quinta-feira, outubro 05, 2017

O altar da salvação nacional - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 05/10

A gravidade da crise política, institucional e moral que atinge o País pode ser medida pela extravagância das soluções que diferentes setores da sociedade começam a defender para superá-la


A gravidade da crise política, institucional e moral que atinge o País pode ser medida pela extravagância das soluções que diferentes setores da sociedade começam a defender para superá-la. Em comum, essas ideias exalam profundo desprezo pelos políticos, que seriam, na visão de seus proponentes, o cerne da corrupção nacional. Ou seja: retire-se a política dos políticos, entregando-a a instituições supostamente acima de qualquer suspeita, dispensadas de aval eleitoral em razão de sua alegada legitimidade intrínseca, e então, como consequência lógica, restaura-se a moralidade. Tudo isso, note-se, em nome da salvação da democracia e da Constituição, justamente as grandes vítimas dessa cruzada que se pretende saneadora.

Os dois artigos da página A2 de hoje – que chegaram num mesmo dia à Redação – são exemplos desses argumentos, que têm florescido graças ao ambiente insalubre do brejal em que se transformou a atividade política. É por essa razão que decidimos publicá-los: para que sirvam como ilustração do pensamento que, ao que tudo indica, tem o potencial de vicejar dentro das instituições às quais se referem – o Judiciário e as Forças Armadas – e também entre os cidadãos desencantados com os políticos.

O artigo intitulado O Judiciário e o discurso do golpe, por exemplo, considera natural a judicialização da política, isto é, a ação de magistrados em seara que deveria estar reservada apenas aos representantes eleitos pelo voto direto. De acordo com esse raciocínio, a representação política no Brasil perdeu seu sentido em razão da corrupção e do descolamento em relação aos anseios da sociedade. Logo, não restou ao Judiciário outra coisa a fazer senão assumir o papel do Parlamento – e isso, na concepção exposta no artigo, não seria usurpação de poder alheio, e sim cumprimento do dever. A legitimidade da judicialização da política estaria assentada na presunção de que, ante o vácuo deixado pela desmoralização do mundo político, se tornou incumbência irrenunciável dos magistrados assumir o papel de intérpretes dos interesses da sociedade.

Do mesmo modo, o artigo Intervenção, legalidade, legitimidade e estabilidade pretende demonstrar que a atual crise não pode ser resolvida pelos próprios políticos, pois a maioria estaria comprometida somente em salvar-se, razão pela qual as Forças Armadas teriam total legitimidade para intervir, mesmo sem amparo legal. Segundo essa concepção, nem o Legislativo nem o Executivo teriam mais condições de continuar seu trabalho, carcomidos que estão pela corrupção e a perda de credibilidade, restando aos militares assumir esse papel, a exemplo do que aconteceu em 1964. As Forças Armadas, segundo se depreende do texto, não agiriam dessa forma por gosto, e sim pelo dever de defender a Pátria e restaurar a lei e a ordem.

O pensamento expresso por esses dois artigos, que nem de longe é ocasional ou isolado, é fruto da desorientação causada pela sensação de que nenhum político presta, criada especialmente pelo messianismo de alguns dos próceres da luta contra a corrupção no Judiciário e no Ministério Público. É também sequela do empobrecimento da atividade política, sobretudo graças ao presidencialismo de cooptação implantado pelos governos lulopetistas.

Sem lideranças políticas claras e diante de tantos escândalos, parece a muitos cidadãos que só lhes resta depositar sua confiança em quem, justamente por não depender de voto, se propõe a assumir a tarefa de mediar os interesses da sociedade de maneira isenta, justa e moralmente incontestável. Trata-se necessariamente de solução autoritária, uma vez que não há como recorrer de decisões nem dos altos magistrados nem, muito menos, dos chefes militares.

Deve-se, portanto, tomar cuidado com o que se deseja: malgrado o País esteja farto dos políticos, razão pela qual se tornam sedutoras as propostas de superação da crise que deles prescindam, é somente por meio da atividade política – exercida por representantes eleitos pelo voto direto – que a democracia verdadeiramente se manifesta e, assim, as crises são superadas, sem que nenhuma liberdade seja sacrificada no altar da salvação nacional.

Massacre nos EUA deve nos lembrar que matar é fácil e demasiado humano - CONTARDO CALLIGARIS

FOLHA DE SP - 05/10

Na noite entre domingo e segunda (2), em Las Vegas, Nevada (EUA), um atirador, instalado num quarto do 32º andar do Mandalay Bay, atirou longamente, com armas automáticas, na multidão que assistia a um festival de música country, num espaço aberto próximo ao hotel.

Pelas contas até terça-feira, ele matou 58 pessoas e feriu mais de 500. Que eu saiba, foi o maior massacre produzido por um atirador isolado na história dos EUA.

Aparentemente, o homem se suicidou quando a polícia de Las Vegas fez irrupção no quarto, no qual ele estava instalado havia dias, com suas armas (23, das quais 17 eram rifles) e munições (milhares).

A premeditação era evidente, por causa das armas e da espécie de martelo que lhe permitiu quebrar as janelas antes de atirar.

Nas reportagens, a primeira hipótese foi a do terrorismo –externo (islâmico, então) ou interno (supremacistas brancos ou inimigos do governo federal, no estilo Timothy McVeigh na bomba de Oklahoma, em 1995).

Mas nada indicava que o atirador Stephen Paddock, 64, contador, tivesse se convertido ao islã ou militasse nas fileiras da extrema direita.

Aparentemente, o Estado Islâmico se atribuiu a responsabilidade pelo atentado por oportunismo.

Sem ideologia que explicasse o massacre, as reportagens vasculharam a família e a vida privada do atirador. Assistimos à consternação do irmão, que mal conseguia imaginar o que teria levado Stephen a se transformar num assassino em massa. Tivemos acesso ao Facebook de Marilou Danley, uma mulher de origem filipina que, aparentemente, morava com Paddock: eram só fotos de felicidades –de férias e margarinas.

Enfim, descobrimos que o pai dos irmãos, Benjamin Paddock, foi um fugitivo procurado pelo FBI de 1969 (quando fugiu de prisão) a 1977. Ele era um assaltante de bancos, definido como psicopata, suicida, armado e perigoso. O pai não parecia ter tido relações diretas com os filhos, e a descoberta só levantou a suspeita, que paira no ar, de uma herança genética maldita.

Depois da família, foi a vez da situação econômica. Paddock não era um ressentido do sonho americano: era proprietário de duas casas, dois aviões (que ele pilotava), dois carros e quase 40 armas. Gostava de jogos de azar, mas ninguém descobriu uma última aposta que teria ruinado as finanças e a vida dele.

Até agora, tampouco apareceu algum diagnóstico médico terminal que pudesse empurrar Stephen ao desespero e à tentativa de se suicidar levando consigo todos os que ele pudesse.

A incapacidade de descobrir a motivação do massacre é boa: ela deveria nos lembrar que matar é fácil e demasiado humano. O mistério não é que alguém se torne assassino em massa. O mistério é que a grandíssima maioria não mate ninguém.

Mas vamos ao que nos sobrou para "explicar" o acontecido. Certo, há o eterno problema do direito de possuir armas, que é garantido pela Constituição dos EUA. Mesmo que Stephen fosse o tipo de pessoa (sem antecedentes) que um controle autorizaria a comprar qualquer arma, é bizarro que alguém possa ter mais de 40 delas e milhares de munições.

Mas não temos condição de criticar: no Brasil, o Estatuto do Desarmamento produziu uma situação em que as armas automáticas pesadas são de propriedade exclusiva do Exército e do crime organizado (a polícia só as consegue quando as toma dos bandidos).

