ESTADÃO - 03/06
FHC é o único capaz de produzir uma resposta positiva imediata entre os agentes econômicos
Mais uma crise política se arrasta em Brasília, acompanhada de longe por 14 milhões de desempregados e suas famílias. Crise produzida e turbinada por uma inacreditável comédia de erros. Com o elenco de que hoje dispomos, a propalada “robustez” do nosso script institucional mais parece uma profunda anemia.
Nesse festival de imperícias, o primeiro ponto a destacar é o inacreditável indulto concedido pelo ministro Luís Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF) e pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, aos irmãos Joesley e Wesley Batista. Como compreender que Marcelo Odebrecht esteja preso há quase dois anos em Curitiba enquanto os dois irmãos gozam as delícias de Nova York? A disparidade de tratamento é gritante, escandalosa, inexplicável. Lépida e fagueira, a dupla levou tudo. Até o barquinho se foi. Na perversa trama da crise que estamos vivendo, o que a Justiça sofre não é só um arranhão. É um dano considerável em sua imagem, uma perigosa perda de altitude, justamente quando o País mais precisa de sua autoridade arbitral.
Outro erro crasso de Fachin e Janot foi trazer a público o conteúdo da gravação de Michel Temer feita por Joesley sem antes submetê-la à perícia policial. Esse erro, agravado pela má qualidade da gravação e pela possibilidade de ter ela sofrido adulterações, passou a ser a viga mestra da linha de defesa do presidente Temer. Daí a avaliação aparentemente consensual de que ele, Temer, tenha ganho uma sobrevida. Para isso também contribuem, a julgar pelo noticiário, os indícios (tênues) de recuperação da economia e, com mais força, a falta de um nome de consenso – um candidato natural – para a eventualidade de a sucessão vir a ser decidida pelo Congresso, nos termos do artigo 81 da Constituição.
A questão, entretanto, é mais complexa. Desta vez, a nunca assaz louvada perspicácia política do presidente Temer parece havê-lo abandonado. Como explicar que um presidente da República receba na residência oficial, numa hora já avançada, sem testemunhas, um empresário de tão discutível reputação? Sem esquecer que Joesley Batista não se identificou na portaria nem passou pelos controles fotográficos ou eletrônicos atualmente rotineiros nas mais variadas organizações. Esses fatos tisnam em certa medida o estrito legalismo da defesa, ou seja, seu apego aos defeitos da gravação e à não realização da indispensável perícia. Essa contraposição entre a árvore (a fita não periciada) e o bosque (as circunstâncias do encontro no Palácio do Jaburu) poderá pesar na decisão sobre a chapa Dilma-Temer que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) começará a discutir no dia 6 de junho.
Cabe, aqui, uma referência à chamada “sociedade civil”, e em particular aos empresários, grandes e pequenos. O saudoso Nelson Rodrigues certamente descreveria a manifestação deles sobre a tragicomédia que se desenrola em Brasília como “um silêncio de estourar os tímpanos”. Em 2010, como se recorda, quando a sra. Dilma Rousseff foi alçada à Presidência, a eleição foi decidida por três grandes eleitores, Lula, Marcelo Odebrecht e João Santana, donos da popularidade, do dinheiro e de uma notável capacidade de mentir por meio do que se conhece como marketing eleitoral. Embora os destinos da economia estejam em suas mãos, tudo leva a crer que os empresários se comportarão como em tantas outras oportunidades em nossa História: passarão pela cena sem dizer palavra.
Se Temer ganhar “limpamente” no TSE, a crise terá uma solução rápida, como é desejo de todos, e a recuperação econômica não será prejudicada. Mas se, para ganhar, o presidente tiver de recorrer a meios protelatórios (pedido de vista, recursos e mais recursos ao STF), o quadro será outro. A crise poderá estender-se por vários meses e o número de desempregados poderá bater em 15 milhões no começo de 2018, um ano eleitoral, e Temer terá sobre seus ombros uma parte da responsabilidade por tal desfecho.
Suponhamos, porém, que a decisão do TSE seja desfavorável ao presidente e ele aceite se afastar de imediato, abstendo-se de toda procrastinação. Iremos, então, para a eleição do sucessor pelo Congresso, como sabiamente estipula o artigo 81 da Constituição. Menciono, por dever de ofício, os artistas de esquerda que têm ido às ruas bradar por “diretas já”; esses estão em seu papel. São como os “suspeitos habituais” a que o capitão Renault, interpretado pelo ator Claude Rains, se referiu no filme Casablanca. Sem esquecer Lula e o 6.º Congresso do PT, imersos, como sempre, em seu característico ambiente de diretório acadêmico. Triste é constatar que políticos experientes como o senador Ronaldo Caiado e o deputado Miro Teixeira tenham emprestado seu prestígio a uma tese tão manifestamente extemporânea.
Ainda na hipótese de o TSE decidir contra Temer, chegamos, finalmente, ao Congresso Nacional. Uma das dificuldades desse insólito processo sucessório será, como assinalei, a inexistência de um “ungido” – um nome de consenso. Esse é outro aspecto patentemente surrealista da presente crise brasileira. Deve estar muito bem de líderes este Brasil que liminarmente descarta o nome de Fernando Henrique Cardoso. Que credenciais lhe faltam? Experiência, conhecimento dos problemas? Se os integrantes da presente legislatura tiverem ainda algum discernimento, haverão de concluir que o ex-presidente é o único nome capaz de produzir uma resposta positiva imediata entre os agentes econômicos, dentro e fora do País. Não sendo candidato em 2018 e tendo feito em 2002, quando da primeira eleição de Lula, uma transição de governo absolutamente exemplar, quem como ele poderá contribuir para a distensão dos ânimos e a normalização do processo político? Farol alto, senhores! Farol alto!
