terça-feira, outubro 03, 2017

Carta a Antonio Palocci - CARLOS ANDREAZZA

O GLOBO - 03/10

O que o senhor chama de melhor dos momentos de seu governo é aquele em que o projeto de dominação petista ganhou veio

O senhor nunca me enganou. Nem quando era vendido como petista pragmático, interlocutor dos mercados e fiador de Lula junto ao setor produtivo. Nunca me enganou. E é provável que mesmo os que então o compravam não se enganassem. Havia dinheiro a ganhar, porém. E, nisso, numa grande ode à desfaçatez, estavam todos afinados — não é?

Talvez seja o caso de informar que este que lhe escreve não é um idiota. Para mim, o senhor sempre foi aquele sob cuja gestão se quebrou o sigilo bancário de um caseiro que, segundo a mente mafiosa, poderia comprometer o ministro da Fazenda — um dos mais representativos episódios sobre até onde o petismo pode ir para defender seu projeto de poder, ataque do Estado a um indivíduo. Barbárie mesmo depois da qual o senhor não apenas coordenaria a primeira campanha de Dilma como ainda lhe seria chefe da Casa Civil. Para mim, isso é — sempre foi — Palocci e PT.

Que o senhor não tenha dúvida sobre minha pretensão de ser direto. Li sua carta à senadora Gleisi e ao comando da organização que ela dirige. Analisei-a sob a desconfiança que o histórico de sua vida pública impõe, o que estabelece premissa incontornável: se é provável que revele verdades, muito maiores são as chances de que o faça para esconder outras tantas. Gente como o senhor foi treinada para não agir senão com método. É preciso ter límpido, pois, o entendimento sobre as condições em que resolveu falar.

Não é porque se trate de um petista entregando outros que devem ser afrouxados os critérios sobre o peso probatório daquilo que se tem a relatar. Quem delata ou negocia para delatar é bandido confesso. Aqueles delatados, não. Não necessariamente. Sim: não acredito no senhor; mas isso só desqualificará sua delação se o conteúdo do que alcaguetar for tratado como algo mais do que meio para obtenção de prova. Não importa se Odebrecht, Batista, Funaro, Cunha ou Palocci, qualquer um nessa posição é um encrencado — um preso, condenado ou em vias de — em busca de aliviar a própria barra.

Não sou — admito — um homem desprovido de perversões. Sei apreciar uma boa estratégia mesmo que traçada pelo pior dos canalhas. Divirto-me com o xadrez que o senhor esgrime contra os de seu partido. É pura ciência. O senhor conhece a raça e, como é inteligente, tem conseguido se manter alguns corpos à frente até de Lula. Como é inteligente e cínico, está à vontade para aplicar um xeque-mate como esse em que questiona o fato de o PT nunca o ter punido pelos crimes em decorrência dos quais foi condenado, mas se mobilizar para penalizá-lo agora que se dispõe a revelar as ilegalidades cometidas pelo partido no curso dos anos em que governou o país.

É devastador o poder político de uma crítica moral feita por um amoral. O senhor é o que se chama de petista histórico — um fundador, prefeito pioneiro (junto, aliás, com Celso Daniel) nos projetos-piloto que testaram o modelo de ocupação do petismo. O senhor é um sobrevivente à procura de sobreviver, e sabe que as acusações de um de dentro dinamitam o blá-blá-blá de que a elite se articula para derrubar as conquistas do povo. Não é mais um empreiteiro a destampar os fundos — fornidos de propina — para sustentar a expansão autoritária do partido, mas Antonio Palocci, o formulador da tal “Carta ao povo brasileiro”, um dos pilares do castelo de cera sobre o qual o PT erigiu sua farsa. O senhor sabe a força que tem — força que é também de barganha.

Por favor. Sua principal motivação não é que toda a verdade seja dita, sobre todos os personagens envolvidos; mas que alguma, sobre alguns, baste para um acordo que abrevie os anos de cadeia. Falar a verdade — ou convencer de que o faz — é sempre o melhor caminho a quem não tem alternativa. O senhor não decidiu colaborar com a Justiça por estar arrependido e disposto a contribuir para a apuração de crimes etc. A sua própria carta oferece os elementos indicativos de que não se compungiu senão dos erros de procedimento que afinal expuseram o assalto petista ao Estado.

O senhor é inteligente, mas vaidoso. E, quando se elogia, se trai. Lula não sucumbiu ao pior da política no melhor dos momentos de seu governo. Lula e o PT sempre foram Lula e o PT, e o que o senhor chama de melhor dos momentos é aquele, exato, em que o projeto de dominação petista encontrou o veio — o mito do pré-sal — por meio do qual se robustecer e avançar. O senhor, objetivamente, considerava isso necessário — e trabalhou pelo sucesso do aparelhamento: para ver em movimento, na prática, a própria definição de esquerda no poder, inflando o Estado para ampliar a superfície a ser pilhada. E estaria lá, a serviço, ainda hoje, não tivesse a casa, enfim, caído de vez.

Por isso chama de “mau governo” o de Dilma. Não por haver redobrado as apostas irresponsáveis do antecessor, mas porque, incompetente em todos os sentidos, acelerou o derretimento do legado artificial lulista, o que escancarou — sem dinheiro para novas defesas populistas — a “rede de sustentação corrupta” do esquema partidário.

