terça-feira, junho 06, 2017

Os brutos também amam - JOAQUIM FREITAS

JOAQUIM FREITAS - 06/06

No dia seguinte ao atentado em Manchester, comecei a assistir um programa na Globo news sobre terrorismo, onde o apresentador abria com a seguinte frase " ... a melhor arma contra o terrorismo é a solidariedade ...".

Diante de tanta sabedoria e sensibilidade, fiz uma ligeira reflexão que virou o texto abaixo :

Até o século XX o grande poder do mundo estava concentrado na caserna e seus aliados, a força era sempre o último recurso, ou o maior recurso de governos, maus ou bons.

Na segunda metade do século XX emerge um poder novo e gigantesco: os meios de comunicação, a tal da mídia.

A mídia é o quarto poder, distribuído, e ao mesmo tempo concentrado.

Sem querer discutir sobre quem manda na mídia , o se ela nos obedece (um pouco de cada), enfoco um macro aspecto comportamental pouco falado.

O novo poder mídia deu voz ao lado mais sensível da humanidade, as pessoas que fazem a mídia não são engenheiros, médicos ou militares, são pessoas de humanas, as mais sensíveis.

Dos anos 70 para cá, acelerou-se a revolução da sensibilidade.

Os brutos foram ficando para trás com sua caretice.

Chegou a vez dos cabeças abertas , que acreditavam na paz e no amor como um caminho tranquilo para a humanidade.

As polícias passaram a ser vigiadas, nada de brutalidade, apenas a busca pela ressocialização daqueles que eram as vítimas da sociedade desigual.

De certa maneira o mundo se afeminou, dando espaço ao que chamamos de "politicamente correto".

O problema é que o lado mau da humanidade continua sem ética, violento e sem limites.

A criminalidade urbana e o terrorismo não acompanharam os movimentos humanitários, continuam usando armas e dispostos a tudo pelos seus objetivos.

Já a sociedade, sensível e desarmada procura explicações sociológicas para explicar a violência crescente e a falta de soluções a curto prazo.

Sinto muito queridas, mas o mundo ainda precisa dos machos.

JOAQUIM FREITAS É ENGENHEIRO

O absurdo das ‘diretas já’ - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 06/06

O descomunal esforço necessário para satisfazer esse desejo seria inútil porque logo em seguida seria necessário escolher o sucessor do eleito


Além de ignorar a Constituição, a defesa da realização de eleições diretas à Presidência da República a menos de dois anos do final do mandato não leva em conta as óbvias dificuldades de organização de um pleito dessa magnitude em tão pouco tempo, e isso tudo para eleger um presidente que ficaria, na melhor das hipóteses, cerca de um ano no cargo. O descomunal esforço institucional e econômico necessário para satisfazer esse desejo alegadamente democrático seria, na prática, inútil, porque logo em seguida seria necessário deflagrar nova campanha eleitoral para escolher o sucessor desse presidente eleito apenas para terminar o mandato.

A não ser que se pretenda emendar a Constituição de tal maneira que se abrevie o mandato nascido das urnas em 2014 e se dê ao eleito um novo termo – há que fale em mandato de cinco anos –, a mobilização em torno de tão disparatada iniciativa seria, em resumo, apenas irresponsável.

A ligeireza do debate sobre a realização de eleições diretas para presidente caso Michel Temer não consiga completar o mandato é espantosa. Há quem diga, candidamente, que basta aprovar uma emenda constitucional como qualquer outra para tirar do Congresso e “devolver ao povo” a prerrogativa de eleger o presidente que cumprirá o mandato até 2018. Já há algumas iniciativas nesse sentido em tramitação no Congresso – uma, na Câmara, prevê eleição direta em caso de vacância da Presidência e da Vice-Presidência até seis meses antes do final do mandato; e outra, no Senado, que estabelece como limite o último ano do mandato.

Ora, quem defende a vigência dessa mudança já neste ano, como num passe de mágica, não leva em conta – por ingenuidade, ignorância ou má-fé – o princípio da anualidade, previsto no artigo 16 da Constituição. Nele se lê que qualquer lei que altere o processo eleitoral não se aplica “à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência”. A razão dessa salvaguarda é simples: com ela, evita-se que as regras do jogo sejam alteradas em cima da hora por interesses casuísticos, para beneficiar uns candidatos em detrimento de outros. A isso se dá o nome de segurança jurídica, primado das sociedades civilizadas.