*Sócio-dretor da Augurium Consultoria, é autor de ‘Lberais e Antiliberais – a Luta Ideológica de Nosso Tempo’ Companhia das Letras, 2016)
sábado, junho 03, 2017
Diretas Já (modo Venezuela) - GUILHERME FIUZA
O GLOBO - 03/06
Os gladiadores da democracia tomaram uma dose redobrada da porção de mortadela e quebraram tudo
Essa sessão nostalgia da política brasileira foi uma grande sacada. O episódio das Diretas Já em Copacabana foi emocionante. Você se sente realmente no túnel do tempo, é muito bem feito.
Dizem que estão preparando o do comício da Central do Brasil, o da passeata contra a Guerra do Vietnã e um especial sobre o choro de Maria da Conceição Tavares no Plano Cruzado. Só épicos. Vamos aguardar.
O remake das Diretas foi lindo, só houve um mal-estar. Ao final do episódio — que teve o mesmo elenco das manifestações em defesa da quadrilha simpática de Dilma Rousseff — o cenário estava impecável. Isso não foi legal. Vitrines intactas, ônibus e orelhões idem. Falha elementar de produção, que precisará ser corrigida no próximo capítulo. A família revolucionária brasileira não aceitará essa afronta novamente.
Vida de black bloc não é fácil. Você passa uma existência sendo atiçado por freixos e caetanos, e na hora da festa deles não te deixam soltar um mísero rojão na cara de ninguém. Não é justo.
E não é só isso. A parte mais bacana, que é fustigar a boçalidade da polícia para descolar umas bombas de gás e brincar de “Os dias eram assim”, também foi cortada.
É duro ter o seu talento dramático cerceado a esse ponto, e terminar na praia dançando música de protesto. Mas um guerreiro tem que estar preparado para as provações mais duras. Caminhando e cantando e seguindo o cifrão.
O que ninguém pode negar é que, antes dessa genial sacada dramatúrgica, a vida nacional estava caminhando para o marasmo. Inflação e juros caindo, níveis de risco idem, Petrobras saindo das emocionantes páginas policiais para a entediante seção de economia, reformas sendo tocadas por aqueles nerds que fazem tudo certinho e não são candidatos a nada. Uma chatice.
Graças a Deus surgiram roteiros decentes, como a escapada espetacular dos bilionários irmãos Batista para Nova York, depois de uma conversa franca e patriótica com o companheiro Janot. A emoção está de volta.
Morreu mais um pintinho esta noite. A mensagem cheia de compaixão pode parecer linguagem cifrada, neste mundo mau. Mas é verdadeira, porque ainda existe gente com sentimentos, capaz de se importar com os animais. O mensageiro da dor, no caso, é o caseiro do sítio de Atibaia, que não é do Lula. Essas coisas o fascista Moro não vê.
A mensagem sobre a morte no galinheiro foi enviada ao Instituto Lula — e aí as lágrimas brotam: um homem que foi presidente da República se importar com a vida de um pintinho, num sítio que nem é dele... É de cortar o coração.
Hoje sabemos que Lula não se importava só com os pintinhos. Preocupava-se muito com as vaquinhas. Foi por isso que ele mandou o BNDES — um banco até então sem a mínima sensibilidade para com os animais — ajudar na causa, depositando alguns bilhões de reais nas boiadas certas.
Não se pode confiar na Justiça terrena (como se vê pela perseguição implacável a este homem bom), mas a justiça divina não falha: mesmo após a delação demolidora de João Santana (quem se lembra disso?), Lula e Dilma estão em paz, assistindo de camarote ao bombardeio ao inimigo. Deus ajuda quem ajuda os animais.
A falha imperdoável de produção no remake das Diretas Já em Copacabana, felizmente, não ocorreu em Brasília. Ali sim, o episódio da série foi perfeito.
Aqueles ministérios que passaram 13 anos emocionando o Brasil — num enredo eletrizante protagonizado por Erenice Guerra, José Dirceu, Paulo Bernardo, Gleisi Hoffmann e grande elenco — andavam às moscas. Ultimamente, viam-se servidores públicos administrando e até obtendo resultados socioeconômicos — praticamente uma morte em vida.
Aí os revolucionários do povo perderam a paciência que tiveram nesses 13 anos dourados e cercaram a Esplanada. A direção de cena dessa vez foi impecável: os gladiadores da democracia tomaram uma dose redobrada da porção de mortadela e quebraram tudo. Foi bonito de se ver.
O Verissimo até falou que o Exército na rua lembrou a vida em 64! Viram como não é difícil produzir direito?
Dizem que no sensacional episódio “Brasília em chamas” a técnica de produção foi toda venezuelana. É possível, sabendo-se que a junta democrática que está tentando tomar o poder na mão grande (mas sem perder a ternura) inclui simpatizantes de Nicolás Maduro, conhecido como Senhor Diretas (no queixo).
Aliás, se no próximo episódio o pessoal substituir a MPB pela guarda chavista, as Diretas Já passam na hora — não precisa nem de voto.
O Brasil está mudando para melhor. Na época da Dilma era um drama para o Supremo autorizar investigação dos mandatários — mesmo com as obras completas da Lava-Jato transbordando sobre as divinas togas. A denúncia já vinha amortecida, ficava lá estacionada na sombra, e o Brasil ainda tinha que ouvir o despachante Cardozo chorando inocência. Agora, não: Janot mandou, Fachin homologou. Primeiro mundo.
Vai nessa, Brasil. Sem medo de ser feliz. Mas anda logo, que agora o país saiu da recessão (volta, Dilma!) e daqui a pouco vai ficar mais difícil ganhar no grito.