quinta-feira, outubro 12, 2017

Condoreira e acaciana, a presidência de Cármen é das mais desastradas da história do STF - REINALDO AZEVEDO

REDE TV/UOL - 12/10

Os contenciosos vão se multiplicando, os procedimentos heterodoxos vão prosperando, as exceções vão se avolumando, e ela não perde uma maldita oportunidade de dizer algumas sentenças que não têm alcance prático nenhum


A ministra Cármen Lúcia vai entrar para a história como a chefe de uma das mais desastradas presidências do Supremo de que se tem notícia. A doutora tem um perfil curioso. Volta e meia, gosta de dizer algumas platitudes entre o condoreiro e o acaciano — isto é, entre a grandiloquência balofa e o óbvio — sobre a Justiça e o Estado de Direito. E isso parece colocá-la acima das vicissitudes temporais, das paixões humanas, das compulsões mesquinhas. Ao mesmo tempo, poucos ministros no seu lugar se mostraram tão imperiais. Vai tomando a decisão que lhe dá na telha. Obviamente, não está preparada para o cargo.

Os contenciosos vão se multiplicando, os procedimentos heterodoxos vão prosperando, as exceções vão se avolumando, e ela não perde uma maldita oportunidade de dizer algumas sentenças que não têm alcance prático nenhum. Joaquim Barbosa, por exemplo, foi um presidente bastante opiniático. Mas provocava mais barulho do que desrespeito às regras. Era difícil no trato, mas permitia, como diria o poeta Fernando Pessoa, que mordomos invisíveis administrassem a Casa.

Ela não! Além de tudo, é centralizadora. Aquela ministra de perfil discreto, que vivia chamando a atenção para a brevidade dos próprios votos, que gostava de parecer comprometida apenas com as estrelas do firmamento, desapareceu com a assunção ao cargo. Em seu lugar, temos uma interventora, que não teme nem mesmo os atos atrabiliários, autoritários, quase despóticos. Pior: busca afinar o seu texto com o alarido das redes sociais, o que é quase sempre um mau caminho para o juiz. A barafunda que aí está tem muito a ver com ela.

Nesta quarta, ela quase provoca um curto-circuito num julgamento que foi organizado e planejado por ela. Como sabem, o Senado havia marcado uma sessão para votar a revogação das medidas cautelares impostas a Aécio Neves por três ministros da Primeira Turma: Roberto Barroso, Rosa Weber e Luiz Fux. Não seria desrespeito ao Supremo coisa nenhuma! Isso é conversa mole pra boi dormir. Qualquer pessoa com a informação necessária para opinar sabe que, se as respectivas Casas legislativas dispõem de autorização dada pela Constituição para anular uma prisão preventiva em flagrante de crime inafiançável e até para suspender processos de seus membros, tanto mais podem e devem fazê-lo com medidas cautelares menos gravosas.

Quando Cármen percebeu que o Senado não engoliria a brasa acesa que lhe foi oferecida por Barroso-Fux-Rosa, chamou Eunício de Oliveira (PMDB-CE), presidente do Senado, e articulou com ele o adiamento da sessão que poderia suspender a pena imposta a Aécio. Combinou ainda com Edson Fachin, que tinha a relatoria da matéria, votar nesta quarta a Ação Direta de Inconstitucionalidade que trata justamente do assunto: medidas cautelares têm ou não de passar pelo crivo do Senado e da Câmara?

Nota à margem: a questão está errada em essência. Estou com os ministros que entendem que a pergunta não se coloca pelo simples fato de que as tais medidas não têm prescrição constitucional. Repito: se Senado e Câmara podem até suspender processos, por que haveriam de aceitar medidas cautelares para seus membros? Já expliquei aqui a razão: as cautelares, que estão no Artigo 319 do Código de Processo Penal, só podem ser aplicadas quando estiverem dadas as condições da prisão preventiva, previstas no Artigo 312. Ocorre que nem um nem outro podem — ou poderiam — ser aplicados aos parlamentares.

Bem, Cármen conseguiu, de todo modo, adiar a sessão do Senado, e comandou a sessão que definiu o alcance das medidas cautelares. Cinco ministros, com argumentação pífia, vergonhosa, que ignora a Constituição, votaram na soberania do STF para impor a medida cautelar que que quiser, menos a prisão preventiva. E Câmara e Senado que aceitem. São eles: Edson Fachin, Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux e Celso de Mello. Cinco outros, embora com posições divergentes entre si, acabaram fechando em torno da seguinte síntese: medidas cautelares têm de ser submetidas à Casa Legislativa: Alexandre de Moraes, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Marco Aurélio.

E a Cármen caberia o desempate. Não é que a doutora resolveu inventar uma terceira posição? Entendia, ora vejam, que o afastamento teria de passar pelo crivo das Casas Legislativas, mas não as demais medidas cautelares. Estas seriam auto-aplicáveis. Ninguém entendeu o que queria a doutora. Parece-me que estava disposta a fazer uma embaixadinha para as redes sociais, a cloaca do mundo, mas sabia que não poderia exagerar. Como sintetizar tal voto? Quem, afinal, havia se sagrado vencedor e quem era vencido no julgamento? Acabaram fechando com o seguinte consenso: toda medida que afetar o regular exercício do mandato parlamentar terá de ser submetida à Câmara ou ao Senado.

A bagunça, em todo caso, está garantida. Imaginem os senhores: a partir de agora, 16 mil juízes ficam livres para afastar deputados estaduais e vereadores. E, sim, Assembleias e Câmaras terão de endossar. Muitas dessas Casas correm o risco da paralisia.

Não custa lembrar: Cármen é aquela ministra que homologou, num único fim de semana, 75 delações da Odebrecht. Obviamente, não leu nada. Quando se destrinchou o pacote, descobriu-se que o Ministério Público Federal tinha até definido penas informais para os delatores. Não contentes em se comportar como policiais, os senhores procuradores também atuam como se fossem… juízes.

A operação da holding que chamo “JJ&F” — Janot, Joesley e Fachin — teve em Cármen uma protagonista. Foi ela a aceitar que Rodrigo Janot escolhesse o relator para o caso JBS, que nada tem a ver com a Lava Jato: justamente Fachin. Sem a sua concordância, a patuscada que soma quantidade estupefaciente de ilegalidades — e agora conhecemos ao menos parte dos tenebrosos bastidores — não teria acontecido. E, por óbvio, o país estaria vivendo um momento bastante distinto. E melhor!

Há ainda componentes que costeiam o alambrado da deslealdade. Quando acertou a votação desta quarta com Eunício, ela o fez em nome da paz entre os Poderes. E, por muito pouco, não pôs tudo a perder.

Por que isso tudo? Obrigo-me a lembrar que Cármen foi considerada a primeira opção para a Presidência da República daqueles que tentaram depor Michel Temer no berro. Deu tudo errado. Mas parece que tal articulação a fez ainda mais imperial. E mais atrapalhada.

Afinal, nesta quarta, não fosse a ajuda de alguns parceiros de toga, e tal senhora não teria conseguido nem mesmo resumir o que foi votado.

Uma lastima.

Quem manda o outro se tratar expressa uma dúvida sobre si mesmo - CONTARDO CALLIGARIS

FOLHA DE SP - 12/10

Jacques Lacan (o psicanalista francês, 1901-1981) não gostava muito do termo "paciente" para designar as pessoas que se analisavam com ele. "Paciente" lhe parecia passivo demais para quem se engaja no processo de inventar e dizer seus desejos.

Lacan propôs, então, o termo "analysant", que significa "aquele que analisa", ou, se você preferir, aquele que se analisa. A tradução de "analysant" (que seria, em latim, um particípio presente) é "analisante", como amante, seguinte, dançante etc.

