quarta-feira, junho 07, 2017

Certificado de qualidade - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 07/06

A bem-sucedida luta pela recuperação da Petrobrás, pilhada durante os governos de Lula da Silva e de Dilma Rousseff, merece ser vista como um paradigma para todos os setores da economia afetados pela irresponsabilidade criminosa da era lulopetista. O fato de a empresa, há um ano sob o comando de Pedro Parente, conseguir se reerguer em tão pouco tempo, restabelecendo a confiança de acionistas e investidores, é resultado de uma série de medidas saneadoras que tiveram como norte não apenas a eficiência administrativa, mas principalmente a rejeição total aos imperativos ideológicos que haviam amarrado a estatal ao anticapitalismo rançoso do PT.

Os sintomas do sucesso da operação de resgate da Petrobrás, assim, não se limitam aos bons números de seu balanço. O maior certificado de qualidade que poderia ser conferido à administração de Pedro Parente talvez seja a feroz oposição que lhe faz a Federação Única dos Petroleiros (FUP), o principal sindicato da categoria. A FUP anunciou que pretende realizar amanhã um “grande ato político” no Rio de Janeiro, sede da Petrobrás, para dizer que “os petroleiros exigem a saída imediata de Pedro Parente do comando da estatal e a anulação de todas as medidas de sua gestão”.

Se realmente estivessem interessados na saúde da Petrobrás, a ponto de dizerem que “não vamos deixar que destruam a mais importante estatal brasileira”, os petroleiros teriam se insurgido contra a devastação da empresa levada a cabo pelos companheiros petistas e seus associados na ocasião em que o partido estava no poder. Mas isso nunca aconteceu, por razões óbvias: naquela ominosa época, o assalto à Petrobrás era parte de um meticuloso programa de pilhagem de dinheiro estatal arquitetado para financiar a perpetuação da tigrada no poder.

A reação dos que se viram subitamente privados dessa descomunal fonte de recursos e poder, justamente no momento em que se imaginavam invencíveis, não podia mesmo ser outra. No manifesto de convocação para o tal protesto, eles se queixam justamente das medidas que visam a transformar a Petrobrás em uma empresa que segue padrões profissionais de gestão e respeita seus acionistas e investidores, ou seja, que não sirva à estatolatria de um punhado de impostores.

Em linhas gerais, os sindicalistas criticam a “privatização” da Petrobrás, que estaria se dando por meio da venda de ativos e da licitação de campos de exploração do pré-sal sem a participação da estatal, anteriormente obrigatória, além da redução de exigência de conteúdo local. Mas a Petrobrás voltou a respirar e a servir ao melhor interesse do País justamente em razão de todas essas medidas, aliadas a decisões administrativas importantes, como a que acabou com a política de preços vinculada à necessidade de conter a inflação, à custa da saúde da empresa, e a que adequou os investimentos da estatal à sua capacidade financeira, e não mais à agenda política do governo.

O próximo passo da Petrobrás, segundo informou Pedro Parente, é obter o certificado de adesão ao programa Destaque em Governança de Estatais, da Bolsa de Valores de São Paulo. O certificado é um compromisso adicional com a transparência e o profissionalismo da gestão da empresa, com o objetivo de reduzir as incertezas, para os investidores, a respeito da administração de estatais, em razão da sempre possível interferência política. Pedro Parente informou ainda que já está em estudos a adesão ao chamado Nível 2 de governança corporativa, o mais alto da bolsa para companhias com ações preferenciais.

Ainda que haja muito a fazer para que a Petrobrás se recupere plenamente do cataclismo lulopetista, está claro que a empresa vai pelo melhor caminho. Ao provar que o respeito à economia de mercado e às práticas administrativas profissionais é o único meio de fazer a Petrobrás voltar a ser útil ao País, sua atual direção ainda fez o favor de desmascarar os embusteiros que, a título de valorizá-la como símbolo da “soberania nacional”, pretendiam apenas se apossar dela.

O seu destino por um fio - FERNÃO LARA MESQUITA

ESTADÃO - 07/06

Há dois Brasis caminhando para um confronto e só um deles sobreviverá

E cá estamos, o País a quem a corrupção e um jornalismo “corporate” sem osso cassaram a voz própria, reduzidos a assistir pela TV ao nosso destino ser traçado.

