sexta-feira, outubro 27, 2017

Luciano ajuda longe da urna; não pode ser nome palatável do medo de pobre - REINALDO AZEVEDO

FOLHA DE SP - 27/10

Se me pedirem para dar conselhos financeiros a Luciano Huck, nada tenho a lhe dizer. Nunca ensino gente mais rica do que eu a ficar... rico! Mas posso lhe expor duas ou três coisas que sei sobre Godard e sobre política. Num caso, sempre teremos Paris. No outro, não.

Luciano candidato à Presidência é o caminho mais curto para um plebiscito de resultado certo e para a volta da esquerda ao poder. "Endoidou, Reinaldo?" Não! Perguntaram isso a Cassandra antes de meterem Troia adentro um presente de grego. Eu apenas ajudo Luciano a ajudar o Brasil.

Se ele disputar a Presidência, os eleitores vão ser convidados a dizer "sim" ou "não" à TV Globo. E vencerá o "não", como já vence hoje.

Ainda que o capeta esteja do outro lado. "Ajuda Luciano".

Há três dados de realidade a levar em conta para 2018: 1) a esquerda é mais coesa e leal (entre os seus, claro!) do que os adversários; 2) os liberais de verdade se contam na mão de menos dedos de Lula; 3) o discurso antipetista mais visível aderiu, com impressionante ligeireza, a um reacionarismo abjeto.

Prefere caçar tarados a se dedicar à reforma da Previdência ou à privatização da Petrobras. Lixo.

Lula não será candidato. O TRF-4 vai condená-lo. Já escrevi que será sem provas. Os pares de toga de Sergio Moro não deixariam na mão o seu "jedi". Pouco importa. Candidato ou não, preso ou não (e, nesse caso, seria pior), a ressurreição do petista, como antevi nesta coluna no dia 17 de fevereiro, já aconteceu.

Não sendo ele próprio o nome do PT, o Datafolha aponta que o líder petista transfere tal número de votos que o seu ungido, dada a fragmentação do terreno antipetista, disputaria o segundo turno. Assim, o que temos de certo? Lula hoje seria eleito se disputasse. O que temos de provável? O nome que indicasse iria para a etapa final. Mas contra quem? Bem, aí não há nem certo nem provável. Só o imenso mar da incerteza. Isso, por si, atesta a qualidade do trabalho de Rodrigo Janot, de seus valentes e da direita xucra.

Outro ente metafísico foi ressuscitado, além de Lula. Atende pelo nome de "Ozmercádus". Esse tal se entusiasmava com João Doria. A candidatura virou farinata. Os que apostarem no PSDB devem entrar na fila do beija-mão de Geraldo Alckmin. Não vejo razão para Jair Bolsonaro desistir de suas imposturas. À diferença de Ciro Gomes, um postulante possível, penso que a clorofila de Marina Silva comporá com a testosterona retórica da "macharia". Coloquem, então, Luciano nessa glossolalia de 2018.

A fragmentação no terreno do antipetismo seria de tal ordem que um engenheiro celestial —ou infernal— de esquerda não conseguiria pensar em nada melhor para seus propósitos. E é nesse ponto que chego ao "é da coisa". Luciano, o Tiririca dos descolados, teria grande chance de disputar o segundo turno com o candidato de Lula.

Seria o nome mais derrotável.

Isso vai contra o senso comum? Paguem para ver. Não teríamos, reitero, uma eleição, mas um plebiscito. Luciano, que me parece ser uma boa pessoa e um empresário capaz, seria massacrado pela pergunta: "Você aceita ser governado pela Globo?" O "não" venceria com folga, ainda que a questão não fosse exatamente verdadeira.

Notem que Luciano já é refém, ainda que involuntário, de "Ozmercádus", como Doria foi um dia. É esse ente quem diz: "Precisamos de alguém para enfrentar Lula ou o ungido de Lula". Ou, como afirmou um desses gênios com os dois pés no chão e as duas mãos também, só ele poderia fazer o povão aderir à reforma da Previdência. O raciocínio embute a tese mentirosa de que a dita-cuja seria ruim para os pobres, mas que o apresentador poderia trapaceá-los, fazendo parecer coisa boa.

É a má consciência que aquece esse caldeirão. "Ozmercádus" quer fazer de Luciano o nome palatável do medo que tem dos pobres.

"Ajuda Luciano".

Temer no cemitério de obras - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 27/10

Nos finais de semana, a gente costumava receber folhetos de lançamentos de imóveis nos sinais de trânsito. O pessoal que fazia o bico dos folhetos havia desaparecido faz uns dois ou três anos, enquanto se via cada vez mais gente morando nas calçadas e catando coisas no lixo.

A multidão de mendigos e moradores de rua não parece diminuir. Mas a turma dos folhetos de imóveis reapareceu, faz uns dois ou três meses. Estatísticas parciais e precárias, além de conversas com gente do ramo, indicam que a catástrofe do setor imobiliário talvez esteja perto do fim.

Mesmo o conjunto da construção civil, que inclui a construção pesada, deu um sinal, precário e ainda incerto, de que pode ter começado a despiorar no trimestre encerrado em agosto.