O senhor sente saudade de quando a aprovação do governo Lula era de 95%, ambiente de fartura propício ao desenvolvimento do mais ambicioso projeto de tomada do Estado por um partido da história do Brasil. O senhor sente saudade de quando ainda havia petrodólares para comprar o engano alheio — essa, a saudade do vício, a essência de sua carta.

Carlos Andreazza é editor de livros

COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO

TSE VAI USAR EQUIPAMENTO À PROVA DE GRAMPOS

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) deverá utilizar um telefone seguro, à prova de grampos, desenvolvido pela Abin, a Agencia Brasileira de Inteligência. Trata-se do TSG, dispositivo de criptografia que dá segurança no tráfego de voz e dados. Funciona acoplado a telefones fixos, mas é portátil e pode ser levado em viagens. O sistema utiliza algoritmo de Estado, de uso e propriedade exclusivos do governo.

TEMER PROTEGIDO
O presidente Michel Temer usa desde maio um celular de tecnologia nacional, com sistema Android criptografado, desenvolvido pela Abin.

INTRUSOS BLOQUEADOS
O aparelho disponibilizado para Temer tem dispositivo bloqueador para intrusos. Ministros que quiserem podem receber o mesmo telefone.

TECNOLOGIA NACIONAL
A criptografia que garante o sigilo foi criação do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento para Segurança das Comunicações, da Abin.

TSE AVALIA
O ministro Gilmar Mendes, presidente do TSE, confirmou que a Abin ofereceu os equipamentos. Há outras propostas do setor privado.

TRÁFICO ESTÁ NA ORIGEM DOS HOMICÍDIOS, DIZ JUIZ
Há vinte anos atuando como juiz da Vara de Execuções Penais de Porto Alegre, Sildinei José Brzuska revela que nesse período o número de presos por tráfico de drogas era de 5% e hoje chegam a quase 50%. E ele afirma, do alto da sua experiência, que os homicídios são mesmo ligados ao tráfico de drogas. O problema, segundo ele, é que o Estado prende o traficante, mas seu ponto de venda de drogas continua lá.

OUTROS CRIMES
Outro fenômeno: para pagar o fornecedor de drogas, o traficante acaba cometendo crimes, como de furto de veículos, assaltos etc.

NÚMERO ALARMANTE
No Brasil, o índice de assassinatos se aproximam da calamidade: são mais de 30 para cada 100 mil habitantes.

ASSUNTO MAL PARADO
Somente no Rio Grande do Sul existem 72 mil pessoas condenadas com penas antigas, incluindo domiciliar, condicional, foragidos etc.

MEIO-IRMÃO É PARENTE?
Causou surpresa no STF, a revelação do Valor de que o ministro Luís Barroso é meio-irmão de Fernanda Tórtima, advogada da JBS, sem que seu impedimento tenha sido questionado como no caso do ministro Gilmar Mendes, padrinho de casamento da filha de um investigado.

PREOCUPAÇÃO
O diagnóstico de diverticulite apavorou familiares do senador Romero Jucá (PMDB-RR). Todos só lembravam que foi a doença que, mal tratada, provocou a morte do ex-presidente Tancredo Neves.

NOTÍCIA FALSA NAS REDES
O senador Cristovam Buarque (PPS-DF) ficou tão indignado com o uso de seu nome nas redes sociais, em “defesa da intervenção militar”, quanto com alguns cumprimentos que recebeu por ideias que repudia.

PREJUÍZO SEMPRE NOSSO
Os Correios celebram a entrega de 4,5 milhões de cartas atrasadas pela greve que teve adesão de menos de 10% do total. Os 15 mil que trabalharam no fim de semana faturaram hora extra. Conta nossa.

DECLÍNIO PETISTA
O PT vai lançar para o governo do Rio o ex-chanceler Celso Amorim, de triste memória. No palanque, ao menos em espírito, ele contará com tipos como Nicolas Maduro, Mahmoud Ahmadinejad e Kim Jong-Un.

PENA DE MENTIRINHA
O juiz Ademar Vasconcelos, ex-titular da Vara de Execuções Penais do DF, não tem dúvida sobre o projeto do Senado que prevê o “direito do preso” a progressão antecipada de regime, quando estiver em presídio superlotado: “É o mesmo que aplicar uma pena de mentirinha”.

BOA NOTÍCIA
O desemprego no País voltou a cair no último trimestre (12,6%), após atingir o pico histórico de 13,7% nos primeiros três meses do ano. Em relação ao trimestre passado (13%), a queda foi de 0,7%.

CAUSA PRÓPRIA?
Sob a desculpa politicamente correta de “solucionar a crise do sistema carcerário”, o Senado quer mudar Lei de Execuções Penais. A senadora ré na Lava Jato Gleisi (PT-PR) quer transformar pena de prisão fechada em prisão domiciliar, caso não haja vagas na cadeia

PENSANDO BEM...
...após a repetição do fenômeno em sucessivos governos, pode-se dizer que, em matéria de corrupção, não há preconceitos no Brasil.