Como não há particípio presente em português, decidiu-se usar o gerúndio, e "analysant" se tornou "analisando". O que é bizarro, porque o gerúndio latim designa um dever-ser passivo: por exemplo, Cartago é "delenda"; como dizia Catão, o Velho, significa que Cartago deve ser destruída. "Amanda" é aquela deve ser amada, "agenda" são as coisas que devem ser feitas.

Ou seja, "analisando" é aquele que deve ser analisado -o contrário do que Lacan queria dizer com "analysant". Uma análise e mesmo uma psicoterapia não são coisas que se prescrevam -são coisas que é preciso querer. Ninguém é analisando, porque ninguém "tem que" ser analisado.

Agora, na conversa familiar e nos botecos, o analisando existe: ele é sempre o outro, aquele que, contrariamente a mim, "deveria se tratar".

Quem manda o outro se tratar está sempre expressando uma dúvida sobre si mesmo. Mandamos o outro procurar um tratamento do qual nós precisamos (mas não queremos saber que precisamos). Exemplo, a ideia da cura gay: mandar os homossexuais se tratarem parece resolver, para alguns, a incerteza sobre sua própria orientação.

Pensei nisso tudo lendo, numa sentada, o bonito livro de Catherine Millot, "A Vida com Lacan" (Zahar -a tradução tem momentos engraçados: por exemplo, uma nota para explicar o que significaria "schuss" em alemão: aviso, "esquiar schuss" significa descer reto para o vale; qualquer esquiador saberia).

Catherine era analisante de Lacan. Também foi a mulher ao lado de Lacan na última década da vida dele (de 72 a 81). No começo, alguns se preocupavam: e a análise dela? Ela "deveria" se tratar, mas com quem? Claro, ninguém ousava colocar a mesma pergunta sobre Lacan.

A resposta era simples. Ela retomaria um tratamento quando quisesse e com alguém que fosse adulto o suficiente para escutar a mulher que estava ao lado de Lacan.

No mais, talvez, para ela, naquela época, a vida com Lacan fosse mais importante do que a análise. Ou talvez viver com Lacan fosse uma experiência que se tornara possível graças à análise dela. Em tese, uma análise está ao serviço da vida da gente, e não o inverso.

Entre não lacanianos, o romance era só a confirmação de que Lacan era bizarro. Entre os lacanianos, as reações eram reflexos de transferências irresolvidas com Lacan: muitos sonhavam ser Catherine, assim como o presidente Schreber, no seu delírio, sonhava ser a mulher de deus.

Enfim, Catherine se tornou uma excelente clínica e uma escritora milagrosa: ela consegue nos contar sua intimidade com Lacan sem nunca ser obscena.

Adorei descobrir algo que sabia só vagamente: Lacan tinha uma relação especial com Veneza, que percorria repetidamente seguindo "Venezia e il Suo Estuario", de Giulio Lorenzetti (é o melhor guia de Veneza, depois de "As Pedras de Veneza", de John Ruskin). Detalhe: San Giorgio degli Schiavoni não é uma igreja, é uma "scuola".

Lendo Catherine, é estranho constatar que Lacan foi reduzido a objeto acadêmico de estudo, enquanto seu ensino era vivo: uma performance, improvisada e genial, em que o que era dito contava menos do que o ato e o jeito de dizer, as entonações da voz, as oscilações, os silêncios, a postura do corpo

Os anos 1970 em Paris foram mágicos por isso: talvez o essencial nunca estivesse no texto dos seminários (de Lacan, de Barthes, de Foucault etc.), mas na circulação dos desejos, ou seja, nas vidas. Por isso, é difícil entender o que foi essa época sem passar pelas lembranças de quem a viveu.

Freud, ao receber o Prêmio Goethe, citou uma frase de Mefistófeles, no capítulo 7 do "Fausto" de Goethe: "das Beste, was du wissen kannst, Darfst du den Buben doch nicht sagen" (a melhor coisa que você pode saber, você não pode dizer ao menino ou ao aluno).

Talvez o melhor do que sabemos se transmita sempre, não nas palavras de um ensino, mas na vida.

Médicos cubanos deixados à própria sorte - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR

GAZETA DO POVO - PR - 12/10

É lamentável que o governo brasileiro esteja fechando os olhos ao drama dos médicos cubanos que desejam escapar da ditadura e permanecer no Brasil


Mais de um ano depois da saída do governo que resolveu financiar a ditadura dos irmãos Castro por meio da “importação” de médicos daquele país, a situação dos profissionais cubanos no Brasil continua indefinida. Segundo o Ministério da Saúde, quase 200 deles entraram com ações na Justiça para ter o direito de ficar no país e receber o salário integral que outros profissionais do programa Mais Médicos recebem normalmente, de acordo com reportagem dos jornais O Globo e The New York Times.

Os cubanos, que são quase metade dos médicos do programa lançado em 2013 e que busca levar atendimento a regiões às quais os brasileiros não querem ir, vivem sob todo tipo de arbitrariedade. Ramona Matos, a primeira médica cubana a fugir, em 2014, já tinha informado as autoridades brasileiras que seus compatriotas não podiam trazer a família para cá, ao contrário dos colegas de outros países; e tinham seu direito de ir e vir cerceado, com vigilância firme de agentes da ditadura cubana e necessidade de aviso até para ir a alguma cidade diferente daquela para onde estavam designados. Tudo isso foi confirmado posteriormente por outros médicos, inclusive aqueles entrevistados recentemente pelos jornais carioca e novaiorquino.

Não há dúvida de que fugitivos da ditadura cubana bem merecem receber abrigo por aqui 
Além disso, o contrato dos médicos cubanos é uma violação flagrante a toda a legislação nacional, ao privar o profissional de receber seu salário integral. Triangulações perversas envolvem a Organização Pan-Americana de Saúde e o próprio governo cubano, que embolsa parte do pagamento devido aos médicos, repassa outra parte à família e entrega o resto ao profissional. Por muito tempo, inexplicáveis cláusulas de confidencialidade mantiveram essa informação distante do público.

“Chega uma hora em que você se cansa de ser escravo”, disse ao New York Times Yaili Giménez, uma das médicas que recorreram à Justiça brasileira. A rebelião dos cubanos que buscam trabalhar com liberdade no Brasil é um ato de coragem, já que muitos ainda têm familiares em Cuba, agora sujeitos às represálias do governo. Assim que surgiram as primeiras decisões judiciais favoráveis aos cubanos, seus “supervisores”, representantes da ditadura dos Castro no Brasil, convocaram todos os que haviam buscado o Judiciário e os despediram, dando-lhes duas opções: retornar a Cuba em 24 horas ou suportar oito anos de exílio, segundo o Times.

Diante disso tudo, é lamentável que o governo brasileiro esteja fechando os olhos ao drama dos cubanos. O ministro da Saúde, Ricardo Barros, disse ao New York Times que “não há injustiça” porque “quando eles assinaram o contrato, aceitaram as condições” – como se estivéssemos falando de pessoas livres, e não de súditos da mais abjeta ditadura latino-americana. Alegar que isso é problema dos médicos com o governo de seu país é uma maneira muito conveniente de lavar as mãos enquanto se abandona profissionais a quem tantos brasileiros são gratos. Se não podem contar com o Executivo, os cubanos seguem recorrendo ao Judiciário, com resultados inconsistentes – há decisões tanto favoráveis quanto contrárias aos médicos. O desespero é tanto que pelo menos um dos médicos pediu ao Ministério da Justiça para ficar no Brasil na condição de refugiado. Ele ainda não recebeu resposta, mas não há dúvida de que fugitivos da ditadura cubana bem merecem receber abrigo por aqui.