Enfim, podemos acusar a cultura. A figura do atirador só que massacra dezenas, até ser morto, é tipicamente americana (talvez seja o custo do ideal do homem sozinho no Oeste, com seu rifle, contra todos).

Da mesma forma, a figura do assaltante que mata sem que isso seja necessário para roubar é tipicamente brasileira, e poderia ser explicada por nossa história nacional.

Ou ainda, nos últimos tempos, a figura do terrorista islâmico que atropela ou esfaqueia é tipicamente francesa e inglesa (duas mulheres foram mortas assim em Marselha, no domingo; a imprensa mundial mal notou).

Mas o essencial é que, por razões culturais diferentes, um mesmo mal parece se espalhar, hoje, mundo afora: a degradação progressiva do espaço público. Ele está se transformando num terreno perigoso, em que entramos só por necessidade, quando não dá para evitar, correndo, curvos, entre os escombros e nos descampados, de casa em casa, como numa rua de Sarajevo em 1993.

140 > 280: toques em dobro podem matar o que o Twitter tem de melhor - SÉRGIO RODRIGUES

FOLHA DE SP - 05/10

"Escrever é cortar palavras." A frase costuma ser atribuída a Carlos Drummond de Andrade, mas a autoria me parece duvidosa. O maior poeta brasileiro dificilmente teria deixado de notar que "palavras", nesse caso, é gordura. "Escrever é cortar."

O velho debate sobre a concisão me vem à cabeça a propósito da espantosa novidade anunciada semana passada pelo Twitter: a ampliação de seu já lendário limite de 140 toques para 280.

Em fase experimental, ainda restrita a um punhado de tuiteiros, a mudança deve ser compreendida no quadro do nervosismo que tomou conta da empresa nos últimos tempos, depois que suas ações despencaram para um quarto do valor de 2013 e seu crescimento estagnou pouco acima de 300 milhões de usuários ativos.

Quem atira para todos os lados acerta o pé às vezes. Não sei o que pensa essa multidão aí, mas a novidade foi recebida com revolta pela maior parte da minha turma naquela que aprendi a prezar como a mais inteligente (ou a menos tolinha) das redes sociais.

Ninguém precisa de tanto espaço para escrever "ideia de jerico", pensei. Reconheço que, em termos quantitativos, a repulsa que a novidade me provocou é absurda: 280 toques estão longe de caracterizar aquele latifúndio improdutivo chamado textão.

No entanto, tudo indica que foi o aperto inicialmente desconfortável –e arbitrário– que transformou o Twitter na rede social menos amiga da futilidade e da dispersão, e portanto mais propícia à circulação de informação "séria".

Sim, há papo furado por lá, alimentado pelo prazer viciante da piadinha rápida. Mas não sejamos sérios demais: a forma breve é um antídoto tão eficaz contra a autocomplacência que muitas vezes transforma tiradas narcisistas em epigramas inesquecíveis. Oscar Wilde seria um grande tuiteiro.

Elogiar o Twitter não implica fazer vista grossa para o esgoto moral a céu aberto característico da tragicomédia humana que as redes sociais iluminaram. A empresa se expõe a críticas justas pelo modo como lida com trolls e criminosos em geral. Mas sobre isso o limite de toques tem pouco a dizer.

Aquilo em que o limite é eloquente é o que me faz torcer para que a experiência da duplicação seja abandonada o mais depressa possível: o valor da disciplina textual monástica numa era em que o culto demagógico do "expresse seu eu" criou uma pornografia opinativa tão prolixa quanto entediante.

Somos notoriamente ruins, como espécie, na previsão do futuro. Eu me lembro que a crítica mais sofrida pelo Twitter nove anos atrás era a de que seria o tiro de misericórdia na cultura letrada, pois nada além da mais dolorosa superficialidade poderia ser expresso em 140 toques.

Era o que eu achava também. Demorei um pouco a me dar conta de que a camisa de força resgatava valores cultos que se opõem heroicamente à hiperinflação simbólica da internet: reescritura, busca de foco, atenção maníaca ao que as palavras podem ter de flácido, supérfluo, vazio.

"Nasceu, cresceu, amou um pouco, envelheceu, e logo antes de morrer se deu conta, desolado, que sua vida cabia num tuíte." Escrevi isso certa vez para um concurso internacional de twitteratura. Não ganhei nada, mas fiquei satisfeito com meus 120 toques. Nem um a mais.

Coronelato sem nanicos - MARIA CRISTINA FERNANDES

Valor Econômico - 05/10

A deliberação de 15 minutos e sem votos contrários da reforma política no Senado encobriu a insurgência, agora inscrita no texto constitucional, contra qualquer tentativa de intervenção na vida partidária. Acossados por resolução do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que os obrigava a substituir comissões provisórias por direções eleitas, os parlamentares aprovaram dispositivo que lhes dá autonomia para escolher a forma e a duração de seus comandos partidários.

As normas da casa da mãe Joana, agora abrigadas na Constituição, beneficiam, principalmente, o partido do presidente da República e as duas legendas que comandam o centrão. Desde que entrou em vigor a resolução do TSE, o PMDB aumentou em 50% o número de comissões provisoriamente escolhidas. Na outra ponta, o estreante Partido Novo não tem uma única instância municipal no país que não seja eleita pelo voto de seus delegados. PP e PR são recordistas absolutos em coronelato partidário, sendo que este último tem 4.296 comissões municipais em todo o país que funcionam na base do eu-mando-você-obedece.

O dispositivo não resume a emenda constitucional promulgada ontem no Senado mas a insurgência explica o resto do texto. A adoção da cláusula de desempenho e o fim das coligações partidárias poderão, de fato, enxugar o número de legendas, mas não será suficiente para torná-las mais democráticas ou limpas. O clube dos cinco maiores partidos do Congresso (PMDB, PT, PSDB, PR e PP) é também aquele dos campeões de inquéritos da Lava-Jato.

A cláusula de desempenho e o fim das coligações eleitorais estão preconizados no mais recente e minucioso apanhado sobre as regras eleitorais e seus impactos na vida política brasileira, "Representantes de Quem" (Zahar, 2017). Seu autor, o cientista político Jairo Nicolau, contém, no entanto, a euforia daqueles que associam a redução do número de legendas ao eldorado da política nacional.

Primeiro porque as legendas nanicas não deixarão de ter acesso à Câmara. Aquelas que não atingirem o 1,5% dos votos válidos, mas ultrapassarem o quociente eleitoral, poderão tomar assento, mas não terão acesso a recursos como horário eleitoral gratuito e fundo partidário. Partidos que não têm sua atuação estruturada por esses recursos, como Psol e Novo, não devem ser muito atingidos, ainda que esbarrem na cláusula. Mas parlamentares de outras legendas nanicas podem, no início da legislatura, se sentir estimulados a se filiar a um partido maior, ainda que não levem consigo a cota de TV e dinheiro embutida em seu mandato.

O enxugamento tende a acontecer no médio prazo, mas que ninguém estranhe se a redução não passar de um terço das atuais 28 legendas. Isso depois de começar a valer o fim das coligações, o que, para a Câmara dos Deputados apenas se dará nas eleições de 2022. Ainda que adiada, por pressão de lobby liderado pelo PCdoB, sua adoção parece difícil de ser revertida, uma vez que passou a ser protegida pela blindagem dos três quintos dos votos. Falta saber ainda o que será feito das cadeiras que sobram da repartição e hoje são distribuídos dentro das coligações.