Catástrofe não é um exagero. Na comparação anual, o investimento na construção civil ainda caía a mais de 6% em agosto, segundo indicador calculado pelo Ipea. Desde o início da recessão (segundo trimestre de 2014), o número de empregos formais na construção civil diminuiu 31% (no conjunto da economia, a baixa foi de 6,4%). Trata-se de 1 milhão de empregos.

De onde parecem vir os brotos verdes nos canteiros de obras? O valor dos imóveis lançados está perto de parar de diminuir, pelo dado calculado pela Fipe com base nos resultados das empresas da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc). O valor das vendas voltou ao azul (vendas de janeiro a agosto, ante igual período do ano passado).

É alguma coisa, mas é apenas menos desanimador. O valor anual dos lançamentos é quase 50% menor do que em dezembro de 2014; o de vendas, 31,5%.

A construção civil perde empregos com carteira assinada ainda no ritmo de 8,3% ao ano. Há estabilidade no fundo do poço, porém. Nos últimos quatro meses, desde junho, foi estancada a sangria do emprego com carteira dos operários da construção, na comparação mês a mês.

Nesta quinta (26), viu-se pelos dados de até setembro do Tesouro Nacional que a despesa de investimento do governo federal "em obras", no PAC, baixa 48% em relação ao ano passado. Foi de menos de R$ 16 bilhões, um troço ridículo. No ano, governo gastou no total R$ 933 bilhões.

Não há perspectiva de melhora no investimento federal em obras.

A alternativa, como se repete faz muitos meses nestas colunas, seria o governo fazer concessões de infraestrutura, contratar obras ou privatizar serviços em volume bastante para compensar o desastre do investimento federal direto. No entanto, fora os casos mais fáceis (vender aeroporto ou hidrelétrica prontinhos) ou menos difíceis (petróleo e linha de transmissão de energia), o governo não consegue tocar o programa de concessões. Assim, há escassa perspectiva de retomada de obras no ano que vem, a depender da turma de Michel Temer.

A construção civil é assunto central; é o setor que ora mantém o país estagnado. É metade do investimento total (que engloba construções residenciais, comerciais, industriais, infraestrutura, máquinas, equipamentos etc.). No entanto, fala-se da escassez de investimento como se se tratasse do tempo ou da chuva, como se fosse um fato da natureza, como se não fosse possível fazer nada para colocar alguma obra na rua.

Procurando no lugar errado - FERNÃO LARA MESQUITA

O Estado de S.Paulo - 27/10


A capa de anteontem, 25/10, deste jornal é uma síntese perfeita do drama brasileiro. Sob a manchete Itália faz alerta para a Lava Jato, uma foto ocupando 80% da largura da primeira página por metade de sua altura mostrava Gherardo Colombo e Piercamillo Davigo, respectivamente promotor e juiz envolvidos na “Mãos Limpas”, a operação de combate à corrupção que, encerrada há 25 anos, tinha chacoalhado a Itália pelos 13 anos anteriores, e Deltan Dallagnol e Sergio Moro, promotor e juiz à frente da nossa Lava Jato, em campo já há quatro anos.

A primeira frase da reportagem que resumia o que se apurou no evento que reuniu os quatro na sede do jornal era: “A corrupção na Itália, 25 anos depois, voltou ao mesmo nível de antes das investigações”. E seguia o texto relatando que os protagonistas da operação brasileira estão cientes de que ela não basta para salvar o País e cobram “a aprovação de reformas políticas, estruturais e de educação” para chegarmos a resultados concretos no campo do combate à corrupção.

Mas aí começa o problema. Que reformas, exatamente?

Por baixo de cada personagem na foto havia uma frase destacada. Gherardo Colombo dizia que “não é que faltavam provas, é que o sistema de corrupção era muito forte a ponto de proteger-se”. Relacionando Brasil e Itália, Piercamillo Davigo registrava: “Todos sabem que quem faz as listas eleitorais controla os partidos. Há filiações compradas”. Deltan Dallagnol emendava que “o Parlamento continua legislando em causa própria; ministros do STF soltam e ressoltam presos”. A Sergio Moro, mais pé no chão, atribuíam um “claro que como cidadão há tensão sobre a eleição se aproximando, mas eu vou seguir fazendo o meu trabalho”.

A frase que primeiro chamou minha atenção foi a de Piercamillo. E, dentro dela, aquele “todos sabem”. Quando a Mãos Limpas chegou ao esgotamento pelo cansaço da plateia com a falta de resultados concretos, já fazia quase 80 anos que a primeira grande operação de sucesso de uma nação unida contra a corrupção tinha terminado nos Estados Unidos. E a primeira bandeira dela, na longínqua virada do século 19 para o século 20, foi precisamente a da adoção da reforma sem a qual “todos sabiam” já àquela altura que nenhuma outra poderia chegar a bom termo no campo da política: a despartidarização das eleições municipais de modo a abrir o sistema à irrigação permanente de sangue novo e a instituição de eleições primárias diretas em todas as demais para tomar dos velhos caciques corruptos o controle da porta de entrada na política.