Ao contrário do governo anterior, a gestão atual não tem nenhum motivo ideológico para continuar financiando uma ditadura estrangeira e permitindo que os cubanos sejam tratados aqui de forma diferente em comparação com colegas de outras nações. Que o Estado e a sociedade possam encontrar meios de garantir a esses médicos a liberdade de que não gozavam, seja em Cuba, seja sob a vigilância de capangas do regime castrista no Brasil.

Bolsonaro não é Trump - JOSÉ ROBERTO DE TOLEDO

ESTADÃO - 12/10

Jair Bolsonaro é o messias para jovens do sexo masculino das regiões mais ricas do Brasil e com escolaridade acima da média. São eles que dão ao militar aposentado cerca de 10% de votos espontâneos – uma taxa que, a um ano da eleição presidencial, faz inveja a todos os outros candidatos, menos a Lula. Hoje, grande parte dessa geração nascida após a ditadura e que cresceu num período de bonança não votaria em outro que não Bolsonaro.

É o suficiente para o representante das corporações fardadas ser o presidenciável mais badalado nas mídias sociais. Justamente porque é desse segmento demográfico quem mais tem acesso a smartphones e gasta mais tempo conectado a aplicativos como Facebook e WhatsApp. No meio digital, Bolsonaro está super-representado de duas a três vezes mais do que no eleitorado. Se a eleição fosse pela internet, seria franco favorito. Mas não é.

Para Bolsonaro extrapolar o nicho eleitoral pós-adolescente ele precisa ganhar a simpatia e, depois, a preferência de dois dos mais numerosos grupos de eleitores brasileiros, nos quais está sub-representado: mulheres e pobres, principalmente do Nordeste e do Norte do país. Não é tarefa trivial para quem deverá se lançar candidato por um partido pequeno, com pouco tempo de propaganda na TV e rádio, e que terá dificuldade de formar palanques nos estados com candidatos fortes a governador.

O eleitorado que experimentou a ditadura na pele e aqueles que são, diariamente, alvo preferencial do aparato de segurança estatal que Bolsonaro representa não são facilmente permeáveis a seus argumentos militaristas e armamentistas. Talvez por isso, o deputado faz já há alguns anos uma inflexão para o lado dos costumes, encampando um discurso típico de outro tipo de conservador: aquele com origem religiosa. Como resultado, está super-representado também entre eleitores de fé evangélica.

A onda conservadora que varre a opinião pública brasileira e a geração que nem estuda nem trabalha carregam Bolsonaro acima da concorrência nos cenários de primeiro turno sem Lula, mas não bastam para catapultá-lo a uma vitória no segundo turno em nenhuma das simulações feitas pelo Datafolha. E isso não se deve apenas a ele ser menos conhecido do que os adversários.

Seu nível de rejeição é o de um político tradicional, que coleciona mandatos para ele e a família. É fácil entender o motivo: Bolsonaro não representa nenhuma novidade, mas o saudosismo de uma época que nenhum de seus jovens admiradores viveu. Seu magnetismo eleitoral não está baseado em ideias inovadoras, mas em uma idealização do passado. Essa circunstância foi favorecida pela derrocada do PT e pela corrupção generalizada em quase todos os partidos políticos.

Bolsonaro tampouco é o candidato dos sonhos do grande empresariado. A falta de um partido forte e de apoio dos maiores financiadores é o que diferencia o brasileiro de Trump. O militar da reserva pode até usar a falta de respaldo no establishment como argumento para sua propaganda, mas foi atrás desse reconhecimento que ele viajou aos EUA e que tenta encaixar um discurso econômico liberal. Sabe que precisa desse banho de liberalismo para sair do nicho onde prega para convertidos.

Mas se Bolsonaro não é Trump, tampouco significa que seja Marine Le Pen – a líder da extrema direita que todos os outros candidatos queriam enfrentar no segundo turno na França, e que acabou derrotada por Macron. No cenário ideal para Bolsonaro, ele enfrentaria no segundo turno um candidato incapaz de convencer pobres, nordestinos e mulheres a irem votar. Nisso ele se assemelha a Trump: ambos ganham com desilusão e abstenção.

Apertando os botões certos - ZEINA LATIF

ESTADÃO - 12/10

Na Eletrobrás houve completa reorientação na gestão, com busca de eficiência

Os últimos 15 anos foram de retrocesso no setor elétrico, com investimentos questionáveis e regulação equivocada. O governo Dilma agravou o quadro de forma surpreendente. Não faltaram alertas dos especialistas. Faltou diálogo e sobrou incompetência.

Segundo a gestora 3G Radar, a Eletrobrás custou R$ 228 bilhões à União nos últimos 15 anos. O cálculo embute o valor destruído e os prejuízos acumulados pelas distribuidoras, e exclui dívidas adicionais assumidas (a dívida bruta saltou R$ 18 bilhões desde 2012). As perdas decorrem de mau gerenciamento e ineficiências, como a participação em projetos por imposição governamental – Belo Monte, Jirau, Santo Antônio e Angra 3. A infame MP 579 de 2012 de Dilma cobrou preço alto ao obrigar a empresa a renovar as concessões de um terço de seu parque gerador em troca de uma receita subestimada.

Ainda que o cálculo possa estar superestimado, impressiona a ordem de grandeza. Para se ter uma ideia, o valor de mercado da Eletrobrás está em menos de R$ 30 bilhões (exclui dívidas).

A MP 579 foi um desastre para o setor. Ao reduzir de forma artificial as tarifas de energia elétrica (em 20%), gerou enormes perdas para as empresas, inibiu investimentos e produziu um desequilíbrio entre oferta e demanda de energia. Deu no que deu: o “tarifaço” de 2015 e a maior vulnerabilidade do País a crises hídricas.

Estima-se que a MP 579 e a decisão por não fazer o racionamento em 2014, apesar do baixo regime de chuvas, deixou um passivo financeiro de R$ 100-150 bilhões e uma avalanche de processos na Justiça. Há também o passivo físico, que é o baixo nível dos reservatórios das hidrelétricas, agravado pelo acionamento atrasado das termoelétricas, que visava a evitar o aumento de tarifas.

O ministro de Minas e Energia, Fernando Coelho Filho, iniciou a arrumação. A qualidade técnica da equipe resulta em diagnósticos cuidadosos e prioridades corretas. A habilidade política e a liderança do ministro têm permitido negociar as soluções.

O foco é eliminar distorções do sistema, resgatar eficiência e o realismo tarifário, para atrair o investimento privado e permitir eficiente alocação de recursos. Para isso, conduz ajuste nos leilões de transmissão de energia, enquanto propõe mudanças no marco legal do setor elétrico, com maior acesso ao mercado livre de energia, privatização de usinas hidrelétricas deficitárias (que funcionam sob o regime de cotas, com preços baixos) e ajustes na formação de preços, elemento essencial para a volta de investimentos. Ocorrem avanços regulatórios importantes também em mineração e óleo e gás.

Aqui um elemento crucial: o diálogo com as partes envolvidas.

Na Eletrobrás houve completa reorientação na gestão, com busca de eficiência, ajuste financeiro da empresa e governança. A venda de ativos foi iniciada (privatização da Celg), enquanto se discute a desestatização da empresa, como instrumento de capitalização e gestão.

Os resultados começam a aparecer aos poucos, com o sucesso nos leilões de transmissão, a volta dos investimentos e do interesse do setor privado pelo segmento.

Parte-se de um setor deficitário, com elevada imprevisibilidade, dependente de recursos subsidiados e que repassa suas ineficiências aos consumidores, e caminha-se para um modelo mais eficiente e previsível, como se observa no mundo.

Mas é preciso correr, a começar pela urgência de avançar nas medidas propostas, que dependem de aprovação do Congresso. A combinação de reservatórios baixos e atividade econômica em recuperação exige respostas rápidas.

