Uma das características mais marcantes da indústria moderna é a produção em redes que são compostas por diversas empresas e profissionais que operam de modo articulado. Olhando de fora, as redes exibem relações bastante assimétricas, congregando empresas de vários portes e funções variadas. Cada uma é autônoma, mas a interação entre elas é baseada no cumprimento de regras técnicas e laços de confiança.
As redes de produção no setor de confecções operam dessa maneira e respeitam as especificações técnicas do corte dos tecidos, da costura e do acabamento. As empresas compradoras provêm assistência técnica às oficinas que executam o trabalho.
Em sua maioria, os trabalhadores são jovens e mulheres de baixo nível educacional. Mas, com o avanço das tecnologias, eles ampliam seus conhecimentos e melhoram a renda. Assim tem sido na Ásia, no Leste Europeu e nas Américas (Gary Gereffi, International trade and industrial upgrading in the apparel commodity chain, Journal of International Economics, 1999).
Os grandes beneficiários do trabalho das redes de produção são os consumidores, que compram roupas bonitas, variadas a preços toleráveis.
Esse modo de trabalhar aparentemente não agradou ao Ministério Público do Trabalho do Rio Grande do Norte, que abriu uma ação civil pública contra uma empresa que há anos opera dentro de uma rede de produção composta de oficinas autônomas nas quais os seus empregados (quando existem) são devidamente registrados.
A alegada ilicitude estaria no fato de haver entre as empresas da rede de produção uma “subordinação estrutural”. Isso porque os integrantes da rede trabalham seguindo os padrões técnicos estabelecidos pelas empresas que cuidam do design e do corte das roupas. No caso em tela, as oficinas cresceram e se desenvolveram a ponto de criar roupas de moda própria vendidas no varejo e no atacado para diferentes compradores. Para tanto, contraíram empréstimos, compraram equipamentos e inovaram por conta própria.
O Ministério Público do Trabalho do Rio Grande do Norte fixou o valor da ação em quase R$ 38 milhões, mais a obrigação de a empresa penalizada contratar os empregados das unidades produtivas da rede pagando a eles salários e encargos sociais atrasados, com multa e correção monetária – uma conta que vai longe e, pior, põe em risco os empregos de milhares de jovens e mulheres que têm ali a melhor maneira de ganhar a vida.
Definitivamente, o conceito de subordinação estrutural não casa com a industrialização 4.0 baseada em redes de produção. No caso das confecções, são redes enormes que respondem por uma parcela expressiva do PIB e do emprego. Mundialmente, o setor fatura mais de US$ 1 trilhão por ano e emprega mais de 25 milhões de trabalhadores diretos (Karina Fernandez-Stark e colaboradores, The Apparel Global Value Chain, Duke University, 2011).
Nas redes de produção, a integração entre empresas é essencial e nada tem que ver com esta ou aquela subordinação. E o setor de confecções não é o único que trabalha de modo integrado. Há pouco tempo fui atendido numa clínica em Nova York cujo médico enviou a radiografia de meus pulmões a uma clínica da Índia, que forneceu o diagnóstico em menos de uma hora, ajudando o médico e eu mesmo. É a integração de empresas e especialidades. Jamais sonhei haver entre as clínicas uma subordinação estrutural! Será que o Brasil é o único certo no mundo?
Está na hora de as autoridades do Poder Judiciário serem mais realistas e ajudarem a preservar os empregos, em lugar de destruí-los.