O que Nicolau dá por inalterada depois da reforma é a trava à formação de partidos grandes. A era das bancadas de 30 a 60 cadeiras, chegou para ficar. Seja qual for o presidente a ser eleito em 2018, a maioria parlamentar ainda dependerá da reunião de seis a oito legendas. Também permanece intocada a regra que, na opinião do autor, mais afetará a eleição presidencial de 2018, a proibição de financiamento empresarial, a ser acrescida, em votação a ser concluída hoje, do limite para candidatos ricos se valerem do seu dinheiro e dos seus aviões para fazer campanha.

A conclusão da reforma política não dá por acabado o quadro normativo da próxima disputa eleitoral. Ainda está pendente de decisão, no Supremo Tribunal Federal, o agravo contra uma decisão do Tribunal Superior Eleitoral que impediu candidaturas avulsas. O agravo conta com parecer favorável da procuradora-geral da República, Raquel Dodge, que se valeu do pacto de São José da Costa Rica e da Constituição. O primeiro, por não incluir a filiação partidária entre os motivos de restrição à participação eleitoral e, a segunda, por determinar que apenas o voto direto, secreto, universal e periódico é imutável.

Para o embate, cujo relator é o ministro Luís Roberto Barroso, o tribunal presidido pelo ministro Gilmar Mendes se valeu de uma apavorante nota técnica a informar que a mudança é incompatível com o software que comanda as urnas eletrônicas, bagunça a distribuição do fundo de campanha e do tempo de televisão e desnorteia a segurança da engenharia eleitoral.

A França que elegeu Emmanuel Macron enfrentou este apocalipse simplesmente negando aos avulsos qualquer recurso de campanha. O presidente e os parlamentares eleitos pela associação "Em Marcha" apenas a transformaram em partido depois de iniciada a legislatura da assembleia nacional.

A candidatura avulsa foi proibida no Brasil com o fim do Estado Novo. A proliferação de movimentos que, no Brasil, pretendem arregimentar empresários e profissionais liberais para a vida política remete-se à experiência francesa, mas há iniciativas pregressas, como a do Rede, de Marina Silva, que pretende oferecer 30% de suas vagas para candidatos que não queiram compromissos com a legenda. São movidos pelo discurso de que não se submeterão aos ditames de cúpulas partidárias que, como se viu na votação de ontem, são insubmissas a qualquer controle externo.

Os avulsos têm, pelo menos, duas candidaturas assumidas. A primeira é a do ex-presidente do Conselho de Administração da Eletrobras e crítico do modelo de privatização proposto pelo governo Michel Temer, José Luiz Alquéres.

A segunda é de Modesto Carvalhosa. Aos 85 anos, o advogado, como relatou Camila Maia, do Valor, arregimenta 200 investidores em um processo que pode custar R$ 20 bilhões à Petrobras. Não é exatamente um partido, mas já têm uma causa que é tudo, menos nanica.

Geddel, Saud e Funaro promovem barraco na Papuda - COLUNA ESTADÃO

O Estado de S.Paulo - 05/10

Andreza Matais e Marcelo de Moraes

A prisão do ex-ministro Geddel Vieira Lima, do operador Lúcio Funaro e de Ricardo Saud, executivo da JBS, tem provocado uma sessão de gritaria no presídio da Papuda, em Brasília, onde estão recolhidos. Segundo relatos, Funaro aguarda o fim do banho de sol e antes de voltar para a cela manda aos gritos recado para Saud, preso do outro lado: “Saud, vou te matar”, aterroriza o delator que o entregou. Do seu lado “do muro”, Geddel faz coro: “Saud, também vou te matar”. Saud devolve as provocações, mas só para Geddel. “Cala boca, seu gordo!”

No seu quadrado.
Os três estão separados e não se encontram no banho de sol, justamente para evitar que cumpram a promessa. Há, inclusive, revezamento entre os advogados para que eles não se esbarrem nem no parlatório.

Com a palavra.
Advogado de Saud, Antônio Carlos Almeida Castro, o Kakay, disse que não vai comentar o caso. Os outros dois advogados não foram encontrados.

Desmoralizada. 
Das oito pessoas que convidou para prestar depoimento, a CPI do BNDES já recebeu seis recusas. Até representantes do banco informaram que não vão comparecer.

Holofotes. 
A CPMI da JBS tem tido mais sucesso. Mas ainda não conseguiu ouvir o subprocurador Angelo Vilela, acusado de vender informações da PGR para os donos da JBS. Ele alega problemas de saúde de um familiar.

Vai ter troco. 
O líder do PSDB na Câmara, Ricardo Tripoli (SP), identificou novamente as digitais do Planalto na insistência pela manutenção do deputado Bonifácio de Andrada (PSDB-MG) na relatoria da denúncia contra Temer. Ninguém duvida que pedirá o arquivamento da denúncia.

Conexões. 
Na faculdade, a presidente do Supremo, ministra Cármen Lúcia, foi aluna do deputado Bonifácio de Andrada, relator da segunda denúncia contra Temer, por dois meses, de Direito Constitucional.

Calendário. 
Termina na sexta-feira, 6, o prazo para mudança de domicílio eleitoral dos candidatos à eleição de 2018. A ex-presidente Dilma Rousseff manterá o seu no Rio Grande do Sul. Ela ensaiou alterar para Minas Gerais ou Rio de Janeiro.

Às armas. 
A Comissão de Agricultura da Câmara aprovou ontem projeto que amplia o porte de arma no campo. Hoje, o porte no campo é individualizado.

O que muda. 
O projeto, do deputado Afonso Hamm (PP-RS), permite que as armas sejam registradas em nome das propriedades e que seus trabalhadores, com porte regularizado, as usem para defesa, apenas dentro dessas áreas.

Juntos. 
A Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) apoiou o projeto, avaliando que deve ser preservado “o direito dos proprietários e trabalhadores rurais de proteger sua vida e a de seus familiares”.

Vai trair. 
Apesar de ter fechado questão a favor da denúncia contra o presidente Michel Temer, o PSB pode repetir o quadro da primeira votação. Alguns parlamentares já cogitam ignorar a orientação.

‘Senhora, senhora?’ 
A adoção de um sistema eletrônico que registra a frequência de trabalho dos servidores do STF virou alvo de uma briga interna e resistência dentro do tribunal.

Quórum. Já aderiram ao sistema eletrônico os gabinetes de cinco dos 11 ministros. A adesão é facultativa.

CLICK. 
Os governadores Geraldo Alckmin e Marconi Perillo compareceram à cerimônia de filiação do senador Roberto Rocha ao PSDB. FHC enviou mensagem.

PRONTO, FALEI!

“Talvez seja o momento certo para o Brasil eleger um candidato avulso como presidente”, DO EX-DEPUTADO PAULO DELGADO sobre sua possível entrada na corrida presidencial de 2018 sem pertencer a um partido.

A fé move montanhas de dinheiro - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 05/10

Dois de cada três benefícios de assistência a pescadores eram obtidos por meio de fraude em 2013 e 2014, descobriu o governo. É fraude no "bolsa pescador", dinheirinho para ajudar essas pessoas a viver nas temporadas em que a pesca é proibida. Sempre foi uma bagunça. Se o benefício continuou a ser fraudado no mesmo ritmo, o desvio chegaria hoje a R$ 1,5 bilhão.

Mas o que é uma fraude bilionária perto de um Refis andando nu pelo Congresso e sendo apalpado por deputados da Frente Parlamentar Evangélica? As emendas à medida provisória do Refis depenaram o projeto do governo.

Refis é o nome "pop" de mais um desses programas de parcelamento e perdão de impostos e outras dívidas federais atrasadas.