Corrupção, instituições e desenvolvimento - MARIA CRISTINA PINOTTI

ESTADÃO - 03/10

O grito da minoria privilegiada não pode inibir as mudanças em benefício da maioria

Países mais desenvolvidos tendem a apresentar níveis menores de corrupção e países mais pobres, níveis mais elevados. Há, assim, uma forte correlação inversa entre a renda per capita e o índice de percepção de corrupção da Transparência Internacional, por exemplo. Mas não há uma relação de causalidade: nem a corrupção elevada causa o aumento da pobreza, nem o contrário. Defendo, neste artigo, a tese de que uma causa comum – a qualidade das instituições – determina a associação entre essas duas variáveis. Ao redesenhar as instituições que falham em aumentar o bem-estar social, os países atingem níveis mais elevados de desenvolvimento econômico e níveis mais baixos de corrupção.

Há muito foi abandonada a explicação ingênua que as diferenças geográficas e étnicas determinavam o desenvolvimento dos países – o exemplo das duas Coreias é eloquente. Também é insatisfatória a teoria que enfatiza apenas a criação de poupanças e o progresso tecnológico, por nos condenar a esperar grandes invenções para atingir o desenvolvimento, e relega as políticas públicas a papel secundário. Maior poder explicativo é obtido pela contribuição de Douglas North e de Daron Acemoglu, que abriram nossos olhos para o papel desempenhado pelas instituições na explicação das diferenças de desempenho entre os países.

Segundo North (1990), “instituições são as regras do jogo numa sociedade”. Simplificando, há dois grandes blocos de instituições formais relevantes para o crescimento econômico. O primeiro é formado pelas instituições contratuais horizontais, que regulam as relações entre indivíduos, facilitando, principalmente, os contratos entre poupadores e investidores, que só serão eficientes se forem garantidos por leis, Cortes e regulações apropriadas. O outro é formado pelas instituições verticais, que regulam o direito de propriedade, incluindo as que protegem os cidadãos contra o poder abusivo das elites, dos políticos e grupos de privilégios corruptos.

Se existe corrupção, essas instituições não estão sendo norteadas segundo valores públicos, e sim para enriquecimento pessoal e benefício dos corruptos; e instituições pobremente desenhadas levam as economias à estagnação. É sempre importante perguntar quem faz as regras, para quem, e quais seus objetivos.

No Brasil, em geral, as regras são cumpridas pelo cidadão comum, hoje perplexo diante da dimensão atingida pela corrupção. Se um contribuinte cometer um pequeno erro involuntário na sua Declaração de Imposto de Renda, gastará um bom tempo para resolver o problema na Receita Federal. Esse é um exemplo de punição que inibe fraudes. Mas os grandes devedores são beneficiados por decisões pouco transparentes do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) e/ou por pelas inúmeras anistias dos “Refis”, decididas por congressistas que, além de se beneficiarem com o perdão, usam a aprovação como moeda de troca na obtenção de vantagens do governo. No mesmo sentido, o pequeno correntista que precisou retirar R$ 6 mil em moeda teve de passar por um calvário de avisos ao gerente do banco, ao passo que cenas inesquecíveis de apartamento com mais de meia centena de milhões de reais aparecem nos jornais sem que se saiba sua origem e como esse dinheiro lá chegou.

Será que as nossas regras mudam de acordo com as pessoas? Se não alterarmos essa sensação de regras “feitas sob medida”, estaremos a um passo do completo descrédito das instituições democráticas do País.

As instituições formais são sustentadas por pilares culturais, ou seja, por instituições informais compostas pelas crenças, expectativas e normas de comportamento. A impunidade mina a crença de que a lei se aplica a todos, reduzindo a importância do que está na Constituição e nas demais leis, por exemplo.

São complexas as interações de instituições formais e informais, com inúmeros mecanismos de retroalimentação. Poderíamos pensar que se ninguém pagasse propina não haveria corrupção, mas, na verdade, o comportamento humano não é tão simples. Como lembram Rose-Ackerman e Palikfa (2016), o detetive Serpico, em 1971, lamentava o fato de 10% dos policiais da cidade de Nova York serem absolutamente corruptos, 10% absolutamente honestos e os 80% restantes adorariam ser honestos. Outros autores chamam esses 80% – número impreciso que designa maioria – de oportunistas, ou de pragmáticos, ou ainda de “mais corruptíveis que corruptos”, dependendo das pressões externas. O ganho esperado pela adesão ou não a um ato corrupto depende do número de pessoas que o praticam, revelando uma espécie de “comportamento contingente” da maior parte dos indivíduos, que agem de acordo com a expectativa do que fará a maioria. O pensamento subjacente seria: se todos recebem propina, por que eu também não deveria receber?

Esse comportamento produz uma espécie de duplo equilíbrio. Num extremo o “bom equilíbrio” mantém os países pouco corruptos, porque a sanção social e penal inibe a corrupção. No “mau equilíbrio”, ao contrário, permanecem os países cujas instituições levam à impunidade dos crimes de corrupção e até mesmo à punição dos que ousam denunciá-la. São duas situações de equilíbrios estáveis.

É muito difícil quebrar a inércia do mau equilíbrio, perto de onde se encontra o Brasil, mas a gravidade e extensão das revelações feitas pela Lava Jato abrem a maior oportunidade que já tivemos de mudar esse quadro. É crucial alterar a estrutura de incentivos aos políticos, cuja existência se justifica para que representem os interesses dos seus eleitores. Se há desvios de conduta, não será o seu acobertamento que nos levará a um País mais justo e próspero. O grito dos perdedores, minoria que há anos acumula privilégios em detrimento do bem-estar da sociedade, não pode inibir as reformas, as mudanças ou os avanços institucionais que trarão benefícios à maioria. Esse é o nosso grande desafio.