Mesmo que tudo isso seja ignorado, o que em si já configuraria uma inacreditável aventura institucional, a própria realização de uma eleição presidencial ainda neste ano implicaria uma incalculável mobilização de recursos de toda ordem. Campanhas eleitorais não são feitas da noite para o dia. É suposto, antes de tudo, que uma eleição sirva para que candidatos convençam os eleitores sobre seus propósitos, e isso demanda tempo, sem falar na necessidade de obter financiamento. Que presidente seria eleito em um processo tão açodado? Melhor nem perguntar.

Mas os advogados das “diretas já” são persistentes. Segundo seu discurso, a escolha do substituto de Michel Temer por eleição direta daria ao eleito a legitimidade que o presidente designado pelos congressistas não teria, já que muitos dos atuais parlamentares estão envolvidos em cabeludos escândalos de corrupção. Além disso, dizem esses paladinos da democracia que o estabelecimento de eleição direta agora serviria para restituir aos cidadãos o direito de escolher seu presidente, razão pela qual seu movimento diz inspirar-se nas “Diretas Já”, de 1984.

Nem é o caso de discutir aqui a evidente contradição dos que consideram o atual Congresso legítimo o bastante para mudar a Constituição a seu favor, mas ilegítimo para eleger o presidente da República conforme manda a lei. Já a comparação com as “Diretas Já” é obviamente excêntrica: diferentemente dos cidadãos brasileiros que, nos estertores do regime militar, queriam de volta o direito de escolher o presidente, os eleitores de hoje puderam votar em 2014 e poderão votar novamente em 2018. Aliás, vota-se diretamente no presidente desde a eleição de Fernando Collor. Ou seja, não há direito a ser restituído, pois nenhum foi cassado.

Por trás de toda essa balbúrdia sobre uma eleição direta extemporânea – que se presta mais a reunir artistas militantes em shows gratuitos do que a incitar uma discussão séria sobre o futuro do País – está um grande esforço para desqualificar os políticos em geral. E todos sabem, ou deveriam saber, que essa destruição é tudo o que os demagogos querem.

Começa às 19h julgamento no TSE. Viés é favorável a Temer; fim da crise pode ser antecipado - REINALDO AZEVEDO

BLOG DO REINALDO AZEVEDO - 06/06

Hoje, a maioria do TSE tende a não cassar a chapa, mantendo o mandato do presidente; se isso acontecer, a crise política esfriará bastante, evidenciando o esforço desesperado de Rodrigo Janot para depor Michel Temer


O destino do governo Michel Temer começa a ser decidido nesta terça, às 19h, na primeira sessão do Tribunal Superior Eleitoral do julgamento da Ação de Investigação Judicial Eleitoral (Aije), que pede a cassação da chapa que elegeu Dilma Rousseff presidente e Temer vice, em 2014. Vive-se, goste-se ou não disto, uma prévia do futuro. Hoje, o viés é favorável à permanência do chefe do Executivo no cargo. Explico.

O julgamento pode ser interrompido a qualquer tempo por um pedido de vista. Se não estiver formada ainda maioria de quatro votos, de um lado ou de outro, quando isso acontecer, haverá algum grau de incerteza sobre o futuro. Se, no entanto, metade mais um dos sete ministros já tiverem selado a sorte da chapa, aí o pedido parecerá apenas procrastinação. Para efeitos políticos, é como se o julgamento tivesse terminado. Nota: a aposta majoritária é que ninguém pedirá vista.

Caso a chapa não seja cassada — ou fique claro que não, com ao menos quatro votos garantidos —, ؙTemer poderá enfrentar uma espécie de antecipação da vitória política. Aí restaria evidente o esforço desesperado de Rodrigo Janot, procurador-geral da República, e, lamento dizer, de Edson Fachin, ministro do Supremo, para derrubar o presidente.

Os recursos

Se o julgamento for concluído e se o tribunal cassar a chapa, ainda restarão alguns recursos à defesa de Temer. Tão logo o tribunal publique o acórdão, que traz a decisão do colegiado — e o Conselho Nacional de Justiça recomenda que se o faça em, no máximo, 30 dias —, cabem os chamados “embargos de declaração”. São instrumentos por meio dos quais o defensor pede que dúvidas, obscuridades e ambiguidades sejam esclarecidas pelo tribunal. Um embargo de declaração pode mudar o resultado de um julgamento? Em regra, não muda, mas pode.