Em menos de seis meses, parlamentares já passaram a mão em uns R$ 9,5 bilhões de receitas do Refis, que serão distribuídas entre empresas, talvez igrejas e entre os próprios parlamentares devedores do fisco.

O que são R$ 9,5 bilhões? Compare-se este saque ao gasto no Bolsa Família, essa popular unidade de conta e comparações, um lugar comum desde Lula. O perdão parlamentar para atrasos ou calotes nos impostos equivale a quase um terço do gasto anual do Bolsa Família.

Ou seja, com esse dinheiro seria possível aumentar as despesas do Bolsa Família em mais de 30%. Cerca de 13,5 milhões de famílias, as mais pobres desta pobreza brasileira, poderiam comer mais, dando de resto um troco para a claudicante indústria de alimentos.

Em meados deste 2017, o governo imaginava arrecadar R$ 13,3 bilhões com o Refis neste ano. Isto é, pegaria uns dinheiros a fim de tapar os buracos nas contas deste ano, mas abrindo mão de um monte de receita em anos seguintes e incentivando o calote de impostos. Já era ruim.

No entanto, o Congresso buliu no Refis, que está quase tão pelado quanto aquele performer do Museu de Arte Moderna de São Paulo, a quem parlamentares, nesta semana mesmo, prometiam surrar com pau e rabo de tatu (sic).

Agora, o governo vai catar apenas uns trocados, R$ 3,8 bilhões, segundo o Tesouro, que talvez estejam exageradas, dados os jabutis extras que os deputados enfiaram nesta semana na medida provisória.

O que é esta gracinha, promovida pelo deputado Newton Cardoso Júnior (PMDB-MG)? Quase a mesma de julho, quando ele e colaboracionistas enfiaram na medida provisória favores para igrejas, clubes de futebol, faculdades, produtores de etanol, exportadores de cigarro, portos secos etc. O perdão das dívidas das igrejas fora pedido da Frente Parlamentar Evangélica, segundo o próprio Newtãozinho, relator da medida provisória, mas caiu, com os demais penduricalhos. Essa indecência voltou nesta semana.

O Senado pode derrubar uma parte da farra. Michel Temer pode vetar partes da MP do Refis, embora esteja com a cabeça a prêmio, promovendo romarias de parlamentares a fim de pedir votos de estima pela sua cabeça. Nesta quarta-feira, Henrique Meirelles, ministro da Fazenda, insinuou que o governo deve vetar as mudanças, caso o monstrengo seja aprovado no Senado, ou pode trabalhar para que a medida provisória caduque.

Seja como for, é melhor não deixar que crianças vejam as performances do Congresso.

O Judiciário e o discurso do golpe - LUIZ SERGIO FERNANDES DE SOUZA

ESTADÃO - 05/10

A Justiça é chamada a arbitrar a política pois o Parlamento é incapaz de assumir o seu papel

Assiste-se, na atual cena político-institucional brasileira, a uma situação de impasse. De um lado, a necessidade da renovação política – diante do grave quadro de deterioração da vida partidária no País – e, de outro, a notória incapacidade de superação da crise, à falta de mecanismos que garantam a efetiva participação popular no processo político, sem a qual não haverá mudança substantiva. E as dificuldades no campo das relações econômicas, das ações voltadas para a educação, a saúde, a habitação e a segurança pública – para citar alguns exemplos – também se explicam na base do mesmo diagnóstico: ausência de adesão da sociedade a um modelo político historicamente construído de cima para baixo. (Ver o editorial “O altar da salvação nacional”, na página ao lado.)

Frustradas as expectativas em torno da representação política, passou o Poder Judiciário a assumir, em certa medida, papéis tradicionalmente reservados ao Poder Legislativo. O controle jurisdicional da moralidade administrativa substituiu formas de legitimação finalista, pertencentes à esfera da ética política, por uma disciplina dos meios, estabelecida em regras próprias, autárquicas, diferenciação que mostra um déficit da prestação do jurídico para o político. Vale dizer, conquanto possa o político fundar o jurídico (precisamente como se deu com o alargamento do papel da jurisdição na Constituição de 1988), o jurídico não pode fundar o político (ressalvada a concepção jusnaturalista).

O Judiciário, de fato, vem sendo chamado a arbitrar a política, o que dá mostra da incapacidade do Parlamento de assumir o papel que lhe cabe. Sucede que, ao aceitar o desafio, a Justiça põe-se na mira da retórica política, que passa a desqualificar a atividade jurisdicional sob o argumento da ausência de legitimidade e imparcialidade. A artimanha de certos políticos, diante das acusações criminais que lhes são feitas, pode ser entendida neste contexto. Aproveitando-se de uma certa borradura no limite entre o jurídico e a política, a autodefesa coloca em crise a autoridade do julgador, a quem o réu passa a interpelar como se houvesse um debate.

A estratégia, assim descrita, articula-se de duas formas. Primeiramente, trata-se de levar para o campo jurídico a ação política, cujo discurso exige competências próprias, às quais nem sempre se ajusta o discurso judicial. Com isso, interpreta-se como arbítrio aquilo que é discricionariedade do julgador (os casos de desobediência civil ilustram bem a dificuldade do Judiciário em dar respostas a esse tipo de ação instrumental).

Depois, procura-se “editar” a cena judicial a fim de construir, perante a opinião pública, a imagem do homem perseguido, mártir das causas populares.

O agir estratégico, no caso, cumpre duas funções. Do prisma processual, oferece meios para a ressignificação dos fatos, sedimentando o caminho para a absolvição do réu. De outro ângulo, na interface com a opinião pública e a grande mídia, ao promover a desconstrução da autoridade do juiz, colocando em crise a chamada legitimação pelo procedimento, a ação instrumental permite devolver ao Legislativo e ao Executivo o protagonismo da cena política. Mas esta retroalimentação do sistema político, cujo repertório já se revelara, no momento anterior, insuficiente para atender às demandas sociais, longe de resolver o impasse da vida político-institucional brasileira, aprofunda a crise.

Nesse quadro de incertezas, em que também se inscrevem a judicialização da política e a narrativa da politização do Judiciário, até mesmo a atuação jurisdicional que se desenvolva nos moldes clássicos pode ser confrontada pelo discurso deslegitimador, sem que o Judiciário, não familiarizado com os códigos da política, se veja em condições de dar tratamento adequado a esse tipo de argumentação. O discurso do golpe, que cresce à medida que se aproxima o pleito eleitoral de 2018, orienta-se precisamente nessa direção.

Quer-se fazer crer que há uma ditadura do Judiciário no País, pois a magistratura, que não tem mandato popular, ao chamar para si a atividade política, investe contra a separação dos Poderes, violando princípio fundamental da República. A falácia material não resiste ao exame da teoria política e da teoria geral do Estado.

Dividem-se as funções do Estado, nunca o poder mesmo, indivisível por definição. Golpe de Estado haveria se fosse dissolvido o Parlamento ou anulado o Executivo, hipótese na qual o sistema deixaria de reconhecer a si próprio. Intervencionismo judicial na vida política do País existiria se o Judiciário, abandonando a função de dizer o Direito quando provocado, passasse a legislar ou a gerir a coisa pública.