*Economista

‘Backlog’ condena País ao atraso - ROBSON BRAGA DE ANDRADE

O Estado de S.Paulo - 03/10
Entre os entraves que têm impacto negativo no desenvolvimento econômico e tecnológico do Brasil está a inacreditável lentidão na análise e concessão de patentes pelo Instituto Nacional da Propriedade Intelectual (Inpi). A demora, que chega a 14 anos, leva a um ambiente de incerteza e insegurança jurídica, que prejudica as empresas e turva o ambiente de negócios. Para ter ideia do atraso, nos EUA, no Japão e na Coreia do Sul, o prazo de liberação de patentes varia de um ano e meio a três anos. Estudo da London Economics estima que um ano adicional de pendência nos três maiores escritórios de patentes – o europeu, o japonês e o norte-americano – representa prejuízos de US$ 10 bilhões na economia global.

No Brasil, hoje, o estoque de pedidos não examinados (o backlog) ultrapassa 230 mil processos. Se nada for feito, haverá 350 mil pedidos aguardando exame em 2029. Um número crescente de ações judiciais questiona a lentidão do Inpi. A Justiça tem se manifestado pela inconstitucionalidade da espera, por violar a razoável duração do processo prevista na Constituição e os princípios da razoabilidade e da eficiência administrativa. A situação também é danosa para nossa imagem externa: o País é mantido em listas de observação e é mal avaliado em índices que levam em consideração o sistema de propriedade intelectual.

É preciso reconhecer os avanços dos últimos dois anos. A cooperação internacional e a desburocratização de processos se intensificaram. Impasses históricos vêm sendo sanados, como a definição dos papéis da Anvisa e do Inpi na análise de patentes de produtos e processos farmacêuticos. Mas tais avanços, mesmo somados a recentes ganhos de produtividade e à contratação de novos servidores, mostraram que a solução para o vexaminoso backlog requer medidas extremas. Por isso a Confederação Nacional da Indústria (CNI) se posicionou a favor do processo de deferimento simplificado do pedido de patentes instaurado pelo Inpi e pelo Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços, por meio de consulta pública encerrada em 31/8. A proposta prevê a concessão de todos os pedidos do estoque, desde que preencham requisitos mínimos e não tenham sido questionados por terceiros.

O apoio à proposta está condicionado à contínua implementação de medidas que aumentem a eficiência do Inpi, evitando a recorrência do acúmulo de pedidos. A medida não é sem precedentes nem fere obrigações internacionais, como o Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio, que não impõe a obrigação do exame de mérito. Para a Organização Mundial da Propriedade Intelectual, a escolha do sistema de busca e exame deve se basear em políticas e estratégias nacionais. É possível um sistema baseado só na análise dos requisitos formais, como na Suíça. O modelo não é novidade no Brasil. Há 20 anos o Inpi registra desenhos industriais sem exame de mérito. Não há evidência estatística de que isso resulte em judicialização. Os dados revelam um sistema ainda em amadurecimento na concessão dos direitos, na utilização das patentes e de registros de desenho industrial contra terceiros no Judiciário.

Hoje há cerca de 10 milhões de patentes vigentes (25% nos EUA, 20% no Japão e 15% na China). O Brasil tem pouco mais de 30 mil, equivalentes a 0,03% do total. Ainda que todas as patentes do estoque sejam concedidas, o Brasil ficaria entre Rússia, Canadá e Suíça, entre 8.º e 10.º lugares no ranking de países com mais patentes.

A proposta do Inpi forçará o fim do backlog e propiciará o amadurecimento do sistema. A expectativa é de que os prejuízos causados pela demora deem lugar a um modelo mais eficiente, à altura de um dos dez maiores escritórios de propriedade industrial do mundo.

Entre os entraves que impactam negativamente o desenvolvimento econômico e tecnológico do Brasil está a inacreditável lentidão na análise e concessão de patentes pelo Instituto Nacional da Propriedade Intelectual (Inpi). A demora, que chega a 14 anos, leva a um ambiente de incerteza e insegurança jurídica, que prejudica as empresas e turva o ambiente de negócios. Para ter ideia do atraso, nos EUA, no Japão e na Coreia do Sul, o prazo de liberação de patentes varia de um ano e meio a três anos. Estudo da London Economics estima que um ano adicional de pendência nos três maiores escritórios de patentes – o europeu, o japonês e o norte-americano – representa prejuízos de US$ 10 bilhões na economia global.

No Brasil, hoje, o estoque de pedidos não examinados (o backlog) ultrapassa 230 mil processos. Se nada for feito, haverá 350 mil pedidos aguardando exame em 2029. Um número crescente de ações judiciais questiona a lentidão do Inpi. A Justiça tem se manifestado pela inconstitucionalidade da espera, por violar a razoável duração do processo prevista na Constituição e os princípios da razoabilidade e da eficiência administrativa. A situação também é danosa para nossa imagem externa: o País é mantido em listas de observação e é mal avaliado em índices que levam em consideração o sistema de propriedade intelectual.