Conforme mil vezes prometido, do jeitinho que foi prescrito e está escrito, a cobra morde o rabo com a fuga dada aos 2ésleys. A ressaca da Queda do Muro, o caminho da ressurreição da esquerda latino-americana pela apropriação dos bancos públicos e fundos de pensão apontados a Lula e José Dirceu por Luiz Gushiken, a operacionalização do esquema com a gazua dos “campeões nacionais” da roubalheira, a desmoralização da política solapada por dinheiro bastante para comprar a metade do mundo, a infiltração do Judiciário ao longo de 13 anos de nomeações, tudo faz parte de um roteiro cuja propriedade intelectual tem sido reconhecida e reverenciada onde quer que sobrevivam ditaduras.

A longa marcha começa nos meados dos 90 pelo controle dos sindicatos de bancários. A “PT-Pol”, de “polícia”, como a chamavam as redações da época, passa a bisbilhotar as movimentações bancárias do País inteiro e a vazar seletivamente para os jornais os maus passos dos adversários. Um cultura estava nascendo. É pouco a pouco que o jornalismo investigativo se vai entregando à guerra de dossiês.

A vida informatizada traz o esquema para a era do “grampo”. O “mensalão” é o último episódio em que se diferenciam nuances. Flagrado o lulismo em delito de “corrupção sistemática dos fundamentos da República com vista à imposição de um projeto hegemônico”, restava deslocar o foco do todo para as partes e ir daí para a indiferenciação.

É esse o ponto de não retorno: caixa 1, caixa 2, propina, tudo vai, insidiosamente, sendo feito “sinônimo” uma coisa da outra. E aí está a política presa inteira na arapuca, igualada ao pior de si mesma.

Daí para a frente é poder contra poder. E velocidade passa a ser o que decide. Com todos os eleitos (com passagem obrigatória, portanto, por algum “campeão nacional” de financiamento de campanhas) devidamente filmados e gravados basta, doravante, escolher o que publicar. Não é preciso provar mais nada. Não importa o que se disse e mesmo quem o disse em cada gravação. O contágio é por contato. Basta formar os pares. Diante dos avatares murmurando frases entre reticências sobre o cenário de fundo de rios de dinheiro correndo pelo chão, da cena mil vezes repetida do sujeito “ligado a” recebendo furtivamente uma mala, onde enfiar raciocínios com mais de três palavras sobre quem as tem recheado há tanto tempo com tanto dinheiro, e para quê?

Mas o País insiste em se fazer essa pergunta. O Brasil inteiro sabe que tem alguma coisa no ar além das notas voando das vinhetas da televisão. Só que continua órfão de pai e mãe. Não tem quem fale por ele, mas resiste como pode ao salto no escuro para o qual o empurram com tanta pressa. Nega-se às ruas para as quais o conclamam diariamente em prosa e verso. É nada menos que atroador o seu silêncio diante das circunstâncias.

Já o Brasil com voz – que não conduz, deixa-se conduzir – vai no arrasto de uma espiral de ódio. Quem não está na conspiração ou está bebendo vingança, ou está agarrado pelo silogismo moral em que a conspiração quer todo aquele que não “é”. Ninguém interroga os fatos; tudo é sempre empurrado para o “se”, o “quando”, ou o “de que jeito” se conseguirá torná-los consumados como se fosse certo que o sol da democracia renascerá amanhã.

Não é. Há dois Brasis caminhando para um confronto e só um deles sobreviverá. Ou o da “privilegiatura”, reduzindo o da meritocracia à escravidão, ou o da meritocracia, reduzindo o da “privilegiatura” à igualdade. Os dois juntos não cabem mais na conta. Há também dois Judiciários funcionando em paralelo. Um que, tropeçando pelo cipoal legislativo e processual, investiga, colhe provas, processa e condena a partir de Curitiba numa velocidade que comporta credibilidade e tem no horizonte o respeito aos limites do contrato social. E o outro. Há, por fim, dois Legislativos e dois Executivos. Em ambos há quem, tendo jogado o jogo da política como ele é, olha agora inequivocamente para o Brasil e procura saídas. E há os que, na sua fé cega no lado escuro do bicho homem, só olham para Brasília ou para Miami. O problema é que todos têm pelo menos um pé enfiado na “privilegiatura” e nenhum faz força para desatolá-lo.