É necessário avançar na agenda de redução de riscos e custos do setor e de adaptação a novas tecnologias, de forma a ampliar o mercado e reduzir o custo da energia.

O impacto dessas reformas nos investimentos poderá ser expressivo, dentro e fora do setor, pela sua importância no sistema produtivo.

Quem diria, o ministro político que não era do ramo está consertando os estragos feitos pela “gerentona” que se dizia especialista no setor.

*ECONOMISTA-CHEFE DA XP INVESTIMENTOS

Economia está gelada, fria ou morna? - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 12/10

A economia brasileira ainda descongela. Não há micro-ondas nem banho-maria para acelerar a atividade de empresas ou agitar o mercado de trabalho. O desempenho do comércio e da indústria em agosto foi uma pequena surpresa negativa.

As vendas do comércio e a produção da indústria encolheram de julho para agosto, quando na média os economistas previam outra melhorazinha.

Normalmente, não se deve ligar muito para esse tipo de variação pontual, "na margem". Mas agora, quando olhamos para termômetros da economia do mesmo modo que fazemos com as medidas da saúde de alguém muito doente, ficamos preocupados, ainda que o resultado volátil e revisável de um mês apenas, ressalte-se, não faça um verão, nem um inverno.

Considerados os resultados do ano inteiro, no entanto, a economia descongela, despiora. Em 2017, as vendas no comércio cresceram 1,9% em relação a janeiro-agosto do ano passado e continuam melhorando (quando incluídas as vendas de veículos e de material de construção. Fora isso, no varejo dito restrito, a alta é de 0,7%). No ano passado inteiro, a queda havia sido de horríveis 8,7% (ou de 6,2%, no varejo dito restrito).

No caso da indústria, o crescimento no ano é de 1,5% (a produção industrial caiu aterradores 6,6% em 2016).

Agosto teria sido um indício de estagnação, de falta de fôlego, depois que passou o efeito do dinheiro do FGTS? Tanto quanto podemos saber, não. Deve continuar a influência positiva da queda das taxas de juros, da inflação menor, da queda contínua do endividamento das famílias e da melhorazinha precária no mercado de trabalho.

Em agosto, subiu o indicador da FGV que procura antecipar os resultados do mercado de trabalho. A produção de veículos voltou a crescer em setembro, impulsionada pelo excepcional resultado das exportações de carros.

Outra pista de resultado azul das vendas do comércio em setembro vem dos indicadores da Serasa Experian. Além do mais, depois de anos em um buraco gelado, as vendas de material de construção começam a reagir, ao menos no varejo. Também da FGV, as pesquisas de expectativas econômicas referentes a setembro são positivas, em alta, nos serviços e na indústria.

Isto posto, não é possível esperar novas revisões animadas do crescimento em 2017. O segundo trimestre veio um tico melhor do que a encomenda, levando a mediana dos economistas a estimar alta maior do PIB, ora prevista em 0,7%. Isto é, crescimento na prática (per capita) nulo, pois a população aumenta mais do que isso por ano.

Em suma, a economia ainda descongela. Os resultados devem ser um tanto melhores que os de 2016, mas ainda estaremos abaixo de zero, pois a economia não terá recuperado as perdas de 2015.

Não há micro-ondas ou banho-maria para acelerar o processo, que depende quase apenas da baixa dos juros. Isto é, não há outro estímulo macroeconômico (como o aumento do gasto do governo "em obras") ou de outra espécie. Na contramão, há resfriamentos ainda, como a queda do investimento e o desastre ainda contínuo do setor de construção civil, para citar as geladas maiores.

Por ora, tudo mais constante, permanece a previsão de atividade econômica mais notável apenas no finzinho do ano.

Questões de Ordem: Os engasgos de Cármen Lúcia - MARCELO COELHO

FOLHA DE SP - 12/10

Quais são as acusações contra o senador Aécio Neves (PSDB-MG)? Segundo o Ministério Público, ele recebeu mais de R$ 60 milhões de propina. Um primo de Aécio recolheu dinheiro vivo dos emissários do grupo J&F. Haveria sinais de lavagem de dinheiro também.

Dito isto, é possível prender Aécio Neves?

Não. As investigações ainda estão em curso. Nem réu ele é. E, pela Constituição, só pode haver prisão de parlamentar em casos de flagrante em crime inafiançável (tortura, tráfico de drogas).

Por três votos a dois, a Primeira Turma do STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu que, mesmo sem ser preso, Aécio poderia ser atingido por "medidas cautelares": o afastamento do cargo, a proibição de que saia de casa à noite, de que se ausente do país e que entre em contato com outros investigados.

A decisão entrou nesta quarta-feira para análise do plenário do STF.

O caso era complicado. Se considerarmos que Aécio sofreu punição semelhante à pena de cadeia, o princípio da imunidade parlamentar estaria sendo rompido.
Para Edson Fachin, relator do caso, não se trata disso. Importa zelar pela continuidade das investigações, sem que se esteja com isso condenando Aécio. As medidas decretadas são ações a que todo cidadão está exposto.

Exposto, sim, pelo Código de Processo Penal, concordou Alexandre de Moraes. Mas nada pode prevalecer sobre a Constituição.
Seu voto recebeu apoio exaltado de Gilmar Mendes.

Suspende-se um juiz, disse Gilmar, só quando há denúncia formalizada. Vamos suspender um senador sem nem mesmo haver denúncia?
Muitos parlamentares já são réus, e não foram afastados. Fazer isso contra Aécio seria arbitrariedade. Direito constitucional da malandragem, bufou.

Veio o contra-ataque de Luís Roberto Barroso. Temos de romper com um "pacto oligárquico", disse ele, voltado a "saquear o Estado".
Ele resumiu as suspeitas contra Aécio; seus associados já estavam presos. Como permitir que o senador leve a vida "como se nada tivesse acontecido"? Frequentando "baladas, festas..."?

Se era para não parecer arbitrário, Barroso ia seguindo um mau caminho.
Mas ele fortaleceu o argumento. Na eventualidade de um parlamentar agredir a mulher, teremos de aplicar a Lei Maria da Penha, determinando que ele se distancie da agredida... Vale imunidade num caso desses?

Rosa Weber concordou com Barroso. A Carta protege o mandato, não a pessoa do parlamentar. Disciplina, ademais, a perda do cargo -e não um mero afastamento.
Seria preciso, acrescentou Luiz Fux, que a Constituição proibisse explicitamente a aplicação de medidas como as tomadas contra Aécio. Se a Carta silencia, o STF está autorizado a impô-las.

Para outros ministros, o raciocínio é inverso. Se a Constituição só admite prender o parlamentar numa hipótese precisa, nada se pode fazer fora disso.
Foi esta a linha seguida por Dias Toffoli, acompanhando Alexandre de Moraes, e citando apesar disso os casos de "superlativa excepcionalidade" em que o afastamento de parlamentares se impôs.

Com uma fita do "outubro rosa" na lapela, Ricardo Lewandowski também votou a favor de Aécio. O contexto, avançou Gilmar Mendes, é o das pressões organizadas pelo ex-procurador geral, Rodrigo Janot. Sabe-se lá "quais lambanças" em matéria de provas e indícios foram feitas. Haveria um "transe" acusatório no país, com ajuda de uma "mídia opressiva".

O 5 a 4 veio com Marco Aurélio Mello, recusando o que chamou de "punitivismo" contra o senador.
Celso de Mello empatou de novo: para ele, as medidas contra Aécio não são punitivas, e não podem ser revogadas pelo Congresso. O STF, frisou, fecha a questão.
Responsabilidade que coube à presidente da Corte, Cármen Lúcia. Depois de falar bastante a favor de Fachin, e contra a "impunidade", ela terminou sem jeito.

