia 9 de março, a empresa já havia acertado a colaboração com o MPF. Ocorre que, em documento oficial, Janot assegurou que o primeiro contato da JBS para fazer uma delação só ocorreu no dia 27 daquele mês

Marcelo Miller e o documento oficial, de responsabilidade de Janot, em que se nega que o então procurador tenha atuado na delação da JBS. Como se nota, ele participou até de seu planejamento


Pois é… E o comprometimento ilegal do Ministério Público Federal com a delação dos Batistas (Joesley e Wesley) e associados é, tudo indica, maior do que se poderia supor, conforme revela reportagem da Folha desta quarta. Até agora, a doutora Raquel Dodge está muda. A continuar assim, ainda se acaba achando que ela não tem o que dizer. Antes que chegue ao ponto, algumas considerações.

O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), a soprano do golpe que tentaram dar no presidente Michel Temer, recorreu até ao Supremo contra a CPMI da JBS. O homem acha que o Poder que ele próprio integra não tem competência e autonomia para investigar lambanças que eventualmente envolvam atos do Ministério Público Federal. Mais: a ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República) também decidiu apelar ao tribunal para impedir que Eduardo Pelella, ex-chefe de gabinete de Rodrigo Janot, fale à comissão na condição de testemunha. Senador e entidade afirmam que ela busca intimidar os sacrossantos procuradores e o trabalho virtuoso que se faria lá no Ministério Público Federal. Será mesmo?

Não fosse a CPMI, não se teria quebrado até agora o sigilo de mensagens enviadas por e-mail por Marcelo Miller, o ex-procurador que era um dos bravos de Janot e que já admitiu ter participado de forma indevida de entendimentos para que a JBS chegasse a um acordo de delação. Na sua versão, limitou-se a fazer correções gramaticais em textos. De fato, já se sabe que o papel do MPF foi muito maior.

Um e-mail enviado por Miller para seu próprio endereço — é uma forma a que pessoas recorrem para guardar anotações e fazer lembretes — sugere que ele fez, na verdade, o roteiro da delação. O texto é do dia 9 de março, dois dias depois de Joesley gravar a conversa com Michel Temer, e 15 dias antes da gravação com o senador Aécio Neves, em que este pede R$ 2 milhões ao empresário. Segundo Janot, em sua denúncia, trata-se de “propina”. Ele só não diz o que Aécio ofereceu em troca.

O e-mail de Miller é impressionante porque evidencia que:

1: JANOT FALTOU COM A VERDADE EM DOCUMENTO OFICIAL
No dia 8 de março, Mario Celso Lopes, um ex-sócio dos Batistas, foi preso no âmbito da operação Greenfield em razão de operações realizadas quando ligado ao grupo. Escreve Miller:
“Perguntar por que o MPF postulou a prisão do ex-sócio se a empresa já se apresentou à colaboração”

IMPORTÂNCIA DO TRECHO – Ora vejam: então, no dia 9 de março, a empresa já havia acertado a colaboração com o MPF. Ocorre que, em documento oficial, Janot assegurou que o primeiro contato da JBS para fazer uma delação só ocorreu no dia 27 de março. Já se sabia que isso, muito provavelmente, era mentira. Francisco de Assis e Silva, advogado do grupo e um dos delatores, afirmou ter tratado da delação com Pelella no dia 2 de março. Mais: à Corregedoria do MPF, ele afirmou que as tratativas para uma delação começaram a ser feitas no dia 20 de fevereiro. Poderia ser palavra contra palavra, certo? O, digamos, auto-e-mail de Miller não deixa dúvida sobre a inverdade de Janot, a menos que o então procurador tivesse o hábito de mentir para si mesmo.