É preciso reconhecer os avanços dos últimos dois anos. A cooperação internacional e a desburocratização de processos se intensificaram. Impasses históricos vêm sendo sanados, como a definição dos papéis da Anvisa e do Inpi na análise de patentes de produtos e processos farmacêuticos. Mas tais avanços, mesmo somados a recentes ganhos de produtividade e à contratação de novos servidores, mostraram que a solução para o vexaminoso backlog requer medidas extremas. Por isso a Confederação Nacional da Indústria (CNI) se posicionou a favor do processo de deferimento simplificado do pedido de patentes instaurado pelo Inpi e pelo Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços, por meio de consulta pública encerrada no dia 31 de agosto. A proposta prevê a concessão de todos os pedidos do estoque, desde que preencham requisitos mínimos e não tenham sido questionados por terceiros.

O apoio à proposta está condicionado à contínua implementação de medidas que aumentem a eficiência do Inpi, evitando a recorrência do acúmulo de pedidos. A medida não é sem precedentes nem fere obrigações internacionais, como o Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio, que não impõe a obrigação do exame de mérito. Para a Organização Mundial da Propriedade Intelectual, a escolha do sistema de busca e exame deve se basear em políticas e estratégias nacionais. É possível um sistema baseado só na análise dos requisitos formais, como na Suíça. O modelo não é novidade no Brasil. Há 20 anos o Inpi registra desenhos industriais sem exame de mérito. Não há evidência estatística de que isso resulte em judicialização. Os dados revelam um sistema ainda em amadurecimento na concessão dos direitos, na utilização das patentes e de registros de desenho industrial contra terceiros no Judiciário.

Hoje há cerca de 10 milhões de patentes vigentes (25% nos EUA, 20% no Japão e 15% na China). O Brasil tem pouco mais de 30 mil, equivalentes a 0,03% do total. Ainda que todas as patentes do estoque sejam concedidas, o Brasil ficaria entre Rússia, Canadá e Suíça, entre 8.º e 10.º lugares no ranking de países com mais patentes.

A proposta do Inpi forçará o fim do backlog e propiciará o amadurecimento do sistema. A expectativa é de que os prejuízos causados pela demora deem lugar a um modelo mais eficiente, à altura de um dos dez maiores escritórios de propriedade industrial do mundo.


* PRESIDENTE DA CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA (CNI)

Por que os juros não caem - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR

Gazeta do Povo - 03/10

A maior contribuição que o governo pode dar para a recuperação econômica é reconstruir os superávits primários, conter o crescimento da dívida e refazer a estabilidade política


A taxa Selic é a taxa básica de juros usada como indicador fundamental para o mercado financeiro e determinante do conjunto de todas as taxas de juros. O mês de setembro encerrou com a Selic em 8,25%, que é a taxa a ser paga pelo governo nos títulos emitidos durante a vigência desse porcentual e nos títulos emitidos no passado vinculados à taxa Selic pós-fixada. Com a inflação prevista para ficar em 3% ao fim de 2017, continuam as críticas sobre a taxa de juros no Brasil, sob a alegação de que permanece muito acima da inflação. Vale sempre lembrar que, sobre os juros recebidos pelos detentores de títulos públicos – pessoas, empresas, bancos e investidores estrangeiros –, o governo cobra Imposto de Renda; logo, parte das despesas governamentais com juros retorna aos cofres públicos em forma de impostos. Por isso, a comparação com as taxas de juros de outros países deve considerar a taxa de juros líquida de impostos.

As discussões sobre as razões que impedem a taxa de juros de cair prosseguem, nem sempre com a qualidade que o bom debate exige. De início, sabendo que a taxa Selic atual incidirá sobre os títulos públicos a serem emitidos enquanto viger essa taxa e sobre os títulos antigos com juros pré-fixados, os aplicadores fazem suas contas considerando os juros que irão receber no futuro até o prazo de vencimento dos títulos. A inflação de 3% prevista para 2017 é tida como atípica, pois deriva da grave recessão atual e não representa uma situação estrutural da economia brasileira, razão pela qual os compradores de títulos públicos, ao tomarem decisões de investimento para todo o período de vigência dos títulos, levam em conta a projeção de inflação para os anos futuros. Para um título com prazo de dez anos, o investidor leva em consideração a inflação prevista para os próximos dez anos.


Nada é mais instável que a taxa de inflação, é baixa a crença de que a inflação de 3% ao ano vá persistir 

Sabendo que nada é mais instável que a taxa de inflação, é baixa a crença de que essa inflação de 3% ao ano vá persistir nos anos futuros. Assim, o mercado atual para títulos emitidos com taxa pré-fixada à base da Selic não é muito grande. Já os títulos com juros pós-fixados vinculados à Selic acabam sendo mais atraentes para o investidor, pois, caso a inflação volte a subir quando a economia se aquecer, o comprador de títulos do Tesouro Nacional estará protegido conta a inflação. No centro desse problema estão duas razões principais que impedem a taxa de juros de cair. A primeira é a enorme dívida pública consolidada, que caminha para superar os 80% do Produto Interno Bruto (PIB). A segunda é a grave situação do déficit público primário do governo nas três esferas da Federação.