Ao afirmar, a esta altura da grave crise brasileira, que estaria em curso um plano para tornar inviáveis candidaturas nas eleições de 2018, busca-se, mais uma vez, desqualificar a legitimidade racional para lançar um apelo à emoção, o que remete a formas de legitimidade carismática, típicas do populismo. Se as práticas político-partidárias foram cooptadas por infratores da lei, se o sistema político se viu colonizado pela ação dos que pretendem destruir a política, sem condições de desenvolver mecanismos de reconhecimento e diferenciação, cabe ao Estado, uno e indivisível, lançando mão do que resta de racionalidade, cumprir o seu papel. E o Judiciário terá de fazê-lo por meio de códigos próprios, tratando como ilícito (conduta para a qual a norma prevê sanção) o que os réus querem ver reconhecido como mera dissensão político-ideológica.

*Desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, mestre e doutor em direito (USP), é professor dos cursos de graduação e pós-graduação em direito da PUC-SP

O equívoco da reforma tributária - EVERARDO MACIEL

O Estado de S.Paulo - 05/10


Mais uma vez, retoma-se o debate sobre projetos de reforma tributária, com pretensões excessivamente ambiciosas.


Todos os sistemas tributários são imperfeitos, pois resultam de embates que envolvem conflitos de razão e de interesse nos Parlamentos. Não são maquetes ou aplicativos. Ao contrário, são modelos vivos que retratam a complexidade de relações econômicas e sociais numa sociedade.

Essa complexidade, por sua vez, é crescente, pois os sistemas tributários vão, ao longo do tempo, incorporando alterações – umas legítimas, outras não – que deformam a concepção original. A imperfeição e a complexidade, todavia, estimulam ideias voltadas para a refundação dos sistemas tributários, no contexto de uma idealização improvável e pouco útil.

Problemas existem e sempre existirão, o que pretexta uma ação contínua centrada em matérias estratégicas visando a eliminá-los ou mitigá-los. Os problemas do ICMS e do PIS/Cofins são sanáveis com mudanças cirúrgicas.

Há muitas razões contrárias a pretensões megalomaníacas de reforma tributária. Mudanças têm custos e riscos. Estabilidade normativa, no âmbito tributário, é um ativo relevante para a decisão sobre investimentos privados. Em entrevista à Veja (27/9), Eldar Saetre, presidente da Statoil (estatal norueguesa de petróleo), salientava que sua grande preocupação quanto à tributação brasileira era a imprevisibilidade. Acrescentou que, na Noruega, era alta a tributação da atividade petrolífera (78%), mas estável. Em entrevista ao Financial Times, veiculada no Valor (28/4), Warren Buffet, um dos maiores investidores do mundo, dizia: “As pessoas investem quando julgam que podem ganhar dinheiro, e não por causa da taxação tributária”.

Além disso, há riscos para o erário e para o contribuinte. Toda mudança repercute em alíquotas e bases de cálculo, de forma não previsível e de modo diferenciado sobre os contribuintes.

No limite, grandes mudanças podem assumir caráter aventureiro. Enfim, sistemas, como o tributário, só se conhecem bem com massa real.

Em tudo, não se pode esquecer da nossa imorredoura vocação para copiar modelos de outros países construídos em circunstâncias peculiares e diferentes das nossas. É o servilismo cultural, polo oposto e igualmente medíocre da xenofobia no campo das ideias. O mais grave é que buscamos copiar modelos em franca obsolescência, como o Imposto sobre Valor Agregado (IVA).

Enquanto isso, pouca ou nenhuma atenção se dá às nossas mais severas enfermidades tributárias: o burocratismo, a indeterminação conceitual e o processo tributário. A burocracia reina triunfante no sistema tributário. Suas pérolas são o cadastro múltiplo, as exigências de certidão negativa, a restituição de impostos, os óbices à compensação, etc.

É certo que indeterminação conceitual sempre haverá, demandando a intervenção esclarecedora da Justiça. Afinal, não existe um sistema de conceitos fechados. O que é condenável é o exagero.

Ainda não pacificamos conceitos como faturamento, receita bruta, indenização para fins tributários, dissolução irregular de empresas, responsabilidade solidária dos sócios, substituição tributária, planejamento tributário abusivo, etc. É um absurdo. O processo, do lançamento até a execução, é um primor de morosidade e ineficiência.

Na União, os valores em discussão administrativa e judicial somados aos créditos inscritos em dívida ativa correspondem a mais que o dobro da arrecadação anual de tributos. Relatório produzido pelo Conselho Nacional de Justiça mostra que, dos impressionantes 80 milhões de processos pendentes na Justiça, cerca de 30 milhões dizem respeito à execução fiscal.

Ainda que contrarie a burocracia e a indústria da litigância, a urgente reforma consiste em debelar essas enfermidades tributárias. Mas ela não tem o charme do desenho de um novo, imprevisível e desnecessário modelo tributário. Recorro a Einstein: “É insanidade continuar fazendo sempre a mesma coisa e esperar resultados diferentes”.

É do governo Temer? Não presta - CARLOS ALBERTO SARDENBERG

O GLOBO - 05/10
Escândalos de corrupção envolvendo o presidente e seus companheiros são tão fortes que obscurecem todo o resto

O governo de Bill Clinton continua imbatível na história recente dos EUA. Durante seus oito anos foram criados 23 milhões de empregos, superando com folga os 16 milhões da era Ronald Reagan, que já fora de excepcional desempenho econômico. Mas Barack Obama, que visita o Brasil nesta semana, também tem boas lições a oferecer nesse quesito.

Seus números foram bem menores — 11,3 milhões de empregos — mas ele partiu da pior condição possível. Os Estados Unidos passavam pela Grande Depressão. No primeiro ano de Obama, 2009, o PIB caía quase 3%, e a taxa de desemprego era de 10%. O PIB virou já em 2010 (expansão de 2,5%) para emplacar sete anos seguidos de crescimento. Com isso, a taxa de desemprego desabou para o nível mínimo de 4,5%. De quebra, Obama reduziu o déficit público de 10% do PIB para menos de 3%. Aumentou o gasto público no combate à recessão e voltou a controlar quando a economia privada começou a andar com suas próprias pernas.

Donald Trump é bem capaz de estragar muitas coisas — voltar a estourar o déficit, por exemplo — mas, por ora, a economia americana segue crescendo em bases sólidas e puxando um momento de expansão mundial.

Ou seja, o Brasil deu sorte de novo. Os países ricos crescem sem inflação, de modo que seus bancos centrais não precisam elevar muito a taxa de juros. A China segue garantindo seus 6,5% anuais de elevação do PIB e outros emergentes, como a Índia, vão bem. Não é por acaso que as exportações brasileiras mostram desempenho recorde. Há demanda e preço no mundo.

Isso explica parte da atual recuperação da economia brasileira. A outra parte, mais importante, depende das condições internas, entre as quais, o desempenho do governo. Nos EUA, a presença do Estado na economia e os controles governamentais são bem menores que no Brasil. Ainda assim, a liderança do presidente faz uma enorme diferença, como se viu na política anticrise de Obama. Sua reeleição, que muitos consideravam impossível, foi o prêmio por esse desempenho.

Tudo isso para dizer que as relações governo/economia se dão nos dois sentidos, para o bem e para o mal. O governo Temer, por exemplo, virou completamente a política econômica, e isso na direção correta.

Conseguiu vitórias importantes no Congresso — como a aprovação do teto de gastos, da reforma trabalhista e da nova taxa de juros de longo prazo — que terão impactos positivos nas contas públicas e na economia real. Cortou gasto público onde podia cortar, melhorou a gestão de estatais (Petrobras, por exemplo) e iniciou um programa de privatizações.

Isso ajudou na saída da recessão e início do processo de recuperação. Melhoraram os índices de confiança e as expectativas, tudo isso indicando a credibilidade da equipe econômica liderada pelo ministro Henrique Meirelles e pelo presidente do BC, Ilan Goldfajn.