Aceitou algumas "medidas cautelares", mas não a que afasta Aécio do seu cargo desde já. Só com autorização do Senado isso será possível.
Ora, disseram outros ministros, qualquer das outras medidas -como o recolhimento noturno- também traz embaraço ao exercício do mandato. É "afastamento indireto", atacou Alexandre de Moraes.

Cármen Lúcia não queria chegar a tanto. Seu desconforto, sua confusão e seus engasgos eram nítidos. Queria evitar o afastamento, sem negar as outras medidas. Que, na prática, atingem o mandato de Aécio também.

A falta de clareza de Cármen Lúcia dificultava tudo. Fez-se uma redação genérica, de modo a aplacar seus embaraços. Bem ou mal, Aécio continua senador. Esperem-se os embargos de declaração.

Inepta e inconstitucional - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 12/10

A Câmara dos Deputados deu mais um passo para que o País se veja livre o mais rápido possível das idiossincrasias do anterior procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Na terça-feira passada, o deputado Bonifácio de Andrada (PSDB-MG) apresentou, na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, parecer recomendando que o plenário da Casa não autorize a abertura de processo contra o presidente da República, Michel Temer, e os ministros Eliseu Padilha e Moreira Franco pelos crimes de organização criminosa e obstrução da Justiça. “A denúncia não preenche os requisitos constitucionais e legais”, disse o relator.

Ao analisar a peça acusatória, Bonifácio de Andrada constata que ela “atinge momentos históricos bem pretéritos”, com menções a atos que teriam ocorrido há mais de 15 anos. O relator lembra, então, a desconformidade da denúncia com a Constituição de 1988, que estabelece que “o Presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções” (art. 86, § 4.º).

“Tudo o que se menciona antes da posse do presidente da República, todas as acusações levantadas contra ele, em datas anteriores ao seu governo, não deve ser objeto de análise e julgamento, porque a Constituição é clara ao dizer que o presidente não pode ser responsabilizado por fatos estranhos ao exercício de seu mandato”, afirmou o relator.

Além do desrespeito ao texto constitucional, Bonifácio de Andrada alerta para a ausência de provas na segunda denúncia de Rodrigo Janot contra Michel Temer. “A tentativa de envolver Ministros de Estado e o Presidente da República num somatório de afirmações acusatórias não encontra respaldo nas várias páginas da denúncia e nem tão pouco na legislação aplicável a partir do texto constitucional”, diz o deputado mineiro.

O parecer nota, por exemplo, que a Procuradoria-Geral da República (PGR) oferece denúncia pelo crime de organização criminosa e, ao mesmo tempo, cita diversos outros crimes, “mas não para puni-los, e sim apenas como exemplos de atividades criminosas atribuídas à organização criminosa”. Ora, isso seria a admissão de que a PGR tem conhecimento de crimes contra os quais intencionalmente não apresenta denúncia. O relatório questiona: “O acusador diz existir uma ampla acusação de organização criminosa, mas não pede a condenação pelos crimes que teriam sido praticados por ela? Tal fato demonstra a fraqueza da denúncia”.

A confirmar a inépcia da denúncia, o relator lembra que uma das acusações de Rodrigo Janot contra o presidente da República é que ele “fez nomeações e organizou o seu Ministério” no momento em que assumiu o governo federal. Bonifácio de Andrada adverte o absurdo dessa colocação. “O Ministério Público desejaria que o presidente da República assumisse o governo sem ministros ou então, colocasse personalidades desconhecidas e de pouca valia ou, sobretudo, de desconhecimento do próprio presidente da República”.

Além de ser um contrassenso, tal acusação deixa evidente como Rodrigo Janot tem pouco apreço pela Constituição. A ação que ele diz ser criminosa – nomear e exonerar ministros de Estado – está prevista na Carta de 1988, em seu art. 84, I, como a primeira competência privativa do presidente da República.

A respeito desse desvirtuamento dos fatos a favor da tese do Ministério Público – de que toda a política e todos os partidos estariam podres –, Daniel Gueber, advogado de Eliseu Padilha, lembrou que, na denúncia, “foi considerado indício de crime o telefonema entre líderes partidários. Mas me causa espanto que esses telefonemas tenham sido usados para provar qualquer coisa senão que os líderes estão trabalhando”.

Cabe agora à Comissão de Constituição e Justiça votar o relatório de Bonifácio de Andrada, que depois seguirá para apreciação do plenário da Câmara. Merece toda a diligência possível a rejeição definitiva da segunda denúncia. É prejuízo demais deixar o País atravancado por causa de uma denúncia inepta.


Quem atrasou o Brasil - CARLOS ALBERTO SARDENBERG

O Globo - 12/10

Crescemos menos que a média mundial, menos que os ricos, menos que os emergentes, menos que a América Latina


O FMI não é dado a celebrações. Procura sempre manter um tom neutro em seus elaborados documentos. Mas o “Panorama Econômico Mundial” divulgado nesta semana parece, em vários momentos, uma celebração do crescimento global. Em comparação ao documento de abril, o cenário básico para 2017 e 18 ganhou em qualidade e quantidade. O ciclo de aceleração verificado agora é mais rápido, mais forte e está mais espalhado.

Não se trata de “apenas” uma recuperação, diz o FMI, mas de um claro momento de expansão. O desastre 2008/09 está superado, os países reagiram, fizeram ajustes e voltaram ao crescimento, que é ou deve ser a situação normal de uma economia capitalista. Ah! sim, o capitalismo escapou de mais uma e segue por aí.

Dadas as proporções e a natureza diferente da crise financeira, os programas de combate e recuperação tiveram de incluir novos ingredientes de política econômica. Nada que já não fosse conhecido ao menos nos livros, mas as combinações aplicadas certamente foram diferentes.

Nos Estados Unidos, por exemplo, o governo Obama saiu comprando ações de empresas quebradas, como as da GM. Gastou mais dinheiro público para salvar companhias e bancos privados. O Federal Reserve, o banco central, reduziu os juros a zero, deixou assim por muito tempo, imprimiu dinheiro e jogou quantidades enormes no mercado, comprando papéis públicos e privados para dar liquidez ao sistema financeiro.

O Banco Central Europeu e outros seguiram por esse caminho —e a recuperação aconteceu. Nos EUA, por exemplo, a taxa de desemprego na era Obama caiu de 10%, auge da crise, para a faixa dos 4%. O país saiu da recessão para oito anos seguidos de crescimento do Produto Interno Bruto — nove se incluirmos as previsões para 2018.

E tudo com ajuste fiscal. Ainda nos EUA, o déficit das contas públicas foi de 10% do PIB em 2009 — um resultado horroroso — para menos de 3% já em 2014. Pois é, o governo primeiro gastou — e tinha estrutura ajeitada para isso — e depois voltou ao ajuste.

Alguns dirão: isso porque são os Estados Unidos, o centro da economia global, exploram o mundo todo.

Então vamos para a Espanha — um caso central no debate pós-crise 2008/ 09. A Espanha estava quebrada, no público e no privado. Governo, empresas e famílias excessivamente endividadas. Recessão e desemprego em alta.

A União Europeia foi ao resgate de um de seus principais membros. Topou alguns gastos cíclicos, mas exigiu do governo espanhol um severo programa de equilíbrios de contas e reformas, incluindo trabalhista e previdenciária (é, sempre a dupla).

Alguns diziam: vão acabar de matar os espanhóis.

No último relatório do FMI, a Espanha aparece bastante bem, crescendo pouco mais de 3%. O déficit público, que ultrapassava os 11% do PIB em 2009, caiu para a faixa dos 4%. O desemprego permanece alto por motivos estruturais — foi de 19% no ano passado — mas passava dos 26% em 2013.

Portugal passou por um processo idêntico, com resultados melhores no quesito contas públicas e desemprego (hoje em 10%). Cresce menos que a Espanha, na casa do 1,5% ao ano, que é fraco mas maior que — adivinhe — o do Brasil.