Mantida a votação, o presidente pode ainda entrar no próprio TSE com um Recurso Extraordinário, que será julgado no Supremo. Para tanto, a defesa tem de evidenciar que o julgamento envolve matéria de natureza constitucional. Como ação subsidiária, a defesa certamente apelaria a uma Ação Cautelar com efeito suspensivo.

Também se poderia ganhar tempo. Publicado o acórdão, a defesa recorreria diretamente ao Supremo.

Mas cumpre notar: ainda que existam os recursos, Temer estaria apenas adiando o inevitável. Seria difícil manter a chamada “governabilidade”.

Tendência

Como sabemos, a Procuradoria Geral da República e a Polícia Federal parecem empenhadas em gerar a toda hora fatos novos, e o objetivo claro é constranger o TSE, o que tem irritado os ministros. Alguns deles consideram que as forças favoráveis à saída de Temer querem instrumentalizar o tribunal, buscando jogá-lo contra a opinião pública.

Tudo o mais constante, se não houver nenhuma “surpresinha” preparada pela dupla Janot-Fachin, com o eventual concurso da Polícia Federal, a balança pende a favor de Temer e da não cassação da chapa. O mais provável também é que, por rigor processual apenas, sejam excluídos dos autos ou ignorados os depoimentos de delatores da Odebrecht.

Se as coisas se derem como se desenham até aqui, Temer amanhecerá presidente no dia 9. Se isso acontecer, é enorme a chance de chegar ao fim do mandato, por mais que robustas figuras da República continuem a atuar nos porões para derrubá-lo.

É o que de melhor poderia acontecer ao Brasil.

O golpe da eleição direta - CARLOS ANDREAZZA

O GLOBO - 06/06

Por que o PT considera o Congresso ilegítimo para eleger o próximo presidente, conforme expresso na Constituição, mas legítimo para promover emenda constitucional?



A Comissão de Constituição e Justiça do Senado aprovou, em 31 de maio, o projeto de emenda constitucional que dispõe sobre eleição direta em caso de vacância presidencial até um ano antes do fim do mandato. A PEC ainda terá longa tramitação — e, para se impor, depende de votações, em dois turnos, nas duas casas do Parlamento.

Não importa. Esse puxadinho constitucional — de natureza oportunista e pretensão imediatista — é inválido, pois corrompe dois artigos da Constituição Federal combinados: o 81, que afirma que o pleito, no cenário delineado, seria indireto, e o 60, que trata de cláusulas pétreas e veda mudança na periodicidade da eleição para o exercício em curso. Há ainda, a ser subsidiariamente considerado, o artigo 16, explícito: alterações em regras eleitorais só podem ser aplicadas a eleições ocorridas um ano após a modificação na lei. Um conjunto de solidez inviolável — com o qual não se joga, o qual não se negocia, não se golpeia — e leitura cristalina: a PEC proposta não teria efeito súbito caso Michel Temer afinal caísse. Ponto final.

Ponto final?

Não.

Os governistas erraram ao firmar com a oposição o acordo que resultou na aprovação, por unanimidade, do tal projeto na CCJ. E os petistas e suas linhas auxiliares talvez não tenham sido ingênuos ao festejar essa vitória.

Convém aos governistas que reflitam sobre o histórico recente de interferências do Judiciário no Legislativo, e que, portanto, ponham as barbas de molho se o compromisso que negociaram com os esquerdistas decorrer de inabalável fé no respeito à Constituição, da certeza de que os artigos citados sejam imexíveis e, pois, da convicção — também oportunista — de que, pelo menos em 2017, teriam o controle sobre a eventual sucessão do presidente.

Não quero instruir parlamentar sobre a importância de conhecer a história do Parlamento, mas não seria aconselhável certo cuidado ao cerrar pacto de compreensão constitucional com aqueles — os petistas — que se negaram a assinar a Constituição em vigor?

Escrevi que os esquerdistas talvez não tenham sido ingênuos ao comemorar o que pareceria passo modesto porque tenho a impressão, cada dia mais nítida,de que ora investem em que essa emenda avance no Congresso — sob o consenso de que sua aprovação não poderia resultar em aplicação imediata — para que, uma vez confirmada, recorram ao Supremo questionando o entendimento daqueles artigos constitucionais e exigindo emprego instantâneo da eleição direta.