O mercado de crédito é importante promotor do crescimento econômico quando há um conjunto de taxa de juros baixas e quando existem fundos disponíveis no sistema bancário para financiar investimentos produtivos e capital de giro para as empresas. Essas duas condições, porém, dependem, antes de tudo, de baixa dívida pública total e de superávit nas contas fiscais que seja suficiente para pagar os encargos da dívida. No Brasil, não existe nenhuma dessas condições. Por consequência, há dificuldades para a queda dos juros, o custo do financiamento produtivo continua alto e os empreendedores não são estimulados a investir e produzir.

O resumo do panorama atual é que a maior contribuição que o governo pode dar para a recuperação econômica é controlar suas contas, reconstruir os superávits primários, conter o crescimento da dívida e refazer a estabilidade política. Sem isso, nenhuma política pública destinada a promover a volta do crescimento do PIB e a geração de empregos será exitosa.

O que gera o progresso? - FABIO GIAMBIAGI

O GLOBO - 03/10

Temos economia fechada, protegida e com pouca competição; poupança ridícula; infraestrutura péssima


Nos anos 1970, na época em que o Japão era o que a China é hoje (uma “locomotiva de crescimento”), atribuía-se a Kuznetz, um conhecido economista, a frase “Há quatro tipos de países: desenvolvidos, subdesenvolvidos, Japão e Argentina”. Um, uma ilha arrasada na Segunda Guerra Mundial e que se tornou uma potência econômica; e outro, um país que tinha tudo para dar certo e se perdeu nos descaminhos da História.

Brincadeiras à parte, a questão “o que leva um país progredir?” é certamente uma das perguntas mais importantes da Economia. O que não quer dizer que a resposta seja única nem, muito menos, isenta de controvérsia. De forma muito resumida, porém, dois séculos e meio de desenvolvimento da teoria econômica e uma série de aprofundamentos da literatura nas últimas décadas permitiram chegar às seguintes conclusões que, se não são consensuais, pode-se dizer que, em linhas gerais, representam o denominador comum da maioria dos especialistas:

1 — Competição faz diferença. É o afã de superação e o receio de perder o emprego para o vizinho, market share para a concorrente e exportações para outro país que faz os trabalhadores, as empresas e os países, respectivamente, tentarem se aprimorar permanentemente para não cair na zona de conforto;

2 — Investimento exige níveis elevados de poupança doméstica. Um país que cresce com base em poupança externa é como uma empresa com alavancagem excessiva: cedo ou tarde, seu dinamismo decai. Não há como crescer de forma saudável sem investimento e, sem uma poupança doméstica elevada, ele acabará sendo financiado por recursos externos que um dia serão escassos e cuja falta causará uma crise;

3 — Infraestrutura é chave. Energia para investir; estradas, hidrovias e ferrovias para escoar os produtos; saneamento para dar saúde e dignidade à população etc. são as marcas de uma economia próspera, que não fique relegada à série B do Terceiro Mundo;

4 — Educação é fundamental. Embora seja verdadeiro que muitos países (Brasil no passado ou China nos últimos 40 anos) cresceram com uma educação precária, não há nenhum país que tenha ultrapassado o que a literatura chama de “armadilha da renda média” (o desafio de deixar de ser um país intermediário e entrar para o “clube” dos desenvolvidos) sem uma educação maciça e de qualidade, especialmente relevante no mundo de hoje, no qual a expressão “exclusão digital” explica as consequências do atraso educacional;

5 — O gasto público tem que ser eficiente. Eliezer Batista já dizia há décadas que “país pobre não pode gastar dinheiro em porcaria”. Medir bem cada recursos gasto, em um ambiente de escassez de recursos, é essencial para melhorar a eficiência de um país;

6 — É preciso ter equilíbrio macroeconômico. Contas públicas sob controle, inflação baixa e situação de balanço de pagamentos confortável são hoje requisitos sem os quais dificilmente a expansão da economia deixará de ser efêmera; e, last but not least;

7 — Instituições contam. No mundo de hoje, a vigência do que os anglo-saxões denominam de “rule of Law”, confiança no sistema judicial, ausência de coerção governamental, regras claras etc. forma parte do meio ambiente ideal para a proliferação de bons negócios e do progresso.

A simples olhada para essa lista mostra a dimensão dos desafios que temos que vencer no Brasil. Temos uma economia fechada, protegida e com pouca competição; uma poupança ridícula; uma infraestrutura péssima; uma educação de dar dó; uma ineficiência gritante do gasto público; uma situação macroeconômica que, devido à situação fiscal, inspira cuidados; e instituições que em parte funcionam, mas cuja “metade vazia do copo” nos levou ao “G-4” no campeonato mundial das — para usar um eufemismo — irregularidades administrativas.

Há alguns anos, entrevistado neste jornal, o então primeiro-ministro da Suécia deu o seu recado: “Vinte anos de reformas, focando em competitividade, aumento da igualdade nas instituições e na tomada de decisões e combate à corrupção. Coloque as finanças em ordem, faça reformas completas, abra mercados, adote esquemas para inovação, invista em pesquisa e desenvolvimento e no sistema educacional” (O GLOBO, 27/01/2013). Aqui, os desafios que temos pela frente são dignos dos 12 trabalhos de Hércules.