O ritmo de crescimento brasileiro está em aceleração, como no mundo, mas é preciso notar: o Brasil cresce menos que a média mundial, menos que os ricos, menos que os emergentes, menos que a América Latina.

Enquanto os outros mantinham políticas tradicionais de ajuste pós-crise, o Brasil de Lula e Dilma meteu-se na aventura da “nova matriz econômica", que era o velho populismo latino-americano. Enquanto os outros se preparavam para a arrancada, mantendo contas públicas equilibradas, com inflação baixa e, pois, juros baixos, a “nova matriz” levava o Brasil a mais de dois anos de recessão — e isso com inflação alta e juros altíssimos. Um desastre completo.

Enquanto os outros agora entram no ciclo de expansão, o Brasil está numa atrasada e moderada recuperação. Essa recuperação é resultado direto da mudança da política econômica no pós-Dilma, com a introdução de medidas de controle de gastos públicos (lei do teto, por exemplo) e algumas reformas (trabalhista). Em resumo, com anos de atraso, o país volta ao ajuste.

Só que no meio de uma enorme crise política, ética e institucional, que deixa em dúvida a continuidade da política econômica agora e no próximo governo.

Paciência. O pior que se pode tentar é esquecer o ajuste em nome de uma suposta calmaria política. Só atrasaria a recuperação e não resolveria a política.

COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO

PLANOS DE SAÚDE AUMENTAM 100% E ANS SE OMITE

Sob os auspícios e a omissão das autoridades, os planos de saúde estão tratando a clientela com o mais absoluto desrespeito. A Agência Nacional de Saúde (ANS), que deveria regular o mercado e proteger quem lhes paga os salários, permite que os planos individuais tenham sido praticamente extintos, fortalecendo planos empresariais, cujos reajustes são liberados. E abusivos: chegam a dobrar de valor.

DRIBLE NA LEI
A mensalidade é reajustada em 100% quando o segurado completa 59 anos, porque o Estatuto do Idoso proíbe o assalto a partir dos 60.

DILUIÇÃO DA PANCADA
Relator da nova Lei dos Planos, o deputado Rogério Marinho (PSDB-RN) vai propor a diluição dos 100% de aumento em até 20 anos.

EXPLORAÇÃO AUTORIZADA
A ANS confirma que não interfere nos reajustes dos planos coletivos, embora a lei não determine isso. Empresas exploradoras agradecem.

ATITUDE OBSCENA
Aumentam valores abusivamente sob razões obscenas, tipo “excesso de uso” do plano empresarial. O cliente paga caro, mas não pode usar.

‘TRATAMENTO’ DE TEMER: UMA ASPIRINA TODO DIA
A suposta “obstrução parcial na coronária”, que exigiria cateterismo no presidente Michel Temer, é boato, segundo o governo. “Nada há de errado com ele”, garante o secretário de Comunicação da Presidência, Márcio Freitas. Após exames, o médico Roberto Kalil Filho recomendou ao presidente, homem de 74 anos, um AAS (ácido acetilsalicílico) ao dia. O comprimido é muito usado para prevenir problemas cardíacos.

RECOMENDAÇÃO
“O que foi recomendado ao paciente Michel Temer é que ele tome uma pílula AAS diária”, confirmou o secretario, ainda perplexo com o boato.

BOATONEWS
Quando o boato começou a circular, o próprio Márcio Freitas informou que Temer está bem. Mas houve quem preferisse acreditar no boato.

SE CUIDA
Michel Temer se cuida. Segundo assessores, ele acorda cedo, “com as galinhas”, como diz, faz exercícios matinais, evita excessos etc.

MAIS DE R$ 6 BILHÕES
O Tribunal de Contas da União bloqueou os bens de Dilma & Cia pela maracutaia da compra superfaturada da refinaria de Pasadena (EUA), em 2006, por US$1,93 bilhão, equivalentes a R$6 bilhões. O valor da negociata inclui o empreendimento e os “custos de manutenção”.

DEMOROU, MAS CHEGOU NELA
Demorou mais de três anos para se responsabilizar a ex-presidente do Conselho de Administração da Petrobras Dilma Rousseff pela compra da refinaria de Pasadena. Prejuízo mínimo: R$1,7 bilhão ao País.

PÉSSIMA COMPRA
Segundo a ex-presidente da Petrobras Graça Foster na CPI do Senado, em 2014, a refinaria de Pasadena dava prejuízos até 2014. Dilma teve bens bloqueados por essa péssima compra que autorizou.

PEDIR NÃO É SUFICIENTE
O deputado Major Olímpio (SD-SP) anunciou que protocolou pedido no TSE para deixar de receber sua parte no rateio do fundão eleitoral bilionário, aprovado pela Câmara. Vai precisar brigar na Justiça.

ULYSSES, 25
O acidente de helicóptero que tirou a vida do ex-presidente da Câmara dos Deputados Ulysses Guimarães completa 25 anos nesta quinta (12). Também estavam a bordo o ex-senador Severo Gomes e as mulheres.

PT BENEFICIADO
Apenas seis dos 57 deputados da bancada do PT não votaram favor da criação do fundão de R$ 1,7 bilhão para bancar campanhas políticas. Os 51 petistas presentes votaram a favor do fundo; um se absteve.

APESAR DE TUDO
Levantamento da FGV/DAPP, divulgado nesta semana, mostra que a mídia impressa e televisiva tem a desconfiança de 40,4% e a confiança de 31% da população. E, no total, 83% tem “esperança no país”.

MEMÓRIA
Em 12 de outubro de 1968 o governo pedia a cassação de Márcio Moreira Alves, jornalista e político carioca, que foi perseguido pela ditadura após pedir, em discurso no Congresso, boicote às paradas militares e sugerir que as jovens brasileiras não namorassem militares.

PERGUNTA NO PLENÁRIO
Precisa de autorização do Congresso a decisão do STF de afastar parlamentares sem autorização do Congresso?

Novamente a capital do petróleo - ADRIANO PIRES

O Globo - 12/10


No longo prazo, as oportunidades de geração de empregos e de aumento de arrecadação são enormes com o retorno dos leilões da Agência Nacional do Petróleo


Entre 2006 e 2014, o petróleo teve um papel fundamental na economia do Rio de Janeiro. Tanto o estado quanto alguns municípios — sobretudo Campos, Macaé e Rio das Ostras — tiveram um crescimento extraordinário de suas receitas e empregos originados no setor. Os royalties e a participação especial (PE) com a produção foram de R$ 10,7 bilhões por ano no período. Nos últimos dois anos, a arrecadação de royalties e PE caiu 30% — para R$ 7,2 bilhões. Entretanto, com as grandes descobertas, que estão elevando a produção do pré-sal, o Rio deverá voltar a ser a capital do petróleo.

Os municípios de Saquarema, Maricá e Niterói, confrontantes a alguns dos mais importantes campos com produção no pré-sal, já viram suas receitas com royalties e PE quadruplicarem desde 2014, apesar dos preços baixos do petróleo. A tendência é que o desenvolvimento e a produção de novos campos do pré-sal, tais como o de Libra, gerem investimentos, empregos e aumentem a arrecadação.

Isso sem falar nos campos maduros no pós-sal da Bacia de Campos. Para revitalizar a produção nos maduros e reduzir sua taxa natural de declínio, a Petrobras criou o Programa de Aumento da Eficiência Operacional (Proef), focado na Bacia de Campos. O Proef prevê a substituição de plataformas offshore antigas por unidades flutuantes de produção, armazenamento e transferência (FPSOs, na sigla em inglês) novas, o que aumentará a produção e, consequentemente, os royalties e empregos.