O leitor duvida?

Repare, então, na atuação de partidos como Rede e PSOL, especialistas em atentar contra o Legislativo desde dentro e a judicializar as principais responsabilidades do Parlamento para o qual elegem — ou no qual infiltram — representantes. Vejo até o ministro Luís Roberto Barroso — apaixonado pelo clamor das ruas, e criativo constitucionalista que é — pronto para matar a causa popular no peito e estufar a rede.

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Uma questão de ordem lógica. Por que o PT e suas linhas auxiliares consideram o Congresso ilegítimo para — caso Michel Temer caia — eleger o próximo presidente da República, conforme expresso na Constituição Federal, mas legítimo para promover uma emenda constitucional?

Eles não têm resposta para isso.

Como explicar que um Parlamento tratado — pelos mortadelas — como lixo esteja, segundo os próprios embutidos, habilitado a alterar a Carta Magna, mas inabilitado a preservá-la? Por que, aliás, o impeachment de Dilma Rousseff, de rito estabelecido na Constituição, era golpe, e a eleição direta — segundo se deseja agora, de forma não prevista na Lei Maior — seria conquista da democracia?

Eles não têm resposta para isso.

Convictos sobre a podridão do Legislativo, e se minimamente preocupados com o destino do país, o correto — o coerente — não seria que os esquerdistas trabalhassem contra qualquer mudança essencial na Constituição, sobretudo se para modificar as regras do jogo enquanto a bola está rolando?

Mais do que não terem resposta para isso, eles não podem responder, ou exporiam a índole, essencialmente contraditória, do oportunismo em que operam, arrivismo que posa nu sob o sol quando voltamos 20 anos no tempo para perguntar se os que hoje militam pela eleição direta para presidente não são os mesmos que, em 1997, chamavam de golpista (com razão, diga-se) a emenda constitucional pela reeleição, a mais baixa obra de Fernando Henrique Cardoso, que transtornou o desenho do tabuleiro mesmo com as peças em movimento. Hein?

O que terá mudado em duas décadas? Nada. A vida pública não foi reformada pelo tempo: a atividade política no Brasil não amadurece, não é balizada por convicções, por compromissos com valores, pelo respeito à norma legal, mas pelo cupim moral que corrói a institucionalidade e abre os veios — os dutos — das vantagens ao projeto de poder de turno.

Uma emenda constitucional é somente uma picada para o Planalto — golpista ou não, a depender de quem manuseia o facão.

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São já três semanas sem se ouvir falar em Luiz Inácio Lula da Silva. De modo que repetirei a pergunta que aqui formulei em 23 de maio: não lhe parece genial, leitor, que as delações dos irmãos Batista — cuja JBS teve crescimento artificial sem precedentes durante os governos petistas — tenham Temer como protagonista, e não Lula e Dilma?

Hein, Janot?

Carlos Andreazza é editor de livros

Riscos da virada - FABIO GIAMBIAGI

ESTADÃO - 06/06

O conturbado cenário político pode frustrar a recém-iniciada recuperação econômica


Não há dúvidas de que o comportamento do nível de atividade a partir de meados de 2016, após a mudança de governo, foi decepcionante, comparativamente às expectativas que parte do mercado tinha há aproximadamente um ano. Também não há dúvidas de que ocorreu algo diferente em relação ao padrão registrado em outras oportunidades, quando, na esteira de uma recuperação da confiança, houve um aumento, pouco tempo depois, dos índices de desempenho do nível de atividade.

Por outro lado, a interpretação de muitos analistas – incluindo este articulista – de que as ações tomadas pelo novo governo poderiam melhorar os indicadores de confiança e, na sequência, contribuir para estimular determinadas decisões de gasto que alavancassem a economia, ainda que com alguma defasagem, continuaram fazendo sentido.