Fabio Giambiagi é economista

Brasil derrotado na Câmara - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO -  03/10

O País foi mais uma vez derrotado em uma votação no Congresso com a aprovação do texto-base do novo programa de renegociação de dívidas tributárias


O Brasil foi mais uma vez derrotado em uma votação no Congresso, com a aprovação, na semana passada, do texto-base do novo programa de renegociação de dívidas tributárias. Deformada pelo deputado Newton Cardoso Jr., relator da Medida Provisória (MP) 783, a proposta do novo Refis foi convertida em luxuoso presente aos sonegadores e em mais um estímulo ao calote fiscal. O objetivo básico do governo, usar o dinheiro da primeira parcela de pagamento para reforçar a posição do Tesouro, num ano de enorme dificuldade orçamentária, ficou gravemente prejudicado. Apontar o governo como o grande perdedor é subestimar o estrago ocasionado, como em tantas outras votações, por parlamentares sem compromisso com o interesse público. O perdedor é, sim, o País, novamente prejudicado no esforço de arrumação das finanças públicas e de retomada do crescimento seguro, depois da mais severa recessão registrada na história das contas nacionais.

Ficou para esta semana a votação dos destaques. Na melhor hipótese, ainda sobrará o dano produzido quando os deputados, em votação simbólica, consagraram o texto-base. Encerrada a tramitação na Câmara, o texto ainda será submetido ao exame dos senadores. Numa tentativa de garimpar algum dinheiro neste exercício, o Executivo prorrogou para 31 de outubro o prazo de adesão ao novo Refis. A MP 783 foi mais uma tentativa da equipe econômica de implantar, neste ano, o programa de regularização tributária.

Em todas, o esforço foi comprometido por parlamentares empenhados em proporcionar o máximo benefício a empresas sonegadoras, mesmo ao custo de uma perda enorme para o Tesouro e para a convalescente economia brasileira.

Ligações de parlamentares com empresas em débito com o Fisco foram denunciadas desde a primeira batalha. A denúncia envolveu o relator Newton Cardoso Jr., vinculado, segundo se informou, a firmas devedoras de mais de R$ 50 milhões ao Fisco. Mas ele foi mantido na função em todas as tentativas de implantação do programa. Pressionado por um colega para declarar se essas empresas se absteriam da renegociação, ele ficou em silêncio. A versão deformada e depois aprovada ampliou os descontos de juros e multas e permitiu o uso de prejuízo fiscal para redução do valor devido.

O plano original da equipe econômica era obter R$ 13,3 bilhões neste ano com o pagamento da primeira parcela pelas empresas participantes da renegociação. A estimativa caiu para R$ 8,6 bilhões depois dos primeiros estragos na proposta. A nova expectativa, segundo fontes da área econômica e financeira do Executivo, é uma arrecadação, em 2017, na faixa de R$ 3 bilhões a R$ 4 bilhões.

A arrecadação inicial seria especialmente importante neste ano. A recuperação da economia está em fase inicial, ainda é lenta e seus efeitos na arrecadação de impostos e contribuições começaram a aparecer há pouco tempo. Apesar dessa melhora, conter o déficit primário no limite de R$ 159 bilhões será muito trabalhoso.

Parte da receita adicional será provavelmente consumida na manutenção de um mínimo indispensável de atividades no governo. Todo recolhimento extra, por meio de privatizações, concessões de infraestrutura ou programas especiais, como o novo Refis, é extremamente importante para o fechamento das contas.

Mas poucos deputados parecem participar dessa preocupação. O vice-presidente da Câmara, o peemedebista mineiro Fábio Ramalho, convocou a bancada de seu Estado para votar com o relator, como resposta à licitação, na semana passada, de quatro usinas da Cemig.

“Não temos compromisso de votar com o governo”, disse o deputado. De fato, nem com o governo nem a favor dos interesses do Brasil. Os danos causados com a imposição de mais um entrave ao acerto das contas públicas ficaram obviamente fora de seus cálculos e de seus planos políticos. Não há como limitar a censura ao deputado Newton Cardoso Jr. Ele apenas se tornou, por sua função como relator, o exemplo mais visível de desprezo ao País. Mas muitos outros estão à sua altura, como confirma a aprovação do texto-base.

Nuances da rejeição - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 03/10

Há muito de peculiar na impopularidade do presidente Michel Temer (PMDB). A começar, claro, pelas suas dimensões.

Segundo pesquisa recém-divulgada pelo Datafolha, nada menos que 73% do eleitorado nacional considera o governo ruim ou péssimo, enquanto míseros 5% o classificam como bom ou ótimo.

Com números um pouco menos tétricos, Fernando Collor (então PRN, hoje PTC) e Dilma Rousseff (PT) não concluíram mandatos. O também peemedebista José Sarney atingiu cifras semelhantes em setembro de 1989, quando a inflação marcava 38% —ao mês— e rumava rapidamente para os 80%.

A copiosa rejeição a Temer, entretanto, não se traduz em atos populares por sua saída, nem em fortalecimento da oposição parlamentar, tampouco em instabilidade que desarranje a economia.

O atual governo é desaguadouro natural de frustrações diversas e acumuladas dos brasileiros com políticos, práticas corruptas e estelionatos eleitorais —o que não chega a configurar injustiça.

Sucedendo pela via controversa, mas constitucional, do impeachment a uma gestão marcada por escândalos de malversação da verba pública, Temer nada fez para se distanciar de casos rumorosos.