Daí saltei para a frase de Gherardo, da qual a de Deltan é praticamente um complemento. As duas são meras constatações de uma realidade que nos agride em plena face de forma cada vez mais violenta diariamente. Mas nenhuma aponta o que interessa, que é de onde vem, essencialmente, essa força que permite aos políticos “proteger-se” e “legislar em causa própria” e aos juízes “soltar e ressoltar presos” impunemente. Foi essa a segunda bandeira da reforma americana. É de velho como ela que se sabe que essa força decorre, antes de mais nada, da intocabilidade de seus mandatos, problema que se remediou pra lá de satisfatoriamente dando poder aos eleitores para retomá-los a qualquer momento, com o “recall”, e livrar-se dos juízes que “soltam e ressoltam presos”, desconfirmando-os na primeira ação imprópria, com a instituição de eleições diretas para a confirmação ou não de juízes em suas funções (“retention election”) a cada quatro anos. A receita tem-se mostrado infalível para agilizar a prestação de justiça e fazer esses servidores calçarem as sandálias da humildade e esquecerem para sempre o hábito de se autoatribuírem privilégios, como convém às democracias. Quanto aos promotores, assim como todo funcionário envolvido com prestação de serviços diretos ao público ou, sobretudo, com fiscalização do sistema e com segurança, tais como xerifes e até policiais num grande número de cidades e Estados americanos, esses só chegam ao cargo por eleição direta. Um santo remédio para coibir abuso de poder e violência policial e para incentivar a aplicação da firmeza necessária contra o crime.

Não sei quanto aos italianos, mas Deltan Dallagnol e Sergio Moro, ambos ex-alunos de Harvard, certamente conhecem essas soluções e já ouviram pelo menos alguma coisa sobre a história da sua implantação. E, no entanto, quando chega a hora de propor remédios para o Brasil, ficam só no mais do mesmo, com dezenas de medidas que reforçam os seus próprios poderes, quando o argumento indiscutível do resultado, que eles chegaram pessoalmente a viver e experimentar, diz claramente que a resposta não está em reforçar os poderes estabelecidos, já pra lá de excessivos no Brasil, mas, ao contrário, em fragilizá-los para aumentar os do eleitor.

O problema que matou a “Mani Puliti”, como poderá matar a Lava Jato, é, portanto, o pouco que ela se propôs ser em face do muito que poderia e deveria ter desencadeado.

Cabe, finalmente, examinar a posição do próprio jornal nessa discussão. Ainda que se destaque pelo esforço para não se submeter à “patrulha” que zurra e escoiceia ante qualquer esboço de argumento crítico racional, com o que ameaça matar não só a Lava Jato, mas todo o ensaio brasileiro de democracia, também O Estado não ultrapassa o limite que a latinidade daqui ou de além-mar se impôs.

O brasileiro não sabe o que são primárias diretas, “recall”, “retention election” de juízes, federalismo, referendo e iniciativas legislativas não golpistas. Nunca viu uma cédula de eleição americana com as dezenas de decisões que se submetem diretamente ao eleitorado na carona de cada eleição. Não sabe o que é o sistema de City Manager e por que esse é o modelo de gestão municipal que se generalizou no país que, por dispor desses instrumentos, se tornou o mais próspero, o mais inovador e o mais livre que a humanidade já juntou sob uma única bandeira.

Pré-sal, emprego e crescimento - FERNANDO COELHO FILHO

FOLHA DE SP - 27/10

Esta sexta-feira (27) será um dia histórico para o Brasil. Após um intervalo de quatro anos, o país volta a ofertar áreas de exploração do pré-sal, em bases completamente novas, no que está sendo considerado por investidores o leilão mais importante do ano em nível global.

Para disputar os oito blocos oferecidos, há 16 empresas habilitadas, duas delas nacionais. O número elevado de participantes é uma garantia de competição acirrada pelo direito à exploração, o que impulsionará os ganhos dos brasileiros com essa riqueza nacional que é o pré-sal.

Lembro que o critério de desempate nos leilões é a parcela da produção que a empresa se compromete a destinar ao Estado brasileiro.

Os números do leilão desta sexta-feira impressionam. A estimativa é que os blocos oferecidos nas rodadas demandem US$ 36 bilhões em investimentos. O desenvolvimento das reservas vai gerar ao setor público cerca de US$ 130 bilhões em royalties, imposto de renda e petróleo excedente (óleo-lucro) ao longo dos anos.

O Tesouro arrecadará, ainda, R$ 7,75 bilhões com o pagamento, pelas licitantes vencedoras, dos bônus de assinatura, recursos que reforçarão o caixa da União de forma imediata.

Em um horizonte maior, os dados são ainda mais impactantes. Nos próximos dez anos devem ser construídas 17 plataformas de petróleo no país. Cada plataforma resulta em um investimento de cerca de R$ 16 bilhões e gera 68 mil empregos diretos e indiretos, segundo as empresas do setor.

O governo Michel Temer (PMDB) trabalhou com agilidade para viabilizar esse cenário tão promissor. Em poucos meses, modernizamos as regras do setor de petróleo, que, premido por normas irreais, estava paralisado.