Há duas explicações para o fato de isso não se ter dado de forma mais rápida. A primeira é que a incerteza não desapareceu do cenário nesse período. Se com o impeachment se desvendou uma das incógnitas existentes no começo de 2016 e a escolha de uma excelente equipe econômica representou um sinal de previsibilidade extremamente importante, persistiram no cenário político dúvidas críticas acerca dos destinos do País. Possibilidades como a eventual cassação da chapa completa Dilma-Temer no julgamento do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e a convocação de uma eleição indireta cujos contornos ninguém sabia bem quais poderiam ser continuaram sendo discutidas ao longo dos meses, turvando o horizonte de referência para as decisões de investimento, seja de particulares como de empresas. O Brasil nunca foi a Suíça, onde o cidadão acorda e vai trabalhar sem que sua vida dependa muito do que o governo faz ou deixa de fazer, mas o que aconteceu no Brasil nos últimos dois anos alcançou o paroxismo: nunca nossos destinos dependeram tanto do desenrolar do jogo político em Brasília como no período 2015-2017.

A segunda explicação é que aos efeitos da incerteza se foi somando com o tempo uma segunda interpretação acerca das raízes da crise, associada às dívidas excessivas assumidas em anos anteriores e que precisariam ser “digeridas” pelo sistema. A conclusão de que, mesmo na presença de um horizonte melhor, famílias e empresas teriam de dispor de tempo para processar a desalavancagem parcial de suas posições foi tomando corpo na avaliação da conjuntura.

Em ambos os casos, até meados de maio o País guardava a expectativa de estar começando a assistir aos primeiros sinais de um movimento de “virada”, a serem ainda confirmados, pela evolução futura das variáveis. Os dados animadores acerca do nível de atividade no primeiro trimestre – corroborados depois pela divulgação do PIB do trimestre –, embora muito influenciados pela agricultura e que dificilmente se repetiriam na mesma intensidade no segundo, apontavam nessa direção. Vejamos o conjunto da situação por partes. Nesse sentido, havia quatro sinais claros:

- A reforma da Previdência, iniciativa-chave sobre cujas chances de aprovação havia inicialmente muitas dúvidas, começara a tramitar a uma boa velocidade para o que são os ritos parlamentares no Brasil, com chances de ser promulgada no terceiro trimestre do ano;

- a inflação, que tinha alcançado 10,7% em 2015 e ainda no primeiro semestre de 2016 fechou com uma taxa acumulada em 12 meses de 8,8%, encerrou o ano passado em 6,3% e nos últimos 12 meses completados em abril já se situava em 4,1%, com chances concretas de ser da ordem de 4% no final do ano, até mesmo abaixo da meta de 4,5%;

- na esteira desse movimento, a taxa Selic, que escalara até 14,25%, começou a declinar e já se encontra em torno de 10%, com perspectivas de cair a níveis em torno de 8,5% a 9% até o final do ano em curso;

- as taxas de juros reais das NTN-Bs longas, que no primeiro semestre de 2016 se situavam no patamar de 6,5% a 7,5%, estavam claramente a caminho dos 5% até meados de maio, com “viés de baixa” se houvesse um cenário de calmaria econômica.

No campo creditício, por sua vez, há que registrar, como elemento-chave da análise, que, no caso das famílias, o seu endividamento, conforme dados do Banco Central, expresso como proporção da renda acumulada em 12 meses, caiu de 46% em 2015 para um pouco menos de 42% atualmente, o que provavelmente deverá ensejar uma redução do comprometimento da renda com o seu pagamento, em razão do processo de redução da taxa de juros.

Em resumo, se o conjunto de sinais acima expostos fosse confirmado nos próximos meses, nós poderíamos ter começado uma recuperação consistente do nível de atividade. Por causa do efeito estatístico da trajetória de 2016 sobre a produção média de 2017, isso ainda não seria suficiente para aspirarmos a ter um bom número do produto interno bruto (PIB) em 2017, mas, se a partir do quarto trimestre deste ano a economia crescesse a um ritmo médio entre 0,7% e 0,8% ao ano (2,8% a 3,2% anualizados), assumindo um crescimento trimestral de 0,2% no segundo e no terceiro trimestres, em 2018 o Brasil poderia crescer entre 2,5% e 2,8%.

Foi nesse contexto que o País foi sacudido pelos acontecimentos de meados de maio, com os fatores de incertezas que se seguiram afetando, ao menos temporariamente, as chances de aprovação da reforma previdenciária, no conturbado cenário político de Brasília. Agora há risco de o movimento de recuperação iniciado com muitas dificuldades ser prejudicado. Por isso, para resgatar as condições de aprovação de reformas fundamentais e salvar o crescimento de 2018, é essencial que a crise política seja equacionada e o País recupere um horizonte razoável de previsibilidade. Sem isso poderemos deixar para o próximo ano um carry over muito modesto, o que, depois de quatro anos de crise, seria extremamente frustrante.