Assim como a política econômica da era Dilma levou a desastre, seu desmonte permitiu a recuperação.

Por que, então, a desaprovação ao governo Temer é quase unânime?

Uma resposta: os escândalos de corrupção envolvendo o presidente Temer e seus companheiros são tão fortes que obscurecem todo o resto. Pior. A mancha da corrupção faz com que as pessoas desprezem a mudança econômica pessoal.

Por exemplo: é real a queda da inflação, dos juros e a consequente melhora no poder aquisitivo das famílias. Mas, perguntadas, em pesquisas, as pessoas, em maioria expressiva, dizem desaprovar as políticas de juros e inflação do governo Temer.

É verdade que a recuperação apenas se inicia e o desemprego, embora em queda, permanece muito elevado. São fatores de desconforto econômico.

De todo modo, as pesquisas que medem índices de confiança mostram claramente que os consumidores estão mais confiantes em relação à sua situação econômica atual, mais animados em relação aos próximos meses e revelam maior disposição de compras. Vendas de carros, por exemplo, estão em alta.

Resumindo: as pessoas percebem que melhorou, mas não atribuem isso ao governo Temer, porque é o governo da corrupção.

Isso vira o jogo. Se o governo Temer, via equipe econômica, sustentou a recuperação, a onda de corrupção retira credibilidade e, pois, capacidade de ação desse mesmo governo.

Pior. É até capaz que a mancha de políticos corruptos contamine a agenda de reformas, algo do tipo “se vem do governo Temer, não presta”.

Isso será um assunto certo na campanha do ano que vem.

Carlos Alberto Sardenberg é jornalista

Custo-benefício - ZEINA LATIF

O Estado de S.Paulo - 05/10

O conceito “relação custo-benefício” é ensinado aos alunos de Economia nos primeiros semestres da faculdade. Como os recursos são escassos, os governantes precisam levar em conta os impactos de cada opção de política pública nas suas escolhas. Não fazê-lo implica má alocação de recursos e menor bem-estar social.

Não há no Brasil uma tradição de fazer avaliação de custo-benefício das políticas públicas. Os próprios economistas costumam ignorar essa lição quando propõem aumentar os gastos do governo sem critérios, ignorando as restrições orçamentárias e as consequências para a economia. Na maioria das vezes, gastamos os recursos públicos às cegas, sem estabelecer metas e prazos. Somos perdulários.

O problema é que não há mais como deixar a fatura para as próximas gerações. A “regra de ouro”, prevista na Constituição, proíbe a emissão de dívida pública para pagar gastos correntes (como aposentadorias, salários e remédios), sendo que o Tesouro Nacional já está esbarrando nessa restrição. Aumentar impostos, além de difícil politicamente, não resolveria o problema, inclusive porque a “regra do teto” (limita o crescimento dos gastos à inflação do ano anterior) ficará cada vez mais restritiva já nos próximos anos. É necessário cortar gastos urgentemente, com a devida atenção para a relação custo-benefício de cada política pública.

Essa avaliação das políticas governamentais é mais complexa do que a racionalidade do setor privado, pois envolve não apenas seu custo monetário e o benefício no bem-estar social, mas também suas implicações políticas. O cálculo é também político.

Investimento em saneamento, por exemplo, produz uma tremenda melhora na vida e na saúde das pessoas. Trata-se, porém, de um investimento pouco considerado pelos governantes, pela sua pouca visibilidade; diferente de construir uma ponte ou um hospital. Enquanto isso, benefícios fiscais e crédito subsidiado rendem apoio político de grupos de interesse beneficiados, apesar de pouco transparentes para o restante da sociedade.

O mesmo vale para reformas estruturais. A reforma da Previdência ainda que seja crucial para o País, enfrenta grande resistência, pela proximidade da campanha eleitoral de 2018. Para o Congresso, o desgaste de fazer agora é muito elevado, até porque o governo se mostra pouco empenhado, indicando haver outras prioridades para a agenda legislativa. Por que o Congresso arcaria sozinho com o custo?

Ocorre que, passada a eleição, o cenário sem reformas fiscais é tão devastador, inclusive do ponto de vista político, que não faz sentido adiá-las. A devastação não seria para daqui dez anos. Seria para já.

Solicitar ao Congresso a flexibilização das regras de ouro e do teto, que são constitucionais, em vez de promover reformas estruturantes, pode parecer uma saída fácil, mas não é. Não mesmo. A consequência de uma perspectiva de retorno à trajetória do governo Dilma poderá ser tão virulenta, com impacto na taxa de câmbio e nos juros, que faria qualquer gestor mudar de ideia rapidamente. O quadro fiscal é suficientemente grave para justificar tremenda reação.

Entre flexibilizar as amarras constitucionais dos gastos e avançar com as reformas, o custo-benefício estará cada vez mais favorável para o segundo.

Difícil repetir tantos erros como nos últimos anos. O desastre veio de uma não política que contava com apoio de importantes segmentos do setor produtivo e com o descuido de órgãos de controle.

Aprendemos com a crise. Políticos são pragmáticos e nossas instituições de controle têm funcionado melhor. O papel das lideranças do setor privado, no entanto, será crucial para empurrar a classe política na direção das reformas. Ajudará a reduzir o custo-benefício das reformas.

A pressão da sociedade ajuda a moldar a agenda econômica, sendo maior a responsabilidade da elite. Não convém esperar dos governantes mais do que eles podem entregar.

COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO

BOLSA FAMÍLIA JÁ CUSTOU R$16,8 BILHÕES SÓ ESTE ANO

Apavora o governo o aumento dos gastos com Bolsa Família, por isso lançou o programa “Progredir”, porta de saída para os beneficiados. Já são mais de 13,4 milhões de famílias que têm no Bolsa Família, na maioria dos casos, a única renda mensal. O programa custou ao País só este ano, até setembro, R$16,83 bilhões. O governo avalia que a médio prazo os investimentos no “Progredir” vão reduzir esses gastos.

DEPENDÊNCIA TOTAL
Levantamentos oficiais indicam que nos estados mais pobres do Nordeste a dependência do Bolsa Família supera 60% das famílias.

COMPRA DE VOTOS
O Bolsa Família “é o maior programa de compra de votos do mundo”, com já definiu do deputado Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE).

DEVAGAR COM O ANDOR
O Planalto não quer apressar o “Progredir”. É que o pequeno comércio, que emprega milhões, também depende dos recursos do Bolsa Família

ZONA DE CONFORTO
O Progredir oferecerá requalificação profissional com garantia de emprego, para estimular a saída da zona de conforto do Bolsa Família.

BB DEU FESTA PARA FAZER DEMISSÕES, EM LISBOA
O Banco do Brasil promoveu um evento festivo em Lisboa que, a pretexto de celebrar “parceira” com o CTT, banco postal português, serviu para promover demissões. “Encerrados brindes e amenidades, tão logo os representantes do CTT saíram, entraram os advogados do BB entregando os comunicados de demissões dos funcionários”, relata uma testemunha, que considerou a iniciativa “uma crueldade”.

MUITO ESTRANHO
Carteira de clientes vale muito no mercado, mas o BB jura que passou de graça ao banco CTT seus cerca de 8.000 correntistas em Portugal.

VEJAM COMO VALE
O BB não cobrou pelos 8.000 correntistas, mas a Caixa pagou R$ 235 milhões pelas contas correntes de 13.000 servidores da Câmara.

PARECE BANCO PARTICULAR
O BB se recusa a revelar custos das agências na Europa e até quanto planeja economizar. No total, gasta por ano R$19 bilhões em salários.