Vai ser preciso repensar isso. E rápido. Morta a última esperança, o País, na melhor hipótese, está paralisado de novo até outubro de 2018. Nem vale a pena especular sobre o depois. A carga de novas misérias já contratadas nesta beira do caos de que partimos é muito maior do que a que podemos suportar sem nos despedaçarmos. E o Legislativo já tem tido de engolir cala-bocas demais para acreditar que poderá sobreviver a isso com embarques e desembarques espertos ou pedindo ao povo que aplauda o seu apelo por mais sacrifícios.

Já o juiz venezuelizante é o milico de 64 modelo 2017, mas sem a reserva moral. Cava a entrada no jogo by-passando a regra porque é imoral. E este é vitalício. Não tem compromisso nenhum com o instituto do voto nem com a ideia de representação.

É essa a escolha que há. E metade dela já foi feita sem que fôssemos consultados...

Este é, porém, um daqueles raros momentos da História em que a necessidade faz tudo convergir para um ponto com tanta força que até os milagres se tornam possíveis. O único programa econômico que pode fazer o Brasil reviver é também o único programa político que pode redimir a política. Os dois consistem no enfrentamento da “privilegiatura”, o ralo de todos os ralos da economia e o ponto de origem e de destino de toda essa corrupção.

Reforma da previdência “deles”, igualdade, referendo, “recall”. Se propuser à Nação um compromisso sério para mudar definitivamente o sentido dos vetores essenciais de força que atuam sobre o “sistema”, o Legislativo irá de vilão a herói em um átimo e faltarão ruas para as multidões dispostas a entrar nessa briga com ele, com uma força muito maior que a necessária para decidir a parada.

Se não...

Sem reformas, o retorno ao crescimento fica cada vez mais distante - ALEXANDRE SCHWARTSMAN

FOHA DE SP - 07/06

Num livro extraordinário, "How to Read the Bible", James L. Kugel nota que originalmente o Bom Livro era para ser entendido de maneira literal como a palavra divina.

Nada, nenhuma expressão, nem sequer uma letra do texto sagrado, seria desprovido de significado elaborado pela inteligência onisciente. Mesmo que meros mortais não pudessem compreender, o significado lá se encontraria e caberia aos intérpretes buscá-lo.

Não é essa a visão que predomina hoje entre os estudiosos do assunto, mas, de certa forma, é a perspectiva que domina os analistas que têm que, por dever de ofício, entender e explicar a comunicação de bancos centrais, os entes mais próximos à divindade que encontramos na profissão.

Isso dito, no comunicado que se seguiu à divulgação do corte de 1% na taxa de juros, os diretores do BC mencionaram a palavra "incerteza" nada menos do que 5 vezes num total de 529 palavras, ante apenas 2 vezes (em 591 palavras) no texto publicado em abril.

Afora isso, enquanto "incerteza" então era associada ao cenário externo, na comunicação atual a palavra está sempre ligada a desenvolvimentos domésticos, seja a evolução do processo reformista, seja o seu impacto sobre o comportamento da inflação.

Em tal contexto, não chega a ser surpreendente que o BC, ao fim do documento, praticamente se comprometa com uma redução mais moderada da taxa de juros em sua próxima reunião (ao final de julho), entregando o resultado que caberia a nós, analistas, concluir. Sobrou-nos, assim, tentar explicar os motivos da decisão divina, bem como suas consequências para os pobres mortais.

As decisões do Copom são guiadas, como já afirmei aqui, pela evolução da inflação. Como, porém, alterações da política monetária tipicamente demoram alguns trimestres para se materializar sobre a inflação, o BC tem que mirar na inflação futura, que, obviamente, não é conhecida, mas pode ser projetada com base em modelos estatísticos.

Algumas variáveis podem ser plenamente incorporadas a tais modelos; outras, em particular as de cunho político, não encontram expressão quantitativa tão clara e são tratadas como risco às projeções do BC.

É muito distinta a confiança atribuída a projeções feitas, por exemplo, num país politicamente estável, em que trocas de governo são rotina e não implicam alterações radicais nos rumos da política econômica, comparada àquelas realizadas em países em que tais guinadas são mais prováveis.