Cercou-se, no Planalto, de alvos da Lava Jato, condição que ele próprio não tardaria a assumir. Havia razões bastantes para a cassação de sua chapa, por abuso de poder econômico, pela Justiça Eleitoral; também para que fosse investigado sob a acusação de corrupção passiva, após a delação da JBS.

À medida que se avança no tempo, porém, um ponto de vista pragmático parece ganhar corpo na sociedade: quanto mais perto das eleições e do fim desta administração, menos producente se afigura nova troca no comando do país.

Nesse sentido, de acordo com o Datafolha, cresceu de 30% para expressivos 37% a parcela dos que acham preferível que Temer conclua seu mandato.

Esse se mostra, diga-se, o cenário mais provável. O peemedebista, tudo indica, mantém apoios suficientes no Legislativo para barrar mais uma denúncia apresentada pelo Ministério Público.

Além disso, nenhuma das principais forças políticas tem real interesse no afastamento do presidente —seu desgaste contínuo convém tanto à oposição petista, carente de bandeiras, quanto a aliados de ocasião desejosos de arrancar favores do Executivo.

Mais virtuoso que tais cálculos, decerto, seria votar reformas capazes de tornar os anos vindouros menos penosos para o próximo governo e a população. Para Temer, restarão os julgamentos da história e, possivelmente, dos tribunais.

Samba do País doido - ELIANE CANTANHÊDE

ESTADÃO - 03/10

Áudios do Joesley, recibos do Lula, jeitinho brasileiro no STF, pesquisas hilárias. É pra rir ou pra chorar?


O que está acontecendo no Brasil é o samba do País doido, em que as coisas mais inacreditáveis acontecem não uma ou duas vezes, mas aos borbotões, uma atrás da outra, todo santo dia. Quando a gente acha que não pode piorar, que é impossível surgir algo ainda mais inverossímil, pode ter certeza: piora e lá vem a nova bomba, uma mais chocante do que a outra. Isso tudo gera perplexidade, irritação, desânimo.

As gravações com Joesley Batista, por exemplo, são um mistério com várias explicações, nenhuma delas convincente. Alguém aí grava sem querer uma conversa mais do que comprometedora com um braço direito, um sócio, um parente? Ou grava, também sem querer, uma troca de informações com advogados, dentro de um carro fechado com cinco pessoas?

Mas Joesley, que pode ser tudo, menos bobo, deixa um gravador ligado e sai falando cobras e lagartos de procuradores, políticos, ex-ministros e até ministros do Supremo com Ricardo Saud. E ele, ou alguém, também grava o papo dele com sua advogada, o diretor jurídico da JBS e o onipresente Saud justamente depois de uma reunião na PGR. Foi o mordomo? E o motorista?


O mais fantástico é que os áudios foram parar na boca do leão, ou seja, na PF, no MP, no STF e, no final das contas, nas revistas, jornais, rádios e na televisão. Tudo por acaso, por descuido? O tal Joesley, espertíssimo ao comprar políticos, ficar íntimo do governo Lula e rapar o tacho no BNDES, é um boboca, quase idiota, ao se deixar gravar assim?

Inverossímil também é o pastelão em torno do apartamento vizinho ao do ex-presidente Lula em São Bernardo. Por coincidência (como as gravações do Joesley...), o primo do pecuarista José Carlos Bumlai compra o imóvel exatamente ali, cara a cara com Lula. Depois, esse primo diz em juízo que nunca recebeu nada da família que o usava. Lula rebate dizendo que pagava, sim, senhor. No disse que disse, surgem recibos salvadores. E que recibos!

Não foram reconhecidos em cartório. Continham dois dias inexistentes no calendário, 31 de junho e 31 de novembro. Foram assinados com datas variadas, mas num único dia, e num hospital. Segundo o proprietário, a pedido do advogado Roberto Teixeira, que cuida das moradias de Lula há umas três décadas. E o mais macabro: em nome de Dona Marisa Letícia, a mulher de Lula, que morreu em fevereiro.

O STF e o Congresso já andavam se estranhando, com buscas e apreensões em gabinetes de senadores e a canetada do ministro Marco Aurélio para derrubar o réu Renan Calheiros da presidência do Senado. Mas a coisa piorou muito quando a Primeira Turma criou uma figura curiosa, a do “recolhimento noturno” do senador tucano Aécio Neves. Foi o “jeitinho jurídico”, ou o “jeitinho brasileiro”, para o STF prender Aécio sem admitir estar prendendo.

Os ministros do STF passaram a bater cabeça, não em “casa”, mas em público. Cada um fala o que bem entende, expondo as idiossincrasias internas a céu aberto. Fux, Barroso, Marco Aurélio e Gilmar, ora, ora, todos falam, enquanto Cármen Lúcia tenta acertar os ponteiros com o presidente do Senado, Eunício Oliveira. Esses meninos, ops!, esses ministros dão um trabalho!

Todas essas confusões refletem em resultados contraditórios nas pesquisas. Pelo Datafolha, Lula continua líder isolado para 2018, mas mais da metade dos entrevistados quer a prisão dele. E a grande maioria, numa resposta, defende que o processo contra o presidente Temer continue, mas, em outra, que ele conclua o mandato. O samba da pesquisa doida. É para rir ou para chorar?

Ideia de jerico. Juntar todos os chefões do tráfico novamente no Rio? Só pode ser brincadeira!