VOZ DISCORDANTE
O ministro Sebastião dos Reis Júnior, do STJ, um dos mais admirados especialistas em matéria penal do País, é contra a prisão na segunda instância, exceto diante do risco de fuga ou de recursos protelatórios para prescrição, por exemplo, mas se curva à decisão do Supremo.

RAPOSA NO GALINHEIRO
A Constituição prevê que a execução penal é papel do juiz, mas o ousado substitutivo de Jader Barbalho (PMDB-PA) ao projeto 513/13, aprovado na CCJ do Senado, transfere-a aos municípios. Escândalo.

PODE ISSO, PRESIDENTE?
O Planalto recebeu como indicação de Renata Abreu (SP), presidente do Podemos, de oposição, um sujeito cujas aptidões estão descritas em “Curriculum Proficional” (sic), para dirigir a Funasa O gabinete da deputada nega a indicação. O candidato deve ser do partido Nós Pode.

DOWNGRADE NO PMDB
Liminar suspendeu a dissolução do PMDB de Pernambuco, decretada pelo presidente do partido, Romero Jucá (RR). O PMDB quer trocar Jarbas Vasconcelos, da sua ala histórica, por Fernando Bezerra.

COMITÊ NO EDIFÍCIO CHOPIN
O ex-chanceler petista Celso Amorim já tem local para reunir aliados do PT e MST, a fim de viabilizar sua “candidatura popular” ao governo do Rio de Janeiro: o edifício Chopin, vizinho ao hotel Copacabana Palace, onde ele mora. Ali os apartamentos podem valer até R$20 milhões.

TERRORISTA DEVE SER PUNIDO
A deputada ítalo-brasileira Renata Bueno reforçou a necessidade da extradição do terrorista italiano Cesare Battisti, preso ontem na fronteira tentando fugir do Brasil. Criminoso comum, do tipo cruel, recebeu do ex-presidente Lula tratamento de “perseguido político” e ganhou asilo.

NÃO É PARENTE
O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo, jamais conviveu ou teve proximidade com Fernanda Tórtima, advogada da JBS, filha da senhora que se casou com o seu pai quando ele já era adulto.

HOMENAGEM A MORAES
O ministro Alexandre de Moraes (STF) receberá o Prêmio Pontes de Miranda do Instituto dos Advogados do DF, dia 18. Será saudado por Roberto Rosas, um dos mais admirados advogados de Brasília.

PENSANDO BEM...
...ontem os ministros do Supremo decidiram que a lei pode retroagir para prejudicar... os corruptos.

Outra chance para o Supremo - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 05/10

O Senado poderia ter seguido a lei e derrubado a esdrúxula decisão do STF sobre Aécio


O Senado poderia ter seguido o que manda a lei e derrubado a esdrúxula decisão do Supremo Tribunal Federal que afastou o senador Aécio Neves do cargo e lhe impôs restrição de movimentos e de direitos políticos. Essa seria a atitude coerente a tomar, na sessão da terça-feira passada, em razão da óbvia interferência indevida do Judiciário em prerrogativa exclusiva do Legislativo. E a respeito desse desfecho não poderia haver nenhuma queixa, pois estaria sendo respeitado rigorosamente o que está escrito na Constituição.

Mas o Senado é uma casa política, razão pela qual pesou os prós e contras de uma decisão que certamente tornaria ainda mais embaraçosa a situação já bastante constrangedora em que o Supremo se envolveu pela imprudência de três de seus ministros. E então, por 50 votos a 21, aprovou um requerimento que adiou a votação para o dia 17 de outubro, seis dias depois, portanto, da data marcada pelo Supremo para julgar uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) que versa sobre a necessidade de aval do Legislativo para a aplicação, pelo Judiciário, de medidas cautelares contra parlamentares, como as adotadas contra o senador Aécio Neves.

Com isso, o Senado espera que o próprio Supremo aproveite a oportunidade e desfaça a confusão que protagonizou quando sua Primeira Turma, por maioria mínima, decidiu sancionar Aécio – que nem mesmo réu é ainda – em razão de acusações de corrupção e de obstrução de Justiça.

Uma primeira chance já havia sido dada pelos senadores ao Supremo assim que a Primeira Turma resolveu atropelar a Constituição. A decisão daquele colegiado, no final de setembro, poderia ter sido derrubada imediatamente, mas o Senado entendeu que havia margem para permitir que o Supremo se corrigisse. Para isso, bastava àquela Corte votar logo a referida Adin sobre tema correlato, que serviria de precedente para o caso de Aécio, e tudo ficaria resolvido.

Mas eis que a presidente do Supremo, ministra Cármen Lúcia, ignorando a urgência da questão, resolveu marcar a sessão para avaliar aquela Adin somente para o dia 11 de outubro, dando margem a que a tensão entre Judiciário e Legislativo ganhasse ímpeto na direção de uma guerra aberta. O ministro Luiz Fux, um dos votos da Primeira Turma contra Aécio, adicionou lenha à fogueira ao sugerir que uma eventual rejeição do Senado à ordem do Supremo estaria de acordo com uma suposta “cultura do descumprimento da decisão judicial” no País, algo que seria “condizente com o caos político e institucional e com a destruição da ideia do Estado de Direito”.

Assim, como em um duelo, o Supremo parecia esperar que o Senado piscasse primeiro, isto é, que aceitasse, resignado, uma sanção externa contra um de seus integrantes. Se assim o fizesse, o Senado estaria renunciando a uma de suas principais prerrogativas constitucionais, que é a de autorizar a prisão de um senador e o eventual afastamento do mandato. Seria inaceitável genuflexão ante outro Poder, ao qual não se subordina senão nas situações previstas em lei. E a Constituição é clara: só podem avalizar a punição a um representante do povo aqueles que, igualmente, receberam o voto popular. Qualquer atitude fora dessa lógica é antidemocrática e autoritária por definição, sejam lá quais forem os argumentos para impor a punição ao parlamentar.

No caso de Aécio, ademais, saliente-se que nem mesmo uma denúncia formal contra o senador foi recebida pelo Supremo, o que reforça a impressão de que a decisão da Primeira Turma foi equivalente a uma antecipação de sentença, sem que o acusado pudesse nem sequer apresentar defesa. É evidente que essa decisão tem de ser reformada, para que o Supremo não corra o risco de ser confundido com um órgão arbitrário.

Tudo isso é resultado do ativismo e do voluntarismo que têm caracterizado alguns ministros do Supremo, cujas decisões e opiniões parecem derivar de uma visão messiânica sobre o papel do tribunal. Que esse episódio, uma vez superado, sirva para refrear o ímpeto dos que, em vez de juízes, agem como justiceiros.


Não espere muito da democracia - RODRIGO CONSTANTINO

GAZETA DO POVO - PR - 05/10

A descentralização do poder e sua aproximação do cidadão, por meio do federalismo e do voto distrital, são fundamentais para um melhor funcionamento democrático


Suas expectativas quanto à democracia têm batido com os resultados que você observa no dia a dia? Não? Você não está só. A decepção tem sido tanta que falam em uma grande “crise de representatividade”. De quem é a culpa? Dos governantes? Do povo? Ou seria do próprio sistema? E, se for este mesmo o caso, há alternativas melhores?


Em Beyond Democracy, Frank Karsten e Karel Beckman sistematizaram os principais pontos fracos do modelo democrático. Ligados à Escola Austríaca, os autores holandeses adotam uma postura radical sobre o assunto. Mas mesmo que suas receitas sejam rejeitadas como inalcançáveis, o diagnóstico que fazem é válido e interessante.