Isso é agravado no Brasil pelo forte desequilíbrio fiscal, que só pode ser corrigido no contexto da aplicação do teto constitucional para o gasto público, sujeito, como já escrevi, à aprovação da reforma previdenciária, sem a qual o teto se tornará inviável no espaço de alguns anos.

Não é por acaso, pois, que a inflação começou a cair mais fortemente a partir do momento em que as medidas de ajuste fiscal começaram a tomar forma no Congresso e é justamente esse processo que se vê ameaçado pela atual crise política, motivando a reação cautelosa do Banco Central.

A consequência é óbvia: sem reformas, o risco de o desequilíbrio fiscal ter que ser "resolvido" pela inflação aumenta, levando à piora das expectativas e à elevação da inflação, limitando, assim, a queda da taxa de juros.
Sem reformas, o retorno ao crescimento fica cada vez mais distante.

Coração de mãe - EDITORIAL O ESTADÃO

ESSTADÃO - 07/06

Quem tinha o dever de sustar toda a ilegal negociação foi iludido pelos irmãos Batista


A delação dos irmãos Joesley e Wesley Batista representou o perdão de crimes cujas penas somadas poderiam alcançar de 400 anos a até 2 mil anos de prisão, informou Marcelo Godoy no Estado. Ainda que impressionem, os números não vão ao extremo. Se o juiz tivesse mão pesada, a pena podia chegar a quase 2.500 anos de cadeia.

A conclusão é resultado de uma simples conta aritmética. Os irmãos Batista contaram à Procuradoria-Geral da República (PGR) que tiveram 240 condutas criminosas, sendo 124 casos de corrupção e 96 de lavagem de dinheiro. Para compilar a listagem completa dos crimes, foram necessários 42 anexos, entregues ao Supremo Tribunal Federal (STF). Pois bem, a Lei 12.683/2012 prevê pena de reclusão de 3 a 10 anos, além de multa, para quem comete o crime de lavagem de dinheiro. Já o Código Penal estabelece para o crime de corrupção ativa a pena de reclusão de 2 a 12 anos, mais multa. Se fossem aplicadas penas máximas às condutas narradas, a pena dos irmãos Batista chegaria a 2.448 anos.

Diante desse expressivo passivo penal, o mínimo que se deveria esperar da PGR era uma extrema prudência na negociação com os irmãos Batista, sem deixar margem para que a tão contumazes criminosos o crime compensasse. Ao mesmo tempo, todo esse histórico criminal conferia uma confortável posição de negociação à Procuradoria, já que os irmãos Batista tinham muito a acertar com a Justiça. A não concretização do acordo de colaboração premiada deixaria os srs. Joesley e Wesley numa situação delicada, expostos a várias investigações criminais. Como se vê, havia muito terreno para negociar, já que era possível recortar muita pena e ainda sobrar outro tanto, dando-se por cumprida, ainda que imperfeitamente, a lei penal.

E no caso de ainda a Procuradoria-Geral ter alguma insegurança a respeito de suas margens de negociação, ansiosa que estava por não perder a oportunidade de saber quais eram aqueles graves crimes que os irmãos Batista tinham a delatar, a PGR podia se valer do exemplo proporcionado pela negociação com o sr. Marcelo Odebrecht. Não foi preciso perdoar-lhe todas as penas para que o empreiteiro contasse o que sabia.

Surpreendentemente, a PGR não aproveitou qualquer espaço de negociação de que dispunha e concedeu, assim se lê no termo do acordo de colaboração premiada assinado com o sr. Joesley Batista, “o benefício legal do não oferecimento de denúncia” em relação a todos “os fatos apresentados nos anexos (...), objeto de investigação criminal já em curso ou que poderá ser instaurada em decorrência da presente colaboração”.

Sem dúvida, o caso dos irmãos Batista constituirá um capítulo esquisito da história da Procuradoria-Geral. Comprometeu-se a PGR a conceder completo perdão a centenas de crimes com a simples condição de que eles fossem narrados aos procuradores. O que for aqui contado, parece dizer o termo assinado pela PGR, estará imediatamente perdoado. Certamente, a população gostaria de saber a razão de se conceder tamanha indulgência a um pessoal que, pelo que se deduz de suas próprias palavras, não era nada exemplar. Pela lei, seus crimes mereceriam 2 mil anos de prisão.