Divulgamos, de forma inédita, um calendário dos leilões que serão realizados até 2019, o que facilitou o planejamento estratégico das empresas para os certames.

Os planos plurianuais passaram a ser um componente importante de nossa política para o petróleo –a ANP (Agência Nacional do Petróleo) divulgará, de forma sistemática, calendários de leilões para um horizonte de cinco anos.

Em outra frente, alteramos as regras de exigência de conteúdo local para dar racionalidade a uma política que estava empacada pela judicialização. Com isso, garantimos o estímulo à indústria nacional e a competitividade dos projetos.

O presidente Temer também sancionou lei, de iniciativa do Senado, que acabou com a obrigatoriedade de a Petrobras participar como operadora única de todos os blocos contratados pelo regime de partilha de produção em áreas do pré-sal.

Essa flexibilização foi crucial para a retomada dos leilões. Também veio ao encontro de anseios da própria estatal, que reconhecia suas limitações em investir em tantos projetos vultosos na velocidade exigida pelo país. Mais recentemente, o governo renovou por 20 anos o regime de tributação especial para as atividades de exploração e produção de óleo e gás.

Todo esse conjunto de medidas nos permitiu retomar os projetos de exploração e produção no país, no ritmo que os brasileiros e as rápidas transformações do mercado global demandam.

É o Brasil ampliando suas alianças com o mundo e criando as condições para o aumento da produção, com geração de emprego e renda e estímulo à demanda por produtos e serviços locais.

FERNANDO COELHO FILHO é ministro de Minas e Energia

Sem saudades do comunismo - ALOÍSIO DE TOLEDO CÉSAR

O Estado de S.Paulo - 27/10


Cem anos já se passaram desde aquele dia de outubro de 1917 em que, na Rússia, os bolcheviques, marxistas ortodoxos, assumiram o poder, depuseram o czar e organizaram a Guarda Vermelha, dando início à implantação do comunismo no país, sob o lema de “paz, terra e pão”.

Ainda hoje, a despeito do desfecho sem aplausos daquele regime na Rússia, há pessoas (não muitas, é verdade) que se mostram empolgada pela sedução marxista, sobretudo no ponto em que prometia a destruição de tudo o que é mesquinho, egoísta e indigno, sendo substituído por justiça, liberdade e harmonia.

Com paixão e sabor literário, Karl Marx (1818-1883) oferecia mesmo um sonho ao homem, isso num momento em que na Europa, saindo de sangrenta guerra, a maioria das pessoas enfrentava humilhação, fome e miséria. O grande erro de Marx em sua utopia talvez tenha sido prometer que, com a destruição do capitalismo, desapareceriam não só as diferenças de classe, mas também as nacionais, de tal forma que os homens viveriam como irmãos, sem fronteiras.

Ele parece não ter desejado o Estado totalitário em que se converteu a Rússia com a implantação do comunismo. Sob esse regime, a submissão absoluta imposta à população fez nascer um Estado rico constituído por famílias pobres, muito pouco melhor do que nos 300 anos de império dos Romanov. A igualdade forçada entre pessoas que não são iguais expurgou a riqueza e negou a irmandade e harmonia sonhada por Marx.

A defesa do ideário político marxista refletia influência de Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1779-1831), filósofo prussiano que sustentava estar a vida em constante fluxo e que o momento da criação dá início a um processo que termina com dissolução e morte. Hegel acrescentava que toda ideia (tese) é inevitavelmente contrariada por um conceito oposto (antítese) e de sua luta surge a síntese. E que a História é impulsionada em seu curso pelo inexorável conflito de ideias, que levaria, ao final, àquilo que, para ele, seria o Estado.

Esse processo recebeu o nome de dialética, ou seja, o caminho em que a vida segue e deve continuar a seguir. Contaminado por essas ideias, Marx passou a pregar como essencial a presença de luta em todo estágio de desenvolvimento, de tal forma que o novo sempre substituiria o velho, assim como o capitalismo venceu o feudalismo e socialismo substituiria o capitalismo.

Naquele mês de outubro de 1917 a Rússia vinha de três séculos de escravidão sob o domínio dos Romanov, com a vergonhosa exploração dos homens do campo e atraso no processo industrial em relação à Alemanha, à França e à Inglaterra.

Nada indica que Marx tenha desejado um Estado totalitário de trabalhadores, tão arbitrário e opressivo nos seus métodos de governo quanto o fascismo. Ele chegou a falar em “ditadura do proletariado”, mas constituída da classe operária sobre os remanescentes da burguesia.

Quem de fato instituiu a ditadura de uma elite, de uma minoria selecionada sobre a maioria, foi seu seguidor Lenin, que desenvolveu a filosofia do bolchevismo. Marx acreditava que na maioria dos casos a revolução seria necessária, mas parecia inclinar-se mais a deplorar o fato do que a aplaudi-lo. Lenin pensava e fez o contrário.

Sob o bolchevismo, a manufatura e o comércio privados foram abolidos, fábricas, minas, estradas de ferro passaram a ser propriedade exclusiva do Estado e a agricultura foi completamente socializada, ou seja, impedido o lucro que move as pessoas.