A Petrobras, visando a se reposicionar no mercado, está oferecendo a outras petrolíferas, para venda ou parceria, campos maduros. Recentemente, a estatal brasileira e a norueguesa Statoil celebraram uma parceria estratégica para otimizar a recuperação desses campos em águas profundas na Bacia de Campos.

Uma das prioridades da Agência Nacional de Petróleo (ANP) é atrair investimentos em campos maduros, via incentivos fiscais. Para tanto, pretende publicar uma resolução implantando a redução dos royalties sobre a produção obtida com a revitalização desses campos.

Para a ANP, a fração recuperada na Bacia de Campos pode aumentar de 14% para 24% — estima-se que cada 1% adicional no fator de recuperação na bacia gere R$ 16 bilhões em royalties e R$ 26 bilhões em investimentos.

No longo prazo, as oportunidades de geração de empregos e de aumento de arrecadação são enormes com o retorno dos leilões da ANP. A 14ª Rodada no Regime de Concessão, realizada em setembro, foi um sucesso na arrecadação de bônus e trouxe de volta a Exxon, a maior petroleira mundial, ao mercado brasileiro. Nos leilões do pré-sal, em 27 de outubro, serão oferecidas quatro áreas com jazidas unitizáveis (coladas a campos que ja estão em produção), na 2ª rodada, e quatro áreas localizadas na Bacia de Campos e de Santos, na região do Polígono do Pré-Sal, na 3ª rodada. Segundo a ANP, as próximas nove rodadas e as áreas já contratadas podem render ao Rio mais de US$ 200 bilhões em investimentos e mais de US$ 40 bilhões em royalties e PE.

É bom lembrar que o petróleo é uma energia velha e em desuso. Portanto, temos que criar condições favoráveis para acelerar a sua produção e, com isso, utilizar a renda para modernizar a economia do estado, beneficiando as nossas gerações futuras.

Propostas exóticas - CLOVIS PANZARINI

ESTADÃO - 12/10

Mudanças defendidas pelo relator da reforma tributária têm equívocos conceiturais e federativos


Simplicidade, neutralidade, isonomia e transparência são virtudes desejáveis num sistema tributário. Os contornos do sistema dependem do peso que se dá a cada uma, e a simplicidade tem sido a mais votada. Há quem defenda a instituição de uma gigantesca CPMF (o tal Imposto Único) para amealhar toda a carga tributária, o que conformaria um modelo extremamente simples, mas agressivo a todos os demais princípios. Um deputado gaúcho (Luiz Roberto Ponte) defendia a extinção de todos os tributos, que seriam substituídos por um único imposto monofásico federal incidindo sobre 6 setores: energia, comunicação, combustíveis, autoveículos, bebidas e fumo. Modelo simples e errado.

Agora, a reforma tributária volta à agenda e duas propostas estão sendo consideradas. O Centro de Cidadania Fiscal defende a criação de um Imposto sobre Valor Agregado (IVA) amplo, a substituir todos os tributos que incidem sobre o consumo (PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS), e os três níveis de governo imporiam sua alíquota na tal base ampla, regrada por uma só legislação nacional. Não tão simples, esse modelo seria neutro, transparente e isonômico.

A outra proposta, do deputado Luiz Carlos Hauly, do Paraná, sugere extinguir todos os atuais tributos sobre o consumo e instituir dois sistemas tributários independentes, um para a União e outro para os Estados, cada um gravando um pedaço do PIB. O “PIB federal” seria composto pelos mesmos 6 setores do modelo Ponte e se submeteria a um imposto monofásico, simples e cumulativo. O resto do PIB, inclusive os serviços hoje sujeitos ao ISS municipal, ficaria à disposição dos Estados e seria gravado por um IVA. Os municípios ficariam só com os impostos sobre patrimônio.

Essa proposta tem equívocos conceituais e federativos. Dois impostos que não se comunicam, incidindo sobre setores estreitamente relacionados, produzem um oceano de cumulatividade. Se fosse possível construir um muro virtual entre o “PIB federal” e o estadual, a cumulatividade ficaria represada no lado federal. Menos mal. Como tal muro não pode ser erguido, haveria derramamento mútuo de cumulatividades. O setor siderúrgico, por exemplo, compraria combustíveis e energia contaminados pelo monofásico federal e venderia chapas de aço contaminadas pelo IVA estadual ao setor automotivo. Este, por sua vez, forneceria veículos carregados de cumulatividade ao setor de transportes, sujeito ao IVA estadual.

Os números da matriz insumo-produto do IBGE de 2010, projetados para 2016, revelam que as transações intermediárias dos 6 setores somaram R$ 994 bilhões. Tributadas à alíquota de 18%, necessária à reposição dos impostos federais extintos, produziriam carga cumulativa da ordem de R$ 180 bilhões, cerca de 8 vezes a atual cumulatividade do ISS sobre serviços intermediários! O IVA estadual também transferiria cumulatividade ao “PIB federal” em valor semelhante.

Outro problema é o potencial de arrecadação dos Estados, que perderiam para a União sua base tributária mais nobre, de R$ 735 bilhões, que responde por quase metade da arrecadação do ICMS, e ganhariam dos municípios a base hoje sujeita ao ISS, de R$ 2.986 bilhões, aparentemente um bom negócio. Só aparentemente. Metade dessa base (R$ 1.489 bilhões) corresponde aos serviços intermediários, que não renderiam um centavo de arrecadação do IVA, não cumulativo. Na outra metade (serviços finais), o setor de construção civil e de obras de infraestrutura respondem por R$ 761 bilhões e não gerariam incremento de arrecadação estadual pois se constituem em investimento. E, ainda, ao pôr esses setores sob o guarda-chuva do IVA, os Estados perderiam a atual arrecadação de ICMS sobre seus insumos (materiais de construção, por exemplo). Os demais serviços finais (R$ 693 bilhões), que deveriam compensar a perda de bases para a União, correspondem, basicamente, a setores altamente vulneráveis, como educação, cultura, saúde e transporte urbano. Os Estados perderiam contribuintes como Petrobrás, Ambev e Vivo e ganhariam, compensatoriamente, escolas, hospitais e teatros. Infelizmente, a conta não fecha.

*ECONOMISTA, SÓCIO-DIRETOR DA CP CONSULTORES ASSOCIADOS, FOI COORDENADOR DA ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA PAULISTA

A conta da saúde - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 12/10

Muito se fala, e com propriedade, do imperativo de promover a reforma da Previdência Social, mas nem sempre se lembra que as mudanças demográficas que exigem alterações no sistema de aposentadorias e pensões também cobram ajustes em outros setores.

Um deles é o dos planos de saúde privados, como apontou o oftalmologista Claudio Lottenberg em entrevista a esta Folha.

Ele, que esteve à frente do hospital Albert Einstein e hoje preside a operação brasileira do grupo UnitedHealth, que controla a Amil, foi sucinto: "Vivíamos 40 anos e agora passamos para 80. Alguém precisa pagar essa conta".

Com efeito, planos de saúde operam sob lógica análoga à dos seguros, que procuram diluir os custos das indenizações entre os clientes que contratam a apólice.

Quando se lida com fenômenos mais aleatórios, como num seguro contra incêndios, o mecanismo funciona de forma satisfatória. Quando se trata de saúde, entretanto, os riscos têm distribuição previsível: quanto mais avançada a idade, mais o contratante tenderá a utilizar o serviço –e em tratamentos, provavelmente, mais caros.

A agravar o problema, não apenas a população idosa aumenta em ritmo acelerado como também, devido à acentuada queda de fecundidade que o país experimentou, há cada vez menos jovens para dividir os custos dos contratos.

Hoje, o mercado de saúde privada opera com a proporção de dois jovens (até 18 anos) para cada idoso. De acordo com as estimativas do setor, essa razão deverá ser de um para um em dez anos.