Como se não bastasse o caráter inexplicável do acordo, fugindo da lógica de qualquer negociação, seus termos são expressamente ilegais, já que a Lei 12.850/2013 veda o benefício concedido pela Procuradoria-Geral da República aos irmãos Batista a quem liderar organização criminosa. O sr. Janot achou que os irmãos Batista não eram os líderes?

A coroar o triste episódio de impunidade, quem tinha o dever de sustar toda essa ilegal negociação também foi iludido pelos irmãos Batista. Para surpresa de uma população que ainda deposita esperanças no Poder Judiciário, o ministro do STF, Edson Fachin, homologou, sem atinar para as evidentes ilegalidades, o perdão dos 2 mil anos de prisão à dupla. Certamente, merece outro nome essa generosidade, que tão flagrantemente fere a lei e os bons costumes.

Quando alguém falar de CPI, proteja a sua carteira - ELIO GASPARI

O GLOBO - 07/06

O presidente do Senado, Eunício de Oliveira, autorizou a criação de uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito para investigar a JBS. Ela tem direito à presunção da inocência, mas os antecedentes recomendam a presunção da culpa.

A memória nacional mal se recuperou do vexame da CPI Mista que investigou as atividades do contraventor Carlinhos Cachoeira. Instalada em 2012, durou oito meses e terminou em pizza fria. Tendo diante dos olhos os negócios da empreiteira Delta, os senadores e deputados conseguiram a proeza de não chamar o governador Sérgio Cabral para depor. O dono da Delta era Fernando Cavendish, aquele que cacifou o mimo de um anel de brilhantes para madame Adriana Ancelmo. A joia foi comprada na loja Van Cleef de Mônaco enquanto a CPI funcionava em Brasília. Sérgio Cabral está na tranca em Benfica, Adriana está no Leblon em prisão domiciliar e Cavendish, depois de passar alguns dias na cadeia, negocia uma difícil colaboração com o Ministério Público. Nada disso aconteceu por causa das investigações dos senadores ou dos deputados.

Depois do vexame da CPI mista de Carlinhos Cachoeira, o Congresso voltou a afrontar a boa fé do público. Em 2014 criou duas comissões para investigar a Petrobras. Um dos paladinos da iniciativa era o doutor Eduardo Cunha, líder do PMDB na Câmara. Dois depoimentos, ambos destinados a proteger petrorroubalheiras, enrubescem quem os revisita. Num, a CPI Mista ouviu Paulo Roberto Costa, um ex-diretor da Petrobras que estivera preso. Num discurso heroico, ele mostrou que nada ocorrera de estranho na empresa. Disse até que guardava R$ 1,2 milhão em casa "para fazer pagamentos". Semanas depois "Paulinho" voltou para Curitiba, fez um acordo com o Ministério Público, e deu no que deu.

Passou-se mais de um ano, a Lava Jato já encarcerara 112 maganos, entre eles Marcelo Odebrecht, e o príncipe das empreiteiras foi chamado para depor na CPI. Os parlamentares receberam-no como um potentado. Em seu depoimento o doutor desdenhou a conduta dos acusados que colaboravam com o Ministério Público. Àquela altura eram nove. Logo ele entraria no bloco.

Essas duas CPIs não foram simples fracassos, mas grandes vexames. Fracassos fazem parte da vida. Tanto em relação a Cachoeira como no caso da Petrobras, as CPIs destinaram-se a manipular os interessados e a iludir o público.

A nova CPI, que pretende investigar as traficâncias dos irmãos Batista, anuncia que examinará seus negócios com o BNDES. Isso é o que se diz. Noutra investigação financeira, a do Banco do Estado do Paraná, o Banestado, prevaleceram as conversas paralelas com outros papeleiros. Na CPI do Cachoeira, era falta de educação mencionar os negócios de Cavendish com Cabral. Na da Petrobras chegava a dar pena o desempenho de comissários procurando blindar larápios que meses depois contariam a verdade aos procuradores.

As empreiteiras e a JBS capitularam graças à honestidade e ao trabalho do Ministério Público e do Judiciário. Nada a ver com o Legislativo. Se o senador Eunício de Oliveira quiser ajudar, instala a CPI das CPIs. Os réus da Lava Jato têm muito a contar, começando pelo ex-senador Delcídio do Amaral.