Os bolchevistas ainda toleraram o cristianismo, mas as igrejas ficaram impedidas de qualquer papel beneficente ou educacional. Na implantação forçada de uma nova ética, imposta de cima para baixo, o Partido Comunista passou a exigir que todos os seus membros fossem ateus – isso num país que vivera grande religiosidade ao longo de séculos.

Aquele momento extraordinário da revolução na Rússia repercutiu em todo o planeta, num misto de entusiasmo, entre os intelectuais, e de medo, entre aos empresários. O Brasil viveu desde o início forte repulsa ao comunismo e aos comunistas, a ponto de a ditadura militar iniciada em 1964 proibir e combater a existência de agremiações políticas com essa característica.

Era tão grande a obsessão contra os comunistas naqueles tempos que prevaleceu a impressão de serem muitos, muitos mesmo, mas depois se viu que em número eram insignificantes. Por serem estridentes, pareciam ser muitos, mas, ao ser autorizada a criação e atuação do Partido Comunista em solo brasileiro, viu-se que eram e continuaram a ser um grupo numericamente pouco expressivo.

Os comunistas, para não serem presos ou perseguidos, precisavam disfarçar suas convicções, inscrevendo-se em outros partidos políticos. Os militares no poder pareciam ver comunistas até debaixo das camas, mas ao final da ditadura, quando se tornou legal a criação do Partido Comunista, viu-se que seus adeptos eram poucos, muito poucos.

O malogro do regime comunista na Rússia, e também em vários outros países europeus sob o seu domínio, parece ter ocorrido por não reconhecer o valor primordial do individualismo e impedir o lucro no trabalho. Mais espertos que os russos, os chineses somente cresceram economicamente a partir do momento que o líder Deng Xiaoping, décadas atrás, passou a remunerar melhor os trabalhadores que produzissem mais.

Aquele líder comunista chinês percebeu que a igualdade da democracia é uma igualdade de diferenças, e não de uniformidades. A China pagava a todos os seus trabalhadores o mesmo salário, mas Deng, esse incrível visionário, “descobriu” o lucro, ou seja, passou a remunerar melhor os que mais produziam e com isso seu país se tornou a segunda maior potência econômica da atualidade.

COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO

DIÁRIO DO PODER - 27/10

GOVERNO PRECISA CONQUISTAR 50% DOS ‘REBELDES’

A vitória de quarta-feira (25) animou o Planalto para aprovar, ainda este ano, a reforma da Previdência. Para isso, serão necessários 308 votos, 57 além dos 251 deputados que deram cara em rede nacional para defender Temer. A avaliação do governo é que esses 57 votos, até mais, podem ser obtidos até com facilidade entre os 107 deputados de partidos governistas que votaram contra Temer, mas apoiam a reforma.

CONTA DE SOMAR
O governo dá como certo o apoio à reforma Previdência de quase todos os 23 deputados do PSDB, 18 do PSD e 10 do PR contra Temer.

APOIO À REFORMA
Também votaram contra Temer deputados do DEM (7), PMDB (6), PP (6), PPS (8), PRB (4), PTB (3) e Solidariedade (5).

DIZ QUE NÃO ESTOU
Quase todos os partidos aliados também registraram ausências de quem não quis se comprometer, incluindo 3 do PMDB e do PSDB.

É A LEI
Os 308 votos necessários para aprovar a reforma da Previdência correspondem a três quintos dos 513 deputados federais brasileiros.

MILÍCIA INVADE E DEPREDA RÁDIO DE PRESIDENTE DE CPI
O Maranhão vive tempos muito estranhos, com propriedades invadidas e centenas de mandados judiciais de reintegração de posse ignorados pela polícia do governador Flávio Dino (PCdoB). Milícias também atuam como jagunços. Cerca de 30 criminosos depredaram, na quarta (25), em São Luís os transmissores da Rádio Capital, do senador Roberto Rocha (PSDB-MA). Ele não reza na cartilha de Flávio Dino e preside a CPI do BNDES, que investiga falcatruas dos governos do PT.

PARECE FAROESTE
Os jagunços do Maranhão destruíram equipamentos e até derrubaram a antena, tentando tirar a rádio do ar do ar. Ninguém foi preso, claro.

RETALIAÇÃO POLÍTICA
Roberto Rocha não descarta possível retaliação ao seu trabalho na CPI do BNDES, que agora também vai investigar empréstimos a Estados.

NOVA VENEZUELA
“O Maranhão virou Venezuela”, diz Roberto Rocha sobre o vandalismo político. O governo estadual não comentou o empastelamento.

MISTÉRIO NO TURISMO
O Ministério do Turismo não explicou por que manteve no cargo Norton Domingues Masera, preso ontem pela Polícia Federal, mesmo sendo da confiança do ex-ministro Henrique Alves, em cana desde junho. Diz que Norton foi ficando porque nada havia contra ele. Será demitido.

PADRÃO OBAMA
Contratado para fazer uma palestra em Sobral (CE), o cartunista Maurício de Sousa vai receber R$60 mil de cachê (mil reais por minuto) da prefeitura da cidade onde há creches com água cortada.