Seguem a linha de Hans Herman Hoppe, que, em The God that Failed, faz um duro ataque ao regime idolatrado no Ocidente. Se você encara a democracia – o “governo do povo para o povo e pelo povo” – como uma espécie de religião, capaz de entregar as mais estapafúrdias promessas, então certamente sua desilusão será grande. O “Deus”, no caso, fracassou, e basta apontar para Lula ou para Trump, dependendo do viés ideológico, para concluir isso. Alguém vai sustentar que os melhores chegam ao poder por esse meio?

Para os libertários, a democracia não é sinônimo de liberdade. Na verdade, é seu oposto, pois inerente ao modelo democrático está um processo coletivista de escolha, que seria tão inviável quanto o socialismo. Vale notar que esta não era a opinião de um dos pais da Escola Austríaca, Ludwig von Mises, para quem o liberalismo era indissociável da democracia. Mas Mises nunca idolatrou esse sistema, que era um meio, não um fim em si.

Em vez de levar tão a sério os políticos e a eleição, os autores acham que deveríamos fazer troça deles, ridicularizá-los. Dessa forma, a legitimidade do poder seria esvaziada, e esse poder tem sido, com muita frequência, utilizado contra a liberdade individual, não a favor dela. Governos democráticos pelo mundo todo têm deixado um rastro de dívida pública, elevados impostos, crises intermináveis, além de péssimos serviços e muita corrupção. Essa tem sido mais a regra do que a exceção, e o caso brasileiro é ainda pior, como sabemos.


Se você encara a democracia como uma espécie de religião, capaz de entregar as mais estapafúrdias promessas, então sua desilusão será grande 

Quando o assunto é a previdência social, praticamente nenhum país democrático foi capaz de criar um fundo com lastro para garantir a aposentadoria dos mais velhos. A burocracia é excessiva em todo lugar, variando de grau, mas sempre dando um jeito de prejudicar a vida dos indivíduos. Há regras para tudo, cada vez em mais detalhes. Se a democracia é uma religião secular, então parece acertado concluir que ela realmente falhou.

É preciso ter em mente, porém, a falácia do nirvana, que é apontar para falhas do mundo real e apresentar como solução uma utopia qualquer. O que colocar no lugar da democracia de massas? O propósito do livro não é tanto fornecer um modelo pronto como alternativa, e sim mostrar os riscos inerentes à democracia. E, se a maioria estiver ao menos consciente de tais riscos, então eles podem ser mitigados, quem sabe?

O primeiro ponto relevante é entender que a democracia, na prática, é um processo de escolha coletiva, bastante imperfeito. Não há motivo, portanto, para endeusá-lo, para considerá-lo infalível, repetindo que “a voz do povo é a voz de Deus”, até porque sabemos que as urnas não gritam exatamente a “voz do povo”. E mesmo que fosse o caso, o “povo”, essa abstração, pode muito bem desejar crucificar Cristo e soltar Barrabás, ou eleger Lula, Chávez ou Hitler. Não há garantias.

Outro ponto importante é que a democracia funciona melhor em comunidades menores, como nos cantões suíços ou nas ágoras gregas, onde quase todos se conhecem e decidem sobre coisas locais. Um parlamento nacional eleito por 200 milhões de eleitores vai certamente colocar no poder gente muito distante do esperado pela população, com seus próprios interesses afastados dos tais “interesses nacionais”.

Logo, a descentralização do poder e sua aproximação do cidadão, por meio do federalismo e do voto distrital, são fundamentais para um melhor funcionamento democrático, para se evitar a “tirania da maioria” sobre a qual Tocqueville alertava. Quanto mais distante do indivíduo, maior será a semelhança entre democracia e socialismo, pois os políticos vão concentrar benefícios e dispersar custos, jogando sobre ombros alheios o fardo dos privilégios que distribuem em troca de votos. E seu voto, em meio a tantos, não vale nada, sejamos francos. Garante somente uma ilusão de liberdade, nada mais.

Na metáfora dos autores, a democracia é como um ônibus cheio de passageiros que precisam decidir coletivamente seu destino. O “progressista” quer San Francisco; o conservador, Texas; e o libertário, Las Vegas. Eventualmente, o ônibus vai chegar a um local que simplesmente ninguém realmente desejava (Washington?). O ponto central aqui é que nem tudo na vida deve passar pelo processo democrático de escolha. A politização de esferas cada vez maiores da vida privada é um dos grandes problemas do mundo moderno.

O tom e o teor do livro podem ser contraproducentes para uma mente revolucionária, pois a mensagem transmitida pode ser a de simplesmente não agir, ignorar a política. O problema é que a política não vai nos ignorar. Logo, é suicídio os liberais adotarem essa postura contrária à própria política, pois deixarão o caminho livre para seus inimigos reais.

Dito isso, o livro pode ser importante, se for absorvido como um alerta para não esperar demais da democracia, para não encarar o governo como um Papai Noel, e sim um monstro em potencial com apetite voraz por nossos recursos. Reconhecer as coisas como elas são, sem romantismo, pode ser um primeiro passo para não ser refém de grandes enganos. Isso não é uma conclusão antidemocrática. Um casamento em que se espera a perfeição acabará em divórcio, mas, ciente dos desafios concretos, há chances de relativo sucesso, de bodas de diamante.

No mais, se dois lobos e uma ovelha querem decidir qual o jantar de forma democrática, isso deve ser enaltecido como um método justo?

Rodrigo Constantino, economista e jornalista, é presidente do Conselho do Instituto Liberal.

Saco sem fundo - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 05/10

A intervenção decretada no Postalis, fundo de pensão dos funcionários dos Correios, é triste evidência de que prosseguem os descalabros na gestão das entidades de previdência complementar patrocinadas por empresas estatais.

Regras internas que deveriam zelar pela prudência nas decisões de investimento falharam ou foram ignoradas. Os órgãos de controle, por sua vez, agem quando o desastre está consumado.

Em abril, o Tribunal de Contas da União já determinara a indisponibilidade de bens de ex-gestores do Postalis, por negligência e conduta em desacordo com o regulamento do fundo, que teriam causado prejuízo de R$ 1 bilhão.

Depois, em agosto, o conselho deliberativo da instituição rejeitou as contas do plano de benefício definido (que garante um valor fixo de aposentadoria) em 2016.

Ao longo de quase uma década, a entidade fez investimentos, na hipótese mais benigna, temerários —casos de papéis da Venezuela e da Argentina, além de maus negócios também em moeda brasileira.

Ainda que seja o mais notório, o caso do Postalis não é isolado. O Ministério Público Federal estima que as perdas resultantes de operações fraudulentas ou politicamente dirigidas em fundos ligados a estatais —incluindo Funcef (CEF), Petros (Petrobras) e Previ (Banco do Brasil), entre outros— cheguem a R$ 8 bilhões.

No fundo dos funcionários da Petrobras, o montante adicional a ser coletado para cobrir o deficit chega a astronômicos R$ 27,7 bilhões, dividido igualmente entre a empresa e os participantes (ativos e aposentados) ao longo de anos.

Nem sempre os problemas decorrem apenas de más decisões ou corrupção. Fatores como expectativa de vida dos participantes e a conjuntura econômica influem nos resultados. Qualquer que seja a razão, todas as entidades, em maior ou menor grau, estão em meio a processos de saneamento.

Deixar o padrão de ingerência política e rombos não depende apenas de regras duras, que em grande medida já existem no papel. A gestão só será realmente profissional quando os próprios servidores das empresas assumirem um papel mais ativo no controle do que, afinal, é seu próprio dinheiro.