Janot quer na Presidência um fantoche de fantasias totalitárias do MPF e seus delírios justiceiros - REINALDO AZEVEDO

REINALDO AZEVEDO - 07/06
Resta evidente que uma casta de agentes do estado — procuradores, policiais federais e alguns juízes — tomaram para si a tarefa de “sanear” a vida pública, atropelando os Poderes da República, as instituições e as garantias legais
Não se enganem: se Michel Temer vier a cair, o presidente que o sucederá, eleito necessariamente pelo Congresso, estará com a corda no pescoço. É preciso que se tenha claro, de uma vez por todas, que o monstro que foi criado por Polícia Federal e Ministério Público pouco deve ao famigerado SNI (Serviço Nacional de Informações), mas com uma diferença que lhe confere virulência muito própria, distinta daquela dos tempos da ditadura: esse fascismo de esquerda — o Estado onipresente, vigilante e policial, sempre à caça dos poderosos — encontra guarida nas, como chamarei?, ignorâncias da direita. Os extremos, desta feita, estão juntos.

Não deixa de ser curioso. Alguns dos meus críticos mais duros se dizem antipetistas ferrenhos, vivem por aí pedindo a prisão de Lula, dizem odiar os comunistas etc. E, no entanto, repetem as mesmas bobagens do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), que que se finge de marinista para que possa ser ainda mais psolista.

Não, meus caros! Dado esse estado de coisas, não existirão jamais presidente ou primeiro-ministro estáveis no Brasil. Não se trata mais de perseguir o crime, mas de criminalizar a própria política, tomada como atividade própria de exploradores da boa-fé alheia. Ora, rancorosos de direita e de esquerda se irmanam nessa estupidez.

Resta evidente que uma casta de agentes do estado — procuradores, policiais federais e alguns juízes — tomaram para si a tarefa de “sanear” a vida pública, atropelando os Poderes da República, as instituições e as garantias legais. O que é trágico? Eles têm como arma a verossimilhança mentirosa. Explico o que isso quer dizer.

Verossímil é aquilo que parece verdadeiro ou que, prestem atenção à sutileza, provavelmente não contraria a verdade. É verossímil, pois, a afirmação de que, no Brasil, “nenhum político presta”. É verossímil a invectiva de que que “todo político rouba”. É verossímil a generalização segundo a qual “todos os políticos são iguais”. É verossímil a matemática canhestra que aponta ser a corrupção a verdadeira fonte das dificuldades pelas quais passa o país.

E, no entanto, meus caros, não há uma só verdade aí. Eis as coisas nas quais as pessoas acreditam porque, afinal, elas parecem não contrariar a verdade, elas são plausíveis.

Antevisão e preço altoOra, que preço alto paguei, não é?, pela antevisão de que a Procuradoria Geral da República, na figura de Rodrigo Janot, estava ressuscitando a esquerda, que havia sido liquidada nas eleições de 2016. Que preço alto paguei ao afirmar que a direita xucra estava, na prática, colaborando para ressuscitar os esquerdistas, uma vez que investia ela também não apenas contra a roubalheira, mas contra as garantias do Estado de Direito.

Como se sabe, eu mesmo não fui poupado do Estado policial que vinha denunciando. Eu me tornei um dos exemplos a comprovar a minha antevisão. Uma conversa deste escriba com uma fonte, Andrea Neves, foi pinçada em meio a mais de 2 mil gravações. E o que há lá de errado ou criminoso? Nada! Trata-se de conversa de monge, mas não daqueles da fase realista de Eça de Queiroz. Refiro-me, mesmo, ao sentido pio do termo.

O que se queria com aquilo? Intimidar umas das poucas vozes que se levantam contra a ditadura já mais do que incipiente deste novo SNI. E uma voz que, como se sabe, não vem da esquerda, sempre tão dedicada a defender seus bandidos de estimação. Como Andrea havia sido presa havia pouco e como resta evidente que Aécio Neves é o alvo nº 2 de Rodrigo Janot — Temer é o nº 1 —, a conversa foi divulgada para tentar evidenciar uma suposta proximidade minha com alguém que estava sob investigação. E noto, sim, à margem porque não me acovardo: a prisão de Andrea é arbitrária e não encontra amparo na lei; o afastamento de Aécio de seu cargo é arbitrário e não encontra abrigo na legislação; o pedido de prisão do senador, feito por Janot, já merece um adjetivo para duro do que esse: trata-se de uma sandice, de um delírio totalitário.