2: AS GRAVAÇÕES COM MICHEL TEMER E AÉCIO NEVES FORAM ARMAÇÕES PREVIAMENTE COMBINADAS
Escreve Miller: “Estamos trazendo, pela primeira vez, BNDES, que era a última caixa preta da República, estamos trazendo fundos, Temer, Aécio, Dilma, Cunha, Mantega e, por certo ângulo, também Lula. Temos elementos muito sólidos de corroboração.”
IMPORTÂNCIA DO TRECHO: Notaram? Ele escreve dois dias depois de Joesley ter feito a gravação com Temer, o que evidencia que ela era parte da trama. Mais impressionante: Joesley gravaria a conversa com Aécio, aquela que trata dos tais R$ 2 milhões, apenas 15 dias depois. Estava tudo planejado. Aquilo a que se chamou “Ação Controlada” era, na verdade, um flagrante armado. A propósito: tentem achar em que trecho o senador promete algo ao empresário, o que caracterizaria “corrupção passiva”. Não há.

Janot assegurou em diversas entrevistas que só ficou sabendo da gravação que Joesley fizera com Temer quando a empresa o procurou, no dia 27 de março, propondo um acordo. Eis aqui: pegar o presidente, como se nota, era mesmo parte da tramoia, da conspiração. Mas pegar com o quê? Bem, relembrem a gravação. Com nada!

Um “nós” e um “eles”
Outra coisa que impressiona no e-mail que Miller mandou para si mesmo é o uso dos pronomes. Ele era do Ministério Público Federal, lotado na Procuradoria Geral da República, mas, sempre que se refere ao MPF, este aparece como “eles”; todas as vezes em que surge um “nós”, Miller está se referindo à JBS.

Acontece que ele só deixou o MPF no dia 5 de abril. No dia 11, para escândalo dos escândalos, já participou de uma reunião sobre acordo de leniência como advogado… da JBS, aquela mesma para o qual fez o roteiro de delação premiada. Também em documento oficial, Janot asseverou que Miller não teve participação nenhuma nas delações. Está provado ser mentira.

Quantas vezes afirmei aqui que a operação toda é legalmente imprestável? Eis aí a qualidade das delações homologadas por Edson Fachin, cujo papel, em todo esse rolo, não me parece devidamente esclarecido. Como esquecer que Ricardo Saud o acompanhou a gabinetes de senadores quando candidato ao STF? Por quê? Quais são os vínculos? Ora, Saud veio a ser justamente um dos beneficiários do imoral acordo de delação, homologado pelo ministro.

A cada dia fica mais claro: tratava-se mesmo de uma tentativa de golpe.

Brasil é um país ruim para fazer negócios - ANTONIO DELFIM NETTO

FOLHA DE SP - 08/11

A situação social e econômica do Brasil é mais do que preocupante. Nos últimos 30 anos, nosso crescimento econômico, a condição necessária (mas não suficiente) para acomodar uma distribuição razoável do produzido entre o capital e o trabalho, tem sido medíocre. Não é a única mas, certamente, é uma das principais causas da dramática divisão política a que chegamos.

Não há o que discutir. Elas revelaram uma sucessão de terremotos (hiperinflação, crises cambiais etc.) e de eventos extraordinários (morte de Tancredo, Constituição de 1988, plano Real, Lei de Responsabilidade Fiscal etc.) que, entre idas menores do que vindas, ampliaram em quase 30% a nossa distância com relação aos outros países emergentes.

Ficamos relativamente mais pobres, acompanhados de um pequeno surto de melhoria transitória da péssima distribuição de renda, mas terminamos na mais grave recessão dos últimos 50 anos.

O interessante "Doing Business", do Banco Mundial, começou a ser publicado em 2004. O índice agregado de cada país, o chamado "Facilidade de Fazer Negócio", que "mede o sentimento" dos agentes que nele ou com ele trabalham, tem sido calculado desde 2006. O número de países pesquisados cresceu de 155 em 2006 para 190 em 2017.

A posição do Brasil sempre foi muito ruim. Nosso ranking nunca ultrapassou o limiar do limite superior (lembre que o melhor é o ranking 1 e o pior o 190) do nono decil da distribuição. A partir de 2014, num novo aperfeiçoamento, o Banco Mundial passou a divulgar a posição de cada economia com relação à "fronteira", isto é, o país melhor situado para o exercício de uma eficiente economia de mercado, cuja nota é 100.