*Economista

Com crise ou sem crise - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 06/06

O País parece condenado, com ou sem troca de governo, a um crescimento medíocre


A enorme incerteza gerada pela crise política, desde a delação contra o presidente Michel Temer, quase se reduz a um detalhe – negativo, mas ainda assim um detalhe – quando se examinam as projeções para a economia brasileira nos próximos anos. O País parece condenado, com ou sem substituição do atual governo, a um crescimento medíocre, acompanhado de inflação acima dos padrões internacionais e de juros desanimadores. Os cenários desenhados pelos economistas do mercado ficaram só um pouco mais feios depois de 17 de maio, quando começaram as novas pressões contra o presidente. Pouco mudaram, de fato, e esse ponto já deveria inquietar qualquer pessoa razoavelmente atenta, mesmo numa situação de menor turbulência política.

A quase repetição das principais projeções ficará mais clara com um exame dos números. A inflação ficará em 3,90% neste ano, 4,4% no próximo e 4,25% em 2019, segundo o relatório Focus distribuído ontem. Aqueles números correspondem à mediana das projeções coletadas em consultas a cerca de cem instituições financeiras e consultorias.

As estimativas para o crescimento econômico ficaram, para os mesmos três anos, em 0,50%, 2,40% e 2,50%. Para o câmbio em relação ao dólar os cálculos indicaram R$ 3,30, R$ 3,40 e R$ 3,47. No caso da taxa básica de juros, a Selic, a pesquisa apurou 8,50% no final de cada um dos anos.

Houve pequenas variações nesses números, durante um mês. Há quatro semanas, a inflação estimada para o ano era de 4,01%, o câmbio final para 2017 estava em R$ 3,23 e o crescimento esperado para o Produto Interno Bruto (PIB) era de 0,47%. Mas a mediana das projeções da Selic já era de 8,50% e as demais estimativas também pouco mudaram para os próximos dois anos.

Se as estimativas de crescimento fossem as de um país desenvolvido, os brasileiros poderiam ficar razoavelmente tranquilos. As perspectivas seriam de moderada prosperidade e de apreciável aumento do PIB por habitante, porque a expansão populacional seria muito próxima de zero em cada ano, se chegasse a ser positiva. Mas o País é emergente, com muita gente ainda pobre e mal começou a sair da pior recessão registrada em sua história. Além disso, os demais componentes do quadro apontam uma economia distante de qualquer estabilidade ou de normalidade pelos padrões internacionais.

Com ou sem crise política, a inflação tem sido projetada, há muitas semanas, na faixa de 4% a 4,5% nos próximos anos. Isso bastaria para explicar por que se mantém a expectativa de juros básicos de 8,50% até 2019, com pouca ou nenhuma variação a partir daí. Mas a história vai além da expectativa da inflação e da permanência de forte restrição ao crédito.

A persistência da inflação, nas projeções do mercado, está obviamente associada à continuação de pressões sobre os preços. O fator mais evidente é o desajuste das finanças públicas. Apesar do empenho exibido até agora pelo governo do presidente Michel Temer, e também de alguns avanços, pelo menos dois fatores negativos devem pesar nas contas dos economistas. Um deles é a incerteza quanto à aprovação e à implementação de reformas indispensáveis, especialmente a previdenciária. Essa incerteza deve ser hoje maior do que há algumas semanas, por causa da nova crise política, mas já era considerável. Sem dados mais seguros sobre as possibilidades de aprovação do projeto, ninguém poderá, de forma responsável, incorporar em suas projeções qualquer efeito positivo da mudança previdenciária. O outro fator é o próprio ritmo do ajuste fiscal. Cada novo arranjo orçamentário tem sido e deve continuar sendo trabalhosamente negociado. Não há por que imaginar, nos próximos meses ou anos, um Congresso mais comprometido com a saúde financeira do Estado e com o bom uso do dinheiro público.

Não há como imaginar juros estruturais – compatíveis com um crescimento econômico sem desajustes – menores que os de hoje. A taxa básica elevada é consequência. A crise é um complicador de um problema de raízes mais amplas.