E o que se viu? Quando passei a fazer essa crítica, fui demonizado de todos os lados. Os esquerdistas diziam: “Ah, Reinaldo só passou a criticar a Lava Jato depois que chegou aos tucanos”. Falso! “Ah, Reinaldo agora começou a ajudar as esquerdas; ele têm a coragem de criticar o comportamento de Sérgio Moro no depoimento de Lula…”

Com efeito, os fundamentos do liberalismo sempre foram muito frágeis no Brasil. São poucos, infelizmente, os que, neste país — como dizia aquele —, entendem que a luta essencial é aquela que se trava entre as liberdades individuais e a sanha punitiva do Estado.

Não! Não se trata de optar entre impunidade e ditadura. Trata-se de saber que, na democracia, o devido processo legal não é impunidade. Trata-se de saber que ignorar essa verdade corresponde a caminhar para a ditadura.

Que tal a gente escrever com todas as letras? O MPF quer depor Michel Temer e pôr no lugar um mero fantoche de suas fantasias totalitárias e de seus delírios de Justiça — ou de justiçamento.

A economia no banco dos réus - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 07/06

ERA DEVAGAR, mas não estava quase parando a de fato miudíssima recuperação da economia no início do ano, "AG" ("Antes do Grampo" de Michel Temer).

Passados 20 dias do escândalo, também não é possível dizer que o caldo entornou todo, se por mais não fosse porque há escassa informação objetiva do que se passou desde então.

Pelo menos até sair alguma decisão do julgamento de Dilma-Temer no TSE, o que se sabe do passado da economia até maio é um tanto arquivo morto, as previsões são o futuro do pretérito e o futuro é puro breu.

Quanto ao fio de recuperação que pode ir para o ralo, considere-se o resultado das montadoras em maio e neste ano inteiro, por exemplo.

A venda da produção de carros nacionais cresceu 18% no ano (ante 2017); no mês de maio, 28%. O impulso maior das vendas vinha de exportações, mas vinha.

Quanto ao fio de problemas que pode nos levar para o ralo, sabemos mais apenas das taxas de juros. No mercado, estão 0,6 ponto percentual a 0,8 ponto percentual mais altas que no último dia "AG", o 17 de maio em que a nova crise estourou. Parece pouco, mas não é, e significa na prática que voltamos aonde estávamos em abril.

Como a recuperação depende quase estritamente de juros menores, é má notícia. Como não há perspectiva de se e quando a lambança política mais aguda vai terminar, Banco Central e, mais ainda, bancos vão jogar na retranca. No entanto, não houve pânico. O povo do mercado aumentou seus preços e está esperando para ver.

Na exposição de motivos da decisão da semana passada, o BC reafirmou nesta terça (6) que o ritmo de corte dos juros deve ser menor em 26 de julho e provavelmente cadente em setembro, próxima reunião para tratar de Selic.

Afora milagres, não será um estímulo para que os bancos mantenham a quase imperceptível redução dos juros para os clientes finais, que mal começara em abril.

As primeiras, precárias e ainda raras medidas de choque na confiança de consumidores e empresários indicam retração dos ânimos. Mas tão cedo não será claro o que indicam tais números.

A confiança mês a mês é inconstante, ainda mais em um país no quarto ano da regressão da renda per capita e abalado quase semanalmente pelos desclassificados de Brasília.

No mais, há uma campanha agora geral e pública de empresários e banqueiros pela preservação do programa de reformas liberais.

Quase ninguém menciona o nome de Temer, como se fosse a peste. Mas há uma tentativa de organizar uma frente "business as usual", tudo como dantes no quartel de Abrantes reformista.

"Não podemos deixar que essas incertezas paralisem o que estava sendo feito", disse nesta terça-feira Murilo Portugal em um congresso da Febraban, a associação dos bancos, entidade que preside. Mesmo desnorteado, o tucanato paulista faz o mesmo discurso.