A posição do Brasil estimada no último "Doing Business" foi 56%, o que significa que estamos 44% abaixo da "fronteira"! Para comparação, a média da América Latina e Caribe é de 41%; da China, 35%; do Chile, 29% e do México, 28%.

No ranking dos 190 países, somos o 125º, enquanto o México é o 49º, o Chile o 55º e a China o 78º, apenas para dar alguns exemplos.

Desde a sua posse, o presidente da República, Michel Temer, tem estimulado a sua equipe econômica a produzir medidas infraconstitucionais que melhorem a classificação brasileira e alguns resultados já são visíveis (legislação salarial, redução do subsídio dos juros etc.).

É evidente que essas classificações têm uma alta dose de "sentimento", apoiada em observações individuais, mas são uma indicação da lamentável "qualidade" geral do nosso sistema econômico para cumprir a sua missão de aumentar a produtividade do trabalho.

Processos arquivados - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 08/11

Arquivamento de investigações que envolvem governadores mostra que acusações baseadas apenas na palavra de delatores nada contribuem para a efetiva erradicação da corrupção

A Procuradoria-Geral da República pediu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) o arquivamento de 5 das 11 investigações que envolvem governadores no âmbito da Operação Lava Jato. Conforme apurou o Estado, a Procuradoria não encontrou indícios concretos contra os denunciados – na maior parte dos casos, só havia delações, insuficientes como provas. Esse desfecho mostra, mais uma vez, que a enxurrada de escândalos a partir de acusações baseadas apenas na palavra de delatores serve muito bem à produção de manchetes e à destruição de reputações e carreiras políticas, mas nada tem a contribuir para a efetiva erradicação da corrupção.

Um dos efeitos dessa onda moralista deflagrada contra os políticos em geral é a presunção de que o foro por prerrogativa de função – ou “foro privilegiado”, denominação preferida dos cruzados anticorrupção – é um intolerável arranjo para proteger criminosos. Há muita gente que, embalada por esse discurso radical de alguns procuradores e até de ministros do Supremo Tribunal Federal, considera que o arquivamento de casos contra governadores no STJ prova a impunidade que se pretende denunciar.

Essa certeza quase fanática não encontra respaldo na realidade. O fato de não haver indícios consistentes contra os governadores cujos processos foram arquivados no STJ deveria bastar para concluir que a lei foi cumprida, sem que se possa falar em “privilégio” de nenhuma espécie. Ao que se saiba, ainda vige no Brasil o Estado Democrático de Direito, em que ninguém pode ser condenado sem o devido processo legal, o que inclui, naturalmente, a produção de provas.

No caso dos governadores e de outros políticos, a situação é ainda mais grave, pois uma mera denúncia, por mais frágil que seja, basta para lançar sobre o denunciado suspeitas que quase certamente lhe custarão preciosos votos. Políticos vivem de imagem, e é claro que acusações de corrupção costumam ser fatais para suas pretensões eleitorais, ainda que mais tarde se comprove a inocência.

Nada disso foi levado em consideração quando as denúncias contra vários governadores foram enviadas ao STJ, que é o foro adequado para julgá-los. Bastou, por exemplo, que Paulo Roberto Costa, o ex-diretor da Petrobrás que está no centro do escândalo do petrolão, dissesse ter distribuído recursos ilegais para Luiz Fernando Pezão, do Rio de Janeiro, e Tião Viana, do Acre, para que ambos os governadores fossem tratados como possíveis delinquentes. O mesmo aconteceu com os governadores Paulo Hartung, do Espírito Santo, Fernando Pimentel, de Minas Gerais, e Flávio Dino, do Maranhão, todos investigados pela Lava Jato e denunciados como corruptos em decorrência de delações de ex-executivos da Petrobrás e da Odebrecht.