Existe, ademais, um limite para o subsídio cruzado entre as faixas etárias. Se as mensalidades se tornarem elevadas em excesso, os consumidores de menor idade podem preferir contar com o SUS —dado que o risco de ficarem doentes é menor— a arcar com a certeza do rombo em seu orçamento.

Quanto seria razoável que os idosos pagassem a mais que os jovens? O debate tem graves implicações sociais, mas precisa ser travado com maturidade.

Outros temas relativos à saúde privada, aliás, demandam atenção. Como também mencionou Lottenberg, serão necessárias mudanças na forma de remuneração dos hospitais. O sistema em vigor, no qual se recebe por procedimentos realizados e dias de internação, não convida à otimização dos serviços.

Pelo contrário: o hospital aufere mais receita justamente com os pacientes que sofrem com maiores complicações —o que representa um desestímulo a evitá-las.

Sem enfrentar problemas como esses, planos de saúde, assim como aposentadorias, podem se tornar um artigo escasso no futuro.


Pasadena é símbolo do desastre petista na Petrobras - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 12/10


Loteamento de diretorias da estatal no governo Lula resultou em legado de fracassos e muita corrupção, com a leniência de Dilma no conselho da companhia

A Operação Lava-Jato tem sido pródiga na revelação de exemplos de como a interferência política na gestão de empresas estatais pode levar a um monumental desastre, em prejuízo do patrimônio público.

O caso da refinaria de Pasadena, no Texas, se destaca nessa galeria de símbolos do naufrágio no período em que o país era governado por Lula e a Petrobras comandada pela então ministra Dilma Rousseff.

Em 2006, a Petrobras pagou US$ 360 milhões por metade da refinaria. O valor chamou a atenção porque já era muito superior ao que a belga Astra Oil havia pago pela refinaria inteira apenas um ano antes: US$ 42,5 milhões.

Dois anos depois, a Petrobras e a Astra Oil entraram em conflito na sociedade texana. A querela terminou com decisão judicial obrigando a estatal brasileira a comprar a parte que pertencia à empresa privada belga.

Na conta final, a Petrobras desembolsou US$ 1,18 bilhão por essa refinaria tecnologicamente obsoleta e com evidentes dificuldades operacionais. Ou seja, comprou uma indústria velha por um preço mais de 27 vezes superior ao pago pela empresa belga 24 meses antes.

Passados onze anos, o Tribunal de Contas da União concluiu a primeira etapa de uma detalhada análise do processo decisório que resultou em tamanha ruína à margem de uma rodovia do Texas. Concluiu que Dilma, designada por Lula à presidência do conselho de administração da Petrobras, comandou um extraordinário fracasso gerencial, por excessiva interferência política na empresa estatal.

Sob Dilma, o conselho não cumpriu “sua obrigação de acompanhar a gestão da Diretoria Executiva, por meio da análise devida das bases do negócio que seria realizado", argumentou o TCU. Acrescentou que não se cuidou nem mesmo da requisição de “esclarecimentos mais detalhados sobre a operação antes de sua autorização, violando assim o 'dever de diligência' para com a companhia, o que causou prejuízo ao patrimônio da Petrobras.”

O tribunal determinou o congelamento do patrimônio pessoal de Dilma, conselheiros e dirigentes da Petrobras até o limite de US$ 580 milhões, baseando-se no valor estimado das perdas causadas nesse péssimo negócio.

Em análise anterior já indicara “excesso de poder” de dirigentes da estatal, nomeados por líderes de partidos com as bênçãos de Lula. Essa interferência política, o loteamento de diretorias da Petrobras, resultou em negócios fracassados e muita corrupção. Dilma, durante o governo e na sucessão de Lula, contribuiu com sua leniência.

Agora é necessário manter e se possível acelerar o ritmo de privatizações das atividades não fundamentais ao futuro da Petrobras. A recuperação da empresa é fundamental ao país e vital ao Rio de Janeiro.

Mais perdas do que ganhos - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 12/10

Cada vez que se concede Refis ou perdão de dívidas, deteriora-se a arrecadação espontânea


Era previsível que, depois de o governo federal lançar seguidos programas de renegociação de dívidas tributárias com grandes vantagens para os devedores, a prática se estenderia aos Estados e aos maiores municípios. Era previsível também que, do lado das vantagens para os contribuintes em atraso, as oferecidas por governos estaduais e prefeituras tenderiam a ser mais generosas do que as concedidas pela União.

Reportagem publicada pelo Estado dá a dimensão desses benefícios. Só neste ano, pelo menos 14 Estados e 16 capitais criaram programas desse tipo e, em metade dos casos, os devedores ganharam o abatimento total das multas ou dos juros, ou de ambos, quando optaram pela quitação à vista do saldo devedor. Medidas como essas podem assegurar aumento imediato da arrecadação, aliviando momentaneamente o caixa da administração pública, mas podem comprometer a receita futura, pois, ao disseminar a percepção de que programas semelhantes serão criados dentro de algum tempo, tendem a estimular o calote.

A criação de programas especiais de renegociação de dívida tributária, conhecidos como Refis, é o artifício fiscal utilizado pelos Tesouros nacional, estaduais e municipais para contornar o impacto negativo, sobre a arrecadação, do desastre econômico que o País herdou do lulopetismo. As vantagens oferecidas atraem contribuintes em atraso, dos quais se exige o pagamento imediato de pelo menos parte do saldo devedor, o que faz crescer a receita.

Para muitas empresas, esses programas representam uma oportunidade de garantir a continuidade de sua operação. Afetadas duramente pela recessão mais aguda da história da República, marcada pela queda do Produto Interno Bruto (PIB) por dois anos consecutivos, essas empresas tiveram de reduzir atividades, cortaram a folha de pessoal, ajustaram drasticamente seus custos, mas nem assim conseguiram honrar seus compromissos tributários. Com a renegociação, podem retomar o pagamento dos tributos e deixar a condição de inadimplentes que lhes dificulta o acesso ao crédito e a celebração de contratos com o setor público.

O que a experiência de programas desse tipo tem mostrado, no entanto, é que a grande maioria dos contribuintes que a eles aderem é formada por contumazes devedores que pagam apenas a primeira parcela, para obter a certificação de que estão em dia com o Fisco e os benefícios daí decorrentes. Deixam, então, de recolher as parcelas seguintes e esperam um novo Refis, para repetir sua manobra.

Embora excessivas, vantagens como a isenção total de juros ou de multas, concedidas por vários governos estaduais e prefeituras, diferem pouco das que os congressistas costumam acrescentar às propostas originais de renegociação de dívidas tributárias enviadas pelo governo federal. No Refis mais recente, aprovado na semana passada pelo Congresso, por exemplo, os parlamentares aumentaram o perdão dos juros para 90% e o das multas para 70% do valor devido.

Procurados pela reportagem, apenas cinco governos estaduais ou prefeituras informaram o valor da renúncia fiscal implícita no desconto ou na isenção de multas e juros. O governo de Mato Grosso calculou a renúncia em R$ 181,1 milhões; a prefeitura de Manaus estimou a sua em R$ 60 milhões. Alguns não consideraram que esse tipo de vantagem implica renúncia fiscal, pois o principal será pago.

A principal alegação econômica dos governantes para a adoção de programas como o Refis é o fato de que ele propicia o retorno de empresas devedoras à legalidade, o que lhes reabre o acesso ao crédito, com o que podem impulsionar a economia. Mas, como observou o subsecretário de Fiscalização da Receita Federal, Iágaro Martins, cada vez que se concede algum tipo de perdão a contribuintes em dívida com o Fisco, diminuiu o número dos que pagam seus compromissos em dia: “Todo Refis e perdão de dívida deteriora a arrecadação espontânea”.