CÁRCERE PRIVADO
Os invasores do escritório da Presidência, ontem, em São Paulo, eram chamados candidamente de “manifestantes”, enquanto mantinham servidores em cárcere privado, inclusive no elevador. O direito de tocar o terror agora é mais importante que o das vítimas de sequestro.

JUSTIÇA SEM PARTIDO
O Senado aprovou por unanimidade emenda do senador Flexa Ribeiro (PSDB-PA) proibindo que integrantes da Justiça Eleitoral tenham sido filiados a partido até dois anos da posse como magistrado.

RISCO DE FALÊNCIA
Segundo o deputado Marcus Pestana (PSDB-MG), que é economista, sem reforma na Previdência, há um sério risco de o Brasil quebrar. E adverte: “O Rio de Janeiro é só gostinho” do que pode acontecer, diz.

LIXO PALACIANO
Após a vitória sobre a oposição, o Planalto abriu edital para cadastro de cooperativas de catadores para separar e dar destinação correta às 18 toneladas de lixo produzidas por mês em dependências da Presidência.

A JUDICIALIZAÇÃO DA VIDA
Está no prelo o novo livro do ministro Luís Roberto Barroso. Em “A judicialização da vida e o Supremo Tribunal Federal”, ele seleciona os casos mais importantes decididos pelo STF, na sua opinião, em que atuou como advogado, como a proibição do nepotismo no Judiciário.

AMOR QUE TRANSFORMA
O lançamento do livro da primeira-dama de São Paulo, Lu Alckmin, nesta sexta (28), às 15h, na livraria Cultura do Conjunto Nacional, pode virar ato de apoio à candidatura presidencial do maridão. Em “Amor que Transforma”, ela relata a superação da perda do filho Thomaz.

PERGUNTA NA CÂMARA
Afinal, era de boa cepa o “bambu” das flechas disparadas contra o presidente?

Nuvens de incertezas - ELIANE CANTANHÊDE

ESTADÃO - 27/10

Ainda assustador, 2018 depende do futuro da Lava Jato e do governo Temer


As duas coisas andam juntas, vão definir os cenários de 2018 e foram o foco da semana: os novos passos da Lava Jato e o futuro do governo Michel Temer, ambos envoltos em nuvens de incertezas. Até aqui, a maior operação de combate à corrupção no planeta é um sucesso e Temer tem vencido de forma surpreendente suas batalhas mais inglórias. E agora?

O Fórum Estadão Mãos Limpas e Lava Jato, realizado na terça-feira, acendeu uma luz amarela e deixou um misto de tristeza, de um lado, e de instinto de luta, de outro. E a votação da segunda denúncia contra Temer, anteontem, gerou a crença de que ele termina o mandato e uma torcida para que a recuperação da economia avance.

No fórum, promoveu-se o confronto do passado bem-sucedido da Mãos Limpas e da Lava Jato com o presente desalentador da operação na Itália e o futuro incerto na do Brasil. Se a italiana inspirou a brasileira, agora serve de alerta.

Segundo os magistrados Piercamillo Davigo e Gherardo Colombo, que participaram do momento áureo da Mãos Limpas, tudo começou muito bem, mas deu em nada. Melancolicamente, eles relataram que os corruptos se uniram, perderam de vez a vergonha, criaram uma rede de salvaguardas legais e se tornaram ainda mais poderosos.

Cada um a seu estilo, o contido juiz Sérgio Moro e o bem falante procurador Deltan Dallagnol identificaram objetivamente os perigos imediatos que poderiam empurrar a Lava Jato para o mesmo destino da Mãos Limpas: um recuo na possibilidade de prisão após condenação em segunda instância, manter intocável o foro privilegiado de políticos com mandato, atacar os instrumentos das delações premiadas e das prisões cautelares.

Um pacote assim garantiria a velha e resiliente impunidade que transforma o Brasil num país cruel para a base da pirâmide e indecente para o topo. Mas onde está concentrado o debate dessas questões? Não é no Legislativo e no Executivo, onde se acotovelam os alvos da Lava Jato, mas no Supremo, a quem cabe julgá-los. Transformar a Lava Jato num sucesso histórico ou num fracasso à altura da Mãos Limpas está na alma, no preparo, na ideologia e na coragem de 11 ministros togados.

Quanto a Temer, seus desafios daqui em diante ficaram evidentes nos votos a favor e contra a segunda denúncia de Rodrigo Janot. Para a oposição, o presidente integra uma organização que não apenas é corrupta como quer destruir florestas, direitos e pobres. Para os que votaram a favor de Temer, o mais importante para o País é sair do buraco em que foi jogado por Dilma Rousseff e o PT, manter a rota de recuperação, assegurar o crescimento e multiplicar empregos.

Os adversários têm a seu favor a impopularidade vexaminosa de Temer, o discurso fácil (e irresponsável) contra o termo ajuste fiscal e a ojeriza coletiva a mudanças na Previdência. E a fila de ex-ministros presos e enrolados é grande. Ontem mesmo, a Polícia Federal prendia três ex-assessores de Henrique Alves no Turismo.