O arquivamento dos processos dificilmente restabelecerá a reputação desses dirigentes, pois hoje em dia, diante da escandalização da política, basta aparecer em qualquer lista suja para que automaticamente se considere o indigitado como corrupto. É evidente que essas considerações não devem inibir eventuais denúncias contra políticos, mas é preciso que estas sejam baseadas em fatos concretos, e não na presunção de que todos os políticos são corruptos e que, portanto, os delatores que se dispõem a denunciá-los só podem estar falando a verdade. Delações, nunca é demais repetir, são apenas o ponto de partida de uma investigação. Sem provas que as corroborem, não passam de falatório irresponsável.

Acusações açodadas e ineptas fazem barulho e colaboram para a disseminação da ideia de que o País está engolfado pela corrupção, que é exatamente o que pretendem os justiceiros que as produzem, mas ao fim e ao cabo seu único efeito concreto é a desmoralização da luta contra os verdadeiros corruptos.

Assim, não se está aqui a dizer que os governadores em questão são culpados ou inocentes, corruptos ou probos, e sim que as denúncias contra eles formuladas, carentes da necessária solidez para seguirem adiante, não tinham nem sequer que ter sido encaminhadas. E isso nada tem a ver com impunidade.

Por que privatizar? - CRISTIANO ROMERO

Valor Econômico - 08/11

Em 1953, a classe média foi às ruas pela campanha do "petróleo é nosso", movimento que, na sequência, resultou na fundação da Petrobras. Na mesma época, apenas 25, de cada 100 crianças, estavam matriculadas em escolas de 1º grau. O baixíssimo índice de matrícula, que explica que país somos muito mais do que a estatal petrolífera, não comovia - e ainda não o faz - os brasileiros, mais preocupados com o discurso "soberano" do que com a essência das coisas.

Esse descompasso de prioridades mostra o quão doente era - e é - a sociedade brasileira, imagem que esta coluna toma emprestada de conversas com o economista Samuel Pessoa, do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), ligado à FGV do Rio. De fato, somente uma sociedade doente pôde passar tanto tempo sem dispor de escolas para suas crianças - a universalização do ensino básico só se deu quase 50 anos depois, mas a tragédia continua no ensino médio.

De acordo com o Observatório da Criança e do Adolescente, da Fundação Abrinq, a taxa de escolarização líquida, isto é, a razão entre o número de matrículas de alunos com idade prevista - de 15 a 17 anos - para cursar o ensino médio e a população total na mesma faixa etária estava, em 2015, em 56,9%. Isto significa que quase metade dos jovens de 15 a 17 anos não está estudando. Pode-se dizer que falta escola para metade dos jovens dessa faixa etária ou ainda que, de cada 100 alunos que concluem o ensino fundamental, quase 50 param de estudar.

Segundo o Observatório do Plano Nacional de Educação (PNE), cerca de 2,5 milhões de crianças e jovens de 4 a 17 anos estão fora da escola. Desse contingente, aproximadamente 1,5 milhão são jovens de 15 a 17 anos que deveriam estar cursando o ensino médio. A universalização dessa etapa do ensino, conforme determina a Emenda Constitucional nº 59, deveria ter ocorrido em 2016.

"A recente melhora das taxas de fluxo escolar no ensino fundamental faz aumentar o número de matrículas do ensino médio, mas o país ainda está longe de alcançar patamares ideais. Altas taxas de evasão persistem no ensino médio. O modelo curricular ultrapassado, baseado em um número excessivo de disciplinas, torna a etapa desinteressante para o jovem do século 21", diz o Observatório do PNE, que é mantido por 24 organizações ligadas à Educação e coordenado pelo excelente movimento Todos Pela Educação, presidido por Priscila Fonseca da Cruz.