Não se quer deixar a peteca cair, enquanto não se arruma uma solução político-judicial para:

1) tirar Temer, problema cada vez mais enrolado;

2) caçar recalcitrantes do Congresso e convencê-los a cumprir o programa da regência liberal, missão quase impossível;

3) garantir que a equipe econômica permaneça a mesma, um acordo tido quase como certo entre os donos do dinheiro.


Não desperdicem a recuperação - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 07/06

Uma recuperação econômica puxada pela agropecuária e pela indústria será oportunidade para repor o País nos trilhos da modernização


Com produção de 237.060 veículos em maio, 33,8% maior que a de um ano antes, a indústria automobilística segue em recuperação, mas há uma névoa de incerteza sobre a economia, adverte o Banco Central (BC). A boa notícia sobre as montadoras e o relato oficial da reunião do Comitê de Política Monetária do BC (Copom) saíram com diferença de poucas horas, na manhã de ontem. Para o início da noite estava previsto o recomeço, no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), do julgamento da chapa Dilma-Temer, acusada de abuso e irregularidades na campanha de 2014. Além desse processo, o presidente enfrenta as acusações baseadas em delação do empresário Joesley Batista, envolvido em numerosos casos de corrupção. Não há referência explícita à turbulência política na ata, mas a incerteza mencionada no documento é obviamente associada ao assédio contra o Palácio do Planalto. Isso já havia ficado claro no texto distribuído pouco depois da sessão do Copom, na semana passada.

Mais que uma curiosa coincidência, a publicação quase simultânea dos dois informes – sobre a política de juros e sobre a atividade das montadoras – é um alerta para todos os brasileiros, mas especialmente para aqueles com poder para interferir nas grandes questões da vida nacional. A reativação da indústria automobilística é uma das novidades mais animadoras, depois de mais de dois anos da pior recessão registrada na história brasileira.

A fabricação de veículos continua longe dos volumes alcançados nas fases de maior prosperidade. O emprego continua bem abaixo dos níveis observados antes da crise. Mas a reanimação do setor, puxada tanto pelas vendas no mercado interno como pela exportação, é um dos sinais mais fortes e mais promissores de recuperação da economia nacional. Além disso, as contratações de pessoal têm aumentado tanto nas montadoras e nas empresas de seu entorno como em outros segmentos industriais.

A desocupação permanece muito alta, com cerca de 14 milhões de pessoas em busca de uma oportunidade, mas seria um enorme equívoco menosprezar os sinais positivos observados na atividade industrial. Essa ainda é a fonte mais importante de empregos classificáveis como decentes, pelos salários, pela segurança contratual, pelos benefícios complementares e, é claro, pela produtividade. A contratação de pessoal na indústria é um efeito da melhora das perspectivas setoriais e um fator de expansão econômica.

As estatísticas do emprego foram engordadas durante anos, no Brasil, com a absorção de trabalhadores de baixa ou nenhuma qualificação em atividades pouco produtivas. A ocupação cresceu, nesse período, em ritmo desproporcional ao do aumento do Produto Interno Bruto (PIB). Concebida apenas como instrumento eleitoral, a política de rendas propiciou, enquanto foi possível, a expansão do consumo e de ocupações, no comércio e nos serviços, com baixo potencial econômico.

Essa política foi paralela, naturalmente, a uma estratégia educacional voltada mais para a distribuição de diplomas do que para o desenvolvimento de capacidades. A crise desmontou essa fantasia.

Uma recuperação econômica puxada pelos segmentos mais eficientes da agropecuária e da indústria deve produzir, se for duradoura, muito mais que uma intensificação da atividade. Será uma oportunidade para repor o País nos trilhos da modernização e, portanto, da produtividade, da competitividade e da multiplicação de bons empregos. Mas para isso será preciso restabelecer, em prazo razoável, os fundamentos da economia.

Isso inclui um amplo trabalho de reparo e de renovação das finanças públicas e a criação de condições de estabilidade dos preços. A pauta de reformas, como a da Previdência, é componente essencial dessa transformação. Se as pessoas com maior responsabilidade em Brasília forem capazes de impulsionar esse conjunto de ações, o País sairá de uma vez do atoleiro e poderá ocupar, no mundo, um posto digno de uma democracia moderna e economicamente poderosa. Isso exigirá alguma visão e alguma grandeza política.