Já os aliados contam com a recuperação econômica, que vai bem, obrigada, mas esbarra num obstáculo: o rombo das contas públicas, que continua crescendo. A fórmula Meirelles está em xeque. O teto desabou e a reforma da Previdência é ameaçada pela incompreensão popular, a má vontade do Congresso e por algo sutil: a prioridade de Temer não é de longo prazo, é aqui e agora.

São essas duas coisas, a força da Lava Jato em se impor e a capacidade de Temer de comandar o País e a economia, que vão definir 2018. A eleição está bem aí e parece assustadora.

Maia. Antes impulsivo, Rodrigo Maia (DEM-RJ) não colou seu destino a Temer, não se comprometeu mais do que devia em derrubar a segunda denúncia e se coloca como salvador da reforma da Previdência. Está jogando alto.

Custo da imprudência - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 27/10
Típico da segunda metade da administração petista, o emprego abusivo dos bancos públicos na tentativa de alavancar o crescimento econômico legou contas que ainda estão por serem pagas.

Se o caso do BNDES se tornou o mais notório, em razão dos financiamentos bilionários a empresas escolhidas como campeãs nacionais, a Caixa Econômica Federal também exemplifica a relação promíscua promovida entre as instituições estatais e seu controlador, o Tesouro Nacional.

Desde 2008, a CEF multiplicou por nove seu volume de empréstimos, que alcançou R$ 716 bilhões em junho. No mesmo período, a taxa de expansão no setor financeiro como um todo ficou em torno de 150%, segundo levantamento do jornal "Valor Econômico".

O uso do banco transcendeu os propósitos de incrementar o crédito imobiliário, sua vocação histórica —houve financiamentos em larga escala para empresas e para o setor de infraestrutura.

Para tanto, o governo injetou dinheiro na Caixa, proveniente de endividamento público. Entre 2007 e 2013, aportaram-se R$ 37 bilhões.

Mas o que se dava com uma mão se tirava com outra. No período o Tesouro extraiu quase R$ 30 bilhões em dividendos da instituição, empregados para elevar artificialmente o superavit orçamentário.

Manobras do gênero —chamadas, de modo até eufemístico, de contabilidade criativa— contribuíram para o atual quadro catastrófico das finanças públicas.

Já a Caixa vive hoje um quadro de insuficiência de capital, uma vez que a legislação bancária exige montantes mínimos proporcionais ao total de empréstimos. Estima-se a que ao menos R$ 10 bilhões sejam necessários para adequação às regras prudenciais.

Não se trata, que fique claro, de risco para os depositantes. A instituição precisa de recursos, isso sim, para que possa manter as dimensões de sua carteira de crédito.

Na impossibilidade de contar com o cofre da União, uma alternativa considerada é recorrer ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço. Há dúvida, entretanto, se tal arranjo não feriria alguma regra ou configuraria desvio de objetivo, desta vez do FGTS.

Em outra hipótese, também um tanto heterodoxa, ativos da CEF seriam transferidos ao BNDES.

Qualquer que seja o desfecho, o banco precisa se pautar daqui para frente pelo foco na habitação popular e pelo afastamento do poder político. Neste segundo ponto, o governo Michel Temer (PMDB) perpetua a prática deletéria de lotear diretorias entre aliados.

Demonstração de força - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 27/10

A única oposição de fato ao presidente Michel Temer se limita hoje às redes sociais e aos partidos desalojados do poder depois do impeachment de Dilma Rousseff


Após a rejeição pela Câmara dos Deputados da segunda denúncia da Procuradoria-Geral da República contra Michel Temer, não faltaram análises segundo as quais a perda de 12 votos em relação à votação que derrubou a primeira denúncia expressa o enfraquecimento do presidente nos 14 meses que lhe restam de mandato. Comentários semelhantes também foram feitos depois que a primeira denúncia foi rejeitada. Na ocasião, dizia-se que a votação obtida por Temer seria insuficiente para conseguir aprovar mais reformas e medidas de ajuste fiscal. Temer teria se transformado, em resumo, em um “pato manco”, expressão importada da política norte-americana que designa o presidente que não é candidato à reeleição e perde importância nos meses finais de seu mandato.

Se esse tipo de análise tivesse alguma conexão com os fatos concretos, e não com os imaginados (ou desejados, em alguns casos), o presidente estaria, a esta altura, esvaziando as gavetas no Palácio do Planalto. Há quem acredite que a política nacional realmente se deixe pautar pela lógica das redes sociais, cujo norte são a histeria e a produção profícua das famosas fake news, e pelo messianismo de alguns procuradores da República, que parecem dispostos a denunciar todos os políticos como corruptos.

Quando a realidade da natural negociação política entre governo e Congresso Nacional se impõe, como no caso das articulações para rejeitar as denúncias contra Temer, essa lógica singela entra em parafuso. O resultado é uma indisfarçável decepção de quem presumia que o presidente fosse refém dos parlamentares e que estes, premidos pelo calendário eleitoral, deixariam em algum momento de apoiar um governo impopular e acusado de corrupção.