O professor Ricardo Paes de Barros, criador do Bolsa Família e talvez o melhor arquiteto de políticas sociais do país, atribui o fracasso do ensino médio à baixa qualidade do ensino, ao ambiente escolar e à limitada resiliência emocional dos estudantes. Em levantamento recente, num esforço conjunto do Instituto Ayrton Senna, do Insper, da Fundação Bravo e do Instituto Unibanco, Paes Barros previu que quase três milhões de jovens, de 15 a 17 anos, não vão se matricular no ensino médio em 2018. Ele estima que metade dos jovens dessa faixa etária concluirá essa etapa com um ano de atraso, gerando desperdício de R$ 35 bilhões por ano ao erário.

Essas estatísticas são tão vergonhosas, especialmente se considerarmos a megalomania dos brasileiros e a maneira altiva com que estufamos o peito para ainda hoje defender a Petrobras e o slogan "o petróleo é nosso", que pouco se fala do tema. É um assunto que realmente não faz verter uma lágrima na Vila Madalena, reduto da esquerda festiva em São Paulo. A exceção à indolência nada cívica se deu uma só vez, em meados de 2013, quando, de forma difusa, brasileiros foram às ruas protestar contra tudo e contra todos, mas principalmente pela melhora da qualidade do ensino e da saúde. Mas já se passaram quatro anos e o clamor desapareceu.

Enquanto isso, muitos continuam batendo no peito para defender a manutenção da Petrobras sob o controle do governo. Alegam que a empresa é "estratégica" sem explicar por quê - está claro que estratégico é o gasto benfeito em educação e saúde. Não se nega a importância da criação da estatal há quase sete décadas. Ela é líder mundial na extração de petróleo em águas profundas e parece começar a superar os efeitos do mega-assalto promovido por uma quadrilha de funcionários e os desafios tecnológicos da extração de óleo da camada pré-sal.

É importante lembrar que, ao contrário do que se imagina, a roubalheira na Petrobras foi idealizada e operacionalizada por funcionários de carreira. Ninguém foi contratado para ocupar um cargo na estatal e, assim, saqueá-la, até porque, com exceção da diretoria, a estatal não admite empregados que não sejam de carreira. Os políticos de que tanto se fala são, na verdade, os mantenedores dos funcionários corruptos. São importantes para manter o esquema funcionando, mas não são cruciais - o roubo pode ser feito sem eles.

O que se deve discutir, portanto, é a existência de incentivos para um empregado de uma estatal locupletar-se. Não se trata de afirmar que a prática é generalizada. Não é, mas não importa: a corrupção surge nas entranhas do Estado; quanto maior é o aparato estatal, com empresas atuando no setor produtivo e no financeiro e com a existência de regimes legais complexos e de regulações que tentam prever todas as situações da vida cotidiana, mais numerosos e vultosos são os casos de assalto ao erário.

O Brasil criou estatais numa época em que carecia de capitalistas e a economia era fechada - o modelo de crescimento era o de substituição de importações. O sistema funcionou por um tempo e permitiu ao país construir, entre outras coisas, sistemas de energia e telecomunicação interligados nacionalmente. Na década de 1970, a economia se endividou de maneira acelerada justamente para financiar esses investimentos. Uma infraestrutura razoável nasceu ali, mas, nos anos 80, após a segunda crise do petróleo, os Estados Unidos elevaram os juros para combater a inflação resultante da escalada do preço do petróleo, provocando uma turbulência sem precedentes em países em desenvolvimento como o Brasil.

A crise da dívida, em 1982, foi o marco do fim de uma era. Acostumada a crescer a taxas chinesas, a economia brasileira entrou num longo período de inflação alta e baixo crescimento. No fim da década de 1980, concluiu-se, não por ideologia mas por falta de opção, afinal, o Estado quebrara, que era preciso começar a vender e/ou fechar estatais. Embora o diagnóstico tenha sido feito ainda no governo Sarney, na gestão de Maílson da Nóbrega no Ministério da Fazenda, as privatizações só começaram em 1991, com a venda da Usiminas, ainda no governo Collor. Tomaram impulso nos anos seguintes, mas foram paralisadas na gestão Lula.