O fato incontestável é que a única oposição de fato ao presidente Temer se limita hoje às redes sociais e aos partidos desalojados do poder depois do impeachment de Dilma Rousseff. Nenhuma análise séria pode se deixar impressionar por pesquisas que mostram uma alta rejeição a Temer, pois o presidente nunca foi realmente popular. Em forte contraste com as manifestações virtuais de artistas e intelectuais que pedem “fora Temer” e com o falatório mendaz do chefão petista Lula da Silva e de seus adoradores, as ruas estão silenciosas e os brasileiros tocam a vida na esperança de que o País volte de vez aos eixos, esperança que cresce à medida que a economia mostra sinais objetivos de recuperação.

Nada disso garante, é claro, que Temer terá êxito total na imensa tarefa de aprovar as prometidas medidas ainda pendentes, em especial a reforma da Previdência. Infelizmente, alguns partidos que formalmente ainda são governistas – contando inclusive com vistosos Ministérios – não garantem os votos necessários para fazer passar essas mudanças cruciais para o saneamento das contas públicas.

Mas o regime de governo brasileiro ainda é presidencialista, e Michel Temer demonstrou que sabe como usar o poder da Presidência na negociação com o Congresso, com quem, aliás, desde o primeiro dia, prometeu governar. Foi dessa maneira que o presidente, mesmo sem ter popularidade, em meio a uma gravíssima crise política e econômica, conseguiu fazer aprovar o teto para os gastos públicos, a reforma trabalhista e a reforma do ensino médio, entre outros temas naturalmente polêmicos.

A rejeição das denúncias ineptas contra Temer pela Câmara deve finalmente encerrar o lamentável capítulo de irresponsabilidade protagonizado pela Procuradoria-Geral da República, ao tempo de Rodrigo Janot, abrindo caminho para o retorno à tão desejada normalidade. O fim da paralisia do governo deve recolocar na pauta da política o que realmente interessa aos brasileiros. Há muito trabalho pela frente.

O que se espera é que os grandes partidos da base aliada, seja lá quais forem seus dilemas internos e seus objetivos eleitorais, ajam como sustentáculos reais de uma administração que até aqui foi bem-sucedida na hercúlea tarefa de recuperar um país arruinado pelo pesadelo lulopetista – façanha que, por si só, merece respeito.

O abusivo boicote de juízes à reforma trabalhista - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 27/10

É de grande ineditismo que associação de magistrados defenda a desobediência da lei, e tudo devido a interesses corporativistas que surgiram à sombra da CLT


Uma crise fiscal histórica, como a deflagrada a partir do segundo mandato de Lula e aprofundada por Dilma Rousseff, iria requerer medidas fortes que contrariariam corporações encrustadas na máquina do Estado e respectivas conexões na sociedade. O exemplo mais evidente é a reforma da Previdência, a ser desengavetada pelo governo Temer, sob o risco de o atual movimento de recuperação da economia terminar abortado por falta de perspectiva real de um reequilíbrio sustentado das contas públicas. Destinada a salvar um importante sistema de gastos sociais, mas que funciona como uma usina de desigualdades — em benefício de castas do funcionalismo —, a reforma é atacada por grupos transvestidos de defensores de “direitos do povo”.

Outro exemplo é a exótica iniciativa da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), tomada a partir de um encontro de juízes, procuradores e auditores fiscais, de recomendar às categorias que descumpram a reforma trabalhista aprovada pelo Congresso e que entrará em vigor em 11 de novembro. É de enorme ineditismo um organismo de magistrados incentivar a que não se cumpra a lei.

Há dois alvos importantes nessa espécie de “desobediência civil” de juízes e assemelhados que trabalham na área trabalhista: a essencial flexibilização sacramentada no Congresso pela qual, em vários assuntos, o entendimento entre patrões e empregados pode se sobrepor à anacrônica Consolidação das Lei do Trabalho (CLT); e o outro é a regulamentação, em bases mais realistas, da terceirização.

Um objetivo visível da Anamatra é criar perigosa insegurança jurídica em torno da reforma. Isso manterá empregadores acuados, e, por fim, quem sairá prejudicado será o trabalhador, que continuará desempregado ou subempregado.

Na terceirização, a regulação é essencial para dar tranquilidade a empresas que precisam se valer deste tipo de contratação. Não se trata de qualquer perversidade “neoliberal”, mas uma contingência objetiva dos mercados de trabalho no mundo inteiro. E as regras aprovadas não desamparam ninguém, ao contrário.

Na verdade, todo o engessado arcabouço jurídico varguista que vem desde a CLT permitiu que surgisse, sob sua sombra, uma série de grupos de interesses, no ambiente sindical e jurídico, que se sentem prejudicados pela modernização inexorável das relações trabalhistas. Agora, reagem, até de forma temerária, ilegal, impensada, como a Anamatra.

A postura da associação é típica de corporações que se voltam apenas para o próprio umbigo e extrapolam suas atividades. Não podem se arvorar em tutores. Se divergem das novas e necessárias regras de regulação do mercado de trabalho ou do que seja, que tentem convencer disso o Congresso. Ou recorram ao Supremo. Qualquer outra atitude é abusiva e ilegal.